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"Camelotagem" e "pirataria" (página 2)

Ivanildo Dias Rodrigues

 

São ações policiais, em conjunto, realizadas normalmente por fiscais sob ordem do Poder Público Municipal, a mando do Governo do Estado e/ou Governo Federal.

Normalmente as apreensões são resultados de denúncias feitas por representantes da Associação Protetora dos Direitos Intelectuais e Fonográficos ou empresas proprietárias de determinadas marcas de roupas ou outros produtos. Mas, o fato é que apesar dessas ações terem se intensificado nos últimos anos em diferentes lugares no mundo, no entanto o crescimento da comercialização de mercadorias pirateadas torna-se cada vez mais evidente.

Normalmente nas matérias relacionadas a esse tema, os autores fazem uma "leitura" da pirataria como um mal que vem prejudicando o desenvolvimento do país e as empresas do mercado formal de trabalho, causando prejuízos ao tesouro nacional, além de desrespeitar os direitos de propriedade intelectual e de criatividade dos autores das obras.

No entanto, a quantidade de produtos vem aumentando e sua comercialização toma formas as mais diversas, sejam na compra pela internet, nos próprios laboratórios clandestinos ou nos camelódromos que se multiplicou por várias cidades brasileiras.

Diversos produtos são passíveis de falsificação, mas, pelo que vem demonstrando nossas pesquisas os que despertam maior interesse dos falsificadores e que mais tem incomodado as empresas legalizadas e o governo tem sido a produção de Cds tanto de músicas como de jogos, seguidos das fitas de VHS e DVDs e mais recentemente a falsificação de softwares1

Do ponto de vista das relações exteriores, no que diz respeito aos acordos internacionais, o Brasil vem sendo pressionado por países dos blocos desenvolvidos, principalmente os EUA, para que haja a intensificação do combate a "pirataria". A atualidade e dimensão deste tema tem nos colocado inúmeras questões no que diz respeito a fetichização das mercadorias e sua relação com as transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho nas últimas décadas, especialmente no que diz respeito a "nova informalidade" do trabalho.

 

Mercadorias pirateadas ou não tributadas

No nosso entendimento a palavra "pirataria" traz consigo uma carga ideológica muito grande. Trata-se na verdade de mercadorias que, não passando pelo controle institucional de tributação, inclusive outras formas de controle adotadas pelo Estado, são produzidas e comercializadas muitas vezes por um conjunto de trabalhadores que estão inseridos em um contexto de precarização que atinge as mais diversas instâncias: os espaços produtivos e reprodutivos do mundo do trabalho. Por isso, se faz importante compreender essa dupla dimensão do trabalho e para isso é necessário articular cada vez mais todos os espaços produtivos e reprodutivos do trabalho.

No dizer de Alves (2004)2 , a mercadoria possui uma dimensão objetiva onde ela não se sente constrangida pelas delimitações institucionais. Portanto, o fato de uma mercadoria ser produzida no setor formal ou informal, seja pirata ou não pirata, não muda sua característica principal. Ou seja, uma mercadoria é sempre uma mercadoria, não importa se ela está nas mãos de um contrabandista ou de um comerciante atacadista. Existe uma forma de ser que é a forma mercadoria, que se impõe e que tem o seu próprio estatuto.

Para o autor o fato de uma mercadoria ser pirata, não faz com que ela mude a sua natureza, ela não deixa de ser valor de uso e valor de troca. Talvez no plano contingente, o fato de uma mercadoria ser pirata faz com que ela tenha um menor preço, por não incidirem alguns tributos e taxações, mas, isso de certo modo, no plano da dinâmica, o fetichismo da mercadoria se impõe de qualquer forma, em qualquer condição institucional e ao se impor ela oculta a sua natureza de ser produto do trabalho social.

As contribuições do autor nos coloca atentos às características da mercadoria fetichizada, assim como do trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias e também aos detalhes de difícil visualização que fazem com que a apreensão da linha que separa o trabalho informal do trabalho formal fique cada vez mais tênue, causando às vezes a impressão de essas franjas de trabalhadores informais assim como as mercadorias que comercializam parecerem um circuito deslocado ou paralelo à produção capitalista. Portanto, entendemos que devemos estar investigando as relações de fundo que estão na base, porque geralmente aparecem os elementos contingenciais, institucionais ou políticos.

Segundo Alves (2004), o segredo dessa categoria fetichismo da mercadoria é algo que está, na estrutura dessa forma de ser do produto social, naquelas condições de uma sociedade mercantil onde então ela se impõe.

O autor cita o exemplo da China, alertando para o fato de estarmos discutindo muito pouco sobre o que ocorre no país que pode ser a última fronteira de modernização em termos do sistema mundial. No dizer de Alves (2004), na China a mercadoria está com todo fulgor, ocorrendo a explosão da lógica do fetiche da mercadoria, de investimentos da produção e da exportação.

De acordo com Alves (2004), mesmo em países que tiveram uma experiência pós- capitalista, a mercadoria está se exasperando e assumindo formas as mais diversas. Formas de implicação política institucional. Porém, elas não perdem sua característica de mercadoria.

 

Considerações Finais

Concordamos com Alves (2004) quando afirma que a disjunção entre mundo da produção e da reprodução social obstaculariza a apreensão concreta da precarização do trabalho.

Mesmo sabendo que a dinâmica do sistema se dá no plano da acumulação de valor, no plano da produção, devemos atentar para o fato de que é no espaço da reprodução que o capital está instituindo os elementos mais agudos da precarização da força de trabalho, no plano da capacidade física, da capacidade espiritual, ou seja, da capacidade viva.

Nossa pesquisa tem demonstrado que o fenômeno da "camelotagem", é anterior ao fenômeno que se conhece como "pirataria". Portanto, ao que nos parece no atual estágio de nossas investigações, é que apesar da pirataria ser um fenômeno mais recente, as empresas supostamente clandestinas ou laboratórios clandestinos, vêem no conjunto dos camelôs um forte potencial de comercialização das mercadorias produzidas de forma ilegal e sem a incidência de determinados tributos.

Essas reflexões ainda carecem de aprofundamento, porém ao que parece, a pirataria não depende do trabalho dos camelôs assim como os camelôs não existem somente por conta de uma grande produção de mercadorias piratas, mas, há uma espécie de colaboração, entre essas atividades que ao funcionarem se relacionam, interagindo de forma a complicar a visualização de um fenômeno que acaba por lançar os camelôs em um contexto de discriminação ainda maior.

 

Bibliografia

  • ALVES, G. O Novo e precário mundo do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
  • ANDRADE GONÇALVES; THOMAZ JR. A Informalidade e precarização do trabalho: uma contribuição a geografia do trabalho. Scripta Nova, Revista Eletrónica de Geografia Y Ciencias sociales, Universidade de Barcelona, vol. VI, n. 119 (31), p. 12, ago. 2002.
    http://www.ub.es/geocrit/sn/sn119-31.htm
  • GONÇALVES, M. A.; SANTOS, S. C. Aspectos da economia informal em Presidente Prudente - SP. Presidente Prudente: FCT, 1995. (Relatório de Estágio apresentado ao Depto. de Planejamento da FCT/UNESP).
  • GONÇALVES, M. A. A territorialização do trabalho informal em Presidente Prudente: um estudo dos catadores de papel e dos camelôs em Presidente Prudente - SP. (Dissertação de Mestrado apresentada na FCT/Unesp, 224f, p. 5-220) Presidente Prudente, 2000.
  • MALAGUTTI, L. M. Crítica à razão informal: a imaterialidade do salário. São Paulo: Boitempo, 2000.
  • MOREIRA, R. Os períodos técnicos e os paradigmas do espaço e do trabalho. Ciência Geográfica, Bauru, v. 2, n. 16, p. 4-8, mai/ago 2000.
  • NAKATANI, P. "A questão metodológica na discussão sobre a centralidade do trabalho".
  • In: "Análise Econômica". Porto Alegre (RS), Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, v. 19, n. 35, mar. 2001.
  • RODRIGUES, I. D. THOMAZ JR., A. Informalidade e precarização do trabalho: a camelotagem em Presidente Prudente. (Projeto de iniciação científica em desenvolvimento na FCT/Unesp) Presidente Prudente, 2004.
  • SABADINI, M. S. "A economia brasileira nos anos 90: retorno ao velho liberalismo econômico" XIV ENE, Recife, (PE), 2001.
  • TAVARES, M. A. Os fios (in)visíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabaho. São Paulo: Cortez, 2004.
  • THOMAZ JR., A. Reestruturação produtiva do capital no campo, no século XXI, e os desafios para o trabalho. Presidente Prudente, 2004. (mimeogr.).
  • THOMAZ JR., A. Reflexões introdutórias sobre a questão ambiental para o trabalho e para o movimento operário nesse final de século. Revista Ciência Geográfica, Bauru, v. 2, n.16, maio. ago. p. 15 – 21, 2000a.
  • THOMAZ JR., A. Qualificação do trabalho: adestramento ou liberdade? COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GEOCRÍTICA, 2. Barcelona, 2000b, Disponível em: http:www.ub.es/geocrit/thomazjr.htm
  • THOMAZ JR., A. Por uma Geografia do Trabalho. COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GEOCRÍTICA. 4. Barcelona, 2002b. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/c4-athoj.htm
  • THOMAZ JUNIOR, A. O mundo do trabalho e as transformações territoriais: os limites da "leitura" geográfica. Ciência Geográfica, Bauru, v. 9, n.1, p. 96-103, jan/abr. 2003a.
  • THOMAZ JUNIOR, A. A (des)ordem societária do trabalho. (Os limites para a unificação orgânica). SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 2. Anais. São Paulo, 2003b.
  • THOMAZ JR., A. A Geografia do mundo do trabalho na viragem do século XXI.
  • CONGRESSO LATINOAMERICANO DE SOCIOLOGIA DO TRABALHO, 4. CD- ROM Havana, 2003c.

 

Notas

*Desenvolve pesquisa atualmente financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo): Trabalho Precarizado: A "camelotagem" em Presidente Prudente. Ingressou no curso de bacharelado em Geografia no ano de 2005 na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente Prudente. ivanildogeo[arroba]hotmail.com .

1. Os softwares são os programas, o hardware é a máquina propriamente dita, são integradas sob o comando do chip. Atualmente 61% do mercado acaba adquirindo softwares piratas. "A maioria dos regularizados são importados, e o preço do dólar encarece o produto" (Carolina L. Marzano - departamento de atividades antipirataria da Abes -Associação Brasileira das Empresas de Softwares e da ESA – Entertainment Software Association-Folha de São Paulo, 21/01/2005).

2. Depoimento de Giovani Alves professor da UNESP de Marília por ocasião da V Jornada Sobre o Trabalho organizada pelo CEGeT (Centro de Estudos de Geografia do Trabalho), realizada nos dias 09 a 10 de setembro de 2004 na FCT/UNESP de Presidente Prudente, cujo tema era: Sociedade e Trabalho no Brasil: Concertação e Emancipação Social no Século XXI. (fonte oral).

 

Ivanildo Dias Rodrigues
ivanildogeo[arroba]hotmail.com



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