Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil

Enviado por Simon Schwartzman


Introdução

O tema da cor ou raça tem sido pesquisado recentemente pelo IBGE em termos da "cor" das pessoas, com as alternativas de "branco", "preto," "pardo" e "amarelo," e mais a categoria de "indígena". Esta pergunta é feita nos recenseamentos decenais, e também na pesquisa nacional por amostra de Domicílios (PNAD), realizada anualmente. São as próprias pessoas que devem se colocar nestas categorias, ainda que não se possa ter certeza de que os entrevistadores não exerçam influência nas respostas. As motivações para o levantamento desta informação têm certamente variado através do tempo. Até o século XIX, a informação relevante era a classificação da população em termos de sua condição civil, entre "livres" e escravos, e os recenseamentos de 1872 e 1890 já introduziam as questões de raça ou cor. Ao longo do século XX, é provável que as idéias racistas e as preocupações então existentes com o "melhoramento da raça" brasileira tenham influido na reintrodução do ítem de raça no recenseamento de 1940, da mesma maneira com que a noção de que no Brasil "não existe problema de raça" parece ter levado à exclusão do tema no censo de 1970. Hoje, parece claro que o objetivo não é tentar medir ou quantificar as características biológicas da população, e sim sua diversidade social, cultural e histórica, que, como é sabido, está relacionada a diferenças importantes de condições de vida, oportunidade e eventuais problemas de discriminação e preconceito.

Existe muita insatisfação com estas categorias. Uma boa parte da população não se identifica e não gosta de alguns destes termos, como veremos abaixo. Os resultados que se encontram são também criticados. Tipicamente, as pesquisas mais recentes encontram cerca de 5% de pretos, 50% de brancos, e 45% de pardos, com uma pequena percentagem nas categorias de "amarelos" (orientais) e indígenas (a PNAD 1997, que cobre todo o país exceto a região rural da Amazônia, encontrou 54.4% de brancos, 5.2% de pretos, 39.9% de pardos, 0,4% de amarelos e 0,1% de indígenas). Estes números, segundo alguns críticos, ocultariam o verdadeiro tamanho da população negra no Brasil, que, se definida de forma análoga ao que ocorre nos Estados Unidos, chegaria a pelo menos 50% da população; e também deixaria de medir o verdadeiro tamanho da população indígena.

A discussão acadêmica sobre o tema da raça ou cor no Brasil têm como uma de suas principais referências um texto clássico de Oracy Nogueira, que contrasta o "preconceito de origem", que seria típico dos Estados Unidos, com o "preconceito de marca", que seria mais típico do Brasil.2 Segundo esta interpretação, nos Estados Unidos, o que define um "negro" na sociedade segmentada seria sua ascendência africana e escrava, sua origem, e não o fato de a pessoa ter a pele mais ou menos escura. No Brasil, ao contrário, seria a cor da pele, mais do que sua origem, que definiria as pessoas socialmente, e serviria de base para preconceitos e discriminações. Isto permitiria que as pessoas "passassem" com mais facilidade de uma categoria racial a outra no Brasil, e, ao mesmo tempo reduziria a coesão e identidade interna dos grupos étnicos ou raciais. Uma outra interpretação, proposta pela escola paulista liderada por Florestan Fernandes, afirma que o preconceito de raça no Brasil é, em última análise, um preconceito de classe, também confirmada, aparentemente, pela relativa facilidade com que muitas pessoas conseguem "passar" de um grupo étnico ou racial para outro, em função de seu enriquecimento. Nesta noção, a questão étnica ou racial não teria especificidade própria, e seria resolvida na medida em que as questões de desigualdade social fossem equacionadas. Na visão oposta, existe a tese de que, tal como nos Estados Unidos, as diferenças de origem seriam as mais importantes e significativas, e não desapareceriam nem com a eliminação ou redução das diferenças de classe, nem com o "branqueamento" real ou ilusório da população. O "preconceito de marca" seria uma forma de "falsa consciência" que impediria que a população negra tomasse conhecimento de sua condição e problemas reais. Nesta perspectiva, não deveria haver distinção, nas pesquisas, entre pretos e pardos, devendo todos serem englobados na categoria de "negros".

Em uma passagem na introdução à nova edição de seu artigo, Oracy Nogueira compara os Estados Unidos ao Brasil dizendo manter a hipótese de que, naquele país, "haveria maior tolerância que no Brasil pelas diferenças culturais - de idioma, religião, etc.

Em contraposição, no Brasil haveria maior tolerância em relação às variações em aparência física e menor em relação às divergências culturais. Penso na tendência generalizada, no Brasil, de supor-se que a negação da identificação com minorias culturais seja condição essencial ou sine qua non para o abrasileiramento. Assim, espera-se que o índio deixe de ser índio, o judeu, de ser judeu e assim por diante, para serem brasileiros" (p. 34.) Isto talvez explique o fato de que o tema da origem nunca tenha sido objeto de pesquisa sistemática no Brasil, ao contrário do tema da raça ou "marca", apesar das limitações que os dados existentes a este respeito possam ter.

Em uma tentativa de melhorar este quesito de raça ou cor, tomar em consideração estas diversas objeções, e começar a introduzir de forma sistemática a variável de origem nos estudos sobre a população brasileira, com vistas ao Censo do ano 2000, o IBGE introduziu um conjunto de questões na Pesquisa Mensal de Emprego de julho de 1998, que cobriu cerca 90 mil pessoas de dez anos de idade e mais em seis áreas metropolitanas do país.3 O objetivo era comparar as respostas à pergunta tradicional sobre cor a uma pergunta aberta, o que permitiria examinar em que medida estas categorias correspondem ou não à forma pela qual a população se identifica. Também buscou-se examinar se a população se identifica, de uma ou outra forma, com origens culturais e étnicas específicas - será que os "pretos" ou "pardos", se identificam como negros ou afro-descendentes, e os brancos se classificam em diferentes culturas e etnias? Mais amplamente, será que um quesito que buscasse medir diretamente a origem étnica das pessoas não poderia fornecer uma informação sociologica e culturalmente mais rica e significativa que a de "cor"?

Os resultados confirmam que o Brasil não tem linhas de demarcação nítidas entre populações em termos de características étnicas, lingüísticas, culturais ou históricas, o que faz com que qualquer tentativa de classificar as pessoas de acordo com estas categorias esteja sujeita a grande imprecisão. Isto não significa, no entanto, que o tema não possa nem deva ser pesquisado em termos estatísticos, que permitem o entendimento de realidades amplas e significativas, ainda que de delimitação pouco nítida. Esta imprecisão não deve ser entendida como um erro que pudesse ser corrigido com uma categorização ou classificação mais precisa; mas como uma característica necessária de um dado que reflete percepções e identidades difusas, que podem inclusive variar para a mesma pessoa, conforme o contexto ou o tipo de questão que lhe é apresentada.4

Cor ou raça

As perguntas abertas e fechadas sobre cor ou raça permitem examinar a pertinência ou aceitação, pelos entrevistados, das categorias usuais do IBGE. Em total, foram encontradas quase 200 respostas diferentes para a questão de "raça ou cor". Estes dados são semelhantes aos encontrados em pesquisa do IBGE de 1976. Os principais resultados são os do quadro 1. Eles confirmam que, enquanto que a maioria da população "branca" utiliza este termo para se definir, o termo "preto" é rejeitado pela maioria da população classificada nesta cor (ainda que seja a categoria predominante no grupo). A rejeição é ainda mais forte entre os "pardos" e, sobretudo, os "indígenas" (ainda que o número de indígenas em uma pesquisa urbana como a PME seja necessariamente muito pequeno). O quadro mostra ainda uma grande preferência pela expressão "morena", utilizada com intensidade por todos os grupos. O termo "moreno" tem uma conotação positiva, e reflete bem o caráter difuso das linhas de divisão étnicas e raciais no Brasil. As denominações listadas no quadro 1 resultaram de uma ligeira recodificação das respostas registradas na pesquisa, adotando geralmente a forma feminina quando existem os dois gêneros da mesma palavra ("morena" por "moreno" ou "morena"), e unificando variações de ortografia e erros mais óbvios de codificação.

Quadro 1 -
Cor ou raça que melhor identifica a pessoa*

Classificação IBGE

branca

preta

amarela

parda

indígena

sem
resposta

Total

Total

19,964,343

3,182,365

430,783

10,071,960

300,238

205,319

34,155,009

Percentagem

58.5%

9.3%

1.3%

29.5%

0.9%

0.6%

100.0%

Respostas
abertas:

branca

91.08

0.65

5.92

1.31

4.08

39.15

54.03

morena

4.86

13.94

6.19

53.96

61.73

16.14

20.77

parda

0.18

1.53

0.63

33.92

2.50

8.70

10.33

preta

0.03

44.41

0.09

0.25

0.80

1.14

4.24

negra

0.02

30.92

0.04

0.68

1.76

3.12

3.13

morena clara

1.89

0.45

1.85

5.61

7.36

1.63

2.90

amarela

0.05

0.03

82.08

0.03

0.12

1.08

mulata

0.02

2.11

1.89

1.25

1.15

0.79

clara

1.15

0.03

0.73

0.31

0.13

0.19

0.77

escura

0.00

3.21

0.20

0.54

0.70

0.37

morena escura

0.02

1.81

0.04

0.82

2.11

0.37

0.44

brasileira

0.19

0.03

0.04

0.02

0.57

0.12

indígena

0.04

0.01

12.83

0.09

0.12

japonesa

0.01

1.28

0.02

sem resposta

0.13

0.16

0.13

0.12

26.96

0.29

outras denominações

0.37

0.73

1.07

0.87

4.66

0.09

0.60

Total (%)

100.00

100.00

100.00

100.00

100.00

100.00

100.00

* Este quadro corrige a linha das respostas abertas dos japoneses, em relação ao publicado originalmente (nota de abril de 2003).

 


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