AUDIT identifica a necessidade de interconsulta específica para dependentes da álcool no hospital ge (página 2)

Frente ao exposto podemos notar uma congruência entre a literatura internacional, a os dados encontrados no Brasil. No entanto várias questões permanecem sem resposta em primeiro lugar, como explicar esta relativa diferença de prevalência entre os estudos, onde o aspecto metodológico não pode ser negligenciado pois cada pesquisador acaba utilizando questionários diferentes a adotando critérios diversos na definição do nível de consumo de álcool a ser considerado como problema; em segundo lugar, o que deveria ser feito com essa alta prevalência de pacientes com problemas relacionados ao consumo de álcool que procuraram assistência no hospital geral. Uma possibilidade seria de que todos os médicos que trabalhassem neste local fossem capazes de identificar a aconselhar eficientemente este tipo de paciente. Mas vários estudos mostraram a baixa identificação destes pacientes pelos clínicos, bem como a falta de motivação para o aconselharnento^(12-14). Uma altermativa à intervenção no hospital geral como um todo seria a avaliação de setores que apresentariam taxas de prevalência maiores a que eventualmente poderiam beneficiar-se de uma intervenção localizada quer seja quanto ao diagnóstico, quer seja quanto ao tratamento a orientação propriamente ditos. Constatada a existência de enfermarias com prevalências muito maiores do que as demais, a organização de um serviço de interconsulta específica para os problemas relacionados com o use de álcool poderia ser uma estratégia válida.

O presente trabalho tem como objetivos:

1. utilizar um questionário desenvolvido pela OMS, com o intuito específico de screening para problemas relacionados com o use de álcool bem como dependência (AUDIT - The Alcohol Use Disorder Identification Test), para avaliar as taxas de prevalência no hospital geral;
2. avaliar as diferentes taxas de prevalência em cada enfermaria desse hospital;
3. discutir as implicações em termos de estratégias de organização de serviços para esses pacientes.

O estudo foi feito no Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, nos dias 5 e 6 de julho de 1995, contando na ocasião com 512 leitos. Do número total de leitos nesta data, foram abordados 69,8% dos internos nas enfermarias da Psiquiatria, Retaguarda, UTI, Ortopedia, Gastroenterologia, Propedêutica, Cardiologia, Urovascular, INPSapto, Otorrino, Oftalmologia, Neurologia, Ginecologia/Obstetrícia, DIPA (doenças infecto-parasitárias adultas), Diálise/TX Renal, Hemato/Endócrino a Pneumologia. Mostraram-se impossibilitados física e/ou psiquicamente em participar do estudo 20,8% dos internos, 7,6% possuíam idades inferiores a 16 anos a 1,8% recusaram a participação. Ocorreu a exclusão das enfermarias de Pediatria, DIPI (doenças infecto-parasitárias infantis), Cirurgia a UTI Pediátrica, Berçário a Pronto-Socorro da Pediatria, por atenderem essencialmente a população infantil e o Pronto-Socorro Geral, devido às condições clínicas dos pacientes que dificultariam a entrevista.

A entrevista foi realizada no próprio leito do paciente por 9 entrevistadores treinados, com duração aproximada de 10 minutos, contendo perguntas com respostas fechadas de múltipla escolha . A primeira parte constava de dados sócio-demográficos. A segunda parte avaliava o consumo de álcool (destilados, vinhos a cerveja) através do AUDIT, que abordou o padrão de consumo a suas conseqüências nos últimos 12 meses⁽¹⁵⁾, através de 10 questões que incluíam três itens sobre o use de álcool, quatro sobre dependência a três sobre problemas decorrentes do consumo⁽¹⁶⁾ com uma duração aproximada de 5 minutos e escores que vão do 0 ao 40. A pontuação igual ou superior ao escore 8 indicaria a necessidade de um diagnóstico mais específico. A literatura mostrou a validação do AUDIT com uma sensibilidade de 92% a especificidade de 93%⁽¹⁸⁾. Foi acrescido ao AUDIT quatro questões em que foram avaliadas a freqüência, a quantidade e a duração do consumo anterior ao último ano a uma questão sobre á procura de tratamentos decorrentes do abuso de álcool.

O AUDIT trata-se de um screening criado pela Organização Mundial de Saúde em meados de 1980 com o objetivo de identificar bebedores de risco no ambulatório geral, medindo consumo, sintomas de dependência, e conseqüências pessoais a sociais do beber (Anexo).Os itens referem-se aos efeitos do beber, sendo alguns destes similares ao CAGE a MAST, com a diferença que os escores são avaliados em ternos de ausência ou presença.

No que se refere à população estudada, a média da idade foi 44,26 com desvio padrão de 17,53, prevalecendo indivíduos casados a amasiados (59,3%), com escolaridade de 1° grau (67,2%), tendo como ocupação: aposentados, estudantes entre outros (36,4%) a com renda familiar em tomo de 1 a 5 salários mínimos (61,4%). O quadro 1 apresenta esses dados em maiores detalhes a divididos em relação ao sexo.

Dos 275 pacientes entrevistados, 34 obtiveram AUDIT positivo que equivale a 12,4% da amostra, sendo que observou-se maior freqüência nas enfermarias de Gastroenterologia (N=11 ou 25,6%) a Propedêutica (N=5 ou 15,6%). Do número obtido, apenas 4 (2,85%) casos eram femininos, surgindo apenas um caso na enfermaria da Hematologia a três casos na Gastroenterologia. A figura 1 mostra os dados referentes ao sexo masculino que equivale a 22,2% da amostra.

Da amostra total, 70,2% alegaram ter consumo alcoólico progresso superior ao atual, sendo que a freqüência centrou-se em todos os dias (7,3%) a uma vez ao mês (6,5%), com uma dose típica a duração aproximada de 1,4 ano. Nestes pacientes que tiveram história pregressa de consumo de álcool, 45,8% apresentaram AUDIT +.

Com relação à procura de tratamento decorrente do use de álcool, somente 2,2% efetuaram a procura anteriormente, sendo eles: AA (1,1%), Internações (0,7%), Religioso, Ambulatorial a Psicoterapia Individual a de Grupo (0,4%).

Fig. 1 - Homens con AUDIT positivos.

Para a avaliação das taxes de prevalência no hospital de forma padronizada, o AUDIT foi o instrumento adotado por identificar bebedores com consumo de risco no presente, sendo um screening com reconhecimento mundial, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (WHO). Este screening pode ser utilizado em ambulatório psiquiátrico/psicológico, hospital geral, pronto- socorro, ambulatório geral, programas de assistência social, prisões, entre outros, sendo de fácil aplicação, rápido a consistente com os critérios diagnósticos da CID -10.

Após a verificação da prevalência do consumo de álcool no hospital geral comparada com a estimativa na população geral, foi observada uma tendência de consumo dentro da média esperada de álcool. Mas com a análise dos dados por sexo, ocorreu a verificação de uma taxa de prevalência de consumo aumentada no sexo masculino: N=30 (22,2%) a rebaixada no sexo feminino: N=4 (2,85%), sendo que a literatura corrobora com dados de menor incidência de alcoolismo entre mulheres⁽¹⁹⁾. Daí a necessidade de maior atenção no consumo alcoólico entre os homens, não esquecendo que a cronicidade da doença alcoólica na mulher tem intensificação a curto prazo em termos de prejuízos físicos a sociais.

Na análise de pacientes com história pregressa de alcoolismo, 70,2% apresentaram consumo alcoólico pregresso, sendo destes 47,1% AUDIT +. Diante do exposto levanta-se dues hipóteses: 1. O paciente internado encontra-se debilitado fisicamente, fato este que o impede manter o consumo e, na atualidade, sofre as conseqüências do mesmo; 2 O questionário não foi sensível suficiente para detectar o padrão de consumo, centrando-se no presente (AUDIT) a explorando pouco o consumo pregresso (4 questões acrescidas ao (AUDIT) Frente ao fato do alcoolismo ser um dos principais problemas de saúde no Brasil a mesmo a nível mundial, o serviço de interconsulta poderia atuar nesta demanda que segue apenas para tratamento clínico, uma vez que somente 2,2% da amostra efetuou a procura por tratamento para abuso a dependência de substâncias psicotrópicas, sendo os mais utilizados AA e internações de modo geral. Estes serviços são de fácil disponibilidade em nosso meio, tanto a nível de localização quanto financeiro, acrescido ao fato do desconhecimento da população em termos de tipos de tratamento a da deficiência de atendimento no sistema de saúde. Neste contexto, a utilização do AUDIT em caráter preventivo pode trazer benefícios como:

1. A tarefa educative relacionada ao consumo abusivo; 2 A identificação da dependência; 3. Estimulação da motivação dos pacientes na mudança no hábito de beber; 4. Realização de tratamento com os bebedores de risco a com os dependentes. Tais objetivos devem ser levados em conta na implantação de um serviço de interconsulta.

Quanto à prevalência nas enfermarias, a Gastroenterologia apresentou maior incidência de casos sendo que encontramos dados na literatura sobre a prevalência de pacientes com sintomas gastrointestinais relacionados ao quadro de alcoolismo⁽²⁰⁾, e a Propedêutica por ser uma enfermaria de clínica médica geral, tuna vez que o alcoolismo pode ser enquadrado em diversas especialidades como Ortopedia, Obstetrícia, Neurologia, inclusive Pancreato-Hepáticas, entre outras. Contudo, para a implantação de um serviço de interconsulta específico para de pendências, faz-se. necessário a definição das diferentes prevalência por enfermarias, onde algumas destacam-se a nível de incidência, necessitando uma atenção focalizada, pois na maioria das internações o tratamento é finalizado com a alta hospitalar, não ocorrendo posterior encaminhamento do paciente para um acompanhamento específico para dependência Neste contexto a importância da sensibilização dos profissionais de saúde, aparelhando-os a diagnosticar principalmente o consumo abusivo, como uma forma de prevenção secundária, tuna vez que no quadro de dependência a remissão torna-se mais difícil e a prevenção terciária acaba sendo inevitável, alternativa rotineira nos atendimentos hospitalares.

Vale ressaltar que a formação dos profissionais de saúde não vem recebendo informações a treinamentos suficientes sobre dependências de um modo geral, fato que pode contribuir para o aumento do preconceito, do estereótipo negativo e o sentimento de inadequação em lidar com esse problema. Comumente são observados alcoólatras que são preteridos em UTI, convênios médicos privados e transplantes de fígado decorrentes de recaídas constantes e alto custo financeiro. Ficam as perguntas: basta o tratamento médico ou seria porque não dizer, prorrogação deste psiquiátrico? Será que os hospitais e ambulatórios de atendimento clínico têm investido de forma satisfatória no tratamento de dependentes a exemplo da área empresarial, que vem adotando a postura de recuperar o funcionário ao invés de demiti-lo? Daí a necessidade da reformulação dos programas de educação na área de dependências (ATOD - álcool, tabaco a outras drogas), contribuindo para uma nova visão deste problema de Saúde Pública Mundial.

Does AUDIT identify a specific for liaison-psychiatric intervention for alcohol dependent patients in a general hospital? In this article we discuss the importance of developing a screening program in a general hospital setting with the objective of ideating patients who are either abusing or dependent on alcohol. Subsequently these patients would be evaluated by a member at a specialized liaison service - in intervention that would complement their medical treatment.

Just such a screening procedure was introduced at the Hospital São Paulo using the WHO's AUDIT questionnaire (The Alcohol Use Disorders Identification Test). We interviewed 275 inpatients at their hospital, 49.1% of whom were man- Thirty four patients were identified as cases but the Audit questionnaire, 22.2% among male patients and 2.8% among females. Just over 28% of the total sample reported a previous alcohol consumption higher than the current one. Of these patients, 51.5% were identified as "Audit positive cases": Only 2,2% of the total sample reported hawing undergone any form of treatment for alcohol problem; AA and inpatient treatment being the commonest.

Uniterms: AUDIT; alcohol; liaison; screening hospital

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1. Psicóloga da UNIAD do Depto. de Psiquiatria da UNIFESP.
2. Enfermeira mestranda da UNIAD do Depto. de Psiquiatria da UNIFESP.
3. PhD em Psiquiatria, Coordenador da UNIAD e Docente do Depto. de Psiquiatria da UNIFESP.
4. Psiquiatra e pós-graduando do Depto. de Psiquiatria e UNIAD da UNIFESP.