Etnologia Indígena No Canadá: Primeiras Impressões

 

 

Stephen G. Baines (1)

 

O levantamento de pesquisa no Canadá

Realizei durante cinco semanas - de julho a agosto de 1995 - um levantamento preliminar de pesquisa em alguns dos principais centros acadêmicos da etnologia indígena do Canadá, com financiamento de uma Faculty Research Scholarship do governo canadense e auxílio do CNPq. Refiro-me a minha estadia no Canadá como levantamento preliminar de pesquisa, considerando que não se pode classificar um período tão curto como uma pesquisa. Neste trabalho, não pretendo esboçar uma história da disciplina, tarefa já realizada por muitos antropólogos canadenses, e para a qual não sou capacitado, mas comentar minhas primeiras impressões, as de um observador de fora, e tentar reunir e justapor algumas das perspectivas dos antropólogos entrevistados sobre a etnologia indígena.

Realizei visitas aos departamentos de antropologia da Université de Montréal e da McGill University, na cidade de Montreal, da Universidade de Laval, na cidade de Quebec, e da Universidade de Waterloo e da Universidade de Toronto, no Ontário. De Toronto, viajei de ônibus, atravessando o Canadá até a Colúmbia Britânica, onde visitei o programa de ensino universitário indígena (First Nations Studies) da Secwepemc (Shuswap) Cultural Education Society e Simon Fraser University (SCEC/SFU), em Kamloops; as comunidades indígenas Shuswap de Adam's Lake e Skeetchestn; a Universidade do Norte da Colúmbia Britânica (UNBC) em Prince George; a comunidade indígena Witsuwit'en de Moricetown; a Universidade da Colúmbia Britânica (UBC) e a Simon Fraser University em Vancouver; e Victoria, a capital da província da Colúmbia Britânica.

Nessas cinco semanas, entrevistei 29 antropólogos que realizam pesquisas com povos indígenas (três dos quais se identificaram como indígenas) e estabeleci contatos com três outros. A maioria dos antropólogos entrevistados é professor universitário; apenas uma entrevistada trabalha numa repartição do governo. Entrevistei, também, quatro líderes indígenas (um dos quais doutorando em etnohistória, e outro doutorando em antropologia), um ecólogo que realiza pesquisa com povos indígenas, três historiadores que pesquisam história indígena, um cientista político, e duas indigenistas em repartições do governo2.

Para conservação do anonimato dos entrevistados, conforme o desejo expresso por vários deles, não identifico os autores das citações, a não ser de trabalhos já divulgados, citados nas referências bibliográficas.

O levantamento de pesquisa encaixa-se dentro do projeto de pesquisa que venho desenvolvendo desde 1990, sobre a etnologia indígena que se faz na Austrália vista pelo prisma da etnologia indígena que se faz no Brasil. Foi inspirado na proposta do Professor Roberto Cardoso de Oliveira (1988:143-159) de estudar os estilos de antropologias periféricas, isto é, aquelas antropologias situadas em países na periferia dos centros metropolitanos da disciplina - os EUA, a Inglaterra, e a França - "onde a Antropologia, enquanto disciplina científica e acadêmica havia originariamente surgido e consolidado" (1988:144).

Já foi iniciado um diálogo por antropólogos residentes no Brasil que realizaram períodos de pesquisa no Canadá. O Prof. Guillermo Ruben (Universidade Estadual de Campinas, São Paulo) estudou a antropologia francófona no Quebec a partir da Université de Montréal, o Prof. Luís Roberto Cardoso de Oliveira (Universidade de Brasília) está realizando pesquisa de pós-doutorado em antropologia do direito na Université de Montréal, a Profa. Beatriz Perrone-Moisés (USP) realizou pesquisas etnohistóricas na Université de Montréal, Celso Azzan Júnior escreveu sua tese de doutorado sobre a antropologia no Quebec orientado pelo Prof. Roberto Cardoso de Oliveira, e a Profa. Simone Maldonado (Universidade Federal da Paraíba), que trabalha com antropologia da pesca, passou períodos lecionando na Université Laval.

Além disso, alguns antropólogos residentes no Canadá realizaram pesquisas recentes de doutorado e pós-doutorado com povos indígenas no Brasil, como o Prof. Robert Crépeau (Université de Montréal), Gilio Brunelli (Université de Montréal), Sophie Cloutier (Université de Montréal), e Bernard Von Graeve (University of Toronto). O Prof.Yvan Breton (Université Laval) realizou pesquisas recentes na área de antropologia da pesca no Brasil.

No meu caso, pretendo focalizar a etnologia indígena, e levando em conta que os antropólogos residentes no Brasil realizaram pesquisas no Quebec somente sobre a antropologia francófona, pretendo enfocar mais, porém não exclusivamente, a antropologia anglófona, em futuras pesquisas. Considerando que existe uma linha já estabelecida de comparação entre a etnologia indígena que se faz na Austrália e no Canadá3, fazia sentido incluir a etnologia indígena que se faz no Canadá dentro da comparação Brasil-Austrália.

No Canadá, como no Brasil e na Austrália, a etnologia indígena estudou povos sobre cujos territórios expandiu-se o estado-nação.

Se a antropologia que se faz na Austrália tem sido descrita por antropólogos daquele país como semi-periférica (Baines, 1995:75), Frank Manning, ao abordar a antropologia que se faz no Canadá, descreve este país como "uma espécie de colônia metropolitana"4 (1983:2), vizinho da maior super-potência do mundo. Vários antropólogos entrevistados ressaltaram a proximidade dos Estados Unidos como fator principal de influência em moldar o desenvolvimento da antropologia no Canadá, e muitos dos antropólogos que residem no Canadá são de origem americana e formados nos EUA.

Alguns, como, por exemplo, o Prof. David Aberle da UBC, que realiza pesquisas há muitos anos com os Navajo, continuam a realizar pesquisas com povos indígenas nos EUA, e também no Canadá. Um antropólogo anglófono que trabalha numa das principais universidades no leste do Canadá afirmou: "Eu diria que a antropologia no Canadá desenvolveu-se, em grande medida, como uma extensão da antropologia americana no Canadá, e em grande medida assim permaneceu". Ele ressaltou que não achava que havia uma noção de antropologia no Canadá como sendo marcadamente diferente da antropologia dos EUA, acrescentando:

"É provavelmente verdade que a antropologia francófona tenha sido influenciada mais por contatos com a França, e, nos anos 70, com o estruturalismo. A maioria dos fundadores da antropologia no Canadá francófono também estudaram nos EUA, então, de fato, acho muito problemático afirmar que a antropologia francófona no Canadá seja menos americana, ou significantemente menos americana, que a antropologia anglófona".

Ele acrescentou que houve outras influências, como, por exemplo, uma forte influência britânica através de alguns antropólogos que estudaram na Grã-Bretanha ou que eram de origem britânica,

"Porém, em primeiro lugar, a antropologia norte-americana tem sido uma antropologia continental. Não acho que é razoável falar num estilo distinto de antropologia no Canadá (...). Claro que há vários antropólogos canadenses que argumentam existir tendências altamente distintivas na antropologia que se faz no Canadá, mas eu acho que isso seria muito muito difícil de demonstrar".

Pierre Maranda, escrevendo em 1983, observou que os antropólogos canadenses "tendem a se ver dentro de uma antropologia internacional (antropologia americana?)", não caracterizando "a antropologia que praticamos como sendo de nosso estilo próprio" (Maranda, 1983:124). Entretanto, Maranda observa que entre as 78 respostas ao seu questionário sobre antropologia no Canadá (64 de anglófonos e 14 de francófonos) (1983:118-119), somente dois antropólogos anglófonos perguntaram se "no exterior" incluía os EUA. Para todos os outros os EUA estavam "no exterior" (1983:127).

Maranda (1983:115) menciona que as pesquisas de campo fora do Canadá começaram somente depois do estabelecimento da antropologia como disciplina nas universidades. Até 1978 antropólogos canadenses realizaram pesquisas financiadas pelo governo canadense na América Latina, Sudeste da Ásia, Oceânia, África, Austrália, e outros países (Maranda 1983:117). No início da década de 80 houve, entre as pesquisas realizadas no exterior, uma predominância de pesquisas na África, Europa e América Central. Tanto os antropólogos anglófonos quanto os francófonos, nas suas publicações no exterior, publicam predominantemente nos EUA, e os francófonos publicam proporcionalmente mais nos EUA que os anglófonos. Isso corrobora a auto-imagem apresentada por alguns antropólogos francófonos de serem, por um lado, mais cosmopolitas que os anglófonos, e, por outro lado, de dar as costas aos antropólogos anglófonos canadenses.

Roberto Cardoso de Oliveira propõe fazer uma etnografia da antropologia, afirmando "a inviabilidade de desassociar a aplicação da antropologia (...) das condições socioculturais, inclusive políticas, que propiciaram seu surgimento enquanto disciplina" (1988:149). Acrescenta que "tal conhecimento ocorre num meio ideologicizado, do qual nem o antropólogo, nem a disciplina logram escapar. (...) torna-se importante distinguir tipos de sociedades em cujo interior a disciplina se instala" (Ibid.). Roberto Cardoso de Oliveira distingue, além do "tipo de sociedade constituído por países (...) de profunda tradição ocidental, como as nações mais antigas da Europa (...) pelo menos dois outros tipos de sociedade onde a antropologia neles implantada se defrontaria com contextos muito peculiares: (...) as antigas nações asiáticas" e "as `novas nações'" (1988:148-151).

Bruce Kapferer afirma, em artigo sobre ideologia nacionalista e antropologia comparativa, que "a subjetividade do antropólogo, como a de qualquer outra pessoa, está fundamentada nos mundos históricos e ideológicos em que ele(a) está posicionado(a)" (1989:166). Ao desenvolver uma linha de pensamento semelhante, Mariza Peirano assinala que "o pensamento do antropólogo é parte da própria configuração sociocultural na qual ele emerge" (Peirano, 1992:237), e que "dado que o desenvolvimento da antropologia coincidiu e se vinculou à formação das nações-estados européias, a ideologia de construção nacional (nation-building) é um parâmetro e sintoma importante para a caracterização das ciências sociais onde quer que elas surjam" (Ibid.).

As representações que os antropólogos fazem acerca de si mesmos surgem em diversas formas, revelando uma perspectiva de membros de estados-nações imperialistas, no caso dos países de centro (ver Stocking Jr., 1982:172). Essa maneira de se apresentar pode ser pertinente, também, para os antropólogos em nações de colonização européia que pensavam seus países como extensões dos países de centro, o que pode ser postulado para o 6 caso da Austrália na primeira metade deste século (Baines, 1995). Os antropólogos podem se ver como membros de estados-nações ex-colônias de países europeus (nos casos do Brasil, da Austrália e do Canadá atuais, apesar das imensas diferenças), como membros de nações minoritárias que reivindicam independência do Estado (muitos dos quebequenses francófonos), e como membros de nações autóctones minoritárias dentro de estadosnações, alguns dos quais reivindicam maior autonomia dentro do estado-nação, enquanto outros aspiram à independência5 (alguns antropólogos aborígines na Austrália e no Canadá).

Alcida Ramos, ao refletir sobre o estilo de etnologia indígena que se faz no Brasil, constata que "o enfoque privilegiado da etnologia brasileira em relações interétnicas é (...) relacionado a um interesse social e um contexto histórico específicos. É associado a uma atitude de compromisso político para a defesa dos direitos dos povos pesquisados" (1990:453). Ao tentar caracterizar o ethos etnológico brasileiro, Ramos cita Mariza Peirano, que relaciona "o estilo particular de antropologia que se pratica no Brasil às raízes do movimento modernista da década de 1920 e ao esforço para construir uma nação brasileira. A responsabilidade dos intelectuais era de construir uma identidade nacional baseada no que era `nativo'" (Ramos, 1990:455). Ramos sugere a possibilidade de retratar os mundos antropológicos em tradições anglo-americana e latina, lembrando, também, que, no Brasil, "a condição de colonizado moldou o estilo de pensamento social específico da inteligência brasileira" (1990:456). Ramos afirma que, "a hegemonia de idéias, atitudes, e modas euro-americanas que direta ou indiretamente invadem as mentes da população de países como o Brasil, que, neste aspecto, não é diferente de outras nações latinoamericanas", conduz "à reação contra isso na forma de uma postura crítica em relação a coisas hegemônicas (...) muitas vezes mas nem sempre de inspiração marxista, o que teve o efeito de um afastamento do estilo positivista das ciências sociais norte-americanas e britânicas" (Ibid.). Ramos enfatiza que, apesar do seu "sabor próprio", a antropologia que se faz no Brasil é de nível internacional: "Falamos a língua franca da teoria antropológica, mantendo o nosso sotaque forte e distinto" (1990:456). Sugere, também, "a possibilidade de que a natureza do trabalho acadêmico no Brasil permita maior liberdade de ação que no ambiente antropológico do mundo anglo-saxão" (1990:455).

A influência desmedida dos EUA sobre a antropologia que se faz no Canadá é descrita por Marilyn Silverman no que ela chama de encontro colonial na academia canadense, evidente num processo de seleção através de concurso público para professor assistente, do qual ela participou. Assim, ela descreve a situação em que a "metáfora central era `canadense [incompetente] versus americano [competente]'" (1991:388) e como os candidatos canadenses foram imediatamente descartados, pois os membros da banca iniciaram seu discurso "com a premissa do colonizado: que canadense é inferior. Nosso objetivo é de contratar alguém que demonstra excelência acadêmica. Por definição, tal candidato não poderia ser um de nós, inferiores. De onde deve vir tal candidato? É claro, de nossos superiores, do outro colonizador, dos Estados Unidos" (1991:391). Nesse artigo, Silverman, para reforçar seu argumento, acentua a questão do pensamento colonizado de alguns dos seus colegas. Entretanto, ela conclui que "Certamente não é por acaso que os antropólogos canadenses, na periferia de um império, interessam-se pela trajetória políticoeconômica do poder e da exploração nas suas diversas formas" (1991:392).

Krystyna Sieciechowicz, ao examinar o estado de antropologia que se faz no Canadá da perspectiva da Universidade de Toronto, distingue "um número de constantes em nossas pesquisas" com "ênfase em comunidade, estrutura social, história, economia política, poder e ideologia" (1993). Ela também comenta que o "complexo de assuntos indígenas é uma questão moral", e que "a questão indígena no Canadá é uma questão da consciência do próprio país" (Ibid.).

Como ressalta Adam Kuper, falando da perspectiva de um país central da disciplina, os EUA, e defensor de uma antropologia internacional e universalista, na antropologia social, "Nosso objeto deve ser o confronto dos modelos correntes das ciências sociais com as experiências e modelos dos nossos sujeitos, enquanto insistimos que isso deveria ser um processo recíproco (...). Isso é, inevitavelmente, um projeto cosmopolita, que não pode ser subordinado a qualquer programa político" (1995:551). Foi revelado que tendências para o nativismo, observadas, por exemplo, na obra de alguns antropólogos na Grécia, e expressas na forma de uma postura crítica ao hegemônico, têm sua origem no discurso hegemônico que está de moda na academia americana. Kuper, citando Gefou- Madianou, que critica essas tendências nativistas, observa que "É implícito nas suas obras que os antropólogos nativos gregos têm maior reflexividade e capacidade de `verdadeiramente' compreender a cultura grega e as categorias indígenas" (Gefou- Madianou 1993:172-3 apud Kuper, 1995:546). Kuper também cita Herzfield (1986), que se dirige às limitações da tradição nativa grega de antropologia, "mostrando sua subordinação a programas políticos, e sua relação às vezes escamoteada ao discurso antropológico cosmopolita" (Kuper, 1995:547). Kuper compartilha com Herzfield uma "visão cética de etnografia nativista, com suas implicações nacionalistas - e às vezes até racistas" (Ibid.).

Kuper aponta o perigo de debates a nível local, que podem conduzir a uma "espécie de provincialismo etnográfico", e coloca a pergunta: "Esgota-se a discussão ao cruzar as fronteiras entre as tradições regionais de estudos?" (1995:550). Ao comparar a antropologia que se faz na Índia com aquela que se faz no Brasil, Mariza Peirano assinala que "No nosso caso (do Brasil), entre o alto teor de politização local e o fascínio pelo modismo internacional, o viés paroquial parece surgir, estranhamente, na crença de que fazemos parte de um Ocidente homogêneo, (...) desconhecendo o fato de que, no momento em que se cruzam as fronteiras nacionais, o que era aqui uma discussão teórica se transforma imediatamente em simples etnografia regional" (1992:229-230).

Passando para o caso do Quebec, ressalta Handler que, "a personalidade nacional (quebequense) é freqüentemente discutida em termos de temperamento e sangue" (1984:60), os quebequenses francófonos distinguindo-se dos anglófonos pela "joie de vivre" e pelo "sangue latino". M. Estellie Smith observa que "Há muito tempo os quebequenses orgulham-se de um certo `cosmopolitismo inato' que eles acham estar faltando nas elites anglófonas `indigestas e antiquadas'" (1984:67), postura que surge nas declarações de alguns antropólogos quebequenses sobre a disciplina no Quebec.

Algumas Informações Gerais sobre o Canadá

O Canadá tem uma área de 9.922.385 km2, com extensão de 5.000 km do Pacífico, no oeste, ao Atlântico, no leste, e de 4.600 km da Ilha de Ellesmere, no norte, à fronteira dos Estados Unidos, no sul. A população é de cerca de 28.000.000 de habitantes (1991), da qual mais de 75% vive em grandes centros urbanos situados a 400 km da fronteira com os EUA, numa faixa estreita de território densamente povoada. Sessenta por cento da população total encontra-se no sul das províncias de Ontário e Quebec. O norte do Canadá, que até a década de 1960 foi visto como remoto, inacessível e economicamente pobre, passou a ser considerado, a partir da década de 1970, como uma vasta fonte de riquezas minerais e energia hidrelétrica. Foi a década em que se iniciaram vários megaprojetos em territórios indígenas. A população aborígine está em torno de 1,2 milhões, aproximadamente, 4,3% da população total do Canadá.

A colonização européia começou a partir do fim do século XV, pelos franceses e ingleses. No decorrer do século XVII, os franceses colonizaram as margens do rio São Lourenço e, em menor escala, a "Acádia", na costa oriental. Conflitos do século XVIII, entre a Inglaterra e a França, culminaram na queda de Quebec, em 1759, e na anexação ao império britânico da colônia francesa.

A formação do estado-nação canadense atual ocorreu através de um período longo. Com a declaração de independência dos EUA, em 1776, muitos colonos americanos leais à Coroa Britânica, e alguns povos indígenas também, deslocaram-se para o norte para colonizarem a Nova Escócia, o Novo Brunswick e o que é hoje Ontário. As invasões do Canadá terminaram com a Guerra de 1812-14, entre a Grã-Bretanha e os EUA. Em 1846, a fronteira entre os EUA e os territórios britânicos foi prolongada para o oeste até o Pacífico, seguindo o traçado do paralelo 49. Após a Guerra Civil Americana, três colônias, o Canadá Unido (Quebec e Ontário), o Novo Brunswick e a Nova Escócia uniram-se, através da Lei Constitucional de 1867, numa união federal. Em 1869-70 o governo britânico lhe cedeu os territórios do Oeste e do Norte que tinham pertencido à Companhia da Baía de Hudson (Terra de Rupert). Desses territórios, foram criadas as províncias de Manitoba (1870), Saskatchewan e Alberta (1905) e os territórios do Noroeste. Em 1871, a Colúmbia Britânica aliou-se à federação e a Ilha do Príncipe Eduardo aliou-se em 1873. Em 1949, a Terra Nova tornou-se a décima província.

O Canadá, como o Brasil e a Austrália, pode ser considerado uma nação de colonização européia, ou "nova nação". Houve imigração de onze milhões de pessoas desde 1867, os últimos cinco milhões tendo sido admitidos depois da Segunda Guerra Mundial. Recentemente, há imigração americana para a Colúmbia Britânica e imigração canadense das províncias economicamente mais pobres do leste do Canadá para os EUA.

Da população do Canadá 68,3% são anglófonos e 23,3% francófonos, e 13% falam as duas línguas. Há, também, comunidades numerosas de falantes de línguas alemã, ucraniana, italiana, grega, algumas línguas da China e da Índia, e outras. Vancouver tem a segunda maior comunidade iraniana fora do Irã, depois de Los Angeles.

 

Os Povos Indígenas do Canadá

Os povos indígenas do Canadá têm sido classificados em várias famílias lingüísticas, sendo onze as principais, e mais de cinqüenta línguas.

A Seção 35 da Ata Constitucional de 1982 inclui, como povos aborígines, os Índios, os Inuit, e os Métis. A palavra "índio" tem uma conotação pejorativa, sendo mais usados pelos povos aborígines os termos "povos nativos", "povos aborígines", e "Primeiras Nações". Entretanto, como ressaltou para mim um líder indígena, todos esses termos têm sido apropriados de maneiras diversas e, muitas vezes, contraditórias, para fins políticos.

Segundo Edward Hedican, pode-se distinguir um período protecionista de política colonial britânica, a partir da Proclamação Real de 1763, que declara que:

"É justo e razoável, e essencial para os nossos interesses e para a segurança das nossas colônias, que as diversas Nações ou Tribos de Índios com as quais travamos contatos, e que vivem sob a nossa Proteção, não deveriam ser molestados ou perturbados na posse daquelas partes dos nossos Domínios e Territórios que, não havendo sido cedidas a Nós, nem compradas por Nós, são reservadas para elas ou para quaisquer umas delas como Terras de Caça" (apud Hedican:1995:9).

Este documento pode ser considerado a base de direitos aborígines, ao reconhecer que os povos nativos eram os habitantes originais e soberanos antes da conquista européia, a base para a Ata Indígena de 1876, e também para o período de tratados em que as reservas foram criadas. A criação de reservas indígenas resultou numa distinção entre Índios "status" (os Índios incorporados nos tratados) e Índios "non-status" (aqueles Índios não incorporados nos tratados, os Métis, e os nativos emancipados). Os anos desde o período de confederação até cerca de 1960, década de ativismo indígena, têm sido chamados a "era de assimilação" da política indigenista canadense. O objetivo da Ata Indígena era a assimilação da população aborígine, proposta através do conceito de emancipação. Poucos índios optaram pela emancipação. Em 1880, uma emenda à Ata determinou que qualquer índio com diploma de graduação seria automaticamente emancipado. Outra emenda, em 1933, deu ao governo o poder de emancipar índios sem seu consentimento. Em 1927, em resposta a uma reivindicação territorial dos Nisga'a na Colúmbia Britânica, o governo aprovou uma emenda que proibiu a arrecadação de dinheiro entre índios para reivindicar terras sem a autorização, por escrito, do Superintendente Geral de Assuntos Indígenas.

O período dos tratados estendeu-se de 1871 a 1923, com a aceleração da colonização do continente. Nos tratados nº.1 a 11, os povos indígenas cederam vastos territórios em troca de reservas, indenizações, roupas para os chefes de três em três anos, munição e corda. Só o tratado nº.6 inclui o fornecimento de atendimento médico. Entre 1871 e 1877, sete tratados foram assinados, envolvendo a cessão de grandes áreas pelos povos indígenas, e a aglomeração de grupos dispersos em aldeamentos fixos administrados pelo governo. Quatro tratados referentes ao norte do país foram assinados em 1899, 1905, 1906 e 1921. Só o primeiro abrange parte da Colúmbia Britânica. Houve um tratado, assinado em 1923, pelos Chippewa em Ontário e na Baía de Georgian.

Noel Dyck (1993a:91-92) chama atenção ao fato de que, desde o fim do século 10 XIX, atividades políticas entre os povos indígenas do Canadá refletem suas tentativas repetidas de organizar associações políticas além do nível do bando ("band", comunidade) para seguir interesses comuns. O Grande Conselho Indígena Geral de Ontário foi o resultado de esforços de missionários em estabelecer um conselho de nações Ojibwa antes da Confederação. Teve existência de 1870 a 1938, e seguia uma linha de conciliação com administradores governamentais. No início da década de 1880, os Cree das Planícies criaram uma aliança política para tentar forçar o governo federal a respeitar seus compromissos de tratado, o que terminou na rebelião de 1885. A associação Tribos Aliadas da Colúmbia Britânica foi criada em 1915; na década de 1930, a Irmandade Nativa da Colúmbia Britânica; e a Associação Métis de Alberta, em 1932 (Sawchuk, 1993:273).

Tentativas de criar uma organização política indígena a nível nacional começaram em Ontário e Quebec durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1918, a Liga de Índios do Canadá foi criada em Ontário e, mais tarde a Irmandade Indígena Nacional que foi transformada na Assembléia das Primeiras Nações.

Em 1951 houve uma revisão da Ata Indígena, com a rescisão de leis que proibiam o potlatch e outras cerimônias. Contudo, a legislação não era muito diferente da anterior, permanecendo a cláusula de emancipação forçada. Foi realizado um cadastramento de Índios, na forma de uma lista de bandos com direito a viver em reservas e uma lista geral que inclui pessoas que não pertenciam a bandos.

Em abril de 1969, o Conselho Tribal dos Nisga'a entrou na justiça, contestando a negação de reconhecer direitos territoriais indígenas por parte do governo da Colúmbia Britânica, e reivindicou direitos territoriais no Supremo Tribunal do Canadá. Quase cinco anos depois, os juízes dissolveram o processo, ao ficarem divididos sobre a questão de se ou não a posse nativa havia sido anulada, na decisão de Calder de 1973. Poucos meses depois que os Nisga'a iniciaram sua luta pelo reconhecimento de direitos territoriais, em 1969, o governo federal promulgou o "White Paper", uma espécie de "Decreto de Emancipação", que visava revogar a Ata Indígena e declarar o fim da responsabilidade do governo federal com relação aos povos indígenas, assim passando a administração de suas áreas às províncias. Essa proposta do governo incluía a extinção do Department of Indian Affairs and Northern Development. Foi apresentado pelo Ministro de Assuntos Aborígines do governo Trudeau, Jean Chrétien, com o pretexto de colocar os povos indígenas em pé de igualdade com os demais cidadãos canadenses.

O "White Paper" foi fortemente criticado pelos povos aborígines, que divulgaram seu "Red Paper", passando a exigir uma reforma, e não a revogação, da Ata Indígena, e um reconhecimento mais explícito dos direitos indígenas na legislação canadense, o que foi parcialmente alcançado com a Ata Constitucional de 1982. Em 1969, agentes indigenistas foram retirados das reservas indígenas, numa tentativa de acabar com o paternalismo governamental, e, a partir de 1970, o governo passou a financiar organizações indígenas. A partir da década de 1970, com a exigência de autodeterminação por parte dos povos indígenas, as igrejas foram retiradas da educação indígena e os internatos fechados.

Programas especiais foram montados numa tentativa de basear a educação indígena em valores e tradições nativos.

Em 1973, o governo federal anunciou sua disposição de negociar reivindicações territoriais baseadas em posse aborígine, mesmo para povos que não haviam sido incluídos nos tratados. Duas categorias de reivindicações foram reconhecidas: as "compreensivas" e as "específicas". As compreensivas são baseadas no uso e ocupação tradicional, naquelas 11 regiões onde não houve tratados: Yukon, Labrador e a maior parte da Colúmbia Britânica, o norte de Quebec e os Territórios do Noroeste. As reivindicações compreensivas abrangem posse territorial, direitos de pesca e caça, indenização monetária e benefícios econômicos e sociais. As reivindicações específicas resultam de reclamações em relação a tratados e à administração de terras indígenas sob a Ata Indígena. Até 1995, dez reivindicações compreensivas foram assinadas, a maioria das quais já está sendo implementada (algumas estão aguardando a decisão judicial). Onze estão em fase de negociação. Na província de Colúmbia Britânica, quarenta declarações manifestando a vontade de negociar foram entregues à Comissão de Tratados da Colúmbia Britânica. Até abril de 1994, o governo recebeu 584 reivindicações específicas, e até dezembro de 1994, 312 foram resolvidas, 127 através de acordos (Canada, 1995). Em 1975, os Cree e Inuit da Baía de James e norte do Quebec cederam cerca de 981,610 km2 em troca de indenizações, a posse de 8,500 km2, direitos políticos e governo regional, direitos de educação e uso de língua.

A promulgação do Bill C-31 em 1985, um projeto de lei para modificar a Ata Indígena, visava terminar a discriminação contra mulheres indígenas. Antes deste Bill, mulheres classificadas como Índias "status" que casaram com Índios "non-status" ou com brancos perderam seu "status". A partir de 1985, a Ata Indígena anulou a emancipação e permite o cadastramento de Índios que perderam seu "status" e seu pertencimento a bandos. O Department of Indian Affairs and Northern Development (DIAND) desistiu da política assimilacionista dos anos 60, passando a predominar a idéia de que as reservas indígenas deveriam ser um foco para desenvolvimento comunitário. Apesar das tentativas por parte do governo de seguir uma política de autodeterminação indígena, persiste a idéia de que os povos indígenas não são capazes de gerenciar suas próprias vidas, e os povos indígenas vêem as estruturas externas às suas comunidades como empecilhos à sua autonomia.

A Ata Indígena, ao conceder "status" oficial a alguns nativos e não a outros, fragmenta a população aborígine do Canadá em grupos de interesses concorrentes, como a Assembléia das Primeiras Nações (AFN), de Índios "status"; o Conselho Nativo do Canadá (NCC), de Índios "non-status"; a Sociedade Métis do Canadá; o Inuit Tapirisat do Canadá (ITC)(1971), a Associação de Mulheres Nativas do Canadá, e muitos grupos a nível provincial e regional, como a União de Chefes Indígenas da Colúmbia Britânica (1969).

Em 1991 havia mais de 500,000 Índios cadastrados como Índios "status" sob a jurisdição legislativa e administrativa do governo federal, uma população que quase dobrou nos últimos 25 anos. Viviam 326,444 Índios "status" em reservas, e 226,872 fora delas. No mesmo ano havia 405,000 Índios "non-status", 192,100 Métis, e 50,800 Inuit (Statistics Canada, 1991 census). O número de canadenses de descendência indígena pode ser o dobro da população cadastrada. Os Índios "status" são chamados "Povos das Primeiras Nações" (First Nations People), com direito a benefícios do governo federal. Há cerca de 2,300 reservas indígenas abrangendo cerca de 2,8 milhões de hectares, distribuídas entre 606 bandos indígenas.

Os Inuit, o povo que fala a língua Inuktitut, é composto de vários grupos com estilo de vida e línguas parecidos, que reivindicam um território autônomo, Nunavut ("Nossa Terra"), nos Territórios do Noroeste. Enquanto se calcula que os ancestrais dos Índios migraram da Ásia há mais de 25,000 anos, os ancestrais dos Inuit migraram há cerca de 15,000 anos. Em 1939, uma decisão do Supremo Tribunal Federal outorgou aos Inuit os 12 mesmos benefícios de saúde, educação e assistência social que os índios recebiam, determinando que o termo "Índio" da Ata Constitucional de 1867 incluia também os Inuit.

Nas décadas de 1950 e 1960, cerca de 700 grupos Inuit sofreram remanejamentos para 40 aldeamentos. Atualmente estão distribuídos em 66 comunidades que variam de 100 a 1000 habitantes. A exigência de maior controle sobre seus próprios territórios levou o governo dos territórios do Noroeste a realizar um plebiscito em 1982, com a divisão de Nunavut e Denendeh (Índios e Métis). Favoreceram a decisão de maior autonomia dentro da União Federal 56% dos votos. Em junho de 1993, uma Ata de Parlamento prevê a criação, até 1 de abril de 1999, de Nunavut, com uma extensão de 1,900,000 km2, e título de posse a 350,000 km2.

Cerca de 70% da população indígena vive em comunidades afastadas dos centros urbanos, comparado a 25% da população canadense total. O tamanho médio das comunidades indígenas cresceu de 200 pessoas, em 1950, para mais de 650 pessoas, e assim, a área de reservas por pessoa diminuiu pela metade numa só geração (Hedican, 1995:12). Somente 16 bandos têm uma população de mais de 2000 indivíduos. A taxa de natalidade é mais alta que a da população não-indígena, o que tem aumentado a demanda para educação, serviços sociais e empregos. A renda média dos aborígines corresponde a dois terços da média nacional e, dos Índios que vivem em reservas, 60% dependem do sistema de previdência social e 30% dependem de biscates, programas de treinamento, ou seguro de desemprego.

Está havendo um aumento de migração das reservas para as cidades. Nos cerca de 30% dos Índios "status" que moram fora das reservas, constatam-se taxas de desemprego e dependência do sistema de previdência social entre 25% e 30%. Os povos aborígines vivem no nível sócio-econômico mais baixo da sociedade canadense. Apesar dos povos aborígines constituirem cerca de 4,3% da população total do Canadá, nas penitenciárias federais 12% dos homens e 17% das mulheres são aborígines. Na província de Saskatchewan chegam a constituir 72% do total dos presos. Após uma série de conflitos interétnicos, culminando em Oka, em 1990, o governo federal estabeleceu uma Comissão Real sobre Povos Aborígines para investigar a situação econômica, social e cultural dos povos aborígines do Canadá.

 

A Etnologia Indígena no Canadá

Tom McFeat (1980) traça o desenvolvimento da antropologia no Canadá a partir dos missionários jesuítas do século XVII, existindo um acervo de 73 volumes de anotações e cartas sobre os Iroqueses do sul de Ontário, que inspiraram as obras de etnohistória de Alfred Bailey (1937) sobre os Algonquin, de Leacock (1954) sobre o comércio de peles e caça, de Bruce Trigger (1969, 1976, 1985) sobre os Huron, e pesquisas históricas mais recentes sobre os Cree da Baía de James de D. Francis & T. Morantz (1983).

Kenelm Burridge afirma que "durante duzentos anos os etnógrafos foram sacerdotes missionários franceses", acrescentando que "a secularização e o florescimento da etnologia que ocorreu na Grã-Bretanha, Europa, Austrália e nos EUA nos últimos 25 ou 30 anos do século 19 não aconteceram no Canadá" (1983:306). Na primeira metade do século 20, uma grande parte da pesquisa etnográfica no Canadá foi realizada por 13 americanos.

Richard Preston (1983:286-287) afirma que a antropologia como área acadêmica foi estabelecida muito tarde no Canadá. Primeiro foi implantada nos museus com uma visão de etnologia de resgate e arqueologia dos Índios. Edward Sapir, indicado por Franz Boas, foi o primeiro chefe da Divisão de Antropologia em 1910, que se iniciou dentro do Levantamento Geológico do Canadá, no prédio do Victoria Museum em Ottawa. Até 1920, contava com quatro antropólogos: Sapir, Marius Barbeau, Diamond Jenness e F.W.

Waugh. Barbeau e Jenness haviam-se formado na Universidade de Oxford. A antropologia foi introduzida na Universidade de Toronto em 1925, e no Museu Real de Ontário, sendo criado o primeiro departamento e programa de mestrado em 1927, com a contratação de T.F. McIlwraith, aluno de A.C. Haddon, que também teve contatos com W.H.R. Rivers (Burridge, 1983:306). Só em 1937 o departamento ganhou reconhecimento como um departamento de antropologia, e, no mesmo ano foi implantado o doutorado (Preston, 1983:288). Em 1947 a Universidade de McGill, Montreal, estabeleceu uma vaga para antropólogo e a Universidade da Colúmbia Britânica (UBC) contratou Harry Hawthorn como professor de antropologia no Departamento de Economia, Ciência Política e Sociologia. Na UBC, o departamento de Antropologia e Sociologia foi fundado em 1959, contando, em 1969, com doze antropólogos em regime de dedicação exclusiva (Kew, 1993-94:80). A antropologia foi estabelecida como disciplina na Universidade de Vitória em 1963 e na Universidade Simon Fraser em 1965 (Ibid.).

Como ressalta Gulherme Ruben (1995), os fundadores dos modernos programas de ensino e pesquisa antropológicos na Universidade de Montreal e Universidade de Laval foram Guy Dubreuil e Marc-Adélard Tremblay, respectivamente. Os dois tinham se formado nos EUA.

A antropologia como disciplina acadêmica somente se desenvolveu plenamente depois da Segunda Guerra Mundial, período em que predominava a influência britânica. A primeira tese de doutorado num tema indígena foi defendida em 1934 por A.G. Bailey, no Departamento de História, e a segunda em 1956. Somente em 1964 a Universidade de McGill e a UBC iniciaram programas de doutorado. Conforme Preston, o desenvolvimento da estrutura de quatro campos de estilo boasiano só ocorreu na Universidade de Toronto na década de 1960.

Desde o início do século 20 houve uma preocupação com a política indigenista, e, em 1884, Franz Boas participou do comitê da Associação Britânica para o Progresso da Ciência para investigar a situação desesperada em que se encontravam os povos indígenas da Colúmbia Britânica. Boas, trabalhando na Columbia University em Nova Iorque, realizou pesquisas de campo no litoral noroeste da Colúmbia Britânica de 1886 a 1931 (Rohner, 1969 apud Kew, 1993-94:78). Em 1909, o Museu Nacional tornou-se um foco para antropologia no Canadá, dirigido por Edward Sapir, aluno de Boas, até 1926, e depois pelo neozelandês Diamond Jenness, ex-aluno de R. Marett em Oxford (Burridge, 1983:306), que trabalhou junto com Marius Barbeau na defesa de direitos indígenas.

Uma emenda à Ata Indígena, datada de 1927, proibiu a organização política dos povos indígenas além do nível da comunidade local. Jenness e Barbeau, junto com outros antropólogos, manifestaram-se contra a política governamental, que proibiu o potlatch e a dança de Tamanawas de 1882 a 1951, a Dança do Sol nas Pradarias de 1910 a 1934, e os cerimoniais do espírito guardião entre os Salish. Apesar de predominar uma "etnografia de resgate" - uma tentativa de reconstruir a cultura tradicional como era antes do contato - nas 14 décadas anteriores da de 1960 (Kew, 1993-94:78-79), os antropólogos vinham desempenhando um papel cada vez maior na política indigenista. O Levantamento dos Índios Contemporâneos do Canadá (1966-7), dirigido por Harry Hawthorn, da UBC, e Marc-Adélard Tremblay, da Université Laval, envolveu cerca de 50 etnólogos. Foram submetidas 150 recomendações relacionadas à política indigenista e às necessidades econômicas, políticas e educacionais.

Em 1940 havia oito etnólogos lecionando em três universidades - Toronto, Montreal, McMaster - e talvez quatro nos museus. Em 1950 havia nove antropólogos em cinco universidades. Em 1960 havia 35 antropólogos em oito universidades. Em 1970 havia 170 antropólogos em 24 universidades, e em 1979-80, 270 antropólogos em 35 universidades (Burridge, 1983:307). Burridge acrescenta que em 1983, a antropologia ainda estava em período de consolidação no Canadá, apesar de ter um antropólogo para 90.000 pessoas, comparado com 1:80.000 nos EUA, 1:330.000 na Grã-Bretanha, e 1:120.000 na Austrália. No mesmo ano, 55,5% dos professores de antropologia eram formado em universidades americanas (principalmente Chicago, Harvard, e Berkeley), 24,4% em universidades canadenses (principalmente UBC, Toronto, e Laval), 11,6% em universidades da Grã-Bretanha e Irlanda (principalmente Oxford e L.S.E.), 7,3% em Paris, e 1,2% na Holanda. De 780 teses de mestrado e 142 teses de doutorado, 31,3% versavam sobre temas canadenses, 7,3% sobre temas da América do Sul, e 8,6% sobre temas da Austrália, além de outras regiões do mundo. Marc-Adélard Tremblay caracteriza o início da década de 1980 como "época de fragmentação teórica sem precedentes" (1983:333), conseqüência inevitável do enorme crescimento e diversificação da disciplina.

Além das universidades, atualmente existem colégios de ensino superior que oferecem alguns cursos a nível de graduação em antropologia. Na Província de Colúmbia Britânica, havia, em 1993-94, quinze colégios ou colégios/universidades governamentais e dois colégios particulares com alguns cursos de graduação em antropologia (B.C. Council on Admissions and Transfer, 1993-94, apud Kew, 1993-94:80).

Lee Drummond (1983:108) constata que até a década de 1960 os povos aborígines eram o objeto de estudo por excelência da antropologia. Vários dos entrevistados salientaram a controvérsia do "White Paper", de 1969-70, como o ponto de mudanças fundamentais na etnologia indígena realizada no Canadá, de uma "etnografia de resgate" ou etnologia tradicional, estudos de aculturação, e estudos sobre as relações entre os povos aborígines e a sociedade canadense, para uma antropologia que tem que levar em consideração vários fatores novos. Por exemplo, as definições nativas a respeito de assuntos nativos, a necessidade do antropólogo negociar com os povos os termos de realização das pesquisas, situações que envolvem projetos de desenvolvimento econômico de grande escala e que envolvem as comunidades locais em eventos mundiais, o crescimento enorme do número de consultores antropológicos, processos de reivindicação territorial, política indígena, e um clima de críticas dirigidas à antropologia pelos povos nativos e por diversos agentes da sociedade nacional.

Um grande ímpeto nos estudos de povos indígenas ocorreu na antropologia anglófona no Canadá durante os anos 60 e início dos anos 70, com a ocupação intensiva do norte do continente e estudos dirigidos para questões de desenvolvimento e modernização.

Esses estudos eram diretamente relacionados à construção da nação canadense, entretanto, eram vistos pelos antropólogos envolvidos, não tanto como uma questão da construção da nação, e mais como uma questão de lidar com problemas específicos como peritos ou 15 tecnocratas. Porém, com o surgimento do movimento político indígena nos anos 70, os antropólogos perderam, em grande medida, esse papel de consultores ao governo. Os povos nativos não deixam que os antropólogos desempenhem mais esse papel, e um antropólogo chamou atenção ao fato de que uma das conseqüências mais decepcionantes desse aumento de auto-determinação indígena é que os povos indígenas freqüentemente sucumbem às pressões de interesses que os antropólogos combatiam veementemente.

Um antropólogo anglófono entrevistado apontou que, desde cedo, os povos nativos obrigaram os antropólogos a perceber a imensa contradição na idéia de que era possível promover o desenvolvimento da nação e, ao mesmo tempo, ajudar os povos nativos a promover seus próprios interesses. Contudo, ele ressaltou que esses antropólogos viram seu trabalho como o de tecnocratas que ofereciam conselhos, e de maneira alguma como patriotas que contribuiam para a construção da nação canadense. O mesmo antropólogo mencionou que os estudos sobre povos indígenas e o estado-nação no Canadá, a partir dos de Robert Paine, representam cada vez menos uma tentativa de intervir ou de mudar uma situação, e cada vez mais um esforço de simplesmente compreendê-la, o que marca uma retirada da ação.

Dyck classifica a maior parte das publicações em antropologia social e cultural durante os anos de 1970 e 1980 em quatro áreas: etnohistória, etnologia, estudos de comunidades, e relações entre povos aborígines e o Estado (Dyck, 1990:43-45). Tanto Dyck quanto Kew assinalam que houve poucas pesquisas antropológicas sobre a situação de aborígines que moram nas cidades (Dyck, 1990:48, Kew, 1993-94:89), apesar do fato de que, na província da Colúmbia Britânica, por exemplo, em 1989, quase a metade dos Índios "status" moravam fora das reservas indígenas. Segundo um líder indígena entrevistado, a população nativa residente em Toronto é cerca de 65,000 indivíduos, "a maior comunidade indígena ao norte do México". Atualmente, há alunos indígenas, escrevendo teses de doutoramento sobre temas que quase não foram abordados no passado. Por exemplo, uma aluna na Colúmbia Britânica está examinando o suicídio entre aborígines no Canadá, e outra aluna, no leste do Canadá, está trabalhando no tema da urbanização.

Nos anos 70, a atenção dos etnólogos mudou de comunidades mais isoladas para índios aculturados, citadinos, grupos minoritários, étnicos, etc., o que marca um desenvolvimento, em alguns aspectos parecido com aquele observado por Peirano (1991) na antropologia que se faz no Brasil. De um enfoque primeiro nos povos aborígines, houve uma mudança para outros temas como minorias étnicas dentro da sociedade nacional e, posteriormente, para a sociedade canadense em si, além da investigação de questões políticas e análise de discurso (Drummond, 1983; Paine, 1983). Entretanto, como no Brasil, alguns antropólogos continuaram, e continuam, a realizar pesquisas junto a povos indígenas.

Um antropólogo anglófono entrevistado mencionou uma nova tendência na etnologia indígena que se faz no Canadá nos anos 80, quando houve:

 


 
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