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3. Introdução

Admite-se que cerca de 20% das crianças em idade escolar apresentem algum transtorno da visão e em torno de 500.000 fiquem cegas anualmente, no mundo(1). A baixa visão apresenta uma prevalência cinco a sete vezes maior nos países pobres, quando comparada com os países ricos(2). Mais de 90% dos casos de cegueira em menores de 16 anos de idade são registrados nos países pobres(3).

Devido ao rápido crescimento e desenvolvimento do aparelho ocular, a criança apresenta maior vulnerabilidade aos distúrbios visuais. O comprometimento da saúde ocular representa um importante inibidor do desenvolvimento da criança, com potencial para cursar com seqüelas na vida adulta. Quanto mais tardia a detecção dos distúrbios visuais na infância, mais graves as seqüelas(1-2). Dessa forma, ações preventivas ou de diagnóstico e recuperação precoces das afecções visuais na infância, representam grande impacto na área da saúde coletiva(4-5).

Mais da metade dos agravos à saúde ocular, com o conhecimento e a tecnologia existente hoje nessa área, poderiam ser prevenidos ou adequadamente tratados(1). Por essa razão é importante a implantação de programas de promoção e prevenção da saúde ocular, especialmente nos países pobres. Desde a década de 70 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica ações promocionais e preventivas em saúde ocular com o intuito de reduzir o índice mundial de "cegueira evitável" e baixa visão(4).

Como requisito para o desenvolvimento de programas em saúde pública que visem a prevenção da cegueira e da incapacidade visual, a promoção da saúde ocular, a organização da assistência oftalmológica e a reabilitação de deficientes visuais, deve-se conhecer a distribuição geográfica das afecções oculares mais comuns na infância. No Brasil, em especial na região Nordeste, são escassos os dados referentes às causas mais comuns de deficiências visuais na infância. Dessa forma, foi objetivo do estudo descrever os distúrbios visuais na população de baixa renda assistida em um hospital pediátrico do Nordeste do Brasil.

4. Métodos

Realizou-se um estudo descritivo no Serviço de Oftalmologia do Hospital Geral de Pediatria (HGP) do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), localizado em uma das áreas mais pobres da cidade do Recife (PE, Brasil), e teve como população-alvo a clientela de faixa etária de 0 a 15 anos atendida no período de fevereiro a outubro de 2001. O HGP do IMIP é atualmente o maior hospital pediátrico da região Nordeste com cerca de 800 atendimentos diários à população infantil carente da região. A amostra calculada foi representativa da clientela assistida no Serviço de Oftalmologia (média de 40 atendimentos diários para a faixa etária estudada), com um nível de confiança de 95% e um erro de estimação de 0,05.

As crianças foram admitidas à pesquisa através da seguinte forma: a cada turno de atendimento, eram selecionados os pacientes que apresentavam, por ordem de chegada, registro de número par. Antes da aplicação dos questionários, as mães ou acompanhantes das crianças eram informadas sobre os objetivos do estudo, só participando aquelas que concordavam e forneciam o consentimento por escrito. Todos os pacientes atendidos no Serviço de Oftalmologia foram encaminhados pelos médicos pediatras do HGP/IMIP.

O diagnóstico foi estabelecido, em todos os casos, pelo médico oftalmologista, de acordo com o capítulo VII da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, décima revisão (CID – 10).

O exame oftalmológico constou do exame externo e da pupila, motilidade ocular, determinação da acuidade visual, biomiocrospia, oftalmoscopia e tonometria.

Em relação a análise estatística, os dados categóricos foram resumidos e apresentados em tabelas de freqüência absoluta e relativa. Os dados contínuos foram resumidos e apresentados através de média e desvio padrão.

5. Resultados

Das 388 crianças estudadas, 52 (13,4%) apresentaram o exame visual normal. Das 336 analisadas, 51,0% eram do sexo masculino e 49,0% do sexo feminino, sendo a idade média de 3,5 anos (DP = 1,0). Da clientela estudada, 66,4% eram procedentes da região metropolitana do Recife, 19,0% da Zona da Mata, 10,0% do agreste e 4,6% do sertão do estado de Pernambuco.

A maioria 215 (63,9%) apresentou transtorno dos músculos oculares, do movimento binocular, da acomodação e da refração (Tabela 1).

Dentre os transtornos dos músculos oculares, do movimento binocular, da acomodação e da refração (H49 – H52), o estrabismo foi o mais encontrado (34,9%) (Tabela 2).

Quanto aos transtornos da conjuntiva (H10 – H13), detectados em 34 crianças (9,8%), conjuntivite foi o diagnóstico mais freqüente (94,2%). Foram observados ainda uma criança com dermolipoma (2,9%) e outra com corpo estranho (2,9%).

Em relação as desordens da pálpebra, do aparelho lacrimal e da órbita (H00 – H06), diagnosticados em 33 crianças (9,6%), os quadros infecciosos foram os mais comuns (42,4%): terçol, blefarite, calásio e celulite palpebral. Outros diagnósticos observados foram: ptose (21,4%), obstrução do canal lacrimal (15,2%), hemangioma palpebral (6,0%), escoriação e coloboma da palpebral (15,0%).

Quanto aos transtornos da coróide e da retina (H10 - H36), detectados em 17 (4,9%) crianças, observamos uma maior freqüência de retinopatia da prematuridade (47,1%), seguida de corioretinite (29,4%) e retinoblastoma (23,5).

Dos transtornos do cristalino (H25-H28), detectados em 13 crianças, 11 (84,6%) foram por catarata congênita e 2 de catarata pós-traumática (15,4%).

Foram detectados os seguintes transtornos da esclerótica, da córnea, da íris e do corpo ciliar (H15 – H22): opacificação, abrasão ou corpo estranho na córnea (55,5%) e iridociclite (44,5%).

Das 9 crianças diagnosticadas portadoras de glaucoma (H40), 5 (55,5%) eram portadores da forma congênita (Q15.0). Quanto aos transtornos visuais e cegueira (H53-H54), foram, detectados 2 casos de palidez de papila, 1 caso de cegueira e 1 caso de baixa visão a esclarecer. Em relação aos transtornos do globo ocular, foi diagnosticado 1 caso de atrofia ocular (H44.4).

6. Discussão

Verificamos que 13,4% das crianças encaminhadas ao Serviço de Oftalmologia pelo médico acompanhante, apresentavam o exame ocular normal. Apesar de ser desejável que toda criança tenha a sua visão avaliada, ressaltamos que para a maioria dos pré-escolares e escolares aqui estudados, o motivo do encaminhamento foi para avaliação da queixa de dor de cabeça. É bem conhecido que as causas visuais, especialmente os erros refrativos, não são causas freqüentes de cefaléia na infância(6-7).

Os erros refrativos foram diagnosticados em mais da metade da casuística estudada (65,1%). Os erros de refração e o estrabismo são as causas mais comuns de ambliopia que atinge entre 2 a 5% das crianças nos países ricos(8). A ambliopia pode tornar-se irreversível quando detectada em crianças acima de 7-8 anos de idade(9), o que faz com que o seu tratamento mais eficaz seja o diagnóstico precoce. Em relação aos países pobres, existem poucos dados sobre a prevalência desses distúrbios visuais na infância. Schmiti e cols no Brasil (2001), detectaram ambliopia em 1,7% e estrabismo em 0,8% em crianças de 6 a 12 anos(10). Estudo na Índia observou que 5,1% dos escolares tinham uma acuidade visual inferior a 6/12 no olho de melhor visão(11). Em Botswana, um inquérito em escolares mostrou que 1,5% das crianças tinham uma acuidade visual menor que <6/18 no melhor olho devido a erros de refração(12). No mínimo 2000 crianças / milhão apresentam erros de refração maiores que –1,00D nos dois olhos(9). Quanto aos tipos de erros de refração mais freqüentes, nossos resultados foram semelhantes (veja tabela 2) aos encontrados por Moore (2001), estudando pré-escolares nos EUA: miopia (6,0%), hipermetropia (15,4%), astigmatismo (12,0%) e associações de erros de refração em 27,4%(12).

Em estudo realizado no IMIP em 1991, um grupo de pediatras, aplicando o teste da acuidade visual através da escala optométrica de Snellen, verificaram em escolares atendidos no ambulatório, alterações da acuidade visual em 13% deles(13). Nesse estudo, foi observado que apenas 18% dessa clientela já havia se submetido a exame oftalmológico. Tanto a "US Preventive Services Task Force" como a "American Academy of Pediatrics" recomendam testes de triagem, para todas as crianças na faixa etária entre os 3 a 4 anos, para ambliopia e estrabismo(8).

Os transtornos da conjuntiva e da pálpebra (20%) foram os diagnósticos mais freqüentes após os transtornos dos músculos oculares, do movimento binocular, da acomodação e da refração. Dentre as afecções, predominaram os quadros infecciosos (conjuntivite, terçol, calásio, celulite de pálpebra), que na maioria das vezes podem ser bem conduzidas pelo médico generalista bem preparado(14).

Quanto aos transtornos da coróide e da retina, a retinopatia da prematuridade foi o mais observado. Vale ressaltar que o IMIP, por se tratar de um serviço de referência para a região, apresenta uma demanda elevada de prematuros e de recém-nascidos de muito baixo peso, sendo rotina todas essas crianças terem um seguimento oftalmológico. A incidência da retinopatia da prematuridade é em torno de 47% em prematuros com peso entre 1.000 a 1.250 g(8).

A maioria das crianças portadoras de catarata, apresentavam a forma congênita. A catarata na infância é freqüentemente determinada por infecção congênita (rubéola, sífilis, citomegalovírus, toxoplasmose, herpes simplex), sendo as duas primeiras ainda freqüentes em nosso meio(2-3).

Apesar de não estudarmos crianças cegas, não encontramos casos de hipovitaminose A, oncocercose ou tracoma, causas de cegueira descritas como importantes em nossa região(15). Para Kara-José e cols(16), essas afecções não são causas comuns de cegueira no Brasil. No estudo de Brito & Veitzman(17), as causas mais freqüentes de cegueira foram o glaucoma congênito, a retinopatia da prematuridade, a rubéola, a catarata e a rubéola congênita. Vícios da refração, catarata, glaucoma, retinopatia diabética, degeneração macular senil e retinopatia da premnaturidade, são apontadas por Temporini(16), como as principais causas de cegueira na América Latina.

A investigação da prevalência das causas de disfunção visual permite um melhor planejamento de programas oftalmológicos preventivos. A identificação precoce dos problemas oculares na criança, como os erros de refração, o estrabismo, contribuem para a prevenção dos danos permanentes à visão binocular. Acreditamos que nossos resultados enfatizem a necessidade do desenvolvimento de programas de triagem visual para crianças em nossa região.

7. Conclusões

Os distúrbios visuais são comuns nas crianças carentes, sendo os erros de refração e o estrabismo os mais observados na casuística estudada, o que justifica programas de triagem na população infantil de baixa renda.

8. Referências

1. Foster A, Gilbert C. Epidemiology of childhood blindness. Eye. 1992;6(Pt 2):173-6.

2. Bischh F. Analisis epidemiológico de la ceguera. Arch Child Oftal. 1995;52: 55-70.

3. Thylefors B. Situación mundial de la ceguera. Bol Sanit Panam 1995; 119:179-82.

4. World Health Organization. Strategies for the prevention of blindness in national programmes. 2nd ed. Geneva; 1997.

5. Sperandio AMG. Promoção da saúde ocular e prevenção precoce de problemas visuais nos serviços de saúde pública. Rev Saúde Pública 1999;33:513-20.

6. Linder SL, Winner P. Pediatric headache. Med Clin North Am 2001;85: 1037-53. www.bireme.br

7. Forsyth R, Farrel K. Headache in childhood. Ped Rev. 1999;20:39-45.

8. Mills MD. The eye in childhood. Am Fam Physician. 1999;60:907-18.

9. Kemper AR, Margolis PA, Downs SM, Bordley WC. A systematic review of vision screening tests for the detection of amblyopia. Pediatrics 1999;104(5 Pt 2): 1220-2. www.bireme.br

10. Schmiti RB, Costa VP, Gregui MJF, Kara-José N, Temporini ER. Prevalence of refractive errors and ocular disorders in preschool and schoolchildren of Ibiporã – PR, Brazil (1989 to 1996). Arq Bras Oftalmol. 2001;64:379-84.

11. Kalikivayi V, Naduvilath TI, Bansal AK, Dandona L. Visual impairment in school children in Southern India. Indian J Ophthalmol 1997;45:129-34. www.bireme.br

12. Moore BD. Refractive error rates in African American preschoolers [abstract]. In: The 128th Annual Meeting of APHA. Disponível em: URL: http://www.apha.confer.com/apha/128am/techprogram/paper–8337.htm

13. Alves JGB, Cavalcanti HDO, Dantas EF, Cavalcanti ACA. Acuidade visual em escolares atendidos no ambulatório do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP). Rev IMIP. 1991;5:38-40.

14. Pasmanik S. Afecciones oculares más frecuentes. In: Meneghello J, Fanta E, Martínez AG, Blanco O. Pediatría práctica en diálogos. Argentina: Panamericana; 2001.

15. Simmons WK. Xerophthalmia and blindness in Northeast Brazil. Am J Clin Nut 1976;29:116-22.

16. Kara-Jose N, Almeida GV, Arieta CEL, Araújo JS, Becgara SJ, Oliveira PR. Causas de deficiência visual em crianças. Bol Oficina Sanit Panam 1994;97: 405-12.

17. Brito PR, Veitzman S. Causas de cegueira e baixa visão em crianças. Arq Bras Oftalmol 2000;63:49-54. www.bireme.br

18. Temporini ER. Promoção da saúde ocular. Arq Bras Oftalmol 1999;62:82-4. www.bireme.br

Raquel Costa AlbuquerqueI; João Guilherme Bezerra AlvesII - joaoguilherme[arroba]imip.org.br

IProfessora de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP) IIProfessor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE; Coordenador do Mestrado em Saúde Materno-Infantil do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP).



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