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Interpoladores Espaciais para Geração de Superfícies de Densidade Populacional na Amazônia Brasileir (página 2)

C. Barbosa, J.Cordeiro, S.Amaral, U.Freitas, G.Câmara

Por sua vez, a representação de fenômenos geográficos em ambientes computacionais prevê a adoção de um modelo. No caso da modelagem e representação computacional de dados socioeconômicos três abordagens são possíveis: (i) a associação de dados aos indivíduos, que não ser pode considerada geográfica; (i) a agregação dos dados individuais por unidades de área, que é a abordagem mais comum onde se incluem as representações temáticas de dados censitários; e (iii) a abordagem que considera o fenômeno socioeconômico como contínuo no espaço (Martin, 1996). A associação geográfica por área é a mais utilizada para manipular dados de população e assume que o fenômeno ocorre em regiões discretas onde as unidades de coleta de dados são internamente homogêneas. As unidades de coleta de dados são normalmente arbitrárias, como no caso dos setores censitários e não podem ser diretamente relacionados com a distribuição espacial de uma variável analisada.

Os efeitos do "problema de unidade de área modificável" – MAUP (Openshaw, 1984) são inerentes aos dados coletados através de agregação por áreas. Análises que incluam séries temporais, por exemplo, terão dificuldade em separar mudanças provenientes dos artefatos de agregação por área das verdadeiras mudanças da estrutura da população estudada (Martin e Gascoigne, 1994).

A representação através de modelos de superfície é uma tentativa de contornar a restrição dos limites de área, gerando superfícies para representar a população. A densidade populacional é considerada um fenômeno contínuo no espaço, e o objetivo é estimar a distribuição geográfica da população, no maior detalhamento possível. Algumas vantagens resultantes desta representação são as possibilidades de manipulação e análise independentemente de qualquer unidade de área pré- fixada. Adicionalmente, superfícies de densidade populacional são particularmente importantes para armazenar e disponibilizar dados demográficos em Bancos de Dados Globais.

Utilizando-se somente as agregações produzidas pelo Censo, a população é representada espacialmente como uma variável associada aos limites dos municípios ou dos setores censitários. Uma análise de evolução temporal nos padrões de uso e cobertura na Amazônia, na última década, por exemplo, seria dificultada pelas alterações da divisão territorial decorrentes da criação de novos municípios e de seus setores censitários. O uso de superfícies de densidade de população, onde a densidade populacional encontra-se representada nos valores de uma grade regular, supera esta restrição, facilitando a implementação de modelos espaciais, uma vez que os processos são registrados e analisados em células de resolução espacial fixa. Uma medida de pressão populacional poderia, por exemplo, ser definida analiticamente como o valor absoluto do gradiente da densidade de população, o que seria facilmente calculado a partir de dados dispostos numa grade (Muehrcke, 1966).

2. Problemas para representar a população na Amazônia

A disponibilidade de dados é uma das primeiras questões a se considerar para a geração de superfícies de densidade populacional para a região Amazônica. Dados censitários são obtidos regularmente a cada 10 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos períodos entre censos, contagens de população baseada em amostragem são realizadas. Estimativas da população baseadas em estatística são realizadas anualmente pelo IBGE na chamada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Nestas, os dados são apresentados para o Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação e Regiões Metropolitanas. Porém, para a Região Norte, as estimativas referem-se somente à parcela urbana da população (IBGE, 1999).

Outro aspecto importante é a indexação espacial da informação. Até o censo de 2000, a unidade espacial de representação da população restringia-se ao limite municipal. Embora os dados fossem coletados por setor censitário, apenas a malha municipal era disponibilizada como limite territorial oficial do IBGE. Os limites dos setores censitários não se encontravam disponíveis em formato digital, apenas as descrições dos limites em mapas analógicos. Desta forma, qualquer análise espacial da população que demande dados pretéritos deverá considerar o limite municipal como restrição espacial. Ainda que os dados para o censo 2000 estejam disponíveis por setor censitário, a dimensão dos municípios na Amazônia repercute em setores censitários muito extensos.

Um setor censitário corresponde à área que um recenseador tem capacidade de visitar em um mês, correspondendo a aproximadamente 350 domicílios em áreas rurais e 250 domicílios em áreas densamente povoadas. Desta forma, em muitos locais da Amazônia, um setor pode compreender extensas áreas, e com grande heterogeneidade. A Figura 1 mostra um exemplo de setores censitário em Alta Floresta d’Oeste (RO): setores de aproximadamente 165 km2 e de limites regulares nas regiões de assentamentos agropecuários, e setores maiores (aproximadamente 435 km2), de limites irregulares em áreas de floresta, na divisa com Costa Marques.

A heterogeneidade da região é outro fator que deve ser considerado em qualquer estudo sobre a Amazônia. Um primeiro aspecto encontra-se no fato da área dos municípios ser muito variável: de 64 km2 em Raposa Este trabalho tem por objetivo discutir as principais (MA) a 160.000 km em Altamira. A área média para os técnicas de interpolação espacial para representar população em superfícies de densidade, e apontar os métodos mais indicados para representar a população da região amazônica. 792 municípios da Amazônia Legal é de 6.770 km , mas o desvio padrão é de aproximadamente 14.000 km2. Esta grande variação é patente ao observarmos diferentes estados, considerando dois extremos: para Rondônia, a média de área dos 52 municípios é de 4.600 km2, por outro lado no Amazonas, a média dos 62 municípios é de 25.800 km2. As áreas dos municípios, excluindo-se aqueles que contém as metrópoles, vão se refletir na dimensão dos setores censitários.

Figura 1. Exemplo de setores censitários em Rondônia.

Outra questão importante é a complexidade dos processos de ocupação do território que acabam por condicionar a distribuição espacial da população. Rondônia por exemplo, que recebeu muitos migrantes, alojou vários assentamentos do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e sofreu uma rápida e intensa conversão da floresta em pastagem, possui núcleos urbanos concentrados ao longo dos eixos viários e a população mais concentrada na zona rural. No Amazonas, a densidade de núcleos urbanos é muito menor, e observa- se uma grande concentração da população em torno de Manaus pela atividade industrial da Zona Franca. A tendência atual observada para a região é um processo crescente de desconcentração da população das grandes metrópoles e maior participação relativa das cidades de até 100.000 habitantes, verificando-se crescimento elevado da população em núcleos pequenos de 20.000 habitantes (Becker, 1998). Fora dos limites urbanos, a população encontra-se dispersa pela zona rural e ao longo dos rios. As extensas áreas de floresta contínua, principalmente na Amazônia oriental constituem os vazios demográficos.

Diante deste quadro, superfícies de população para uma região como a Amazônia devem ter características próprias e adaptativas de acordo com a escala de trabalho e dos processos subjacentes, discutidos a seguir.

3.Modelos de Representação Espacial da População na Amazônia

A dimensão humana tem sido considerada essencial na definição e condução de projetos de pesquisa para a região Amazônica. Estudos de mudanças climáticas globais, como os realizados pelo projeto LBA (Large Scale Biosphere-Atmosphere Experiment), bem como os estudos de alterações no uso e cobertura do solo deverão considerar a presença das atividades humanas como fator não apenas condicionante, mas também, como elemento que sofre as conseqüências das alterações.

Observemos inicialmente a população do censo 2000 através do mapa temático dos municípios, a representação mais freqüente em análises geográficas. Ao se comparar as Figuras 2 e 3 verifica-se a importância básica de se representar a população por unidade de área - densidade demográfica, ao invés do valor total da população.

Figura 2. Total de População 2000 por município.

A definição dos intervalos de densidade populacional e o critério adotado alteraram completamente a visualização e representação espacial da densidade de população. Para a Figura 3, definiu-se quantis: cinco intervalos com mesma freqüência de valores. Observa-se uma configuração completamente diferente, ressaltando as regiões mais populosas e os vazios demográficos entre elas.

Um detalhamento desta representação consistiria em desagregar a população gerando superfícies de densidade que reflitam a distribuição da população não por seu limite de município, mas por células de uma grade. A representação espacial da população através de modelos é uma tentativa de contornar a restrição dos limites de área, gerando superfícies. Modelos procuram reconstruir de alguma forma o sistema das unidades de coleta de dados (zonas) pelos limites de suas áreas ou através de pontos relacionados. A densidade populacional é considerada um fenômeno contínuo no espaço, modelada em superfícies: a idéia é remodelar a distribuição geográfica da população, adquirida por censos, recuperando a distribuição da população no maior detalhamento possível. O dado original é remodelado em grades regulares, geograficamente referenciadas, onde cada célula contém valores estimados de população.

Figura 3. Densidade Populacional 2000.

Neste trabalho as técnicas de interpolação de superfícies de população serão classificadas em dois grupos de acordo com o número de variáveis envolvidas no processo. O primeiro grupo abrange os interpoladores que apenas consideram a variável população para as estimativas dos valores na superfície de saída, sejam os dados originais representados espacialmente em áreas ou pontos (centróides geométricos ou centros de massa de atributos, exemplo: sede de município). O segundo grupo de interpoladores utiliza variáveis auxiliares, indicadoras da presença humana, para distribuir a população nas superfícies de densidade, incluindo os chamados "interpoladores inteligentes" ou Smart SIM (Spatial Interpolation Methods).

3.1. Modelos de Superfície de População "Univariados"

Krigagem, ponderação pela área, método picnofilático de Tobler e o método de centróides populacionais de Martin são os interpoladores do primeiro grupo discutidos a seguir. Um dos métodos mais simples de interpolação espacial é o ponderado pela área. Este método atribui valores de densidade de população na grade de saída proporcionais à área de intersecção das zonas, ou unidades de mapeamento, com as células da grade. A superfície resultante conterá limites abruptos, nas regiões de fronteira entre as unidades de coleta, e conterá valores constantes nas regiões da grade referentes ao interior das unidades. Os erros serão maiores quanto mais agrupada for a distribuição da variável a ser interpolada e quanto menor forem as regiões de destino em relação às regiões de origem. No caso de uma superfície para a região Amazônica, considerando os valores de população agregados por município, a aplicação desta técnica equivaleria à representação matricial do mapa de densidade populacional apresentado na Figura 3 acima.

A técnica da Krigagem, interpolação para processos espaciais aleatórios, estima a ocorrência de um processo estocástico a partir de observações do mesmo processo em outros locais. A diferença dos valores de uma variável depende somente da distância entre elas e identifica-se uma função que explica esta distribuição. A partir desta função pode-se gerar uma grade que atribuirá valores para toda a superfície (Cressie, 1993). É um método muito utilizado nas ciências da Terra para fenômenos com correlação espacial determinante. Um exercício utilizando Krigagem para visualizar a população na Amazônia, utilizando as sedes de município como pontos amostrais da densidade demográfica (logaritmo da densidade), gera uma superfície contínua que salienta os vazios demográficos e os locais de alta densidade populacional (Figura 4). Não há locais sem valores de população e assume-se que a distribuição da população pode ser explicada por uma função de distância gaussiana a partir das sedes de município. Sendo assim, é uma superfície imprecisa para ser utilizada como variável numa modelagem, porém descreve uma visão sinóptica do processo, indicando grandes tendências da distribuição da população.

Estes métodos apresentam duas limitações: não preservam o volume populacional correto na superfície de saída e são incapazes de reconstruir regiões sem população.

No interpolador proposto por Tobler (1979) denominado picnofilático, a questão do volume final na superfície é resolvida através de uma técnica de construção de superfície baseada nos centróides geométricos das zonas ou unidades censitárias. Este método é uma extensão da ponderação pela área, onde os valores da grade são ponderados pela distância ao centróide. A superfície interpolada é suave e a soma (ou a massa) dos valores é mantida consistente com os dados originais. A geração de superfície de densidade a partir do interpolador picnofilático de Tobler promove a suavização dos limites entre as unidades, semelhante ao efeito da aplicação de um filtro de média. O interpolador assume que a função de densidade populacional é concêntrica em torno do centróide geométrico de cada zona e compartilha a característica dos outros modelos ao indicar a presença de população em todas as localidades no plano. Ou seja, não há células sem população, não há pontos na grade com valores zero para a interpolação. Apresenta a vantagem de manter corretamente o total de população regional e de usar não apenas os centróides, mas os limites regionais, levando em consideração os valores de áreas geográficas adjacentes. regiões mais densamente povoadas, onde os limites entre uma unidade e outra são mais contínuos, e não apresentam grandes vazios demográficos entre os setores. A superfície resultante descreveria uma transição suave entre as unidades de coleta.

Figura 4. Superfície gerada a partir de Krigagem da população total indexada nas sedes de município.

O método de Tobler picnofilático foi utilizado no Global Demography Project, (Tobler, 1995) considerando células regulares de 0,0833 graus (aproximadamente 9 km no Equador), e contabilizando os dados disponíveis para 1994. Observa-se, para as regiões com dados detalhados por município, o efeito de suavização do interpolador definindo regiões homogêneas, de bordas graduais (Figura 5). Para a região de Rondônia onde os municípios são menores o efeito do interpolador é mais efetivo. A suavização das bordas conduz a um efeito de continuidade, não apenas de bordas difusas como se observa em municípios maiores, no estado do Amazonas.

Na região Amazônica, considerando a dimensão dos municípios e o exemplo de superfície apresentado, o uso deste interpolador resultaria numa representação espacial da população semelhante ao mapa temático dos municípios, com os limites suavizados. Este método deverá gerar bons resultados para dados adquiridos em pequenas unidades, tais como setor censitário, e em

Figura 5. Superfície de Densidade Populacional – Interpolador Picnofilático de Tobler – DGP –1994.

Os modelos apresentados a seguir, baseados em kernel, centróides populacionais e os interpoladores inteligentes, geram superfícies de densidade populacional onde não há a obrigatoriedade de se interpolar valores para todas as células da grade. É prevista a ocorrência de células de população igual a zero ou nenhuma.

Modelos para gerar superfícies a partir do uso de kernel (Bailey e Gatrell, 1995) sobre os valores pontuais foram inicialmente descritos por Bracken (1994) e Martin e Bracken (1991). Nestes modelos, os centróides são atribuídos para cada zona ou unidade de coleta de dados, e então um kernel é aplicado à superfície de uma maneira uniforme para gerar a superfície de densidade de saída. Martin (1989) desenvolveu um método interpolador específico para compensar os problemas do mapeamento censitário do Reino Unido a partir das unidades - ED (Enumeration Districts), através de centróides ponderados. Os centróides que representam os locais de maior concentração da população são posicionados "visualmente" e fazem parte da base de dados censitários. O objetivo é redistribuir a contagem do censo associada aos centróides em células de uma grade regular reconstruindo a geografia da distribuição e mantendo as áreas não populadas na superfície final. Os dados, riginalmente representados em zonas, são transformados em superfície.

Uma grade regular é sobreposta à área a ser modelada e uma re-distribuição com kernel é posicionada sobre o centróide. O alcance ou a largura do kernel é ajustado inicialmente de acordo com a densidade local de centróides. O kernel é adaptativo à estrutura da população local, ou seja, em regiões de pequena população não há alteração na largura do kernel, em regiões de alta densidade, a largura do kernel é reduzida proporcionalmente, podendo cobrir somente uma parte da célula da grade de saída. Os pesos são atribuídos a cada célula compreendida pelo kernel de acordo com uma função de decaimento de distância. Estes pesos são usados para redistribuição da contagem total (de população, moradias, desempregados, etc.) a partir da localização do centróide para as células adjacentes. A largura do kernel influenciará a extensão das áreas com população no modelo resultante, enquanto que a forma da função de decaimento com a distância afetará a distribuição da população dentro destas áreas. Após cada centróide ter sido visitado, muitas células serão mantidas sem população, enquanto outras em regiões densamente populadas receberão a população de mais de um centróide. Bracken e Martin (1995) descreveram o uso deste interpolador para a construção da série de modelos de população referentes à Inglaterra, País de Gales e Escócia para contagens derivadas dos censos de 1981 e 1991. A evolução da modelagem, incluindo a Irlanda deu origem ao SURPOP (Surface Population), que disponibiliza interfaces na Web para geração de superfícies (Martin et al., 1998). Um exercício utilizando o interpolador dos centróides ponderados de Martin para gerar uma superfície de densidade populacional referente ao censo 2000 na região Amazônica é apresentado na Figura 6. Para esta superfície a população total dos municípios foi atribuída às sedes de município, que foram os únicos centróides considerados. Os vazios demográficos foram preservados e as regiões de maior densidade de municípios apresentam-se como um gradiente de população. A superfície resultante independe do limite municipal e é condicionada pela localização dos centróides.

Para que o interpolador de Martin possa gerar superfícies mais contínuas e compatíveis com a realidade Amazônica, deve-se criteriosamente incluir centróides que auxiliem a descrever a concentração de população no conjunto dos dados. Diferentemente do caso do Reino Unido, os dados censitários disponíveis para o Brasil não fornecem a localização destes centros de concentração da população. Uma alternativa seria utilizar a localização geográfica dos distritos, adicionalmente às sedes de municípios, e como centróides geográficos. Imagens de sensoriamento remoto também poderiam contribuir para a inclusão de novos centróides. A exemplo do interpolador de Tobler, espera-se que para unidades menores e mais densamente povoadas o interpolador de Martin proporcione superfícies mais contínuas do que aquelas geradas para a região Amazônica como um todo.

Figura 6.– Superfície de Densidade Populacional 2000. Interpolador de centróides ponderados – Martin.

3.2. Modelos de Superfície de População "multivariados"

O segundo grupo de interpoladores discutido utiliza variáveis auxiliares, indicadoras da presença humana, para distribuir a população nas superfícies de densidade. Como descrito por Goodchild et al. (1993), a chave para interpolar dados socioeconômicos de uma representação para outra é estimar uma superfície contínua subjacente, com uma superfície intermediária que suporte e seja a base para distribuir a variável em questão.

Langford e Uwin (1994), por exemplo, adaptaram o método dasimétrico (Martin, 1996) para gerar superfícies utilizando-se de informação resultante da classificação de imagens de satélite. Spiekermann e Wegener (2000) descrevem um método para desagregar população e emprego a partir de dados zonais, utilizando classes de uso do solo como fator de peso para a desagregação.

Deichmann e Eklundh (1991) descreveram um interpolador para dados censitários de população usando informações, de localização e tamanho de assentamentos urbanos e outras feições físicas relacionadas à densidade populacional. O interpolador é considerado "inteligente" porque usa informação espacial de outras fontes para orientar a interpolação. Estas informações são manipuladas de modo a compor uma superfície de ponderação que "mapeia" os dados originais na superfície de saída. As críticas a estes métodos salientam a simplicidade e a subjetividade no estabelecimento de relações entre as variáveis preditoras (indicativas de densidade populacional) e a variável de interesse (população neste caso).

Através de um interpolador "inteligente", o projeto LandScan (Dobson et al., 2000) alocou dados censitários globais em células de 30 x 30 segundos (aproximadamente 1 km no Equador) para todo o globo. O modelo de população considerou as variáveis: proximidade de estradas, uso do solo, e luzes noturnas para definir um coeficiente de probabilidade que distribui a população em uma superfície. Representa desta forma não apenas a população residente, mas o conceito de população em risco ou a chamada "ambient population" que integra movimento diurno e hábitos de movimentos coletivo em uma única medida. O objetivo ao criar esta superfície foi prover informações para medidas emergenciais no caso de desastres naturais ou decorrentes de atividade humana. Um detalhe da superfície disponível no banco de dados do LandScan é apresentado na Figura 7, para o estado de Rondônia. Este método redistribuiu a população em regiões espaciais diferentes dos limites municipais, acentuando-se o traçado das estradas e o uso do solo.

Durante o projeto Medalus III, Turner e Openshaw (2001) desenvolveram interpoladores que além de usar variáveis auxiliares para alocar a população, fazem uso de redes neurais para representar as relações entre as variáveis preditoras e a variável que está sendo interpolada. Uma rede neural é treinada para estimar os valores de saída baseando-se nas variáveis de entrada, Uma vez treinada a rede, outras áreas serão mapeadas seguindo o mesmo critério. Críticas a este processo advêm do fato do treinamento ser um processo computacionalmente custoso e essencial para o sucesso de mapeamento em outras áreas. A superfície de densidade gerada é resultante de uma "caixa-preta" pois é muito difícil entender o significado dos parâmetros internos para mapear as entradas nas saídas.

O uso de interpoladores inteligentes será tão eficiente quanto mais precisa for a escolha das variáveis e o conhecimento das inter-relações entre elas. Turner e Openshaw (2001) ao compararem o desempenho de alguns interpoladores (Picnofilático de Tobler, ponderado pela área e os interpoladores inteligentes) observaram um melhor desempenho dos interpoladores inteligentes para o caso em que a região de interesse a ser mapeada tem resolução espacial mais detalhada que a região de origem de coleta dos dados. Estes autores alertam para o fato dos interpoladores inteligentes serem dependentes da existência de dados auxiliares para guiar corretamente a interpolação.

Figura 7. Superfície de Densidade de População em Risco – Smart Interpolator - LandScan –1998.

Interpoladores inteligentes e seus variantes apresentam-se como métodos promissores para desagregar a população na Amazônia, redefinindo a densidade populacional no interior dos limites municipais. Para tanto, é fundamental a definição de um modelo que indique quais variáveis são indicadoras da presença humana e qual a relação entre elas. Uma vez definido o conjunto de variáveis e a importância relativa de cada uma, será necessário utilizar dados auxiliares para representar estas variáveis. A qualidade e a exatidão da superfície resultante será diretamente influenciada pela qualidade dos dados.

4. Perspectivas

O emprego de interpoladores para a geração de superfícies de densidade populacional na Amazônia não se limita a escolha de um método e a aplicação do mesmo. Conforme apresentado, cada método tem características e restrições que o torna mais adequado a diferentes situações. Assim sendo, propõe-se a seguir uma abordagem inicial, "adaptativa" para a construção de superfícies de densidade populacional onde a escala de análise e a complexidade do fenômeno determinam o interpolador mais apropriado.

Considerando um escalonamento de uma escala menor para uma escala maior, inicialmente os dados de população seriam representados para a Amazônia como uma região única. A aplicação de modelos "multivariados" demandaria uma relação genérica entre as variáveis, que não representaria a heterogeneidade da região. Dentre os modelos "univariados", o modelo de Tobler apesar de suavizar as bordas e manter o volume total, continua fortemente associado à unidade de coleta dos dados, principalmente pela característica de municípios muito grandes. O modelo de Martin necessitaria de muitos centróides adicionais para gerar uma superfície adequada. Talvez o uso de uma técnica genérica como a krigagem possa representar a distribuição da população nesta escala, identificando as grandes tendências como, por exemplo, a evolução destas superfícies ao longo do tempo. A possibilidade de incluir barreiras para interpolar estatisticamente uma variável (krigagem com inclusão de barreiras - Krivorucko (2002)), amplia a potencialidade de uso da krigagem para descrever a população. Eventos como áreas de reservas florestais e corpos d’água poderiam ser utilizados como barreiras naturais, melhorando o interpolador e proporcionando a comparação temporal das superfícies.

Ao considerar a divisão territorial da Amazônia segundo diferenças espaço-temporais e velocidade de transformação, proposto por Becker (2001), três grandes macro-zonas são individualizadas, refletindo diferentes distribuições de população. Assim sendo, diferentes métodos para geração de superfícies são propostos para as diferentes áreas:

(1) Amazônia Oriental e Meridional: corresponde ao arco do desmatamento, é a região mais densamente povoada, e encontra-se em zona de cerrado e floresta de transição. Para esta zona, o interpolador de Martin poderia ser utilizado se centróides adicionais tais como vilas e distritos fossem adicionados ao conjunto de dados. Imagens de luzes noturnas, detectadas pelo satélite DMSP/OLS (Defense Meteorological Satellite Program/ Operational Linescan System) seriam fontes potenciais de localização de centróides, uma vez que população pode ser estimada a partir da ocorrência de luzes noturnas (Amaral et al., 2002);

(2) Amazônia Central: compreende o estado do Pará e a Zona Bragantina, contém muitas terras indígenas e áreas de preservação, é a região para qual novos eixos de desenvolvimento estão previstos. Como esta zona encontra-se ainda em processo de transformação, interpoladores inteligentes poderiam ser utilizados para descrever a distribuição da população. Um modelo, que definisse as variáveis preditoras e o relacionamento entre elas, seria fundamental para construir uma superfície coerente. Uma vez construída a superfície de população, esta poderia ser utilizada para analisar cenários como, por exemplo, as alterações que o asfaltamento da BR-163 (Cuiabá-Santarém) trariam para a distribuição da população na região;

(3) Amazônia Ocidental: a mais preservada, de população mais esparsa, onde o ritmo da natureza é predominante. Como a população é pequena e dispersa, uma superfície de densidade populacional deve considerar as áreas indígenas e de preservação, além dos pequenos núcleos como população ribeirinha e de aldeias indígenas. Uma interpolação desagregadora como a descrita por Spiekermann e Wegener (2000) poderia ser utilizada para esta região.

Para uma escala mais detalhada, onde os setores censitários seriam a unidade de coleta de dados, talvez o interpolador de Tobler possa ser utilizado com bons resultados, ou mesmo o método de Martin. No entanto, uma análise geral do município quanto aos processos de uso e ocupação de solo e da distribuição de população indicará interpoladores mais apropriados. Métodos diferentes devem ser utilizados para interpolar a população se o município for, por exemplo, a capital ou um município na fronteira de desenvolvimento.

5. Considerações Finais

Este trabalho propõe o uso de superfícies de densidade para representar a população da região Amazônica. Inicialmente, os principais problemas relacionados à representação dos dados de população foram levantados. A seguir, os modelos para geração de superfícies de população mais utilizados foram apresentados e discutidos visando a aplicação na Amazônia. Na impossibilidade de se identificar um modelo único, eficiente para toda a região, propõe-se uma abordagem adaptativa que sugere o uso de diferentes interpoladores em função de diferentes escalas e divisões territoriais propostas.

Prevê-se como continuidade deste trabalho a estruturação e execução de um procedimento experimental para gerar superfícies de densidade, seguindo a abordagem proposta, com validação e análise quantitativa dos resultados.

Agradecimentos

Aos colegas Eduardo Camargo e João Argemiro Paiva pela implementação do interpolador de Martin, que permitiu a elaboração da superfície apresentada.

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  • Tobler, W.R.; Deichmann, U.; Gottsegen,J. ; Maloy, K. (1995). The Global Demography Project. National Center for Geographic Information and Analysis. Santa Barbara, CA.
  • Turner, A.; Openshaw, S. (2001). Disaggregative Spatial Interpolation. GISRUK, Glamorgan Wales.

Silvana Amara (1); Antonio Miguel V. Monteiro (1); Gilberto Câmara(1); José A. Quintanil (2)
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  1. INPE—Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Caixa Postal 515, 12201-097 São José dos Campos, SP, Brasil. silvana[arroba]dpi.inpe.br, gilberto[arroba]dpi.inpe.br, miguel[arroba]dpi.inpe.br
    2. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Av. Prof. Almeida Prado, Trav.2, no 83, 05508-900, SP - SP, Brasil. jaquinta[arroba]usp.br


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