Desenvolvimento social e qualidade de vida: algumas perspectivas de pesquisa

Enviado por Simon Schwartzman


1. Desenvolvimento Econômico e Qualidade de Vida

Se o fim do desenvolvimento econômico é homem, é necessário poder avaliar se este fim está sendo atingido quando a economia se desenvolve, e em que medida. Existe uma conhecida correlação entre riqueza econômica e bem estar, que é bastante obvia no nível dos indivíduos e tende também a ser verdadeira no nível das nações. Daí a utilização das medidas globais de renda "per capita" como critério de avaliação genérica do bem estar de uma população dada. Mas existe uma série de limitações a este uso, umas mais triviais, derivadas da própria natureza do indicador como índice agregado, e outras mais específicas e menos óbvias. A lista destas limitações permite uma boa abertura para as necessidades de pesquisa no campo da avaliação direta da qualidade de vida. Elas são as seguintes:

a) Medidas de renda per capita, ou taxas de crescimento da renda, são valores médios, e tendem a ocultar desigualdade de distribuição. Este é um defeito intrínseco de qualquer média, a ser remediado com dados de distribuição.

b) Estas medidas ignoram variações e alterações do sistema produtivo, e por isto variações em renda indicam crescimento, e não necessariamente desenvolvimento. A solução para este problema é a utilização combinada de uma série de indicadores alternativos que se refiram à mudança de estrutura do sistema econômico; são clássicos aqui os indicadores típicos de industrialização, tais como o consumo de energia, produção e consumo de aço, etc.

c) O crescimento ou desenvolvimento econômico traz consigo problemas e tensões sociais. Esta proposição expressa a possibilidade da noção popular de que "riqueza não traz felicidade', mas vai mais além: ela sugere que o aumento da riqueza, que não é homogêneo para toda a população, pode gerar uma série de deslocamentos populacionais, desorganização de sistemas sociais previamente bem estabelecidos, crises institucionais de vários tipos, etc. A maneira mais apropriada para avaliar estas conseqüências (ou "disfunções") do processo de crescimento econômico é através de análise de correlações, em dois níveis. Primeiro, no nível individual, correlações entre riqueza e enriquecimento e medidas correntes de "stress", tais como a incidência de enfermidades de componente psicossomático reconhecido (úlceras, cardiopatias), enfermidades mentais, divórcio, suicídio, etc. Depois, em nível agregado, correlações ecológicas entre crescimento e concentração dá riqueza em certas áreas e o surgimento de problemas sociais evidentes, tais como criminalidade, desemprego, densidade populacional "excessiva" (em função de condições sanitárias, de transporte, e demais serviços urbanos), poluição e agregações dos indicadores de "stress" individual. Todas estas limitações dos indicadores de riqueza e suas alternativas não colocam em discussão a idéia fundamental de que a riqueza econômica é importante, e deve ser estimulada ao mesmo tempo em em suas possíveis disfunções (problemas de distribuição, de crescimento mal orientado, de disfunções individuais e sociais) sejam avaliadas e controladas. Os anos recentes, no entanto, começaram a colocar em dúvida esta própria idéia. Alguns dos problemas da tese do crescimento contínuo e indefinido são indicadas mais adiante.

2. Limites do Enriquecimento

a) O "gap" crescente. Desde as projeções pessimistas de Hermann Khan sobre o crescimento da economia dos países subdesenvolvidos, incluído o Brasil, em relação ao crescimento dos países mais avançados, o problema do "gap" crescente entre os mundos desenvolvido e subdesenvolvido vem adquirindo cada vez mais relevância. Exercícios aritméticos de projeção de taxas de crescimento são realizados freqüentemente, e um deles, a partir de dados apresentados pelo "Clube de Roma"(1), pode ser visto abaixo:

País

Renda em 1968 (US$)

Taxa média de crescimento 1961-8
(per capita)

Renda per capita em 2000

Brasil

280

1.6%

$440

USA

3,98

3,4%

11000

Brasil (hipótese otimista)

280

7,0%

2,335

Isto significa que, se o Brasil mantiver a taxa de crescimento anual "per capita" de 7% (o que significa 10% de crescimento bruto, menos cerca de 3% de crescimento), ainda assim a diferença com os países mais desenvolvidos, representados pelos Estados Unidos, continuará grande. Ela terá, no entanto, diminuído? Depende do ponto de vista. No exercício acima, a renda dos Estados Unidos em 1968 é 14 vezes á do Brasil, em termos "per capita", enquanto que, a vigorar a hipótese otimista, esta diferença será somente de 4,7 vezes no ano 2.000. Em termos absolutos, no entanto, a diferença aumenta de 3.700 para 8.665 dólares, com tudo o que isto significa em termos de maior poder econômico, político, militar, etc. Com o Brasil duplicando sua renda cada 10 anos, e os Estados Unidos cada 20 (que é o que significam as taxas de crescimento de 7% e 3,5%, respectivamente), só nas imediações de 2040 os dois países teriam um nível equivalente de renda, na casa dos 50 a 60 mil dólares per capita. Mantida a taxa de crescimento populacional de 3 por cento ao ano (que significa dobrar a população cada 23 anos), o Brasil teria, então, cerca de um bilhão de habitantes, o que o transformaria sem dúvida em uma potência mundial de primeira grandeza. Os Estados Unidos, enquanto isto, duplicando sua população cada 50 anos a uma taxa de 1,4%, teriam cerca de 700 milhões de habitantes, em uma posição inferior.

Resta saber se tudo isto é um mero jogo inconseqüente de números ou pode ser constituir, de forma efetiva, na base em um programa de desenvolvimento sócio-econômico e de presença internacional. É óbvio que todo este exercício está baseado na hipótese de constantes de todo tipo, desde as taxas de crescimento até o contexto interno, e não toma em consideração o problema dos "tetos" de crescimento, sejam eles os apresentados pelo Clube de Roma, abaixo referidos, ou outros. É impossível prever como será o mundo em 2.040(2), ainda que seja bastante razoável supor que o ritmo de crescimento da população e do produto industrial e agrícola dos últimos decênios não devera continuar indefinidamente. A prazo muito mais curto, parece ser bastante claro que a diferença entre os níveis de renda do Brasil e dos países mais desenvolvidos tende a aumentar em números absolutos, ainda que possa se reduzir em termos proporcionais. Não caberia, então, colocar a pergunta de se não estaríamos apostando uma corrida perdida de antemão?

b) O Clube de Roma. As teses do Clube de Roma sobre os limites do crescimento econômico em escala mundial voltaram à evidência após o recente desencadeamento da crise do petróleo. Em resumo, estas teses prevêm um limite ao crescimento espontâneo da economia mundial na forma em que ele se vinha processando ate aqui, nas cinco variáveis globais mais importantes: população, produção de alimentos, poluição ambiental, utilização de recursos naturais e produção industrial. Estas variáveis são interdependentes, e limitações no crescimento em uma delas traz conseqüências para todas as demais. As projeções indicam pontos críticos de crise dentro de 20 a 30 anos, ou no máximo no início do século XXI; mas a crise do petróleo parece sugerir que os pontos críticos podem se antecipar mais do que se supunha.

O debate produzido pelas teses do "Clube de Roma" é demasiado extenso e complexo para ser trazido aqui. De uma forma geral, discute-se seu pessimismo em relação as revoluções científicas ou tecnológicas que possam superar os limites projetados, assim como a falta de qualquer consideração de ordem política e institucional a respeito das proposições apresentadas de "crescimento zero". De qualquer forma, fica reconhecido o mérito de chamar a atenção para a gravidade e a urgência dos problemas trazidos pelo crescimento econômico ilimitado em escala mundial.

 


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