A produção do espaço agrário paraibano enquanto instância social

 

 

Belarmino Mariano Neto

 

Resumo

Pesquisas feitas com a Prof. Emília de Rodat Moreira, me inclinaram para o estudo do Meio Ambiente Rural da Paraíba. A eixo central é considerar a questão agrária enquanto um dos principais problemas de ordem social , econômica , política e cultural do Brasil. Essa questão se agrava no Nordeste e na Paraíba. O espaço agrário e rural enquanto território de poder na Paraíba. As regiões agrárias marcadas por fortes contrastes ou diferenciações . As condições de trabalho e moradia no espaço agrário paraibano , além do urbano em região canavieira e as contradições do viver e trabalhar são os principais elementos que o texto apresenta como forma de reflexão social .

Palavras Chaves : espaço agrário , conflitos , contradições e lutas Estou começando este artigo , fazendo referência ao meu contato mais aprofundado com o meio ambiente rural . Tudo começou em 1993/95, quando fui selecionado pela professora Dr.ª Emília de Rodat Fernandes Moreira como bolsista de aperfeiçoamento do CNPq, para participar de uma pesquisa na área de Geografia Agrária da Paraíba. Meu papel junto a pesquisa " Vida e trabalho do menor na atividade canavieira " foi relevante para o que faço hoje enquanto professor em nível superior e pesquisador Doutorando em Sociologia Rural .

No primeiro momento , trabalhei a organização de um seminário interno para colocar os bolsistas de iniciação científica em sintonia com o projeto de pesquisa acima citado, o qual estávamos nos propondo iniciar . Dessa forma , e orientado pela profª. Emília de Rodat, optamos pela escolha de uma bibliografia inicial que nos permitisse uma visão globalizante das mudanças recentes na organização do espaço agrário nacional , sobretudo a partir dos anos 70. Foi uma escolha a partir de algumas reflexões , sobre o movimento de acumulação do capital na agricultura brasileira e paraibana para refletir sobre sua interferência direta nas condições de vida e trabalho no ambiente rural e implicações da estrutura agrária que vem sendo mantida até os dias atuais .

A primeira reflexão se deu a partir MULLER (1989), com a idéia de Complexo Agroindustrial e Modernização Agrária . Esse seminário consistiu em apresentar para os demais companheiros de pesquisa , um panorama de como o processo de mecanização e uso de recursos industriais no seio da agricultura , em muito modificou a produção agrícola e a organização do espaço agrário brasileiro , e, as profundas transformações provocadas pelo complexo agro-industrial nas relações de trabalho no campo brasileiro .

Com a mecanização, o uso de agrotóxicos , herbícidas, inseticidas , fungicidas , fertilizantes , o uso e valor da terra tomaram proporções completamente diferentes do que era visto anteriormente aos anos 50. O crescente aumento da produção , a melhoria das safras e a ampliação do espaço plantado, foram alguns dos indicadores do processo de modernização da agricultura no Brasil. Mas em contra partida , o uso das máquinas pelos grandes produtores , fez diminuir o uso de mãode- obra , fazendo com quer milhões de trabalhadores rurais fossem obrigados a abandonar o campo , para buscar na cidade uma " nova " maneira de viver .

Outra importante reflexão se deu a partir de MARTINE (1989), - Fases e Faces da Modernização Agrícola Brasileira. Aqui é importante a discussão sobre o processo de modernização do campo brasileiro, enfatizando os condicionantes históricos e econômicos e nesse momento, trabalhando com os condicionantes materiais que possibilitaram tais avanços, pois o autor tenta demonstrar as principais bases que permitiram o desenrolar e dinâmicas que geraram o que ele considera como interrelação CIDADE/CAMPO/CIDADE. Em que, ambos os espaços se retroalimentam, pois na cidade se produz as máquinas e os acessórios para ampliação da produção e por sua vez no campo se produz as matérias primas indispensáveis ao meio urbano, densamente povoado e com uma cultura de centralização das relações de produção ditas modernas.

MARTINE (1989), consegue em seu texto, contextualizar as principais fases de modernização da economia brasileira, nas quais, a relação do campo e sua completa interdependência com a cidade, se deu a partir do momento em que os grandes produtores rurais passaram a importar tecnologia para a ampliação de suas produções. O autor ver nos anos 1960/80, o auge de implantação de tecnologias avançadas no campo brasileiro, e destaca o caso das grandes monoculturas, as mais beneficiadas nesse momento histórico, ficando as pequenas produções de policulturas ou agricultura familiar de subsistência a margem de todo o processo agro-industrial.

Entender todas essas fases de modernização foi fundamental, pois tais informações ampliaram o conhecimento a cerca dos processos geradores das contradições que hoje se estabelecem em extensas áreas do Brasil, do Nordeste e da Paraíba.

O Espaço Agrário enquanto território de poder na Paraíba

"Consideramos o espaço como uma instância da sociedade, ao mesmo título da instância econômica e a instância cultural-ideológica. Isso significa que, como instância, ele contém e é contido pelas demais instâncias, assim como cada uma delas o contém e é por ela contida. A economia está no espaço, assim como o espaço está na economia. O mesmo se dá com o político-institucional e com o cultural ideológico. Isso quer dizer que a essência do espaço é social. Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual.

Assim, temos, paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esse objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado, o que dá vida a esses objetos seu princípio ativo, isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento". (SANTOS, 1985:11)

A Paraíba enquanto espaço de construção territorial constitui uma instância da sociedade, em que se imbricam ao longo do tempo, as instâncias econômica, cultural, política e ideológica. Em outras palavras, trata-se de um espaço social, produzido historicamente a partir da inter-relação entre a sociedade/natureza e controle territorial.

Ter participado da Pesquisa em Geografia Agrária no território paraibano coordenado pela profª. Emília de Rodat, me faz entender a forma atual de organização do espaço agrário paraibano, nesse sentido, foi necessário realizar um pequeno resgate histórico do processo que deu origem a este espaço. Faço este resgate a partir de suas palestras, orientações e publicações. O enfoque maior será no que tange ao território dos canavieiros considerado em suas pesquisas como a mais complexa e excludente e concentrada forma de ocupação de terra do território paraibano.

Pensando assim, terei que o espaço social resulta de todas as dinâmicas sociais, fruto das relações e inter-relações humanas no ambiente, em um determinado momento.

Na paraíba a produção inicial deste espaço esteve subordinada aos interesses do capital mercantil. Dessa forma ele se moldou para reproduzir as instâncias econômicas, culturais, políticas e ideológicas que caracterizaram esse modo de produção (século XVI e XVII) naquele período histórico.

A dominação do espaço pelo modo de produção capitalista mercantil se caracterizou no território paraibano através da implantação de uma atividade econômica voltada para o atendimento dos seus interesses. No Litoral, a atividade canavieira e nas porções interiores do território, uma dinâmica de ocupação das terras com a pecuária bovina, na forma de fazendas de gado em sistema sesmaria e de agricultura para manutenção da subsistência local. Posteriormente, outras atividades como algodão e agave implementaram o interior da Paraíba e no século XVIII, outras relações sociais do espaço também se estabeleceram gerando diferenciadas relações sociais, econômicas e culturais.

 

O rural enquanto instância de poder político

Outro fator que se destaca no quadro acima representado, é a questão agrária, estruturada historicamente em uma base concentradora do espaço territorial em propriedade de uma minoria de pessoas ou famílias (elites agrárias) que alimentaram um modelo de hereditariedade colonial e exclusão social da terra para descendentes de índios e negros que na atualidade representam a grande maioria da população paraibana, considerada como cabocla ou mestiça, em que a presença negra e indígena é básica. E mesmo a composição branca ou européia na formação da população paraibana, se deu através da violência, escravidão, aldeamento e ou violência sexual contra as mulheres negras e índias praticada pelos colonizadores europeus. De uma base patriarcal hereditária, as terras anteriormente pertencentes aos povos nativos da região, foram tomadas e apossadas pelo sistema colonial europeu que se implantou no Brasil a partir da Região Nordeste.

A apropriação fundiária do Estado da Paraíba, é um dos principais problemas sociais, econômicos, culturais e políticos enfrentados pela maioria dos paraibanos.

Podendo ser considerada uma das marcas da exclusão social remanescente.

Existem milhares de trabalhadores rurais sem terra ao lado de milhares de pequenos proprietários com terra insuficiente para uma produção economicamente viável e uma pequena minoria de grandes proprietários rurais, tanto produtivos, quanto improdutivos e que em grande parte, já perderam os laços sócioeconômicos e culturais com a terra.

Os pequenos proprietários, com uma menor disponibilidade de terra para o trabalho, junto com suas famílias foram levados a intensificar o uso do solo agrícola expandindo a pequena produção aos limites naturais (ocupação das nascentes de rios, áreas de vegetação e encostas das serras) da terra, com técnicas tradicionais, como o corte da vegetação, a coívara, queima e o destocamento da área. Esse tipo manejo intensificou-se ao longo dos séculos e ainda hoje é praticado, provocando uma significativa incompatibilidade ambiental da produção com o equilíbrio dos ecossistemas naturais. Isso coloca em cheque a própria condição de subsistência da agricultura familiar, gerando baixos indicadores sociais e econômicos que acentuam ainda mais o empobrecimento da população rural no Nordeste e na Paraíba.

Os grandes proprietários são na sua maioria especuladores fundiários e monocultores. Ou usam a terra simplesmente enquanto estatus de poder político, representação do senhor de posses e mandatário político local que arrebanha a idéia de mando, controle político dos municípios com mandatos de prefeitos, vereadores, deputados estaduais e até federais, fazendo parte do jogo de poder que elege governadores de Estado, senadores e até indicação de Ministro da República.

O campo, ou zona rural, ainda têm um forte significado político para garantia de controle social das diferentes Mesorregiões e Microrregiões do Estado da Paraíba.

Isso no tocante ao fato de que, se existe a concentração fundiária, sua contra face é a da exclusão fundiária. Esse fato inter-relaciona muitos dos outros problemas de ordem social e como já citado a cima, problemas ambientais também. Tanto por parte das monoculturas (como cana-de-açúcar) do complexo agro-industrial, como da intensiva produção em pequenas áreas, mesmo que seja de policulturas de subsistência e comercialização local.

Com pouca terra, sem terra e sem trabalho, muitos paraibanos adaptados a passividade do modelo aparentemente natural da propriedade hereditária, se sentem obrigados a migrar para centros urbanos locais, regionais e até nacionais.

Enquanto isso, o meio ambiente rural vai se esvaziando de população e consequentemente de efetiva produção agrícola. Se tornando um Estado de baixa produtividade rural, mesmo guardando em seu solo, significativa potencialidade natural.

As Regiões Agrárias da Paraíba Para (MOREIRA, 1997:16), existem 12 regiões agrárias no território paraibano, estando estas relacionadas diretamente com as atividades produtivas que se estabeleceram no espaço historicamente. Mesmo tendo havido retrações econômicas em relação a algumas atividades econômicas do meio rural, é possível identifica-las dentro da tradição agrária:

  • No Litoral ela destaca uma área de latifúndio com fraca ocupação do solo agrícola e que vem sendo ocupado em especial depois dos anos 80, na zona costeira do litoral Norte com expansão canavieira e no Litoral Sul com expansão canavieira, introdução do bambu para indústria de celulose e trechos com fruticultura em arrendamentos. Ainda no Litoral a zona canavieira que abrange as várzeas desde o período (séc. XVI/XVIII) colonial e no século XX, todos os trechos de tabuleiros foram sendo ocupados pelos canaviais;
  • Agreste Baixo como sendo uma área onde predomina uma pecuária bovina de corte atrelada a policultura alimentar; O Brejo paraibano como sendo uma área tradicional de cana-de-açúcar e policultura; O Agreste Meridional como área de pecuária leiteira e produção de uva no município de Natuba; No Alto Agreste dos entornos do Brejo, uma área minifundiária de policultura alimentar; A região do Curimataú e Seridó, policultura e pecuária extensiva; • No Sertão predomina uma estrutura de gado/algodão/policultura alimentar tradicional diversifica, sendo mais intensa na depressão sertaneja em área como Patos, Sousa e Cajazeiras, tornando-se mais fraca na região serrana do planalto da Borborema e Alto Sertão paraibano; • Poderia destacar no Planalto da Borborema a Região do Cariri como área de pecuária (caprinos e ovininos) de médio porte e policultura diversificada de média a baixa produtividade.

A tese que venho desenvolvendo nesse momento, centraliza-se em dois importantes trechos do Alto Agreste ou Agreste da Borborema, mais especificamente nos trechos do Brejo que estão próximos a área de minifúndios policultores do Agreste. Estarei centrando os trabalhos de Pesquisa nesse trecho que vai Alagoa Nova (Brejo), com Esperança, São Sebastião de Lagoa de Roça, Areal, Montadas, Puxinanã, Lagoa Seca, Massaranduba e Serra Redonda. Esta é na visão da Professora Emília de Rodar uma das áreas de maior concentração minifundiária do território paraibano. E vem sendo nessa região, que agricultores familiares estão desenvolvendo produções diversificadas de agricultura orgânica ou agroecológicas.

O Agreste paraibano é demarcado por uma grande e espraiada quantidade de casas simples. Este é um demarcador de pequenas e médias propriedades rurais que podem ser notadas pelas cercas e casas espalhadas pelo espaço. É um campo marcado pela policultura alimentar e pela pecuária extensiva como realça Emília de Rodat:

O Agreste paraibano corresponde à região situada entre o Litoral úmido e as Mesorregiões semi-áridas da Borborema e do Sertão. Trata-se uma área fortemente diversificada. Tanto no que se refere aos aspectos naturais, quanto ao uso da terra, às relações de trabalho e ao potencial econômico.

Essa Mesorregião compreende duas grandes áreas: a) o Agreste Baixo, estende da Depressão Sublitorânea até os primeiros contrafortes da Borborema e; b) O Agreste Alto, que compreende o Brejo Paraibano, o Agreste Ocidental (à retaguarda do Brejo), as Serras do Norte (região elevado do Curimataú), e as de Natuba e Umbuzeiro. O Brejo Paraibano se distingue como uma mancha úmida que se individualiza no interior do Agreste. (MOREIRA, 1985:79)

Como a autora coloca, esta área teve sua formação relacionada com a separação entre monocultura canavieira e pecuária bovina. Ficando esta segunda voltada para as porções interiores do território paraibano. Ao lado do gado, foi se desenvolvendo o trabalho de lavoura alimentar que se deu inicialmente no vale dos Rios Paraíba, Mamanguape até chegar aos Brejos serranos e ao Agreste Ocidental. Os currais de gado, os roçados e as moradas no campo foram demarcando um agreste de povoações, vilarejos e povoados. Posteriormente, alguns testes povoados foram se transformando em feiras de gado e de alimentos produzidos pelos próprios camponeses da região. Um Exemplo bem marcante desse caso é a cidade de Itabaina e de Guarabira –Agreste Baixo e a cidade de Campina Grande no Agreste Alto.

O morar nestes ambientes, assim como no Litoral, foi sendo a base espacial para o povoamento. Mas a grade extensão territorial, continua concentrada em mãos de uma minoria das chamadas elites rurais. No litoral e no Brejos os senhores de engenhos/usineiros; no Agreste e Sertão os pecuaristas e produtores de algodão e sisal. Em alguns trechos do Agreste, pequenos e médios agricultores, tocavam a vida em seus roçados de feijão, milho, mandioca e outras culturas alimentares.

Tanto para subsistência quanto para a comercialização dos excedentes de produção nas feiras livres regionais.(Ibid. pp.81-84) No Litoral, a atividade canavieira organizou-se inicialmente com base num tripé estrutural: o latifúndio, a monocultura e o trabalho escravo. Estes três elementos se constituíram nos pilares fundamentais garantidores da estruturação do espaço da produção. Esta voltava-se para a transformação da cana em açúcar, destinado ao mercado externo. (MOREIRA & EGLES, 1985:15) A unidade produtiva denominada engenho e seu senhor proprietário da terra, dos canaviais e da manufatura, tinha na exploração do trabalho escravo a principal fonte de mão-de-obra para tocar a produção, sobretudo quando se fala da parte agrícola, ou do trabalho no eito. Essa forma de organização da produção se exprime na paisagem rural através do habitat concentrado dos escravos, a senzala, da casa grande do senhor de engenho, e das casas dos trabalhadores livres. (Ibid. pp.16)

A senzala era uma espécie de galpão fechado, sem divisórias nem infra estrutura, onde os escravos se amontoavam contra as paredes que apertavam um monte de gente suja, mal vestida e cansada. MOREIRA (1985) vai dizer que tanto o trabalho quanto o trabalhador, eram propriedade do senhor de engenho, mercadoria que era comprada ou vendida como qualquer outra.(p. 16) Os trabalhadores livres, principalmente os que se dedicavam a agricultura ou a serviços do engenho, moravam em casebres de taipa e cobertura de palha, que se localizavam nos arredores do engenho ou da propriedade dos senhores. (p. 18) Os senhores de engenho moravam na chamada "casa grande", habitação bem estruturada, com muitos cômodos, onde o luxo e as mobílias eram espalhadas pelos "recantos" da casa. (p. 18) (MOREIRA, 1997:36) Realça que os povos nativos da região (Índios) também eram tratados como escravos ou cativos ao trabalho nas unidades de produção do açúcar ou no trabalho de extração de madeira e nos canaviais.

A partir da segunda metade do século XVII mudanças significativas vão ocorrer na organização da produção, com refluxos na organização do espaço. A competição com o açúcar produzido nas Antilhas, a luta pela expulsão dos holandeses e a perda do poder hegemônico de Portugal, foram responsáveis por uma crise de acumulação da atividade canavieira. Isto fez com que os senhores de engenho, retraíssem a produção e permitissem que agricultores sem terra tivessem acesso a um sítio no interior de suas propriedades. Surge daí o sistema morador. O sistema de morador se constitui a partir de então numa nova relação social da organização do espaço geográfico do período colonial. (Ibid., p. 53) Nesse período, o espaço enquanto instância social vai refletir na paisagem e na sua dinâmica interna, esse novo momento do modo de produção colonial: Habitat disperso dos moradores X senzala e casa grande; sítios X eito ou canaviais.

Os moradores conviveram com os escravos no engenho, até a abolição da escravatura no final do século XIX. Após esse momento, nova mudança ocorre na organização da produção e do espaço agrário: as senzalas vão pouco a pouco desaparecer da paisagem. Vai predominar a partir de então o habitat disperso dos moradores, que agora passa a ser numericamente maior pois muitos ex-escravos continuam a trabalhar na propriedade do senhor de engenho assumindo a condição de morador. (p. 43) No final do século XIX e começo do século XX novas mudanças são observadas na organização do espaço agrário da Paraíba. Estas se devem a modernização do parque industrial com a implantação das primeiras usinas de açúcar e a conseqüente transformação que têm lugar no processo produtivo. Neste momento têm início o declínio e importância da casa grande do engenho, uma vez que o usineiro passa a habitar o urbano.

Mas é mesmo a partir da segunda metade do século XX, (1975/85) com o Proálcool que mudanças profundas ocorrem no processo produtivo com reflexos sobre a organização do espaço e o espaço da morada. Ao subordinar a agricultura ao capital o Proálcool transforma a dinâmica da paisagem. É a destilaria que assume importância na paisagem. É o fim da casa grande e da morada dispersa dos agricultores. O usineiro, um empresário capitalista apenas visita a unidade de produção. É um morador do urbano, por vezes até de outro Estado. O trabalho assalariado rompe a relação do trabalho com a paisagem rural porque põe fim a habitação na propriedade. São as agrovilas, os vilarejos de beira de estrada que agora comandam o cenário. São as longas pontas de ruas no urbano que reproduzirão a nova dinâmica do espaço rural representando sua continuação, ao menos como guardião da força-de-trabalho a ele destinada. (p.104) Esta percepção de que aos pobres cabe o trabalho precoce e aos ricos a cultura e o saber é antiga. Solon legislador grego do século VI a.C. já dizia o seguinte:

(...) "os pobres devem exercitar-se na agricultura ou em uma indústria qualquer, ao passo que os ricos devem se preocupar com a música, a equitação e integrar-se à filosofia, à caça e à freqüência aos ginásios".

Estes e muitos outros elementos negativos formam o cenário de uma crua realidade que só consegue gerir em seu modelo uma sociedade de homens embrutecidos pelo excesso de exploração e pela falta de espaços que lhes permitam o aprender a exercer sua cidadania.

As condições de trabalho e moradia no espaço paraibano O menor espaço geográfico indispensável ao ser humano é a casa e suas dependências físicas. A casa, a rua, o bairro, a cidade, o campo e muitas outras partes, constituem uma rede integrada de fragmentos que forma o ambiente da sociedade. Me interessa especificamente as condições de moradia na região de pesquisa, materializadas na casa, que figura como elemento indispensável ao cotidiano das pessoas, assim como a água, o ar, o calor, etc. A casa é, no seu mais íntimo e restrito limite das paredes, do quintal das portas e janelas, um retrato das vidas que as ocupa.

A casa está sempre vinculada ao espaço da produção e consegue materializar-se nas ações que o trabalho social realiza. Para muitos representa uma fonte histórica das diferentes relações que produziram um dado espaço social.

Através da casa, busco compreender as condições de moradia na zona rural da região Agreste/Brejo paraibano, e para tanto levo em consideração os elementos que determinam tais condições: as relações sociais, o tipo de casa, sua forma geométrica, os materiais usados, a propriedade e o tamanho do espaço ocupado, etc. Elementos que permitem uma análise a partir de informações concretas de uma realidade de vida social.

No caso da zona rural, o tipo de moradia representada na paisagem e sua organização espacial, compreende diferentes momentos nas relações de produção daquele ambiente. O morar no campo é considerado até certo ponto, enquanto uma experiência do rústico, do simples. Apesar de que existem grandes casarões que contrastam com a grande maioria das casas do meio ambiente rural.

"Morar não é fracionário. Não se pode morar um dia e no outro não morar.
Morar uma semana e outra não morar. Não é possível pedir um pedaço "de casa" para morar". (RODRIGUES, 1989:).

Se morar é preciso, e tal condição vem se alterando no decorrer do tempo histórico, tenho que, pensar o ambiente rural paraibano no ambiente da senzala, da casa grande, dos casebres de taipa e das moradias simples que foram abundando o campo paraibano. Para no seio da sociedade moderna, identificar a situação atual de moradia da parcela social que vive no campo ou nas periferias urbanas de região em estudo.

Como desdobramentos das dinâmicas sócio-econômicas mas recentes, tenho que as margens da produção do território paraibano, o que era morador de condição, foreiro, pequeno proprietário, etc. formam o contingente dos excluídos da posse do grande capital, que coexistiam em uma convivência amistosa com os grandes proprietários, mas com a expansão canavieira, fazendas de gado e outras atividades concentradoras de terra, estas relações mudaram completamente.

É importante destacar significativas mudanças nesse sentido do morar em áreas de monocultura canavieira em território paraibano do Litoral e do Brejo.

Nos Brejos serranos da Paraíba, a pequena produção de policultura, foi perdendo espaço para uma paisagem (mono)uniforme onde a cana passou a predominar. O engenho foi sendo construído para uma produção local de açúcar mascavo e rapadura que abastecia o mercado consumidor do Agreste e Sertão. Mas a medida que este tipo atividade ganhou maior valor econômico, a cana-de-açúcar passou a ser a atividade de maior importância do Brejo. Vários engenhos se transformaram em usinas e chegaram condição de destilarias de álcool.

No Litoral a modernização agrícola e os investimentos do Governo Federal em subsídios para a produção canavieira e a instalação de destilarias de álcool que substituiu a usina e boa parte da força de trabalho ficou por conta das máquinas (tratores, guinchos, etc.). É importante dizer que em algumas áreas do Brejo, houve junção do processo produtivo, de forma que muitos engenhos continuaram funcionando, em especial nas áreas muito acidentadas do ponto de vista morfológico, o que impediu o intensivo uso de mecanização.

A Mecanização atingiu todas as áreas de produção canavieira e mesmo de forma menos expressiva no Brejo, pude observar uma forte expansão das periferias urbanas com casebres das antigas relações de morador que ainda subsistia no Brejo e no Litoral paraibano.

Para entender como se dará a organização do espaço em região canavieira, do Litoral e Brejo a partir dos anos 70, e nele as condições e condicionantes do morar, será preciso entender as alterações que vem sofrendo o espaço urbano dessa região, que está diretamente ligado ao crescente deslocamento da população rural para as cidades. Quando a população é obrigada a sair do campo, para morar nas periferias urbanas locais, observa-se uma significativa alteração das relações espaciais e também de produção, pois no interior das grandes propriedades, o sistema morador, reservava tempo/espaço para uma produção subsistente de alimentos e de excedentes para as feiras livres locais. O morar e o trabalhar no campo estão intrinsecamente inter-relacionados.

Quando a cana-de-açúcar ocupa o lugar das culturas de subsistência, ela possibilita imbricações que modificam as antigas relações de moradia e produção do espaço local (posseiros, foreiros, meeiros, arrendatários, etc.) . Aos usineiros detentores do grande capital não mais interessa que pequenos sítios e casas de agricultores estejam espalhadas pela sua propriedade. Estas "rugosidades", aos olhos dos usineiros, precisam desaparecer da paisagem que se tornará uniforme e verdejante com a presença do canavial.

Esse elemento que passa a marcar totalitariamente a paisagem, será uma agricultura traçada geometricamente pelas máquinas e novas técnicas de plantio e colheita. O processo de desenvolvimento tecnológico da atividade canavieira havia chegado ao seu mais alto estágio, saindo da condição de engenho colonial, para as usinas de açúcar e finalmente para as destilarias de álcool e produção canavieira mecanizada.

Todo esse sistema convergirá para a usina/destilaria, símbolo maior do esplendor desse novo momento econômico. E em contrapartida, passa a existir uma pressão destes proprietários de terra e de capital industrial, convergindo com a perseguição e expulsão de trabalhadores que se posicionassem em forma de resistência, organização e luta pelos seus direitos.

Nesse processo, alguns movimentos de trabalhadores rurais, passam a pressionar autoridades federais e estaduais do setor fundiário, rural e judiciário em busca dos seus direitos. Em muitos casos com desfechos trágicos, com violência e assassinato de lideranças sindicais, religiosas e de agricultores que tomavam a frente dos movimentos e eram reconhecidos como líderes dos trabalhadores rurais.

Aos pequenos agricultores restou a condição de expulsos do campo, com suas plantações destruídas, suas casas derrubadas e suas "tralhas" despejadas para fora da terra com toda a família.

Com a crise do Proálcool depois dos anos de 1985, muitos usineiros, não conseguiram reerguer suas atividades, gerando dívidas aos bancos, não pagando aos seus fornecedores e contraindo muitas dívidas trabalhistas, tanto no Litoral, quanto no Brejo paraibano. Municípios como Sapé, Cruz do Espirito Santo e Areia tiveram propriedades inteiras desapropriadas pelo INCRA, gerando em algumas dessas propriedade, áreas de acentamento de ex-funcionários das usinas e trabalhadores rurais sem terra que haviam transformado estas áreas em acampamentos ou ocupações para fins de Reforma Agrária. Mesmo assim, muitos foram os trabalhadores rurais que abandonaram o campo e foram viver nas periferias urbanas dessas regiões canavieiras.

Para (MOREIRA, 1997:181), de 1976 a 1996, centenas de conflitos eclodiram no território paraibano, em especial na zona canavieira do Litoral e do Brejo paraibano.

Eram conflitos de diferentes ordens, mas todos relacionados como expulsão e quebra dos tradicionais laços de agricultura familiar em sistemas de posseiros, foreiros e moradores. Estes conflitos foram se estendendo para o Agreste e com menos intensidade chegou ao Cariri e ao Sertão. No Brejo e até nas áreas de pequenas e médias propriedades rurais, ocorreram conflitos.

No geral, muitas áreas só conseguiram desapropriação, com 15 ou 20 anos, de processos no INCRA, isso em pleno processo de tensão constante dos latifundiários.

Dois fatores estão relacionados diretamente aos conflitos: a) o rápido e intensivo processo de modernização agrícola (mecanização no campo) e; b) o violento processo de desemprego e despejo de agricultores que viviam no sistema morador, dentro das terras das usinas e engenhos.

Só para ter uma idéia, das 16 usinas existentes na Paraíba, 11 instalaram destilarias e destas, 07 eram destilarias autônomas das usinas. No Brejo paraibano chegou a funcionar duas distilarias, uma usina de açúcar, além de dezenas de engenhos. Em todas estas áreas, ocorreram conflitos de terra, sem falar nas áreas exclusivamente de fornecedores de cana-de-açúcar para as usinas e destilarias.

Mais de oitenta conflitos ocorreram em pleno Brejo paraibano, de 1970/96. Em maio de 1996, ainda existiam 35 conflitos sem solução efetiva. (Ibid. pp. 181-82) De 1993/96 só existiam 28 áreas desapropriadas. É bom lembrar que de 1985 em diante, os usineiros viveram uma fase de falência e abandono da atividade canavieira. Até 1997, o INCRA/INTERPA-PB, haviam assentado 67 áreas rurais. No Brejo eram 17 áreas de assentamentos até este período. (p. 186) Moreira (1997), fez um mapeamento da estrutura fundiária na Paraíba, levando em consideração os dados do INCRA, de diferentes épocas. Mas é relevante considerar o percentual de estabelecimentos com mais de 500 há. Estes estão predominantemente concentrados no litoral paraibano, em trechos da Borborema e do Sertão. As áreas com menores concentrações fundiárias estão localizadas no Agreste e Alto Sertão da Paraíba. Como já havia citado anteriormente as menores concentrações fundiárias estão ao Norte de Campina Grande e entornos do Brejo.

Para se ter uma idéia geral do quadro agrário da Paraíba, basta dizer que os minifúndios e mesofúndios, não chagam a representar nem 25% do território paraibano. (p.116) Para encerrar essa questão é importante dizer que dos anos 60 até os anos 90,mais de 15 agricultores ou lideranças, foram assassinados na Paraíba. A Comissão Pastoral da Terra (CPT/1996), juntamente com a professora Emília de Rodat, fizeram um levantamento nominal e chegaram aos principais assassinatos na Paraíba: 1962 – João Pedro Teixeira; 1964 – João Inácio Filho (Nêgo Fuba) e Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro), membros da Liga Camponesa de Sapé; 1976 – José Antônio Ferreira, em Alhandra; 1981 – José Severino da Silva (Alagoa Grande), José Silvino, em C. do Espirito Santo; 1983 – Margarida Maria Alves, em Alagoa Grande; 1984 – Antônio Nunes de Lima, em Dona Inês; 1986 – José Soares Primo, em esperança, Severino Moreira, em Itabaina e Anastácio Abreu e Lima em Rio Tinto; 1988 – José Avelino, no Conde; 1989 – Severina Rodrigues (Bila), em Alhandra; 1990 – Antônio Maria da Silva, em Alagoa Grande; 1995 – Paulo Gomes Nascimento, em Mamanguape. Todos estes trabalhadores rurais deram a vida na luta pela terra ou pela Reforma Agrária na Paraíba. (p. 188) O Urbano em Região Canavieira e as contradições do viver e trabalhar O espaço urbano, "terra de ninguém", passa a ser o local "natural" de absorção dessas famílias, que anteriormente eram os principais produtores de alimentos para essa mesma cidade.

É neste contexto que os antigos moradores da zona rural, expulsos da terra, chegam para morar no espaço urbano. sem muito entender o "supetão das mudanças acordam na "rua", atordoados diante de tantas novidades que só o urbano pode oferecer, mas que nem todos podem absorver.

A cidade que só era visitada nos dias de feira, casamento ou batizado, passa a ser o lugar cotidiano dos muitos antigos camponeses, agora "cidadãos do campo".

O que esperam da cidade? A cidade terá espaço para todos? Que tipo de espaço/morar? Agora a escola dos filho será mais fácil? como se manter nesse futuro/presente espaço? Se no campo tudo era naturalmente certo, na cidade o natural é artificial e incerto.

No urbano são outros modos, outros costumes, será que se adaptarão? Estes e outros questionamentos serão os principais problemas que o espaço do real coloca, e aos quais busquei na análise e reflexão um sentido, ou quem sabe algumas respostas.

De certeza, pude observar que nas três ultimas décadas, o espaço urbano do Litoral e Brejo canavieiro paraibano vem passando por crescentes transformações. Cidades que anteriormente se restringiam ao seu centro original, em menos de trinta anos atraíram para suas periferias, um imenso cordão de pessoas que, expulsos do campo passaram a compor as pontas de ruas ou beiras de estradas.

O crescimento da população urbana nas médias cidades do litoral e Brejo canavieiro, trazem uma infinidade de problemas, tais como: falta de moradia, casas sem infra estrutura, sem água encanada, sem esgoto, falta de emprego, etc.

Processos de favelização semelhantes aos dos grandes centros do país, passam a ser comum nessa região, com um grande número de pessoas "desocupadas" e famintas. O índice de violência, roubo, embriagues e outros males sociais tomam a cena das famílias que saem do campo para a cidade.

Se pego casos da periferia de Areia, Alagoa Grande ou Santa Rita posso notar que este é um espaço com características de ocupação recente. Onde pelo traçado das ruas e construções, observo que não houve um planejamento geográfico, nem arquitetônico do lugar.

As ruas não seguem um padrão em seu traçado, várias ruas são bastante tortas, não são calçadas, apresentam muitos buracos e valetas, correndo pela frente das casas água proveniente dos lavabros e banheiros, que em contato com a areia formam um lamaçal. Em contrapartida, crianças brincam, semi-nuas e descalças no lameiro. Assim é a periferia de destas e de muitas outras cidades da região canavieira do Litoral e Brejo da paraíba, especialmente nas ultimas décadas.

Os pequenos casebres, construídos de taipa (barro com madeira), sem reboco, geralmente muito baixas (economia de material), algumas ainda com chão batido, denotando semelhanças com as favelas dos grandes centros urbanos nacionais.

Para entender essas comparações, busquei em RODRIGUES (1989) algumas noções de moradia das cidades brasileiras, em que ela apresenta uma idéia do que se pensa sobre favela. A favela é considerada como uma ocupação judicialmente "ilegal" de terras. Terras sem uso, em geral do poder público, ocupadas por famílias sem terra e sem teto.

A autora afirma que, para muitos a favela representa um câncer urbano, que indiscriminadamente invade os vazios urbanos, um antro de marginais, onde o que predomina é uma paisagem disoladora de barracos em madeira, taipa, etc.

As favelas se instalam nos "piores" lugares, em áreas que estão sempre sujeitas a enchentes, desabamentos, etc. Todos estes elementos são bem visíveis e estão presentes em cada cidade que se localiza em região canavieira do Litoral e Brejo paraibano.

Nesse contexto, posso vislumbrar um espaço produzido pelas leis do capitalismo, para aqueles desprovidos de capital, que expulsos das antigas relações de moradia no rural, que sem um pedaço de terra para plantar e para morar, formam agora um legião de excluídos, considerados como meros serviçais temporários dos latifundiários canavieiros da região.

Este quadro demostra para BUARQUE (1993), uma crua realidade de "apartação" sócio-econômica, típicas das relações sociais desiguais e conflitantes.

O "apartheid" social fica transparente, quando pelo morar, pelo vestir e possuir bens indispensáveis ao bem estar, sendo banqueteados por uma minoria de incluídos do processo produtivo; enquanto que, os mesmos direitos, são completamente negados aos trabalhadores e as suas famílias.

Viver essas condições de contradições é uma situação típica do subdesenvolvimento nas regiões de capitalismo periférico. É o mesmo que "passar da barbárie a decadência, sem passar pela civilização", como afirma Oscar Wild. Ou seja, depois dos grandes avanços técnico-científicos, em que as máquinas já começam a substituir o trabalho humano em vários setores da produção, na região dos canaviais paraibanos o ambiente de morar foi destituído do espaço reconduzindo as populações rurais para as periferias urbanas.

Como salienta a profª. Emília de Rodat, "o homem expulso da terra, só tem uma terra a buscar, é a ponta de rua da cidadezinha, lugar que antes só ia a negócios".

Agora, ele e sua família são habitantes de um "novo chão", muitas vezes cedido, alugado, ocupado, etc. Nesse novo espaço, o que conta é o desconforto. Tão perto da feira e sem poder freqüenta-la, a não ser na condição de pedinte. Esse é o destino de muitas famílias em municípios canavieiros da paraíba.

Tanto no Brejo quanto no Litoral canavieiro, passaram a existir algumas casas de Vilas de Usinas. Na maioria das vezes, são "casinhas" (10X06), com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um pequeno terraço, que em muitos casos comportam famílias com mais de dez (10) pessoas.

Cercadas de cana por todos os lados, as vilas ficam isoladas e distantes de "tudo".

Morar nas Vilas de Usina, é depender de um careiro barracão, espaço das compras em "fiado"; saber que os filhos não possuem muitas oportunidades em estudar; não ter um posto médico em real funcionamento e ter como certeza a desolação de saber que estar no campo, mas ao mesmo tempo não estar: de que estar na cidade, mas na verdade isso tudo é uma contradição chamada concentração de uma micro-cidade do real fictício. Que não é cidade pois não oferece os serviços mínimos que a cidade dispõe e não é campo pois não existe um espaço para uma produção familiar que possa ampliar a renda do grupo social que vive nas vilas de usinas.

O mais interessante não são as casas, mas as condições e condicionastes de vida dos seus moradores. Eles são na sua maioria, antigos ocupantes de pequenos sítios de policultura para subsistência e abastecimento das proximidades, que com a penetração da cana, foram "expulsos" "por livre e espontânea vontade", para essas novas moradias de Vilas. Falo de liberdade e espontaneidade pois em entrevistas realizadas nestas vilas, alguns agricultores contaram das "vantagens" oferecidas pelos usineiros para que eles abandonassem a antiga vida de pequenos produtores e passassem a condição de assalariados da usina, em que iriam ter rendimento certo todo mês: casa de alvenaria e cimentada para morar: escola perto para os filhos estudar: água potável e de boa qualidade em abundância: eletrificação e atendimento médico, etc.

Quando das entrevistas com os trabalhadores das usinas que moram das vilas, notei que anteriormente, todos moravam em casas afastadas (sítios da região), locais em que eram pequenos produtores de feijão, milho, mandioca, fruteiras, pequenas criações, etc. Esta atividade complementava a renda do trabalho nos canaviais e mesmo havendo o isolamento típico do meio rural, mas existia um espaço de produção subsistente.

Agora encontram-se "concentrados" em um micro-espaço, aparentemente melhor que antes, especialmente ao primeiro olhar de organização, com casas geometricamente bem distribuídas, todas em alvenaria, telhadas e cimentadas, diferentemente das casas de taipa que espalhavam-se pelo espaço sem uma seqüência métrica.

Mas agora não se tem mais a terrinha para a roça, as fruteiras, os canteiros de verduras e a criação de galinhas de "capoeira", ficam apenas nas recordações e na memória dos entrevistados.

Estes foram os agricultores passivos, que não arriscaram-se em resistência a expansão da cana e conseqüente expulsão. Submeteram-se a, em troca do antigo lugar de moradia e de produção, passarem para as vilas como trabalhadores documentados (reconhecidos) pelas usinas como seus.

Este é apenas um aspecto do processo produtivo na paraíba. Trago a cena o caso da cana-de-açúcar e dos usineiros nessa relação com os trabalhadores rurais, pois é o caso mais marcante do Litoral e Brejo Paraibano. Mesmo sabendo que esse não seja o enfoque central da pesquisa, quero apenas ressaltar a importância de entender a produção do espaço agrário paraibano, enquanto uma instância social e construção territorial historicamente instituída na paisagem rural e urbana.

Observar as agrovilas em zona canavieira, é antes de mais nada, recordar as antigas vilas operárias dos primórdios da Revolução Industrial, onde para o Capitalismo apresentavam-se como vantagens. No atual momento, com os complexos agro-industriais em franco desenvolvimento, a mão-de-obra rural passa a ser bem menor, pois uma só máquina consegue fazer o que muitos trabalhadores levavam muito tempo para fazer. Os tratores, as enchedeiras, as coletadeiras e etc., pouco a pouco ocupam o espaço da produção, intensificando-a e dispensando trabalhadores.

Outro elemento importante é o caso das casas de sítios que se espalhavam pelo espaço, o que dificulta a uniformidade da produção e o trabalho das máquinas, daí que em áreas de monoculturas, tipo a cana-de-açúcar, essa atividade vai tomando o espaço das casas e de outras plantações, dando ao ambiente uma característica mono. Só assim justifica-se a existência das vilas de usinas, garantir uma mão-deobra cativa e segura e uma espaço de produção ampliado.

Nas vilas se tem água de uma cisterna, energia elétrica e fossas. Mas, como reclamam algumas mulheres que lá moram, "é muito diferente da roça, aqui a gente tem que comprar tudo; na roça a gente tinha uma fruta, uma macaxeira, uma criação de galinha e muitas outras coisas: "aqui a gente dependendo do dinheiro que cada dia é mais minguado" . "Num vejo o dia de ter minha terrinha pra plantar sem precisar comprar".

Ao observar fala, noto que as pessoas não se sentem daquele ambiente, a linguagem de boas recordações demonstram a artificialidade do lugar. Nesse sentido, a casa como um micro-espaço geográfico não tem sentido sem a extensão do quintal e da roça. Fica claro a grande diferença que existe para o camponês em relação ao espaço da cidade e seus limites e o espaço por ele culturalmente vivido, isto é, a casa não se limita as suas paredes, mas a todas as ações que o agricultor consegue realizar para se e os seus no sentido de produzir dia-a-dia a gestão de suas necessidades, e para isso ele precisa da terra, assim como o peixe precisa da água. Fica claro que para o camponês, sua casa é sua terra, a roça, o terreiro de galinhas. Não basta o limite de quatro paredes, daí que mesmo quando o modo de produção imposto tenta criar artifícios de um novo viver e morar para o campesinato, mais a frente sentirá que para os camponeses não bastam os " campos de concentrações , mas a concentração dos campos em suas mãos para que eles realizem o "milagre do pão", não um pão mercadoria , mas um alimento sagrado para o sustento dos seus e de outra parte da sociedade.

O que anteriormente era possível, era real, agora flui apenas no imaginário camponês, como algo distante. Agora como prisioneiro de um salário, ver na vila as grades dessa prisão. Um banzo toma conta dos sentimentos enquanto a mente vagueia pelos seus "ilimitados" espaços do pensar.

A crua realidade dos fatos lhes coloca diante de mudanças das quais ainda não foi possível se adaptar, quando falam do lugar passado, são uma representação viva do tempo em movimento, um pedaço do que eram antigas relações de moradia, de parcerias, onde a cana não era tão voraz, onde os latifundiários não iam atrás de pequenos "monturos" de suas grandes extensões.

Identificam na cana o principal responsável pela situação, desconhecendo as imbricadas e extensas redes de composição daquele quadro.

" Trabalho na cana porque não tem outro jeito ". Caso não queiram trabalhar perdem o "direito" de morar na vila, ficando claro a certeza de que a casa é uma quimera, uma ilusão que lhes aprisionam. Mas, perdido o direito de acesso a terra, e, entre a casa da vila e a incerteza da cidade, a submissão como resposta.

Mudaram os grilhões, continua a exploração. Isso é a produção capitalista dos espaços e pessoas, como meros elementos de sua composição estrutural.

 

Referências:

BREITBACH, Áurea C. de Miranda. Espaço e Sociedade: O Papel do Trabalho na Transformação da natureza. In: Estudos sobre o conceito de Região . Porto alegre, RS. N.º 13, Agosto de 1988.

BUARQUE, Cristovam. O que é apartação social? - O apartheid social no Brasil . São Paulo: Brasiliense, 1993.

EGLER, Cláudio Antonio G. & MOREIRA, Emília de Rodat F. Ocupação Territorial da Paraíba. In. Atlas Geográfico do Estado da Paraíba e Governo do Estado da Paraíba . João Pessoa: Grafset, 1985.

JÚNIOR, Caio Prado . História Econômica do Brasil. São Paulo:Brasiliense, 1976.

MARTINE, George. Fases e faces da modernização agrícola brasileira . Rio de Janeiro: IPLAN – Inst. de Planej. n.º 15, 1989 MOREIRA, Emília de Rodat F. Notas sobre o processo de modernização recente da agricultura brasileira. Boletim de Geografia Nº 7. Departamento de Geociências/UFPB, l988.

MOREIRA, Emília de Rodat F & MOREIRA, Ivan Targino. Agro indústria Canavieira Paraibana: expansão e crise. ANAIS XI - Encontro Nacional de Geografia Agrária. Universidade Estadual de Maringá. 1992.

MULLER, Geraldo. Complexo Agro-industrial e Modernização Agrária . São Paulo: Hucitec, 1989.

PATRICK, G. F. Fontes de Crescimento na Agricultura Brasileira. Tecnologia e Desenvolvimento Agrícola. (série monografia). Rio de Janeiro: IPEA, 1994.

RODRIGUES, Arlete Moysés. Moradia nas Cidades Brasileiras. São Paulo: Contexto, 1989.

SILVA, José Graziano da. O que é questão agrária . São Paulo: Brasiliense, 1982.

SILVA, José Graziano da. Modernização Dolorosa . Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

UMBELINO, A. A Geografia das lutas no campo . São Paulo: Contexto, 1988.

VEIGA, José Eli. O que é Reforma Agrária . São Paulo: Brasiliense, 1984.

 

Doutorando em Sociologia pelas UFPB/UFCG. Prof. da UEPB.

Considero como interior a porção Agreste, Borborema ( Cariri, Curimataú e Brejo) e Sertão do Estado.

O sistema de queimada como prática de limpa da terra, foi desenvolvida pelos índios, mas como eles não eram totalmente sedentários, se deslocando quando o ambiente não respondia pelas suas necessidades, a natureza degradada pelos índios ficava para traz e se reintegrava lentamente.

PROÁLCOOL – Programa Nacional Álcool. Experiência energética alternativa ao consumo de gasolina, implantado pelo governo federal brasileiro entre os anos de 1975 a 1985. Esse programa subsidiava usineiros ao plantio de cana de açúcar e implantação de destilarias para produção de álcool combustivel para autoóveis de pequeno porte.

Posseiro aquele que não possui título de propriedade mais vive e trabalha na terra a muitos anos; Meeiros – aqueles que produzem em terras que não lhes pertencem e dividem meio a meio o que produziram com os proprietários da terra; Foreiros – aqueles que pagam anualmente um foro pelo uso ta terra, uma espécie de aluguel simbólico; Arrendatário – aquele que aluga terra para produzir e paga este aluguel em dinheiro.

Minguado, mesmo que pouco ou insuficiente, termo usada pelos camponeses da região.

Monturo é o mesmo que fundo de quintal para os moradores da zona rural nordestina

 

Belarmino Mariano Neto
belogeo[arroba]yahoo.com.br


 
As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.