O revolucionário da ordem (ciência política e especificidade da América Latina em Oliveiros S. Ferreira)


O objetivo desse texto é apanhar determinadas características do pensamento político de Oliveiros S. Ferreira - especialmente sua concepção de Ciência e Sociologia Políticas e sua percepção da especificidade da América Latina - e situá-las em relação tanto ao “pensamento radical de classe média” que prevaleceu em sua alma mater - o prof. Oliveiros é da segunda ou terceira geração de brasileiros que, herdeiros da missão francesa, deram vida às ciências sociais e à reflexão sobre a política na Universidade de São Paulo -, como à elaboração analítica com a qual, a meu juízo, mantém afinidades eletivas, a de Oliveira Vianna.

Tratando-se da personalidade polêmica que é, devo começar esclarecendo que não conheci o Oliveiros de antes de 1964. Havia por certo lido um ou outro texto sobre o “Sistema” e o “Partido fardado” e sobretudo o artigo que Roberto Schwarz e Rui Fausto publicaram nos idos de 1968 na extinta revista Teoria e Prática. Ignorante da petit histoire pregressa, estranhei a ausência de referência aos seus textos na manifestação cristalizadora da “ideologia paulista” que é Ideologia da Cultura Brasileira, de Carlos Guilherme Mota. Não posso dizer que foi um bom começo. O primeiro contato real que com ele tive foi em setembro de 1973, quando do golpe contra o presidente Salvador Allende. O Centro Acadêmico da época promovera um debate no calor da hora. Aluno da pós-graduação da Filosofia, eu era um recém chegado a São Paulo e à Faculdade, e assistia fascinado aquela figura estranha na qual era ostensiva a capacidade de suscitar controvérsia e nas duas direções: na contramão da massa de estudantes que ali acorrera, mas também no empenho, algo desesperado, de manter acesa a chama do uso público da razão, num momento em que a direita militar - da qual supostamente era o representante - exultava com a enfim consumada paz dos cemitérios.

Um segundo momento é o lançamento de seu livro sobre Gramsci, em 1986. Na ocasião meu amigo Carlos Nelson Coutinho havia publicado na Folha de S. Paulo uma dura resenha de Os 45 Cavaleiros Húngaros. Acho perfeitamente compreensível que Carlos Nelson tenha se chocado com aquela leitura bastante heterodoxa do pensamento de um autor do qual ele tem sido o mais brilhante intérprete no Brasil, e certamente tem razão quando diz que a leitura de Oliveiros tem mais a ver com Durkheim do que com Gramsci, ou que não se sabe se aquilo é uma leitura de Gramsci ou um uso de Gramsci a serviço de um outro tipo de pensamento. Pouco importa, o fato é que o livro era muito instigante e merecia ser examinado nele mesmo, para além da preocupação canônica ou ideológica. Mais incomodado fiquei porque ele elogiava como bons recepcionistas do pensamento gramsciano personalidades de esquerda cuja influência intelectual, então avassaladora, eu considerava nefasta. Se não estou misturando lembranças, devo ter dito ao meu amigo que aquele adversário ideológico que ele criticava era acadêmica e intelectualmente mais próximo de nós, comunistas da espécie paulista, do que os “aliados” filosóficos que invocava.


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Gildo Marçal Brandão
gmb[arroba]usp.br


 
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