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O dom da eterna juventude (página 2)

Simon Schwartzman

 

III

O que diferencia um sociólogo americano de um europeu, sugere Merton, é o fato de que, enquanto que o americano se preocupa com a veracidade de suas afirmações, não importando muito que elas sejam triviais, para o europeu o que importa sobretudo é a sua relevância, independentemente de serem ou não verdadeiras.(15)

Esta brincadeira evidencia as profundas diferenças que existem na tradições européia e norteamericana das ciências sociais, que tem a ver com os diferentes papéis desempenhados pelos cientistas sociais nos dois contextos. Ainda que não caiba aqui uma análise aprofundada destas diferenças, é possível delinear os traços que as tornam tão diferentes.

L. L. e Jessie Bernard, na introdução de seu livro sobre As Origens da Sociologia Norteamericana,(16) indicam a existência de duas correntes de pensamento social desde meados do século XIX. Uma delas, a tradição democrática liberal, desenvolveu-se principalmente na Inglaterra, e enfatizava a importância da razão, das leis naturais, da ciência, do indivíduo, e minimizava a importância do Estado. A outra, em grande medida um produto alemão, era autoritária em caráter, enfatizando a importância da cultura, da nação, do povo, da raça e do Estado. A tradição liberal, acordo com os Bernard, é a que está na base do "Social Science Movement", a corrente da qual a sociologia norteamericana se desenvolveria.(17)

O papel do cientista social norteamericano, em seu início, pode ser visto através dos propósitos da "American Social Sciences Association", que se propunha, em 1866, a "ajudar o desenvolvimento das ciências sociais e guiar a mentalidade pública na busca dos melhores meios de promover a reforma das leis, o avanço da educação, e prevenção e a repressão ao crime, a reforma dos criminosos, o progresso da moralidade pública, a adoção de regulamentos sanitários e a difusão de princípios seguros em questões de economia, comércio e finanças"(18).

Existem pois dois papéis a serem desempenhados: um, vago, de "desenvolver as ciências sociais"; outro, muito mais específico e detalhado, que equivale a um trabalho de assistência social e reforma moral da sociedade. Somente o primeiro era acadêmico, mas que só poderia começar a adquirir alguma legitimidade quando o ideal de uma ciência social global viesse a ser substituído pelo desenvolvimento de ciências sociais diferenciadas e parciais. Uma das dificuldades da sociologia como disciplina era precisamente sua incapacidade de identificar com clareza seu campo científico específico; ela era uma disciplina residual, aquilo que permaneceu depois da separação da economia, da ciência política, da educação, da saúde pública, e assim por diante. Por isto, dizem os Bernard, a sociologia, "a sucessora mais direta da Ciência Social" do século XIX, somente conseguiu sobreviver "contentando-se quase sempre com servir humildemente no ensino de aspectos secundários e mais negligenciados dos currículos dos 'colleges'." É graças à expansão do sistema de "colleges" norteamericano que estes humildes cientistas sociais encontravam trabalho, e puderam sobreviver como grupo.(19)

O único papel social legítimo do sociólogo americano neste período, fora o de dar aulas nos "colleges" era nas áreas de serviço social e beneficiência, papéis que foram pouco sendo ocupados por outros especialistas. Os sociólogos se viram assim cada vez mais confinados às instituições de ensino, onde trataram de desenvolver uma disciplina que pudesse ser tão científica e respeitável quanto as ciências naturais ou outros ramos mais antigos das ciências sociais, e que ao mesmo tempo não os levasse às controvérsias da política, da mudança social, das características do Estado, e assim por diante. Questões como esta eram incompatíveis tanto com sua herança cultural, que as tomavam como dadas, como com a humildade de seu papel social, que não supunha que sociólogos se imiscuíssem em questões desta natureza.

A história do pensamento social europeu, e mais particularmente do alemão, é completamente diferente. A formação recente do Estado alemão, na segunda metade do século XIX, era por si só razão suficiente para atrair os cientistas sociais para os problemas do Estado, da política e da mudança histórica. Além do mais, a importância e o prestígio social de um professor alemão era incomparavelmente superior ao que um professor de "college"norteamericano pudesse chegar a ter.

As ciências sociais do continente europeu herdaram a tradição e o prestígio dos filósofos alemães, que eram vistos e se percebiam como a própria personificação do melhor que sua cultura poderia oferecer. Mesmo Weber, que tanto insistia sobre as diferenças e a separação entre os aspectos normativos e científicos do pensamento social, jamais relegou a segundo plano a participação política. Conta-se, inclusive, que ao final de sua vida ele afirmava não ter nascido para a ciência, mas para a pena e a tribuna dos oradores.(20)

Se esta caracterização é correta, o papel social do cientista social europeu exigia muito mais do indivíduo, e era muito mais ambicioso, do que o de seu colega americano. Além das responsabilidades acadêmicas, que exigiam familiaridade com a tradição filosófica, ele tinha também um papel político a desempenhar. Ele tinha que se pronunciar sobre as questões políticas e sociais de sua época, e não podia ignorar que conceitos como o Estado, a nação, a cultura, a raça, estavam de voga, devendo portanto ser abordados. O tipo de respostas que ele devia dar, tanto em seu papel acadêmico como público, criava uma gama de preocupações, e um estilo intelectual, que não poderiam ser transplantados com facilidade para outros contextos em que o lugar dos cientistas sociais era tão diferente. Não é de se espantar que esta tradição especulativa, esta referência contínua a grandes categorias e a processos históricos em fluxo, provocassem ansiedade e rejeição dos cientistas sociais norteamericanos. Não é tampouco de se espantar que a excessiva modéstia e preocupação com pequenas verdades, que Merton observava na sociologia norteamericana, criasse o mesmo tipo de rejeição e ansiedade do outro lado do Atlântico.

IV

A sociologia do conhecimento não substitui a epistemologia, e as diferenças nos papéis dos cientistas sociais nos dois contextos não nos informa sobre a qualidade das ciências sociais que eles produzem. É de qualquer forma difícil dizer, em geral, qual das duas correntes produziu resultados melhores, se a própria definição do que seja um resultado valioso depende dos valores implícitos em cada contexto. Comparações só têm sentido quando existe um consenso básico sobre o que deve ser conhecido e explicado, e sobre o que se pode entender por uma "boa" explicação.

Acreditamos que Weber e Merton se referem a diferentes paradigmas de ciências sociais, que hoje, no entanto, começam a encontrar um terreno comum. Estes diferentes paradigmas tiveram, no passado, se não uma origem comum, pelo menos pontos de contato entre seus fundadores europeus nos séculos XVIII e XIX. Eles foram separados por ênfases distintas provocadas por diferenças do contexto social, como indicamos acima. Estas diferenças de ênfase se tornaram, com o tempo, divergências de pressupostos, o que levou ao desentendimento e ao rompimento da possibilidade de comunicação.

É possível pensar, para os propósitos desta discussão, que qualquer ciência se desenvolve a partir de duas variáveis: a primeira é a adequação de seu sistema conceitual para captar e interpretar problemas que são considerados importantes desde um ponto de vista extra-científico. A outra é a precisão com que este sistema conceitual é definido, e pela qual as relações entre diferentes conceitos são estabelecidos. As ciências mais amadurecidas tendem a ser, ao mesmo tempo, mais precisas e mais relevantes(21). Se estas duas coisas são impossíveis de lograr ao mesmo tempo, haverá diferentes possibilidades de acomodação de um ou ambos objetivos, cada qual com conseqüências possíveis de prever. Uma preocupação extrema com a precisão e a objetividade leva muitas vezes à busca estéril de leis universais, à precisão excessiva na contagem e classificação de coisas irrelevantes, e assim por diante. A esterilidade da excessiva preocupação com a relevância conduz ao desprezo pelos procedimentos de verificação, confirmação e consistência. A conseqüência é uma "ciência" que não apresenta uma estrutura interna, que é o resultado de se examinar até o fim as implicações de suas suposições e seus achados empíricos iniciais. Uma "ciência" sem estrutura seria uma ciência sem problemas científicos, mas apenas normativos, que não seriam submetidos a um tratamento sistemático e racional.

Mas seria esta diferença entre os dois extremos uma mera questão de ênfase? Não o conceito de "Verstehen" um afastamento radical dos cânones usuais das ciências modernas, que incluem os conceitos de desconfirmação (ou "falsificação"), intersubjetividade e verificação?

Existem pelo menos dois tipos de problema envolvidos aqui. O primeiro se relaciona com as características dos objetos das ciências sociais. Será que os "objetos culturais" da sociologia (assim como os "objetos de consciência" da psicologia) são dignos de um esforço de conhecimento científico? Serão eles relevantes como fenômenos a serem explicados, ou como variáveis independentes que entram na explicação de outros fenômenos?

A outra questão é de tipo mais ontológico, e consiste em perguntar se estes fenômenos "imateriais" podem ser estudados objetivamente ou se, ao contrário, pertencem a um universo de seres transcedentais que não se apresentam como fenômenos à observação do analista. O quadro abaixo dá as combinações possíveis e alguns tipos de respostas existentes a estas questões.

Os objetos culturais são relevantes?

Os objetos culturais podem ser conhecidos empiricamente?

Não

Sim

Não

(Watson)

(Verstehen, fenomenologia)

Sim

(materialismo histórico)

(sociologia e psicologia modernas)

O behaviorismo extremado supõe que os fenômenos "culturais", ou "psíquicos", não são passíveis de manipulação empírica, e por isto os exclui, programaticamente, do âmbito das coisas que merecem ser conhecidas. Uma orientação "compreensiva" partindo da mesma ontologia afirmará que, porque as ciências empíricas não podem conhecer os objetos culturais ou psíquicos, elas são inúteis, e devem ser substuídas por um outro tipo de conhecimento que apreender estes fenômenos de forma mais direta e imediata. O materialismo histórico parte tradicionalmente de uma posição filosófica que recusa a própria existência de uma realidade cultural transcendental, e por isto não aceita nenhuma destas duas soluções. No marxismo convencional, os fatos da cultura, ou da consciência, são fenômenos superestruturais, e por isto irrelevantes como objetos de estudo; mas não haveria nada de especialmente misterioso a respeito deles; e a teoria da consciência como "reflexo" da realidade parece ser suficiente para dar congruência ao argumento.

Apesar das preferências filosóficas implícitas em cada uma destas respostas (a "mitologia" de que falava Granger), as ciências sociais continuaram a se desenvolver, de fato, no sentido da abordagem empírica dos fenômenos que antes eram considerados seja irrelevantes, seja inobserváveis. Não há nada mais comum, hoje, do que as medidas de características de personalidade, estudos sobre sistemas valorativos e suas transformações, teorias sobre da ação social individual e coletiva, e assim por diante. Desde este ponto de vista, o debate sobre a possibilidade de conhecimento sistemático de fenômenos subjetivos parece realmente ultrapassado(22).

Pouco restou, aparentemente, da abordagem compreensiva. Todo conhecimento científico depende, em última análise, de uma seleção de problemas e aspectos da realidade que é feita de acordo com preferências e valores. Isto leva a descobertas e a explicitação de pressupostos que são posteriormente desenvolvidos e testados quanto à sua consistência e conseqüências. Neste sentido, não há nada de especial e diferente nas ciências sociais. E não há nada de especial, tampouco, em relação à natureza do social como objeto de estudo, como indicamos acima.

Mas permanece o fato de que a sociologia, em contraste com as ciências naturais, continua se mostrando incapaz de lidar com os fenômenos sociais de forma precisa, sistemática e abrangente. O máximo que ela consegue, e nem sempre, é a previsão de certos tipos gerais de eventos dentro de um âmbito de probabilidades dado, nem sempre bem especificado.

E. Nagel oferece uma resposta ao porquê de as ciências sociais terem que confiar tanto em afirmações estatísticas e probabilísticas, em contraste com as leis precisas e gerais que predominam em outras disciplinas(23). Para ele, a constituição de uma ciência baseada na dedução, contrariamente às explicações probabilísticas baseadas em generalizações estatísticas, implica na possibilidade de se manejar, tanto conceitual quanto empiricamente, um conjunto básico de "ítens homogêneos" que possam produzir resultados e relações estáveis. Estes ítens homogêneos seriam obtidos por uma série de distinções e discriminações que seriam introduzidas no objeto bruto da análise. Mas as ciências sociais, por razões de ordem prática, não estão interessadas em esmiuçar seu objeto a este ponto, sendo fadadas, por isto, a permanecer no nível das generalizações estatísticas.

É interessante como Nagel comparte com Weber a idéia de que a única maneira de se chegar a uma ciência social geral e dedutiva seria através de um procedimento reducionista -- com a diferença que, enquanto Weber considerava descer até o nível dos mecanismos psicológicos, Nagel sugere que seria necessário ir ainda mais longe, chegando ao nível dos mecanismos biológicos que subjacem aos processos psicológicos. Mas nem um deles aceita ou sugere realmente esta redução; trata-se, em ambos os casos, de um raciocínio ad absurdum.

Ambos parecem também concordar que estes "ítens homogêneos" existem, e que poderiam se atingidos, se isto fosse realmente desejado. Mas o conceito de "ítens homogêneos", mesmo com a qualificação que Nagel introduz ("em certos aspectos determinados") parece implicar uma ontologia claramente fora de lugar(24). Não há dúvida que as ciências operam com conceitos que tendem a ser analiticamente precisos e homogêneos, mas a maneira de chegar a eles não é através da dissecação do objeto, mas de um tipo específico de relacionamento que se estabelece entre conceitos e construtos empíricos.

Para vermos melhor esta questão, consideremos três tipos de construção de teoria, na economia, na química e na sociologia. Mais especificamente, consideremos a fórmula de uma reação química, o modelo de um processo econômico e o modelo de desenvolvimento de determinada sociedade.

A fórmula química é o resultado da interação entre dados e teoria que não ocorre no nível meramente conceitual, mas de forma bastante concreta. Os objetos da realidade são manipulados no laboratório de acordo a certos conceitos; os conceitos são reformulados de acordo com o tipo de manipulações que o material permite, ou como reage a elas, e assim por diante. Ao fim deste processo, os dados que correspondem à teoria, da maneira como as fórmulas o expressam, não são parte da "realidade" inicial, mas um construto empírico que é desenvolvido ao mesmo tempo que o construto conceitual, que é sua fórmula.

Esta interação concreta entre conceito e realidade não pode existir quando o material de estudo não está sujeito a este tipo de manipulação. Um modelo econômico, referido ao comportamento de determinado ator em um mercado de determinado tipo, não prediz, na realidade, o comportamento de atores reais. Trata-se, sobretudo, de uma operação cartesiana: a realidade é modelada no nível conceitual, através de análises que revelam aspectos conceitualmente "claros e distintos" das coisas, que são depois organizados de maneira sistemática. Modelos deste tipo são heurísticos, podem ajudar a entender a realidade, mas não a reproduzem nem a influenciam, e, por isto, são incapazes de fornecer predições.

Um modelo macro-econômico de tipo keynesiano é algo diferente. Modelos como este são desenvolvidos em sociedades que atingiram níveis elevados de integração econômica, e onde a atividade econômica se expressa por indicadores que são produzidos e utilizados pelos próprios agentes econômicos -- taxas de juros, níveis de emprego, salários, lucros, etc. É esta a "sorte" da macroeconomia, como foi sugerido por Neil Smelser --ela lida com dados que são produzidos por seu objeto, e o construto intelectual é um prolongamento do construto empírico que resulta de uma economia de mercado integrada. Este tipo de teoria econômica não apenas consegue prever, como até mesmo prescrever políticas que consistem, na realidade, na manipulação de algumas variáveis produzidas e quantificadas pelos agentes econômicos e utilizadas pelos modelos teóricos(25)

Em contraste com a economia, a sociologia não tem a sorte de poder contar com dados produzidos por seu objeto de estudo (exceto em alguns casos, como no dos resultados eleitorais), e não pode manipular e construir seu objeto. Suas relações com a realidade são platônicas, no sentido de que interrelações mais íntimas não são possíveis(26). Nesta situação, são poucas as alternativas. Uma consiste em elaborar modelos baseados em pressupostos axiomáticos, sem referências empíricas maiores. A outra consiste em aceitar a realidade tal como ela é, com todas suas imperfeições, e tratar de dimensioná-las como for possível. Os modelos que a sociologia possa construir, nesta segunda alternativa, se basearão necessariamente em proposições probabilísticas imperfeitas.

V

Estamos chegando ao fim de nosso argumento. Antes de terminar, recapitulemos.

Começamos contrastando duas visões da sociologia, ou das ciências sociais. Uma, personificada por Merton, afirma que a sociologia é uma ciência jovem, e por isto tem que se restringir a teorizações e pesquisas empíricas de alcance médio, de maneira tal que possa haver acumulação de resultados, que culminariam eventualmente em uma grande síntese teórica. A outra, tomada de Weber, aceita que a sociologia seja jovem, mas acrescenta que esta é uma característica natural e afortunada das ciências sociais.

Estes dois pontos de vista conduzem a importantes diferenças em relação à natureza das ciências sociais. Em relação à perspectiva de Merton, argumentamos que as ciências sociais não ter amadurecido para nada desde que Merton a formulou. Ocorreram sem dúvida muitos avanços em áreas específicas, mas a dispersão teórica e conceitual parece ser hoje mais intensa do que nunca. Tratamos de mostrar, depois, como as normas que Merton propõe para as ciências sociais não derivam de uma análise da própria sociologia, mas são extraídas de outras disciplinas consideradas mais maduras. Falamos sobre o aforisma do ombro dos gigantes, e dissemos que este ainda não é o tempo - se é que o tempo virá um dia - de esquecermos os fundadores das ciências sociais. A discussão a partir de Weber tratou de indicar em que pontos as ciências sociais diferem de outras ciências. Os dois pontos principais são que, primeiro, as ciências sociais tratam com fatos históricos, e, segundo, estes fatos são dotados de sentido.

O passo seguinte foi mostrar como as tradições mertoniana e weberiana surgiram em contextos sociais e tradições culturais profundamente distintos, ainda que em contato, e que atribuiram aos cientistas sociais papéis profundamente distintos. Afirmamos, também, que esta digressão na sociologia do conhecimento social não substitui e epistemologia, e tratamos de examinar se a tese de que os fatos sociais, por serem dotados de sentido, se diferenciam radicalmente de outros fatos, realmente se sustenta.

A conclusão foi negativa. Vimos, primeiro, que a proposta de uma divisão radical entre as ciências sociais e as ciências naturais deriva de diferenças de ênfase que podem ser explicadas sociologicamente. Ainda que a tese da diferenciação possa levar a tentativas de formas não empíricas de conhecimento, tratamos de mostrar que esta diferença se tornou irrelevante ante os avanços contemporâneos das ciências sociais. Finalmente, argumentamos que razão pela qual a sociologia não é capaz de fazer predições adequadas sobre o futuro, ou de desenvolver tecnologias eficazes de intervenção no mundo real, tendo que trabalhar com procedimentos estatísticos imprecisos, não decorre de nenhuma característica especial de seu objeto, mas do tipo especial de relacionamento que existe entre a disciplina e uma realidade que não pode ser submetida à elaboração de experimentos ou construtos empíricos.

Faltou discutir em maior profundidade a tese de Weber segundo a qual o objeto das ciências sociais é histórico, e por isto as ciências sociais também devem ser eternamente cambiantes, eternamente jovens. Nossa tese é que, efetivamente, as ciências sociais devem poder tratar dos fenômenos históricos enquanto históricos. Não pretendemos que esta seja a única coisa que as ciências sociais deva fazer, mas se trata, sem dúvida, de uma tarefa extremamente relevante, que ocupou o lugar central na sociologia de Max Weber (e também de Marx), e que não podemos, simplesmente, abandonar em nome de um ideal abstrato de teorização geral.

O fato de a sociologia ter se orientado nas últimas décadas, os Estados Unidos principalmente, para a busca de proposições gerais, porém limitadas, foi o resultado combinado de vários fatores -- uma determinada concepção do que seja "fazer ciência", limitações socialmente dadas sobre que tipos de fenômeno eram possíveis de ser estudados, e as limitações efetivamente existentes, conceituais e metodológicas, para o estudo de fenômenos mais complexos e mais históricos. A conseqüência foi que o tipo de ciência social pensado e desenvolvido por Weber tornou-se uma atividade intelectual quase ilegítima, e repudiada do que poder-se-ia chamar de o "establishment" sociológico. A sociologia, entrementes, protegida pelo sistema universitário, tornou-se uma atividade especializada e voltada para problemas genéricos, que apenas indiretamente tinham a ver com o mundo externo, ou com o desenvolvimento de uma teoria social mais ampla. O paradoxo de uma situação em que a teoria geral não existia, mas ao mesmo tempo os fundadores começavam a ser esquecidos, se explica pelo fato de que a sociologia norteamericana ia aos poucos adquirindo as características externas de uma ciência "normal", dedicada, como queria Kuhn, à solução de quebra-cabeças, mas sem adquirir as necessárias condições de integração e consistência típicas dos paradigmas bem constituídos.

É impossível dizer quanto este desenvolvimento se deveu às dificuldades internas da sociologia enquanto disciplina, e quanto à sua organização como atividade socialmente articulada dentro do sistema acadêmico e universitário norteamericano. Tampouco podemos afirmar com segurança que nada positivo resultou desta situação. Na realidade, esta situação permitiu o desenvolvimento de novas abordagens, novas tecnologias, novos esquemas conceituais que nos permitem, hoje, supor que os problemas que preocupavam a Weber possam agora ser abordados de forma muito mais adequada. Mas isto sob a condição de que hajam mudanças significativas nos três elementos que até aqui caracterizaram o desenvolvimento da sociologia. E acreditamos que algumas mudanças neste sentido já existem.

Existem muitas indicações de que o papel do cientista social tem mudado drasticamente nos últimos anos, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Em uma sociedade como a norteamericana, em que a capacidade intelectual começa a substituir o capital como o bem mais escasso, o papel da universidade tende a transcender os limites em que atuava, como simples fornecedora de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Este fator, somado a outros, provoca um clima de fermentação política e intelectual que torna cada vez mais difícil para o sociólogo restringir-se à busca de proposições genéricas - e de alcance médio - sobre a realidade. Ele sente que é parte das mudanças que estão ocorrendo, e quer estar na primeira linha de sua análise e compreensão. Esta revolução no papel da universidade ocorre simultaneamente a outras revoluções - nas questões raciais, na vida sexual, na esfera internacional. Neste contexto o cientista social, menos obrigado ao isolamento acadêmico, é pressionado a dar respostas ao público, e é consultado tanto sobre questões nacionais quanto internacionais. Esta função consultiva é mais uma expressão da ampliação de seu papel, e traz consigo novos problemas e novas perspectivas(27).

O papel do cientista social na Europa continental também vem mudando. O "milagre econômico" europeu levou a uma redução do papel ideológico e de intelligentsia dos cientistas sociais, tanto marxistas quanto liberais, ou pelo menos levou-os a conviver com as exigências de um ambiente acadêmico mais exigente. Isto levou à importação de muitos elementos das ciências sociais americanas; os cientistas sociais europeus estão se tornando mais empíricos, menos militantes, e mais voltados para a comunidade acadêmica. Mas as preocupações mais gerais, históricas e especulativas não foram abandonadas, em parte por causa das tradições intelectuais locais, e em parte devido aos próprios fatores que também estão alterando o contexto social da sociologia americana. Cientistas sociais europeus e norteamericanos, vindos de extremos opostos, se confrontam agora com problemas semelhantes. Não seria impossível mostrar a existência de processo similar nos países socialistas, onde o degelo ideológico tem permitido o desenvolvimento de uma ciência social diferenciada; ou nos países do terceiro mundo, onde universidades de tipo moderno estão sendo criadas. É improvável que estes processos culminem na criação de comunidades profissionais e científicas integradas a nível internacional, mas pelo menos pode-se constatar a existência de contatos crescentes e convergências temáticas significativas

Em que medida estes processos estariam levando, ou pelo menos relacionados, com o surgimento de um novo conceito de ciências sociais? O menos que se pode dizer é que um novo debate - ou uma nova crise - está a caminho. No momento mesmo em que a Europa começa a importar a sociologia americana, é curioso observar uma tendência, nos Estados Unidos, de importar abordagens intuitivistas e historicistas que já haviam se exaurido na Europa, e isto pela simples razão de que a sociologia norteamericana começou a passar pelos mesmos problemas que deram origem a estas abordagens(28).

O status conceitual preciso do que será a ciência social no futuro é questão de difícil, senão impossível, previsão. É bastante provável que não tenhamos uma nova concepção e um novo paradigma, mas uma pluralidade de linhas de pesquisa e de desenvolvimento teórico que ocorrerão de forma simultânea, complementar ou, muitas vezes, incompatíveis entre si. Existe uma série de desenvolvimentos novos que poderiam ser assinalados. Para começar, existem hoje melhores e mais abundantes dados do que dez anos atrás, e os computadores abrem perspectivas inimagináveis até há pouco, em termos de simulação, elaboração de modelos formais e análise de quantidades maciças de informação. Teorias de desenvolvimento nacional e internacional podem ser derivadas das características do sistema internacional, com a ajuda da indução estatística(29); teorias de jogos e de processos decisórios são usadas para a predição de fenômenos de curta duração(30); tipologias internacionais são desenvolvidas, e modelos computarizados de sociedades complexas são experimentados(31). Estes novos desenvolvimentos reintroduzem o Estado nas ciências sociais empíricas como categoria relevante de análise, e os modelos e generalizações obtidos visam a um nível adequado de médio alcance e possibilidades preditivas cada vez maiores. E, uma vez que o mundo está em transformação, a busca sistemática de novas configurações de variáveis societais, que modelarão o mundo futuro, está também se tornando parte de pesquisas sistemáticas.

Esta pluralidade de novas perspectivas não significa que a preocupação com as características mais gerais das diversas perspectivas deva desaparecer. A reintrodução da análise histórica e de sociedades complexas no âmbito das ciências sociais tem sido feita geralmente através de uma perspectiva "sistêmica", que aparece freqüentemente em contraste com a perspectiva "histórica" mais tradicional, cujas relações com as abordagens indutivas correntes na sociologia empírica são problemáticas, e muito pouco discutidas.

O contraste entre as análises "sistêmicas e históricas é geralmente descrito na literatura em termos de uma contradição entre a análise "estática" e a "dinâmica". A análise sistêmica, e especialmente seu caso particular que é a análise funcional, tem sido geralmente criticada por sua preocupação excessiva com a estabilidade, os efeitos negativos da mudança, e assim por diante. A análise clássica de Merton sobre o funcionalismo parece ser definitiva, no entanto, ao evidenciar que estas dificuldades pertencem muito mais aos funcionalistas do que ao funcionalismo enquanto tal(32). E o fato é que mesmo as abordagens menos conservadoras de processos de mudança social tratam de determinar, primeiro, a existência de um sistema social (ou econômico, ou político), suas dificuldades e contradições internas (ou disfuncionalidades), e a partir daí as perspectivas do novo sistema que esteja se formando. Neste sentido nem o historicismo marxista deixa de ser funcionalista.

A questão torna-se mais complexa quando se examina as relações entre a abordagem sistêmica e as abordagens mais rigorosamente empíricas, representadas pelas metodologias correlacionais desenvolvidas a partir dos trabalhos de Paul Lazarsfeld. Ambas constumam ser identificadas como "funcionalistas", mas na realidade são muito distintas, e têm coexistido lado a lado sem uma integração adequada.

Podemos indicar algumas das principais diferenças entre as duas abordagens. Ambas trabalham com relações entre variáveis, mas enquanto a análise correlacional busca a probabilidade de existência de relações hipotetizadas, a análise sistêmica busca as probabilidades de manutenção, ou ruptura, de relações empiricamente existentes. A análise sistêmica aplica assim, para casos particulares, as generalizações obtidas pela análise indutiva e correlacional. Uma segunda diferença é que a análise correlacional busca determinar a existência de variáveis teoricamente interrelacionadas que tendam a se associar empiricamente -- é o que se chama "teoria", no sentido restrito proposto por Merton. A análise sistêmica, enquanto isto, trata de identificar as variáveis que entram na conformação de um conjunto empírico dado - é o que se chama "modelo", em uma das acepções deste termo. Finalmente, as teorias correlacionais são construídas na medida do possível "de baixo para cima", pela combinação sucessiva de variáveis analiticamente isoladas, enquanto que os modelos sistêmicos são construídos "de cima para baixo", a partir de um sistema social concreto que se queira analisar. O drama das teorias indutivas é que elas dificilmente passam do nível da combinação de um punhado de variáveis ao da elaboração de teorias mais complexas. O drama da análise sistêmica é o risco das grandes generalidades e tautologias, por um lado(33), ou do particularismo extremo das modelagens, por outro.

Ainda que a análise funcional e sistêmica apareça muitas vezes na literatura como a própria encarnação do ahistoricismo, o fato é que ela tende naturalmente a revestir-se de um caráter histórico e mesmo evolucionista(34), ao buscar compatibilidades e incompatibilidades entre elementos, tensões, mecanismos de ruptura, formas de incorporação e rejeição de novos elementos e informações, "morte" (e renascimento) de sistemas, e assim por diante. Já a análise indutiva, que busca tipicamente as regularidades, merece mais legitimamente o rótulo de ahistoricismo, ainda que muitas vezes a variável tempo esteja presente - mas um tempo métrico, sem a "durée" bergsoniana que parece não faltar às análises históricas mais complexas. As análises de processos temporais por técnicas correlacionais padece, ainda, da cumulatividade dos "erros" e desvios históricos, que não se cancelam como os erros estatísticos aleatórios, e impede as generalizações.

Estas diferenças não implicam que uma opção irredutível tenha que ser feita entre as duas abordagens. Elas podem tem efetivamente coexistido no tempo, levando a uma sociologia indutiva que se torna mais aberta às perspectivas históricas e sistêmicas mais gerais, e a uma ciência social histórica mais aberta à importância da análise sistêmica (ou estrutural), e da necessidade de comprovação ou refutação de proposições verificáveis.

Ainda que seja difícil prever, seria possível dizer que, por mais desenvolvimentos que hajam, a sociologia nunca chegará a ser uma ciência "normal" e "madura", onde uma preocupação constante com problemas epistemológicos básicos e seu significado social não tenham lugar, como se diz ser o caso das ciências naturais. Dado que a sociologia tem que se desenvolver de acordo com um padrão complexo de interrelacionamentos entre mudanças históricas de significados, valores e configurações sociais; dado que o tipo de relações que se estabelecem entre os cientistas sociais e seu objeto de conhecimento é uma função direta da disciplina enquanto sistema social; e, finalmente, dado que cada nova configuração histórica suscita problemas especificamente novos, somos levados a concordar com Weber e dizer que, de fato, a sociologia tem o dom da eterna juventude.

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Notas

1. Max Weber, 1949.

2. Merton, 1957, introdução.

3. Merton fala de "sociologia", ao passo que Weber utilize termos como "ciências sociais", "política social", "economia social", "ciências históricas" ou "ciências da cultura". Referir-se-iam ambos, na verdade, ao mesmo objeto? Pareceria que sim, este objeto sendo, pelo menos, uma categoria residual que permanece depois que os campos da economia, historiografia, psicologia, lingüística e direito adquirem autonomia própria. É dentro deste sentido amplo (que inclui a ciência política) que as expressões "sociologia" e "ciências sociais" serão usadas daqui por diante neste artigo.

4. Estas idéias foram publicadas inicialmente em 1948, em um artigo no American Sociological Review, incluídas na introdução de Social Theory and Social Structure, de 1949, e se tornaram dominantes na sociologia norteamericana.

5. Merton sugere, em nota de pé de página à edição de 1957, que estaria ocorrendo algum tipo de convergência na sociologia, mas muito mais ao nível das orientações gerais do que ao nível da formação de teoria. E é otimista o suficiente para considerar o primeiro como uma antecipação do último: "nem tudo pode acontecer de imediato; existe um ganho real de convergência, ainda que seja parcial, antes que completo" (p. 9). Na realidade, todo seu esforço intelectual é no sentido de delimitar paradigmas e identificar linhas de continuidade e convergência para o desenvolvimento futuro da pesquisa social, nos campos da teoria da estrutura social, teoria de grupos de referência, e da sociologia do conhecimento.

6. Kuhn, 1970.

7. Granger, 1960 e 1967.

8. Merton, 1957, p. 5. A verdadeira origem desta imagem é objeto de uma curiosa e erudita pesquisa de Merton, que é sobretudo uma paródia das querelas de prioridade científica. Cf. Merton, 1965.

9. Especialmente p. 95 e seguintes.

10. Mesmo as disciplinas que tratam de objetos mutáveis, como o evolucionismo ou a meteorologia, se esforçam em identificar leis gerais e imutáveis que possam explicar a mutabilidade dos fenômenos.

11. Weber, 1949, p. 79. Para uma versão francesa do mesmo texto sobre a "objetividade das ciências sociais", cf. Freund, 1965. As referências são da tradução inglesa.

12. P. 79-80.

13. Toulmin, 1963.

14. Popper, 1964.

15. Merton, 1957, p. 440.

16. Bernard & Bernard, 1965.

17. Esta divisão, ainda que útil, é naturalmente uma grande simplificação. A inclusão da França na tradição anglo-saxã é duvidosa: a influência hegeliana na sociologia francesa tem sido muito grande, e depois da Segunda Guerra a orientação dominante na sociologia francesa, tal como expressa nos Cahiers Internationaux de Sociologie sob Georges Gurvitch, mostrava uma grande influência do marxismo, da fenomenologia e da psicoanálise. Esta tradição franco-germânica mostrou-se muito mais capaz de se difundir pelo mundo subdesenvolvido do que a anglo-saxã. É também difícil identificar, neste quadro, o lugar do interacionismo simbólico e da sociologia fenomenológica, duas correntes de pensamento norteamericanas que não parecem derivar do "Social Science Movement".

18. Citado por Bernard & Bernard, p. 562.

19. Bernard & Bernard, p. 594-5.

20. Citado por Weinreich, 1938. Bendix também dá um quadro interessante desta nostalgia de Weber pela política, com a ajuda de referências tomadas das recordações de Marianne Weber. Cf. Bendix, 1966, cap. 1.

21. Não se trata, no entanto, de uma regra absoluta, e a precisão, por si, tende a ser um critério de maturidade comumente aceito. O status científico da astronomia como ciência madura nunca dependeu de sua relevância, da mesma maneira que a preocupação atual com o meio ambiente não confere, por si só, status científico às disciplinas que tratam deste tema. Tudo depende, naturalmente, do significado de "maturidade", e nosso padrão, neste caso, é a capacidade de lidar eficazmente com fenômenos socialmente relevantes -- um conceito que vai além de critérios puramente epistemológicos e se situa mais próximo, esperamos, do que os sociólogos sempre quizeram que a sociologia fosse.

22. Veja, para uma discussão deste ponto coincidente com a nossa, Diesing, 1966.

23. Nagel, 1961, especialmente pp. 504-507.

24. Um realismo semelhante é encontrado em E. Durkheim, na sua tentativa de chegar ao "caso puro" em seu estudo sobre as formas elementares da vida religiosa. Para uma discussão, ver Galtung, 1967, p. 18 e seguintes. É bastante clara a filiação destas idéias à noção cartesiana de "idéias claras e distintas", que deveriam ser a base de todo método científico, com a diferença de que os "ítens homogêneos" de Descartes eram artefatos mentais, e não uma propriedade do mundo objetivo.

25. As limitações dos modelos de tipo keynesiano tornam-se evidentes quando eles são aplicados a economias não plenamente desenvolvidas, onde não existe mercado integrado, e onde os pressupostos básicos do comportamento econômico não se sustentam. Nestas condições, os indicadores econômicos dão conta de uma parte muito limitada do que ocorre efetivamente, e sua manipulação tende a não produzir os resultados desejados. Em outras palavras, os "ítens homogêneos" deixam de existir. O antigo debate entre "estruturalistas" e "monetaristas" tem a ver, em parte, com esta questão.

26. Trata-se, naturalmente, de uma questão de grau. As possibilidades de interrelacionamento entre teoria e realidade empírica aumentam quando a sociologia se aproxima da manipulação experimental, que é muito mais factível no estudo de pequenos grupos, por exemplo, do que no da transição histórica de sistemas sociais mais globais.

27. O caso "Camelot" foi um bom exemplo da crise que surge quando os sociólogos, antes restritos a seu ambiente acadêmico, começam a se envolver em atividades que, por sua própria natureza, são carregadas de implicações políticas inevitáveis. As reações ao caso entre os sociólogos norteamericanos, indo da surpresa até a recusa em reconhecer os aspectos políticos do problema, mostraram a falta de preparo dos cientistas sociais americanos em entrar em contato mais direto com o mundo real. O outro lado da moeda foi a polêmica criada pelo caso, uma indicação de que uma reação em sentido contrário também está ocorrendo. Veja, a respeito, Horowitz, 1967, e particularmente os artigos de Galtung e Nisbet.

28. É notável como a preocupação com a mudança social leva, muitas vezes, à adoção das abordagens mais conservadoras do ponto de vista epistemológico e filosófico, caracterizadas pela recusa em lidar com a realidade de forma empiricamente consistente e sistemática. Esta aliança entre reformismo social e conservadorismo intelectual é bem conhecida na América Latina e na Europa, e está começando a ganhar força nos Estados Unidos.

29. Cf. Deutsch, 1966.

30. Estas abordagens estratégicas lidam precisamente com o conteúdo subjetivo da ação, o que não impede que elas possam ser formalizadas em alto grau. Elas são diferentes, mas não incompatíveis, com os estudos de prazo mais longo que deixam de lado as "motivações internas" do comportamento dos atores. Cf. Rapoport, 1966.

31. Cf. Guetskow, 1963. Para uma tentativa latinoamericana, ver Cornblit, Di Tella e Gallo, 1966.

32. "Latent and Manifest Functions", em Merton, 1957.

33. Cf. Easton, 1965.

34. Como por exemplo em Almond e Powel, 1966.

Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon



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