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Estudos Avançados em Saúde e Exercícios - Treinamento: Ganhos de Massa Muscular (página 2)

Paulo Gentil

 

TEMPO DE CONTRAÇÃO X REPETIÇÕES

Note que eu falei em tempo de contração e não repetições, prefiro usar este termo e livrar-nos desta prisão algébrica e da famigerada 3x10. Muitos autores atribuem a hipertrofia ao tempo em que o músculo permanece sob tensão e não somente a determinados algarismos. Segundo VERKHOSHANSKY (2000) "a chave para o tamanho muscular é levantar um peso de cerca de 80% do máximo por 8-12 repetições durante 40-60 segundos" (p.27). POLIQUIN por exemplo, refere-se a tempos entre 20 e 70 segundos como ideais para ganhos de massa muscular. Este autor propõe uma perspectiva de análise onde leva-se em conta o tempo da fase excêntrica, da pausa e da fase concêntrica, por exemplo, realizar agachamento com 3 séries de 6 repetições com tempo 321, significa que você levaria 3 segundos para descer, pararia no "fundo" do agachamento durante 2 segundos e subiria em 1 segundo (o primeiro digito se refere a fase excêntrica o segundo a pausa e o terceiro a fase concêntrica).

CONCLUSÃO

Esqueça a fórmula mágica, esqueça "o número ideal de repetições", esqueça o que você leu em revistas "especializadas" e esqueça as séries imutáveis.

Para alcançar seus objetivos é imprescindível usar racionalmente todas as estratégias. Segundo boa parte dos verdadeiros especialistas tempos de contração próximos a 60 segundos, com repetições durando entre 4 e 6 segundos (tempos 301 a 402) seriam indicados para compor a maior parte da elaboração dos treinamentos de hipertrofia, porém esta metodologia não deve ser a única.

Prender-se a números de repetições pode até prejudicar seu desenvolvimento. O segredo está em manipular todas as variáveis de acordo com o músculo, características individuais e o objetivo do treino. Deve-se organizar tudo adequadamente dentro de um planejamento a curto prazo, que deve estar devidamente estabelecido no planejamento de médio prazo, o qual por sua vez é componente do planejamento a longo prazo. A montagem e prescrição de séries são fatores muito complexos e o menor detalhe deve ser visto sempre como componente desta estrutura intrincada e potencialmente instável, o sucesso tem muito a ver com o conhecimento e manipulação destas variáveis, daí a importância de ter um bom profissional lhe acompanhando.

***Veja mais informações no livro "Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia", do professor Paulo Gentil***

  • HÄUSSINGER D, et al, Cellular hydration state: an important determinant of protein catabolism in health and disease. Lancet, 341(8856):1330-2 1993 May 22;
  • KRAEMER WJ et al. Hormonal and growth factors response to heavy resistance training protocols. J Appl Physiol. 69(4): 1442-1450, 1990
  • MILLAR ID ; et al, Mammary protein synthesis is acutely regulated by the cellular hydration state. Biochem Biophys Res Commun, 230 (2):351-5 1997 Jan 13
  • POLIQUIN, C. The Poliquin Principles. Dayton Writers Group, California, 1997
  • RUSSELL B, et al. Repair of injured skeletal muscle: a molecular approach. Med Sci Sports Exerc 1992 Feb;24(2):189-96).
  • SCHULTZ E, et al. Effects of skeletal muscle regeneration on the proliferation potential of satellite cells. Mech Ageing Dev 1985 Apr;30(1):63-72.
  • VERKHOSHANSKI, Y.V. Hipertrofia Muscular: Body-building. Editora Ney Pereira, Rio de Janeiro, 2000.
  • WALDEGGER S, et al, Effect of cellular hydration on protein metabolism. Miner Electrolyte Metab, 23(3-6):201-5 1997;

 

Como desenvolver as panturrilhas

A panturrilha é denominada formalmente tríceps sural, recebendo esse nome por ser composta de três músculos: sóleo, gastrocnêmio medial e gastrocnêmio lateral. O sóleo é o músculo mais interno, e atua como motor primário da flexão plantar com a perna flexionada (como no aparelho conhecido por burrico). Os gastrocnêmios são mais superficiais e também fazem a flexão plantar só que sua atuação é mais evidente quando o movimento é realizado com a perna estendida, podendo participar também da flexão do joelho. O desenvolvimento deste grupo muscular talvez seja o maior desafio dos praticantes de musculação, tanto que muitos desistem da tarefa e usam a carga genética para explicar o seu insucesso e justificar sua atitude.

A suposição de que a genética seria determinante deve-se ao fato desta região possuir grandes quantidades de fibras vermelhas, que são menos sujeitas a hipertrofia. Sendo assim, supõe-se que pernas bem desenvolvidas seriam privilégio de pessoas abençoadas que carregam em seu código genético maiores proporções de fibras brancas e, por que não dizer, maiores números de fibras musculares. Contra os pessimistas há uma equação básica da Biologia que diz: fenótipo = genótipo X ambiente. A mensagem codificada nos genes com certeza poderá influenciar seu desenvolvimento muscular, mas você pode melhorar, e muito, esse potencial com um treinamento adequado.

Algumas dicas para desenvolver as panturrilhas são:

  1. trabalhe na maior amplitude de movimento possível - desça o máximo que puder e aproveite os momentos de contração, lembre-se: quanto maior for a amplitude de movimento maior o recrutamento de unidades motoras (veja também Amplitude).
  2. alongue-se (ver alongamento, IGF-1, hipertrofia....).
  3. não esqueça a fase excêntrica - os benefícios da fase negativa do movimento já são bem conhecidos, mas geralmente são negligenciados no treinos de panturrilha
  4. esqueça o "burrico" por uns tempos – prefira os aparelhos em que o exercício seja feito com as pernas estendidas, pois assim ativará melhor os gastrocnêmios, que possuem maiores proporções de fibras rápidas que o sóleo. (cerca de 60% para o primeiro e menos 15% para o segundo)
  5. treine com intensidade – não faça das séries com repetições muito elevadas seu único método de treino. Como qualquer outro músculo de seu corpo, a panturrilha precisa de intensidade para se desenvolver.
  6. mantenha controle do movimento tanto na fase excêntrica quanto na concêntrica – isto lhe proporcionará maior tempo de contração e melhores respostas anabólicas.
  7. Leve o treino de perna a sério e não desista – segundo Charles Poliquin: "se fosse imposta uma lei nas academias dizendo que para cada série de bíceps realizada fosse feita uma de panturrilha, daqui a um ano, você veria a média das medidas de panturrilha crescer, no mínimo, cinco centímetros". Concordo com Poliquin e acrescentaria um artigo a esta lei determinando que as séries deveriam ser feitas com a mesma dedicação, concentração e intensidade.

Quanto as drogas localizadas, não tenho conhecimento de nenhuma com efeito a longo prazo que valha o risco. A Synthol tem causado uma onda de amputações e quase levou um fisiculturista profissional a morte (o mesmo pode valer para o ADE). É improvável que os anabolizantes derivados da testosterona atuem seletivamente no músculo em que são aplicados, pois eles caem inevitavelmente na circulação e são difundidos pelo corpo inteiro.

Não estou dizendo que se você seguir meus conselhos seus problemas serão resolvidos, apenas estou apresentando possíveis soluções para este terrível pesadelo dos "marombeiros", e fonte de lucro dos vendedores de calças e bermudões. Lembre-se que qualquer treino exige esforço, persistência e dedicação, por que iria ser diferente com a panturrilha?

 

Alongamento e hipertrofia

Alongamento: IGF-1, bag-stretching e hipertrofia.

Constantemente ouvíamos "marombeiros" falando: "não alongue pois atrapalha o ganho de massa muscular!","alongamento não serve para nada!". O legado desta teoria infundada é o grande número de malhadores com a musculatura encurtada, vemos freqüentemente bíceps que não estendem totalmente, ombros projetados à frente, escápulas elevadas...

Muitos desconhecem que o alongamento não serve só como meio de profilaxia de lesões ou na promoção da batidíssima qualidade de vida. Na verdade exercícios de alongamento podem favorecer o anabolismo através de duas maneiras distintas: aumento do espaço físico dentro da fibra muscular e liberação de hormônios anabólicos

Alguns autores acreditam que o alongamento da célula favorece o crescimento da fibra muscular por aumentar o espaço físico (HAUSSINGER, 1990 e 1993; MILLWARD, 1995). Supõe-se que ao "esticarmos" a célula, ocorre a dilatação dos tecidos conjuntivos que as envolvem. Além disso, há uma relação de proporcionalidade direta entre dimensão da célula muscular e sua quantidade de núcleos (ALLEN et al, 1995; MOSS, 1968). Outra suposição é que o contato físico entre as células musculares pode ser um sinal para que as células satélites permaneçam inativas, portanto ao aumentar-se o espaço entre as fibras, tais células ativam-se e formam novos núcleos e/ou novas fibras (BISCHOFF et al, 1990). Lembre-se: no núcleo se encontra o DNA, a partir do qual é sintetizado o RNAm, que por sua vez direciona o processo de síntese protéica. Tire daí sua conclusão...

Existem autores que se referem à hipertrofia ao aumento do IGF-1 em animais submetidos a alongamentos. Os resultados são impressionantes, os músculos chegam a crescer 85% e a expressão de RNAm para a síntese de IGF-1 aumenta até 40 vezes. Diversas pesquisas publicadas verificaram que o alongamento é uma maneira extremamente eficiente e rápida de induzir hipertrofia, proporcionando aumento na produção de proteínas contráteis e no número de sarcômeros, tanto em série, quanto em paralelo, o que obviamente pode ser ainda mais significativo com a utilização concominante de sobrecarga. (GOLDSPINK, 1999, JAMES et al, 1997, MITCHELL et al, 1999, YANG et al, 1996; YANG et al, 1997). Mas lembre-se que há inegáveis limitações na generalização das pesquisas acima, pois é muito difícil reproduzir as metodologias em humanos.

Na prática, existem diversas maneiras de aproveitar os exercícios de alongamento, muitos fisiculturistas, por exemplo, utilizam-se deles entre suas séries, o único cuidado a ser tomado é com a intensidade, pois um exagero na amplitude ocorrida na hora e maneira erradas pode causar lesões nos músculo e demais tecidos, o que te afastará dos treinos por um bom tempo. É interessante ressaltar que a maioria dos estudos refere-se a alongamentos intensos, o que seria entendido como treinos de flexibilidade, há relatos de estiramentos superiores à 20% do comprimento normal do músculo mantidos por horas, dias e até semanas, o alongamento leve, estilo relaxamento, certamente tem um efeito importante, mas dificilmente lhe trará os benefícios citados neste artigo.

Se você acreditava na antiga teoria de negligenciar (ou negar) o alongamento, pode ser que tenho sub-utilizado seu potencial de crescimento, pois, ao contrário do que se dizia, o alongamento ajuda, e muito, o processo de hipertrofia. Então o que você está esperando: ALONGUE-SE.

Veja mais em Amplitude

  • MITCHELL P, STEENSTRUP T,HANNON K. . Expression of the fibroblast growth factor family during postnatal skeletal muscle hypertrophy. J. Appl. Physiol.86(1): 313–319, 1999.
  • ALLEN DL, MONKE SR, TALMADGE RJ, ROY RR, EDGERTON VR. Plasticity of myonuclear number in hypertrophied and atrophied mammalian skeletal muscle fibers. J Appl Physiol 1995 May;78(5):1969-76
  • BISCHOFF R. Interaction between satellite cells and skeletal muscle fibers. Development 1990 Aug;109(4):943-52 GOLDSPINK, G et al. Changes in muscle mass and phenotype and the expression of autocirne and systemic growth factors by muscle in response to stretch and overload. J Anat 1999 Apr;194 ( Pt 3):323-34
  • HÄUSSINGER, D., et al., "Cell Swelling Inhibits Proteolysis in Perfused Rat Liver," Biochem. J. 272.1 (1990) : 239-242.
  • HÄUSSINGER, D., et al., "Cellular Hydration State: An Important Determinant of Protein Catabolism in Health and Disease," Lancet 341.8856 (1993) : 1330-1332.
  • JAMES RS, COX VM, YOUNG IS, ALTINGHAM JD, and GOLDSPINK DF. Mechanical properties of rabbit latissimus dorsi muscle after stretch and/or electrical stimulation. J. Appl. Physiol. 83(2): 398–406, 1997.
  • McKOY, G et al. Expression of insulin grwth factor-1 splice variantes and structural genes in rabit skeleta muscle induced by stretch and stimulation. J Physiol (London), 1999)
  • MILLWARD, D.J., "A Protein-Stat Mechanism for Regulation of Growth and Maintenance of the Lean Body Mass," Nutr. Res. Rev. 8 (1995) : 93-120.
  • MOSS, F.P. "The Relationship Between the Dimension of the Fibers and the Number of Nuclei During Normal Growth of Skeletal Muscle in the Domestic Fowl," Am. J. Anat. 122 (1968) : 555-564.
  • YANG, H et al. Changes in muscle fiber type, muscle mass and IGF-1 gene expression in rabbit skeletal muscle subjected to estretch. J Anat, May 1997
  • YANG, S et al. Cloning and characterizatio of an IGF-1 isoform expressed in skeletal muscle subjected to stretch (J Mucle Res Cell Motil, Aug 1996

 

Livros (Body for life, Ente em forma em 90 dias, A fórmula...)

Atualmente, talvez por questões relacionadas à modernidade ou por modismo, alguns livros foram editados prescrevendo planos de exercícios e estratégias nutricionais para a melhora da saúde e da estética. Mas antes de uma simples ferramenta para alcançar finalidades estéticas e vender produtos, os exercícios físicos são excelentes meios de aprimorar o bem estar físico e mental de seres humanos, dentro de uma perspectiva complexa e com uma abordagem individualizada. 

O que parece estar sendo ignorado é quão devastadora pode ser uma rotina de treinamento realizada sem um profundo conhecimento dos fatores envolvidos. Quando há planos para construção de um prédio, uma equipe de arquitetos, engenheiros e outros especialistas, realizam pesquisas sobre o terreno, impacto ambiental e demais fatores inerentes à empreitada. O mesmo acontece com o organismo humano: deve-se saber sua condição atual, incluindo fatores que possam impedir o progresso ou prejudicar sua saúde, e isto não pode ser oferecido simplesmente pela leitura de um livro. Por melhores que os textos sejam, por melhores que sejam os seus autores, eles nunca poderão substituir um profissional qualificado orientando, corrigindo e demonstrando como alcançar os objetivos almejados, respeitando os limites e necessidades individuais.

Como a sociedade e a comunidade médica reagiriam se um leigo lançasse um livro ensinado a fazer um procedimento complexo, como uma cirurgia ou um transplante? Guardadas as devidas proporções, é como nós do GEASE, Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercício, nos sentimos ao ver obras como "Body for life", "Entre em forma em 90 dias" e "O programa das 10 semanas". Todas publicadas por profissionais sem formação em Educação Física. Livros como estes trazem uma visão limitada e perigosa do ser humano, reduzindo-o a sua manifestação física e sugerindo um programa de atividades de forma massificante, sem levar em consideração um dos princípios básicos do treinamento desportivo: a individualidade biológica, que determina que um programa deve ser direcionado para as necessidades e condições atuais do indivíduo.

A "receita" descrita nesses livros pode vir a funcionar com alguns, já com outros poderá não ocorrer nada e, pior ainda, trazer danos. Além disso, existem algumas informações descritas que a ciência ainda não encontrou resposta 100% fidedigna, como exercitar-se em jejum.

De acordo com nosso código de ética:

"O profissional de Educação Física, inscrito no CONFEF e, conseqüentemente, aderente ao presente Código de Ética, é conceituado como um interventor social, e como tal, deve assumir o compromisso ético com a sociedade colocando-se assim a seu serviço primordialmente, independente de qualquer outro interesse, sobretudo de natureza corporativista."

Por "qualquer outro interesse" leia-se também os ganhos financeiros e pessoais que podem advir da venda de livros e fatores relacionados. Por isso, nós do GEASE nos sentimos no dever de alertar a população que procure um profissional devidamente qualificado para orienta-lo na prática de exercícios, pois é somente ele quem tem formação e amparo legal para faze-lo alcançar seus objetivos e preservar sua saúde. O intuito desse posicionamento não é denegrir a literatura referida, mas sim demonstrar que é imprescindível procurar um Profissional de Educação Física para orientações adequadas quanto à prática de exercícios, fazendo que a mesma seja executada forma saudável e segura.

Nota:

A lei 9.696/98 atribui ao profissional de Educação Física a competência de "coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto."

O treino ideal

Um dos maiores problemas na ciência do treinamento está em estabelecer a quantidade ideal de treino, sempre ouvimos perguntas como: "quantos exercícios devo fazer?" ou "quanto tempo devo passar na academia?". Invariavelmente a resposta é: "depende". Apesar de ser impossível estabelecer a série ideal para todas as pessoas em termos quantitativos (volume) e qualitativos (intensidade) pode-se ter certeza que o problema com o treino da maioria das pessoas é que elas simplesmente exageram na quantidade e pecam na qualidade. A velha máxima "quantidade não é qualidade" também vale a musculação.

Há décadas atrás os alemães já falavam em algo como "treino econômico" e observando o comportamento de alguns russos pode-se ver o que chamo de "treino racional", porém estes conceitos foram pouco valorizados mais a oeste onde a máxima capitalista do "quanto mais melhor" parece interferir também na sala de musculação. Devemos ter em mente que, caso seja necessário um grande número de séries para desencadear a resposta adaptativa, é porque o estímulo de cada uma destas séries é tão deficiente que são necessários vários iguais, para, somados, terem significância. Atualmente os treinadores mais conscientes e estudiosos manipulam as varáveis de modo que em poucos minutos é fornecido um estímulo eficiente para que a adaptação desejada ocorra. Esta nova tendência que chamo "abordagem qualitativa" prega que o aspecto quantitativo (volume) do treino só deverá ser aumentado quando for impossível manipular o aspecto qualitativo (intensidade). Esta abordagem vem para substituir o modelo antigo onde a primeira atitude do treinador, quando tinha que evoluir uma série, era acrescentar mais um exercício, e isso se repetia até alcançar números absurdos como 10 exercícios para cada grupo muscular.

Ao examinar os treinos atuais verifica-se que normalmente se executam de 4 a 5 exercícios para cada grupo muscular, com 3 a 4 séries por exercício. Levando em conta que normalmente são treinados dois grupamentos por dia, chegaríamos a 40 séries diárias!! Treinos com volumes tão elevados dificilmente poderão ter intensidade alta, por mais que você se difícil executa-los. E se houver uma tentativa de utilizar métodos para intensifica-lo provavelmente seria atingido um quadro de overtraining.

Na prática

Há diversas pesquisas que obtiveram ótimos resultados com volumes baixos de treino. Vale destacar a publicada no Journal of Conditioning Strength Research em 1997, onde OSTEBERG et al compararam os resultados obtidos com treinos de volume semanal igual a 3, 6 e 12 séries e não foram encontradas diferenças significativas entre os protocolos. Ao final do estudo não houve diferença entre os ganhos de força nem de massa muscular. Detalhe: o estudo foi feito em indivíduos com mais de 4 anos de musculação.

Na prática tem-se verificado que treinos com volume de 12 séries semanais (seis séries por sessão de treino) são suficientes para os músculos grandes do tórax (peito e costas), podendo ter mais séries para os músculos da coxa e menos para bíceps e tríceps, se realmente for necessário treinar os músculos pequenos. Isto implica que treinos com duração de cerca de 25 minutos podem ser eficientes para obtenção de ótimos resultados.

Quantas séries são necessárias?

Atualmente tem ocorrido um briga intensa entre os adeptos de treino com volume alto e os que pregam volume baixo. O volume alto tem defensores ilustres como William Kraemer e Steven Fleck, mas não se iluda com a palavra "alto", pois os treinos propostos por estes autores têm em média 25 séries por dia, dividido em duas sessões (double split), o que é considerado baixo para muitas pessoas. No outro extremo estão os adeptos do HIT (high intensity training) que usam volumes de 1 a 4 séries por semana!! Um volume tão baixo é compensado com técnicas de intensidade insuportáveis para a maioria das pessoas. Ainda não há como comparar os dois modelos, pois os estudos têm mostrado resultados controversos, ora dando vantagem a um, ora a outro. É interessante ter um profissional capacitado para acompanhar e estruturar seu treino, alternando entre as duas propostas.

Considerações finais

A musculação possui inúmeros métodos e diversas formas de controlar as variáveis, dentre todas elas, a última que deve ser usada é o aumento do número de séries. Antes disso deve-se sempre tentar melhorar a qualidade do treino. Ótimos resultados podem ser obtidos com treinos de hipertrofia de 6 a 9 séries por grupamento muscular em cada sessão, intensificando-o racionalmente de acordo com o objetivo a ser alcançado e a condição do aluno. Um profissional qualificado saberá como e quando usar a estratégia correta para potencializar seus resultados, diferente de um mal professor que aumentará o número de séries totais e/ou mudará o exercício cada vez que você o treino é alterado.

É muito difícil abandonar práticas arraigadas, mas devemos ter coragem e sabedoria para trocar o velho pelo novo quando isso nos fizer evoluir. Diante de um novo desafio dois tipos de comportamento podem surgir: o perdedor em potencial, que está satisfeito com sua condição e não aceita o desafio por temer se tornar pior, pois considera sua situação boa demais para sua mediocridade; e o vencedor em potencial, que sempre procura melhorar, aceitando desafios e tornado-se referência aos demais. Então me diga: quem você é?

***Veja mais informações no livro "Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia", do professor Paulo Gentil***

  • OSTROWSKI, K.J., WILSON, G.J., WEATHERBY, R., MURPHY, P.W., & LYTTLE, A.D. (1997). The effect of weight training volume on hormonal output and muscular size and function. Journal of Strength & Conditioning Research, 11, 148-154

 

Amplitude: a qualidade esquecida

Com o passar do tempo é natural ficarmos afoitos para levantar maiores sobrecargas na sala de musculação, torna-se difícil desvincular o aspecto visível da quantidade de peso de um invisível aspecto qualitativo, que é o estímulo fisiológico. Isto é muito evidente em praticantes de musculação do sexo masculino, que geralmente abrem mão da técnica correta para utilizar cargas maiores, sendo a amplitude um dos fatores mais afetados. Além da visão quantitativa tem outro aspecto que é muito mais obscuro: o famoso ângulo de 90°. Esta angulação é usada como limite para praticamente todos os exercícios com sobrecarga, desde agachamento até rosca tríceps, sem que nenhuma.evidência científica corrobore com esta prática.

Dentre os estudos de laboratório que verificaram os maiores níveis de hipertrofia, facilmente encontramos vários que utilizam descargas elétricas em fibras alongadas, ou seja, contrações musculares a partir de ângulos elevados. Pelo que sugerem os estudos de FRIDEN et al (1988), McCULLY et al (1986) e ARMSTRONG et al (1991), a contração dos músculos a partir da posição alongada causa alongamento irregular dos sarcômeros, aumentando o potencial de ocorrência das microlesões, que consistem na base de um dos modelos de hipertrofia mais conhecidos.

Em 2001, NOSAKA e SAKAMOTO publicaram um estudo onde foram testados os efeitos da amplitude angular durante a fase excêntrica da flexão do cotovelo. Os participantes realizavam o movimento em uma máquina isocinética, sendo que em um dos braços trabalhava-se entre 50° e 130°, e com o outro braço a angulação era entre 100° e 180°. Os dados obtidos revelaram que o membro treinado em encurtamento realizou mais trabalho mecânico (força x deslocamento), porém houve maiores alterações bioquímicas com o movimento alongado. Este resultado comprova que devemos ter cuidado com aplicação de conceitos lineares em sistemas complexos, pois, por mais que o trabalho mecânico tenha sido maior em uma situação, as mudanças fisiológicas foram mais evidentes em outra. Portanto, se o objetivo do treino é um maior trabalho fisiológico, deve-se esquecer a quantidade de peso utilizada e concentrar-se na qualidade do movimento. Este fato é corroborado por diversos estudos que encontraram relações lineares entre o estresse fisiológico e amplitude, mas não com a força exercida (JONES et al, 1989, NEWHAM et al, 1988; TALBOT et al, 1998).

Além disso, executar movimentos de amplitude completa é mais seguro e mais sensato. Vamos supor que você faça dezoito séries semanais de exercícios para peito (o que eu considero um volume alto, veja mais em Treino ideal), com cada série durando cerca de um minuto, veríamos então que você passa 18 minutos por semana executando os movimentos. Ao invés de tentar poupar suas articulações durante estes meros 18 minutos, deveríamos treina-las para as situações imprevisíveis dos 6.720 minutos restantes (já descontadas às 8 horas diárias de sono). Devemos ter em mente que nossas estruturas musculares e articulares adaptam-se de modo extremamente específico, uma pessoa que usa amplitudes muito curtas pode facilmente se lesionar em um movimento cotidiano pelo simples fato de haver se "destreinado" para o dia a dia. Os movimentos cotidianos envolvem graus de liberdade muito altos (você não entra numa máquina nem há um trilho lhe guiando para pegar uma sacola do chão, para amarrar um cadarço ou para buscar a bolsa no banco de trás do carro) e velocidades variadas (você não controla a contração quando o ônibus freia repentinamente ou quando tenta segurar a pessoa ao seu lado que acabou de tropeçar). Devemos ter em mente que o corpo humano é uma máquina de imenso potencial de adaptação, tanto positiva quanto negativamente, por isso jamais devemos negligenciar as atividades que realizamos fora da academia, a musculação não deve lhe proteger do mundo externo, mas sim treina-lo para viver nele com o máximo de qualidade possível.

Resumindo, faça os movimentos com a maior amplitude possível, pois será bom para sua saúde e para sua estética. Se você treina, ou conhece alguém que treine, com movimentos encurtados tente adotar este princípio de amplitude completa. Muitas vezes será necessário diminuir a sobrecarga, mas tenha em mente que isto não atrapalhará em nada seu treino, pelo contrário. Jamais esqueça que quantidade não é qualidade.

***Veja mais informações no livro "Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia", do professor Paulo Gentil***

  • ARMSTRONG RB, WARREN GL, WARREN JA. Mechanisms of exercise-induced muscle fiber injury. Sports Med 1991 Sep;12(3):184-207.
  • FRIDEN J, SEGER J & EKBLOM B. sublethal muscle fiber injuries after high-tension anaerobic exercise. Eur J Appl Physiol 57-360-368.
  • JONES DA, NEWHAM DJ, TORGAN C. Mechanical influences on long lasting human muscle fatigue and delayed-onset pain. J Physiol 1989 May;412:415-27
  • McCULLY KK& FAULKNER JA. Characteristics of lengthening contractions associated with injury to skeletal muscle fibers. J Appl Physiol 61-293-299, 1986.
  • NEWHAM DJ, JONES DA, GHOSH G, AURORA P. Muscle fatigue and pain after eccentric contractions at long and short length. Clin Sci (Lond) 1988 May;74(5):553-7.
  • NOSAKA K & SAKAMOTO K. Effect of joint angle on the magnitude of muscle damage to the elbow flexors. Med Sci Sports Exerc vol.33 nº1, pp 22-29, 2001
  • TALBOT JA, MORGAN DL. The effects of stretch parameters on eccentric exercise-induced damage to toad skeletal muscle. J Muscle Res Cell Motil 1998 Apr;19(3):237-45

 

Aeróbios e musculação

A busca pela ciência não significa abandono do pensamento próprio nem mesmo da intuição, a leitura de um artigo nada vale sem a visão crítica do leitor. Normalmente os autores de artigos ou qualquer material para estudo não objetivam botar um ponto final na discussão, mas sim alimentar a chama que impulsiona a obtenção dos conhecimentos.

Com a discussão sobre aeróbios e musculação a postura não deve ser diferente...

Há muita dúvida acerca do tema, basicamente faz-se duas perguntas: "O aeróbio atrapalha a musculação?" ou "Qual a melhor ordem das atividades: aeróbio antes ou depois?"

Interação entre aeróbio e musculação

Existem diversos estudos mostrando interferência negativa, e muitos outros mostrando interação positiva ou neutra entre as atividades, como nosso objetivo aqui não é confrontar referências e sim propor uma discussão, serão citados apenas um exemplo de cada.

MCCARTHY et al (2002) conduziram um estudo para verificar as alterações morfológicas e funcionais decorrentes da interação entre treino de força e endurance. Os autores mostraram-se favoráveis à tese de que aeróbios e musculação podem ser realizados concomitantemente sem grandes prejuízos. No estudo, 30 homens sedentários eram divididos aleatoriamente em três grupos que realizaram durante 10 semanas um dos seguintes protocolos: treino de força, treino de endurance (bicicleta), treino combinado (variando a ordem das atividades). Os resultados podem ser vistos na tabela 1 e, de acordo com os autores, o treinamento combinado não interfere na hipertrofia, sendo que uma provável interferência poderia ocorrer na capacidade de exercer força máxima, devido a fatores neurais. Os autores ressaltam que as diferenças entre os resultados dos estudos já publicados deve-se aos seus desenhos, em especial à manipulação das variáveis como intensidade, volume, freqüência...

Grupo

Área do quadríceps

Área das fibras tipo I

Área das fibras tipo II

Força

Força

+12%

+19%

+24%

+14%

Aeróbio

+3%

+4,5%

X

X

Força e aeróbio

+14%

+13%

+28%

+7%

Tabela 1: resultados do estudo de McCarty et al (2002)

O poderoso William Kraemer parece ser de opinião contrária. Em um estudo de 1995, Kraemer voltou sua atenção para as respostas endócrinas e alterações no músculo esquelético. O estudo do grupo liderado pelo inglês envolveu quatro grupos: 1) treino de força e endurance; 2) treino de força para tronco e membros superiores e endurance; 3) somente endurance; 4) somente treino de força. O estudo envolveu militares com mais de dois anos de treinamento. O treino de corrida era feito às 08:00 e a musculação às 13:00, a corrida era variada entre treinos intervalados e contínuos, e a musculação entre séries de 5 e 10 repetições. De acordo com os resultados, houve pouca diferença na hipertrofia, porém houve alguns pontos interessantes: as fibras tipo I tiveram prejuízo na hipertrofia e não houve queda de força na mesa extensora, ao contrário do leg press.

Grupo

Área das fibras tipo I

Área das fibras tipo IIa

Força (leg press)

Força (extensora)

 

Força

+12%

+24%

+30%

+34,4%

 

Força + aeróbio

-5%

+21%

+19,5%

+34,4%

 

Força MMSS + aeróbio

 

-5%

-0,5%

+9,5%

+10,9%

Aeróbio

-11%

-7%

+1,7%

+3,1%

 

Tabela 2: resultados do estudo de KRAEMER et al, 1995.

Porém, se formos discutir a literatura produzida sobre o tema, gastaríamos dezenas de páginas e não chegaríamos a lugar algum, desta forma passaremos aos pontos que merecem um maior debate.

  • Tipo de atividade

Um fato que atrapalha muito a aplicação dos estudos e orienta equivocadamente as conclusões é a defasada visão estadunidense (que infelizmente continuamos a aplicar) que classifica as atividades não-resistidas somente quanto ao sistema energético utilizado. Ao classificarmos uma atividade como aeróbia (copiando os artigos em inglês), estamos perdendo um ponto importante: o efeito neuromuscular.

Não interessa qual o sistema energético foi utilizado, mas sim "como" o sistema nervoso acionou a musculatura para gastar esta energia. Desta forma, verificamos que a atividade na bicicleta interage de forma distinta da corrida, pois enquanto os estudos com corrida na maior parte das vezes verificam alterações negativas, o ciclismo mostra um padrão inconsistente, já o remo e o ergômetro de mão não parecem influenciar nos ganhos de força (LEVERITT et al, 1999).

Ora, se considerarmos todas como aeróbias ou anaeróbias, não acharíamos explicação para tal fenômeno, pois a suposição de que a utilização das reservas glicolíticas seria a grande vilã não se aplicaria, tendo em vista que diminuição nas reservas de glicogênio durante o ciclismo seria similar ou até mesmo superior à na corrida, dentro de uma mesma intensidade cardiovascular. A resposta para a questão provavelmente estaria na qualificação e quantificação da atividade neural, que provavelmente seria superior durante a corrida, devido ao seu componente pliométrico, que não é encontrado no ciclismo.

  • Tipo de contração

Normalmente as inibições no ganho de força são verificadas em velocidade maiores (LEVERITT et al, 1999), ou seja, os níveis de força são prejudicados em contrações mais rápidas. Tal fato pode vir a reforçar a importância do fator neural na interferência negativa citada acima.

  • Estado de treinamento:

Iniciantes sedentários parecem sofrer menos com as possíveis interações negativas entre atividades do que pessoas treinadas (LEVERITT et al, 1999). Por sua vez, atletas de endurance normalmente obtêm melhores resultados (tanto em força quanto em endurance) com treino combinado do que sedentários (BELL et al, 1997).

  • Volume

A soma dos trabalhos realizados nas atividades parece ser um fator determinante no desenvolvimento da incompatibilidade entre exercícios.

Um ponto bem abordado por McCARTHY et al (2002) em sua discussão é o volume de treino, segundo uma revisão feita pelos autores, os treinos com freqüências semanais ou volumes mais elevados mostraram uma pior interação entre a musculação e demais atividades. Para KRAEMER et al (1995), volumes altos de treinamento podem levar a alterações endócrinas desfavoráveis, segundos os autores, no caso de treinamentos concomitantes uma redução no volume total de treinamento seria necessária para criar um ambiente anabólico.

  • Alterações endócrinas

Existe uma hipótese de que alterações endócrinas, principalmente a liberação de cortisol, causadas por outras atividades seria contraproducente ao processo de hipertrofia e ganho de força. Aqui devemos ter em mente que há coisas que não são tão maléficas quanto se acha e que não devemos levar tudo ao pé da letra. Um aumento transitório no cortisol não significa a destruição imediata e irreversível do seu tecido muscular, não há ao menos provas de que a pequena diferença existente com a realização de uma outra atividade possa trazer prejuízos. Mesmo que o cortisol fosse tão terrível, bastaria realizar uma refeição antes de iniciar e ao terminar os treinos para impedir um pico deste corticóide.

O que KRAEMER mostra em seus estudos é que uma exposição exagerada ao estresse pode levar a má adaptação ao treino (KRAEMER et al, 1995), o que não significa dizer que uma aula de capoeira o impedirá de hipertrofiar.

  • Isoformas de miosina (BIGARD et al, 1996)

Quando uma fibra está se regenerando, os impulsos nervosos que chegam determinam suas futuras características, desta forma um treinamento de baixa intensidade poderia levar a formação de isoformas de miosina lentas, com maior dificuldade de gerar força e hipertrofiar. Porém este fato ainda não foi verificado em humanos.

  • Saturação dos mecanismos de feedback e overtraining.

O corpo pode simplesmente não dar conta de tanta atividade, tornando-se incapaz de lidar com tantos tipos de estímulos e dificilmente adaptar-se-á adequadamente a todos eles. Nesse caso é essencial o acompanhamento de um profissional competente para dosar as atividades e programá-las de modo a evitar o conflito das adaptações.

Ordem das atividades

Tendo em vista que conciliar a musculação com outras atividades não é nenhum pecado mortal desde que feito corretamente, vem à tona uma pergunta que muito incomoda os praticantes de atividade física: "o que deve vir primeiro: o aeróbio ou a musculação?". Porém, se fossemos realmente pensar, creio que uma pergunta poderia acabar com esta discussão antes mesmo de se pensar em realizar qualquer pesquisa complicada: por que uma pessoa objetivando maximizar hipertrofia faria um treinamento aeróbio?

Se a resposta for: "para emagrecer" ou "qualidade de vida" o texto termina por aqui e a recomendação é um pouco mais de estudos, porém, caso a resposta esteja no fato da pessoa realmente gostar de uma outra atividade que não a musculação, como artes marciais, esportes coletivos, danças... aí sim poderíamos nos preocupar em procurar uma maneira de otimizar o treino e responder a esta pergunta.

Na elaboração do programa de treino, existem dois pontos hipotéticos a serem abordados.

  • Estado neural (LEPER et al, 2001).

As atividades antecedentes poderiam dificultar a ativação das unidades motoras devido à fadiga prévia, o que seria um problema para quem deseja levantar muito peso, como atletas de força, potência ou quem utilize métodos tensionais.

  • Estado metabólico (TAKARADA et al, 2000)

Há situações onde uma predisposição ao acúmulo de metabólitos pode ser interessante para hipertrofia, como na utilização de métodos essencialmente metabólicos, portanto a realização prévia de outras atividades poderia até ser benéfica.

Recomendações finais.

  • Alimentação - deve ser adequada à nova rotina de exercícios.
  • Volume - quando formos realizar concomitantemente treinamento com pesos e outras atividades devemos adequar o volume e a intensidade totais, tendo em mente que ambas atuam sobre o mesmo sistema fisiológico e que haverá interação entre as adaptações de cada uma. Esqueça a história de uma atividade é para o sistema cardiovascular e a outra para o músculo-esquelético. Lembre-se que seus sistemas endócrino, circulatório, imunológico, nervoso... trabalharão em todos os casos e pertencem ao mesmo ser.
  • A ordem entre a musculação e outras atividades dependerá das características do treino, dependendo da maneira como que se pretenda encontrar os fatores metabólicos locais e neurais.
  • Se o objetivo for ganhar força, deve-se evitar atividades com componentes pliométricos de baixa intensidade, como a corrida.

***Veja mais informações no livro "Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia", do professor Paulo Gentil***

  • BELL G, SYROTUIK D, SOCHA T, ET AL. Effect of strength training and concurrent strength and endurance training on strength, testosterone, and cortisol. J Strength Cond Res 1997; 11: 57-64
  • BIGARD XA, JANMOT C, MERINO D, LIENHARD F, GUEZENNEC YC, D’ALBIS A. Endurance training affects myosin heavy chain phenotype in regenerating fast-twitch muscle. J Appl Physiol 81(6):2658-2665, 1996
  • KRAEMER WJ, PATTON JF, GORDON SE, HARMAN EA, DESCHENES MR, REYNOLDS K, NEWTON RU, TRIPLETT NT, DZIADOS JE. Compatibility of high-intensity strength and endurance training on hormonal and skeletal muscle adaptations. J Appl Physiol 78(3): 976-986, 1995.
  • LEPERS R, MILLET GY, MAFFIULETTI NA. Effect of cycling cadence on contractile and neural propoerties of knee extensors. Med Sci Sports Exerc vol.33 nº1 1882-1888, 2001
  • LEVERITT M, ABERNETHY PJ, BARRY BK, LOGAN PA. Concurrent Strength and Endurance Training: A Review. Sports Med 1999 Dec; 28 (6): 413-427
  • McCARTHY, J. P., M. A. POZNIAK, and J. C. AGRE. Neuromuscular adaptations to concurrent strength and endurance training. Med Sci. Sports Exerc., Vol. 34, No. 3, pp. 511–519, 2002.
  • TAKARADA Y, TAKAZAWA H, SATO Y, TAKEBAYASHI S, TANAKYA, AND ISHII N. Effects of resistance exercise combined with moderate vascular occlusion on muscular function in humans. J Appl Physiol 88: 2097–2106, 2000.

 

Hipertrofia sarcoplasmática x miofibrilar

[Existem basicamente dois tipos de hipertrofia: sarcoplasmática e miofibrilar. A primeira é muito vista em fisiculturistas e atletas que treinam com repetições mais elevadas (maiores que 10), sendo uma de suas características básicas o aumento de volume com pequeno aumento de força, desta forma fica claro que a hipertrofia sarcoplasmática se manifesta em um aumento do líquido e demais organelas do sarcoplasma, que não as miofibrilas. Já a hipertrofia miofibrilar é mais vista em levantadores de peso, os quais treinam com repetições mais baixas (normalmente abaixo de 6), este tipo de hipertrofia manifesta-se morfologicamente como um aumento da densidade miofibrilar (aumento do tamanho do volume das miofibrilas) sem um aumento correspondente das demais organelas, desta forma há um ganho mais significativo de força.]

Em princípio este parágrafo está de acordo com o senso comum... mas onde se comprova que isso é verdade? Onde se explica isso de forma convincente?

A divisão de hipertrofia em dois tipos é um dogma tão antigo e repetido que já é aceito como verdade absoluta, porém esta visão simplista não encontra fundamentos e em grande parte de suas bases colide fortemente com as descobertas e conceitos científicos atuais. 

Músculo cardíaco

A diferença na alteração da densidade miofibrilar é comumente verificada em corações de animais (MEDUGORAC, 1976), mas mesmo nesses casos ainda há controvérsias, com alguns estudos verificando o contrário (MATTFELDT et al, 1986; EVERETT et al 1975). A diferença pode estar no protocolo empregado, pois a maioria dos estudos que verificaram alterações nas densidades dos componentes ultraestrutturais induziram condições patológicas ou foram feitos em corações com degenerações patológicas (FITZL et al, 1998), enquanto os outros utilizaram um programa de exercícios mais equilibrado.

A ocorrência de uma "hipertrofia sarcoplasmática" como condição patológica também foi verificada em corações humanos hipertrofiados em razão de uma patologia na válvula da aorta, onde constatou-se que as células destas pessoas possuíam menor densidade miofibrilar e maior volume de liquido sarcoplasmático (SCHAPER et al, 1981)

Densidade de organelas

Pesquisadores da Universidade de McMaster (Canadá) realizaram um estudo para verificar as alterações nas fibras musculares em resposta a diferentes tipos de treino. A amostra era composta por 4 grupos: atletas de força (levantadores de peso e fisiculturistas), atletas de endurance (maratonistas), pessoas ativas (esportes recreativos) e sedentários, a análise envolveu tanto fibras tipo I quanto tipo II do tríceps sural. De acordo com os resultados as fibras musculares eram 2,5- 1,7- e 1,6 vezes maiores em atletas de força, atletas de endurance e pessoas ativas, respectivamente, em relação ao grupo controle. Apesar desta grande diferença de tamanho, os volumes relativos do reticulo sarcoplasmático, sarcoplasma e miofibrilas eram iguais em todos os grupos e entre os dois tipos de fibra. De todas as organelas estudadas a única que mostrou ter sua quantidade relativa alterada foi a mitocôndria. Ou seja, independente da fibra muscular ser de um atleta de força ou endurance, independente das fibras serem tipo I ou tipo II, todas elas possuíam cerca de 81% de densidade miofibrilar e 11% de volume de líquido sarcoplasmático. Ora, se a suposição é que o treino de força com cargas elevadas aumente a densidade miofibrilar e reduza o volume de líquido sarcoplasmático, seria de se esperar que os atletas de endurance possuíssem densidade miofibrilar reduzida e maior volume relativo líquido, assim como poderia se esperar que esta relação fosse diferente entre os dois tipos de fibra, porém nenhuma das suposições se confirmou.

Estudos longitudinais parecem corroborar com os resultados do grupo de ALWAY. Em 1986 BRZANK & PIEPER submeteram um grupo de estudantes a 5 semanas de treinamento de força explosiva, obtendo hipertrofia das fibras tipo I (20%) e tipo II (24%). Porém os autores verificaram que o aumento da secção transversa não é relacionado a nenhuma mudança na proporção dos volumes dos componentes celulares (miofibrilas e sarcoplasma). Estes autores inclusive fazem uma afirmação controversa: "ao contrário de atletas de endurance e pessoas não treinadas, os atletas de potência mostram maiores valores de densidade de volume sarcoplasmático em suas fibras musculares", ou seja, justamente o contrário do que se prega.

WANG et al (1993) realizaram um estudo mais longo que o anterior. Nesta pesquisa se utilizou um treino de força com altas repetições por 18 semanas e obteve-se aumento tanto do volume absoluto das miofibrilas quanto do volume intermiofibrilar sem, no entanto, ocorrerem alterações nos seus volumes relativos, levando os autores a concluir que o treino de repetições elevadas ocasiona um aumento dos componentes da fibra muscular proporcional ao aumento da própria fibra.

Existe um estudo produzido por pesquisadores da Universidade McMaster (Canadá) que por vezes é citado como base para a diferenciação da hipertrofia em dois tipos. Nesta pesquisa comparou-se amostras retiradas do tríceps braquial de um grupo de atletas que possuíam elevados níveis de hipertrofia (fisiculturistas e levantadores de peso) com pessoas que praticavam musculação há 6 meses. De acordo com os resultados, o volume miofibrilar era significativamente menor (73,2% em comparação com 82,5%) e o volume citoplasmático maior (24,1% contra 14,8%) em atletas de força do que pessoas que treinam há 6 meses.

Porém há um pequeno detalhe nesta pesquisa: dos sete atletas da amostra, seis afirmaram estar usando ou terem usado esteróides anabólicos androgênicos regularmente, enquanto ninguém do grupo controle o fazia. Neste estudo os autores ficaram surpresos com "anormalidades" como: grande número de núcleos no centro da célula (os núcleos normalmente ficam na periferia), proliferação de tecido gorduroso e aumento anormal do espaço citoplasmático. Uma das hipóteses sugeridas pelos autores é que o uso de esteróides ocasionou tais efeitos, assim como ocasionou a retenção de fluídos, (fato já verifica em animais por APPELL et al, 1983) o que por sua vez dissolveu as proteínas miofibrilares. É interessante notar que o volume miofibrilar encontrado nesse estudo é expressivamente baixo em relação às demais pesquisas feitas (mesmo em pesquisas feitas na mesma Universidade e com os mesmo autores), mais um fato que gera espanto e impulsiona as conclusões para uma condição patológica.

A questão da diferenciação de hipertrofia, desta forma estaria associada a uma condição patológica e não meramente a uma adaptação corriqueira de treinos diferenciados.

Como a densidade se mantém constante

A densidade constante dos componentes protéicos pode estar relacionada também à densidade do número de núcleos, pois quando uma fibra hipertrofia há um aumento compensatório no número de núcleos, tendo em vista a aparente necessidade de se manter uma determinada quantidade de material genético para atender as necessidades da célula (ROLAND et al, 1999; KADI & THORNELL, 2000). Isto nos leva a especular que o aumento proporcional de material genético origine uma manutenção da densidade das organelas em um segundo momento. HUBBARD et al (1975) encontraram um interessante padrão temporal de hipertrofia em seu estudo: 1) aumento do material genético; 2) aumento das proteínas sarcoplasmáticas (praticamente concomitante com o anterior) e 3) aumento da densidade das proteínas miofibrilares. 

O único componente que foge a esta densidade constante é a mitocôndria tendo em vista sua relativa independência genética e capacidade autônoma de se multiplicar (há inclusive a suposição que a mitocôndria seja um ser vivo em simbiose com nossas células). 

De onde vem as adaptações diferenciadas em razão dos diferentes tipos de treino?

A resposta provavelmente reside nos diversos pontos comprovadamente diferentes entre pessoas treinadas em força ou resistência e relacionados à performance em tarefas específicas (isto pode ser verificado de forma mais completa em bons livros e artigos de treinamento), diante dos quais chega a ser ingênuo atribuir os maiores ganhos de força em atletas que treinam com repetições baixas a uma alteração morfológica fictícia. Dentre os fatores já verificados podemos citar os seguintes:

Ganhos de força (ALWAY et al, 1988; SALE et al, 1983; KAMEN et al, 1983; MILNER-BROWN et al, 1975; MAUGHAN et al, 2000): 

- Coordenação inter e intra-muscular

- Bomba de cálcio

- Atividade da ATPase

- Velocidade de condução do impulso nervoso

- Sincronização de unidades motoras...

Ganhos na resistência (MACDOUGALL et al ,1979; LUTHI et al, 1986; TESCH et al, 1984; MAUGHAN et al, 2000).

- Volume de mitocôndrias

- Densidade capilar.

- Atividade de enzimas oxidativas e glicolíticas e outras...

Isto obviamente sem falar de condições genéticas que predispõem um indivíduo a ter maior capacidade de realizar força em determinados movimentos como: sistema de alavancas favorável (inserção de tendões, comprimento de membros...), estruturas osteo-articulares (capacidade de ossos e articulações em suportar carga...), vantangens neurais (espessura dos axônios, características da bainha de mielina...) e outras. Desta forma podemos concluir que a diferença entre um fisiculturista e e um halterofilista, ou entre qualquer outros tipos de atleta de alto nível, não é somente em decorrência do treinamento, mas também em decorrência de sua predisposição biológica.

Considerações finais

A divisão de hipertrofia em dois tipos é um dogma tão antigo e repetido que já é aceito como verdade absoluta, porém esta visão simplista não encontra fundamentos e em grande parte de suas bases colide fortemente com as descobertas e conceitos científicos atuais.

Esta divisão provavelmente era usada como artifício didático pelos soviéticos, os quais normalmente mostram uma visão sistêmica do treinamento, porém ao traduzir e transferir estes conceitos para a cultura ocidental, ele foi acomodado à nossa visão mecanicista e fragmentada, tornado-se um conceito incrivelmente agradável para o cartesianismo, porém totalmente contraditório com a visão sistêmica, e sem embasamento científico. O ser humano parece ter uma enorme propensão a gostar de explicações fáceis de obter e que ao mesmo tempo aparentam ser difíceis, mesmo que elas sejam erradas. Distinguir dois tipos de hipertrofia, dando-lhes nomes complexos certamente soa interessante e "técnico", porém uma mentira repetida mil vezes não se tornará verdade, por mais bonita e agradável que ela possa parecer.

Desta forma, até que haja provas convincentes da fragmentação morfológica da hipertrofia em dois tipos (se um dia houver), o mais sensato é esquecer este conceito e procurar explicações comprovadas e convincentes para os treinos.

***Veja mais informações no livro "Bases Científicas do Treinamento de Hipertrofia", do professor Paulo Gentil***

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  • EVERETT AW, TAYLOR RR, SPARROW MP. Increased protein synthesis during right ventricular hypertrophy following pulmonary stenosis in the dog. Recent Adv Stud Cardiac Struct Metab. 1976 May 26-29;12:35-8. 
  • FITZL G, MEYER U, WASSILEW G, WELT K. Morphological investigations of the myocardium of cardiomyopathic hamsters during the postnatal development and experimental hypoxia. A quantitative ultrastructural study. Exp Toxicol Pathol. 1998 Jun;50(3):245-52 
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  • SALE DG, UPTON RM, McCOMAS AJ, MacDOUGALL. Neuromuscular function in weight-trainers. Experimental Neurology 82, 521-531, 1983. 
  • SCHAPER J, SCHWARZ F, HEHRLEIN F. Ultrastructural changes in human myocardium with hypertrophy due to aortic valve disease and their relationship to left ventricular mass and ejection fraction (Artigo em alemão, resumo em ingles). Herz. 1981 Aug;6(4):217-25. 
  • TESCH PA, THORSSON A, KAISER P. Muscle capillary supply and fiber type characteristics in weight and power lifters. J Appl Physiol. 1984 Jan;56(1):35-8. 
  • WANG N, HIKIDA RS, STARON RS, SIMONEAU JA. Muscle fiber types of women after resistance training-quantitative ultrastructure and enzyme activity. Pflugers Arch. 1993 Sep;424(5-6):494-502.

 

Eletroestimulação

Segundo WILLMORE & COSTILL (2000, pp 34):

(o processo de contração muscular) é iniciado por um impulso nervoso motor originário do cérebro ou da medula espinhal. O impulso neural chega nas terminações nervosas, denominadas terminais axônicos, os quais estão localizados muito próximos do sarcolema. Quando o impulso chega, essas terminações nervosas secretam uma substância chamada acetilcolina, que se liga a receptores localizados sobre o sacolema. Se uma quantidade suficiente de acetilcolina ligar-se aos receptores, será transmitida uma carga elétrica em toda extensão da fibra muscular, enquanto os canais iônicos se abrem na membrana celular muscular permitindo que o sódio entre. Esse processo é denominado despolarização e resulta no disparo ou geração de um potencial de ação.

A eletroestimulação simula a passagem do impulso nervoso, levando o músculo a contrair sem a necessidade de um impulso originado pelo próprio sistema nervoso. Aparentemente este tipo de intervenção surgiu para atender (explorar) duas características bastante comuns: preguiça e impaciência. A promessa de uma "atividade" na qual você não precisa nem se mexer e traz resultados inacreditavelmente rápidos e expressivos, em lapsos temporais incrivelmente curtos, realmente é muito atraente. Basta ligar a televisão em horários mortos ou canais de compras para ver a enorme quantidade de promessas nesse sentido. Seguiremos, abaixo, com uma análise técnica da eletroestimulação.

Existem basicamente duas formas de se estimular eletricamente um músculo (WEINECK, 2000): diretamente (eletrodos posicionados sobre o músculo) ou indiretamente (através do nervo que chega ao músculo).

Algumas características da eletroestimulação

- Recrutamento das fibras tipo II

A estimulação elétrica parece favorecer o recrutamento das unidades motoras maiores e mais susceptíveis à hipertrofia (fibras rápidas), as quais são difíceis de recrutar em contrações voluntárias (LAKE, 1992). Segundo Zatsiorsky isto se daria por dois motivos:

1. O padrão de recrutamento "do menor para o maior", segundo o qual as fibras tipo I seriam recrutadas em primeiro lugar, não seria respeitado diante de estímulos externos, pois as fibras rápidas possuem limiar mais baixo à aplicação de corrente elétrica externamente entrando mais rapidamente em ação.

2. Grande parte das fibras rápidas são localizadas em pontos mais superficiais, onde a corrente elétrica chega com mais eficiência.

Apesar de parecer uma vantagem, este ponto tem seus aspectos negativos ao interferir na coordenação intramuscular e não treinar de forma eficiente as fibras musculares mais fracas.

Controle da contração

Há mecanismos de força que impedem os músculos de exercer mais força que ossos e tecidos possam agüentar, ou também obstam que continuemos a exercer força colocando nossos organismos em situação potencialmente lesiva. Ou seja, ao detectar que a contração muscular poderá chegar a níveis lesivos, nosso sistema envia uma mensagem inibitória ao músculo, impedindo que a ação continue.

A eletroestimulação impede este mecanismo de feedback de atuar, pois o impulso elétrico continuará sendo gerado pelos aparelhos, mesmo que a contração do músculo seja potencialmente lesiva. Desta forma, a atividade pode exceder o ponto até onde se chegaria através do treinamento voluntário, proporcionando um treino intenso e, paradoxalmente, sem esforço, porém aumentando a possibilidade de ocorrência de lesões. SZAREK et al (2003) usaram em coelhos um protocolo de eletroestimução comumente aplicado em crianças com escoliose e verificaram alterações patológicas na morfologia das fibras musculares. Há também pesquisas verificando efeitos negativos em outros órgãos. KOWALSKI et al, (2001) verificaram alterações patológicas nas glândulas adrenais. BOMBA et al, (2001) encontraram testículos com necrose do epitélio seminífero, atrofia dos túbulos seminais e destruição das células de Leydig (produtoras de testosterona).

Fins terapêuticos

A possibilidade de trabalhar grupamentos musculares cujas articulações adjacentes estão imobilizadas é provavelmente o fator mais importante da eletroestimulação, tendo em vista que as atividades motoras são reconhecidamente importantes para a regeneração e fortalecimento das estruturas contráteis e não contráteis, como músculos, tendões, ligamentos e ossos. O uso de eletroestimulação nesses casos pode ser extremamente produtivo ao minimizar os danos decorrentes da imobilização (STEIN et al, 200; LAKE, 1992).

Comparação entre eletroestimulação e treino convencional

Pesquisadores eslovenos realizaram um estudo comparando a eficiência de dois protocolos de tratamento conservativo em desordens patelares: exercícios com cargas altas e baixas repetições; e eletrostimulação seletiva do vasto medial. A avaliação clinica e neurofisiológica dos resultados demonstraram que o treino voluntário resultou em maior aumento de força e funcionalidade que a estimulação elétrica. Os autores concluem dizendo que este tipo de treinamento (altas cargas e poucas repetições) pode ser uma boa alternativa como tratamento conservativo em casos de desordens patelares (VENGUST et al 2001).

Pesquisadores belgas compararam os efeitos do treinamento com eletrostimulação a 100Hz, aos efeitos do treinamento com contrações voluntárias. De acordo com os resultados os efeitos da eletrostimulação são ligeiramente inferiores aos obtidos com contrações voluntárias. Este fato se deve, segundo os autores, à eletroestimulação atuar somente nos fatores periféricos e intracelulares, enquanto as contrações voluntárias também exercem influências no sistema nervoso central e nos comandos nervosos para a contração. No entanto, apesar de a eletroestimulação ser menos eficiente, ela pode ser complementar, pois os tipos e números de unidades motoras treinadas são diferentes nos dois procedimentos (DUCHATEAU & HAINAUT, 1988).

LYLE & RUTHERFORD (1988) compararam os efeitos do treino com contrações voluntárias (50% CVM – contração voluntária máxima) e estimulação elétrica de 30 Hz (que produz força similar à gerada pela contração a 50% da CVM) feitas através do nervo ulnar. O resultados foi um aumento de 79% para o treino convencional e 74% para a eletroestimulação (sem diferença significativa entre os grupos), com as seqüências temporais de mudança sendo similares nos dois casos. Neste caso, os autores já defendem que, diante dos resultados similares, os fatores neurais não são tão importantes.

A diferença entre os resultados provavelmente está no protocolo usado, pois tanto a freqüência da corrente (que se traduz na intensidade da contração) quanto as cargas relativas usadas no treinamento convencional eram superiores no estudo de DUCHATEAU & HAINAUT (1988). É notório que os treinos com cargas elevadas são mais propícios para se ganhar força por seus efeitos neurais. Desta forma, quando se comparam treinos convencionais usando cargas elevadas (métodos tensionais) com estimulação elétrica, provavelmente os resultados favorecerão a contração voluntária. Porém, no caso de cargas mais baixas, como em métodos metabólicos, a adaptação pode ter maior relação com fatores periféricos, na qual a estimulação elétrica atua de maneira mais forte e, conseqüentemente, se obtêm resultados similares entre os dois tipos de treino.

Estimulação elétrica e performance

Um grupo de pesquisadores franceses investigou a influência de um treino combinado (eletroestimulação e pliometria) no salto vertical de jogadores de vôlei (MAFFIULETTI et al, 2002) e basquete (MAFFIULETTI et al, 2000).

No estudo com jogadores de vôlei, os treinos envolviam estimulação dos extensores dos joelhos, seguidos pelos flexores plantar e finalizando com saltos pliométricos. Além dos testes "antes e depois", foram realizadas alguns a mais duas semanas após a finalização do experimento, quando os atletas retomaram seus treinos normais. Na segunda semana houve aumento da contração voluntária máxima (CVM) em 20% e 13% para os extensores do joelho e flexores plantar, respectivamente. Houve ganhos significativos nos diversos tipos de salto testados, como partindo da posição de agachamento e com contra-movimento, sendo estas melhoras mantidas após duas semanas de interrupção do protocolo experimental.

A pesquisa com jogadores de basquete foi similar, inclusive com a mesma duração. No entanto, o teste pós-experimento foi conduzido quatro semanas após a conclusão da pesquisa. Os resultados foram ligeiramente diferentes: nesta pesquisa a performance dos saltos com contra-movimento não teve alteração, fato que pode ser explicado pela ausência dos saltos pliométricos no protocolo de treino. O curioso é que após as quatro semanas de interrupção, com realização somente dos treinos convencionais este parâmetro foi melhorando em 17% sugerindo que o sistema nervoso levou algum tempo para conseguiu adequar às mudanças locais à necessidade motora.

Por este motivo, os autores concluem observando a relevância e rapidez com que os resultados foram obtidos e acrescentando que, caso se deseje aumentar o salto vertical com o uso da estimulação elétrica, a intervenção deve conter trabalhos específicos, como a pliometria, para que os resultados sejam benéficos (MAFFIULETTI et al, 2002).

O estudo de MALATESTA et al (2003) reforça os resultados do grupo de MAFFIULETTI, inclusive afirmando, novamente, que se o objetivo da estimulação elétrica for aumentar a habilidade de saltar verticalmente, deve-se usar movimentos específicos após os treinos para que sistema nervoso central "otimize o controle das propriedades neuromusculares". Generalizando para os demais esportes: deve-se conciliar racionalmente o treino físico com o trabalho técnico/motor específico, para que o corpo converta suas possibilidades morfofuncionais em ganhos reais à atividade-fim.

Conclusão

Substituir o treino convencional pela estimulação elétrica é uma má idéia, pois a contração muscular isoladamente não detém a capacidade de gerar todas as adaptações necessárias. Possivelmente o controle de realimentação gerado pelo movimento (movimento ≠ contração) leva nosso sistema a evoluir, aprimorando a qualidade dos gestos e causando adaptações favoráveis. No entanto, o padrão fragmentado de treino, característico da eletrostimulação, impossibilita a integração sistêmica e gera uma adaptação isolada e artificial. Isto pode levar a alterações patológicas e perda de performance.

A estimulação elétrica deve ser adequada ao objetivo a ser atingido da mesma forma que um treinamento convencional, observando seu volume, intensidade, freqüência e amplitude da corrente, numero de repetições, intervalos entre as séries.

A eletroestimulação é um procedimento sério que precisa ser orientado por profissionais especializados. A duração da contração, pausa, número de séries, amplitude da corrente, freqüência de estímulos e demais fatores devem ser controlados de modo a trazer resultados positivos, minimizando os danos. É imprudente comprar aparelhos vendidos enganosamente através da promessa de resultados irreais, e usá-los de forma descontrolada. Nos casos em que a eletroestimulação realmente fôr útil, um profissional saberá indicá-la.

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Paulo Gentil
Presidente do Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercícios; 24/10/2003;
http://www.gease.pro.br



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