A Ciência no Período de Pós Guerra

Enviado por Simon Schwartzman


Queria inicialmente agradecer ao CNPq pela oportunidade de participar deste painel. O tema que ofereceram é, evidentemente, amplo demais. Como não poderia falar sobre o cenário político-econômico social mundial em trinta minutos, resolvi utilizar essa oportunidade para discutir um pouco o contexto internacional do período pré e pós-guerra em relação à ciência e tecnologia, que me parece ser importante em relação ao que viria a acontecer no Brasil nos anos posteriores.

Gostaria de começar observando que, no período anterior à Segunda Guerra, a atividade tecnológica e a pesquisa científica tinham uma área de intersecção relativamente pequena. Havia a tecnologia da indústria tradicional, de tecido, de máquinas, etc. que era um tipo de conhecimento que havia se desenvolvido e permanecia restrito no setor industrial; e havia uma ciência que era predominantemente acadêmica: astronomia, física, botânica, etc. organizada nas Academias de Ciências ou nas Universidades. Em algumas áreas havia uma superposição, uma interpretação da ciência e da atividade aplicada, como por exemplo na indústria química ou em algumas profissões que tinham um conteúdo científico mais marcado, como a profissão médica. Essa situação muda dramaticamente com a Segunda Guerra Mundial. Na realidade, ela começa a mudar já antes, numa discussão que começa a haver na Europa a respeito do relacionamento entre a atividade científica e o Estado.

Uma parte importante dessa discussão se origina na União Soviética, onde começa a ficar consagrada a idéia de que a ciência é uma atividade que está (e deve estar) ligada fundamentalmente á atividade produtiva, como fator de produção, e isso justifica o movimento do governo soviético de tirar a ciência de seu isolamento acadêmico e colocá-la a serviço do esforço do desenvolvimento econômico e social. Estas idéias são recebidas com entusiasmo por um grupo de intelectuais ingleses, liderada por um cientista famoso, J. D. Bernal, que escreve um livro de grande impacto denominado The Social Functions of Science, ao final da década de 30; elas também chegam à França, principalmente através da família de Marie Curie, ligada historicamente ao Partido Comunista Francês. A preocupação de fazer da ciência uma atividade engajada se explica em grande parte pelo contexto da guerra, pela necessidade imperiosa de conter o avanço do nazismo. Cientistas ingleses tiveram efetivamente um papel de grande importância durante a guerra, decifrando o código secreto dos alemães, desenvolvendo o radar, e se engajando mais tarde, já nos Estados Unidos, no Projeto Manhattan, de construção da bomba atômica.

A Alemanha nazista, por sua vez usava argumentos semelhantes para colocar seus cientistas a serviço de suas atividades militares. A ciência não é uma atividade solta, argumentavam, mas deve estar ligada aos interesses da nação. A ciência tem que ser nacional, e na Alemanha daqueles anos isto significava anti-semitismo, atestados e juramentos ideológicos, filiação dos cientistas ao partido nazista, e assim por diante.

Tanto na Alemanha quanto na União Soviética, esta visão aparentemente óbvia da importância social e econômica da ciência terminou justificando arbitrariedades de todo o tipo, e, em última análise, retrocessos científicos significativos (os alemães recusavam as teorias "judáicas" da relatividade de Einstein, enquanto que os soviéticos agrediam a tudo que lhes parecia ciência "burguesa", da genética à psicoanálise. Isto explica a grande reação quanto e estas colocações em muitos círculos científicos de tradição mais liberal. No Inglaterra se dá um grande um debate entre os "bernalistas", os defensores da idéia de que a ciência é (e deve estar) intimamente ligada ao sistema social mais amplo, e o grupo talvez mais conhecido pelo trabalho de Michael Polanyi, que procura demonstrar que a atividade científica supõe a existência de comunidades independentes e autônomas, e que por isto só pode sofrer quando submetidas a injunções políticas, partidárias o econômicas.

O livro escrito por Polanyi, Personal Knowledge(1), inaugura uma linha de pensamento importante na sociologia e na filosofia do conhecimento científico contemporâneo, onde se procura mostrar que que a atividade científica não ocorre no livre espaço das idéias puras, descarnada das pessoas, nem tampouco se explica ou se entende por conceitos políticos ou sociais muito abrangentes, como os de regime político, classe social ou ideologias. ciência não pode ser en é muito importante no discurso sobre ciência, que é mostrar que a atividade científica tem como fundamentação social um grupo de pessoas da comunidade e, a partir deste grupo constrói-se um paradigma de conhecimento, que dá um embasamento intelectual a atividade do conhecimento. Thomas Kuhn, continua na mesma linha de Polanyi, desenvolvendo uma teoria sobre a natureza e as transformações dos paradigmas científicos, como fenômenos dotados de uma dinâmica própria, irredutível tanto a epistemologias abstratas quanto a contextualizações sócio-políticas ou ideológicas(2). Uma outra pessoa que escreve também nessa linha é o sociólogo americano Robert Merton, que tem um trabalho clássico escrito na década de trinta, sobre as funções sociais da ciência na Inglaterra no século XVII(3). É um trabalho que procura mostrar como a ciência surge na Inglaterra ligada a uma ética de trabalho purritana, numa concepção pãrecida com as idéias de Max Weber sobre a influência da ética protestante no surgimento do capitalismo. Mais tarde Merton elabora toda uma sociologia da ciência que tem como ponto central a análise do que se poderia denominar a ética, ou o ethos próprio dos cientistas -- a valorização do conhecimento enquanto tal, o ceticismo quanto às autoridades estabelecidas, o comunismo na distribuição dos resultados da pesquisa, e assim por diante(4)

 


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.