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"Modos de produção do conhecimento científico e tecnológico e as oportunidades (página 2)

Simon Schwartzman

 

O crescimento da pós-graduação, estimulada pela exigência de professores titulados nas universidades, e controlada em sua qualidade sistema de avaliação da CAPES, marca o período mais recente. A CAPES teve e ainda tem um papel muito importante, colocando a pesquisa como um dos critérios centrais para a avaliação da pós-graduação, reforçando o sistema de mérito, e estabelecendo uma referência clara de qualidade para os cursos de mestrado e doutorado. Mas, ao mesmo tempo, ela trouxe problemas, entre os quais a valorização talvez excessiva dos aspectos formais da atividade de pesquisa – sobretudo publicações internacionais – em detrimento de uma avaliação mais substantiva da qualidade do trabalho realizado pelos diversos centros e programas. O resultado, para muitos setores, foi a transformação da pesquisa em um ritual de atendimento aos requisitos da CAPES. É importante o que estou pesquisando? Sim, mas o mais importante é se eu publiquei na revista A, B ou C. É mais importante se eu tenho um título de doutorado. Ao criar metas quantitativas, definidas por indicadores específicos, cria-se uma dinâmica de avaliação onde o formalismo da atividade científica passa a predominar muitas vezes sobre o conteúdo da própria atividade.

Em certa medida, este tipo de deformação e mau uso de indicadores, quando as pessoas trabalham para as avaliações, ao invés de serem avaliada pelo trabalho que fazem, costuma ocorrer em todos os procedimentos sistemáticos de avaliação, e isto não é razão suficiente para não utilizá-los – pior seria sem eles. Indicadores como número de artigos publicados, qualidade das revistas, número de alunos formados, participação em eventos científicos, etc., são de fato boas aproximações de qualidade da pesquisa, sobretudo em áreas científicas bem consolidadas como as das ciências naturais. Mas é possível argumentar que, no Brasil, houve um crescimento talvez exagerado das exigências formais de títulos e qualificações, que forçou instituições a avançar muito rapidamente nos rituais da ciência. Áreas de pouca ou nenhuma tradição científica subitamente começaram a ter seus congressos, suas revistas especializadas, e a se comportar da mesma maneira que as mais estabelecidas, mas sem que a isto corresponda, necessariamente, uma produção de conhecimentos significativa.

A partir dos anos 90 começa a tomar peso uma outra maneira de pensar na ciência, estimulando-a a se vincular mais fortemente com o setor produtivo. A idéia é que, vivendo somente à custa de dinheiro público, a ciência tenderia a se burocratizar, não produzir resultados significativos, e acabaria não conseguindo recursos adicionais para continuar se desenvolvendo. Se, no entanto, a pesquisa científica fizesse parte de um sistema de inovação mais amplo, que incluísse também o setor produtivo e empresarial, ela passaria a ser avaliada pelos seus resultados, se tornaria muito mais relevante, e teria muito mais facilidade de conseguir apoio. Em certo sentido, trata-se de uma volta à concepção utilitarista da ciência que vem dos positivistas de 100 anos atrás. Ela gera uma forte pressão dentro da área científica para buscar resultados, buscar parcerias, o que em nosso caso é complicado, pois a nossa pesquisa continua muito fechada dentro das universidades e institutos governamentais. Os países desenvolvidos gastam 70% dos recursos para pesquisa na indústria e os 30% no setor público. No Brasil, sabemos que a proporção é mais do que a inversa, embora os dados sobre pesquisa e inovação no setor privado brasileiro sejam muito precários. Este setor não tem quase nenhuma tradição de investir em pesquisa, em parte porque as grandes firmas internacionais que aqui estão tem seus centros de pesquisa em outros paises.

Venho tentando, desde dez anos atrás, argumentar que necessitamos sair da camisa de força do "modelo Geisel", exaurido há vinte anos, sem cair na pesquisa burocrática e ritualizada que passou a predominar a partir dos anos 90. Uma primeira tentativa foi o estudo sobre uma possível nova política de ciência e tecnologia para o Brasil, que tive a oportunidade de coordenar em meados dos anos 90, com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia e do Banco Mundial, mas que foi recebido com grande silêncio.1 Um outro trabalho, mais recente, procurou avançar nestas idéias, sobre a necessidade de relacionamento mais estreito entre o setor de ciência e tecnologia e o setor público, visto não mais como financiador, mas sobretudo como cliente e usuários dos serviços da pesquisa (Schwartzman, 2002).

O maior gasto é do de "formação de recursos humanos", ou seja, as bolsas do CNPq e CAPES (estes dados, extraídos do Plano Plurianual, não incluem salários regulares). A pesquisa social aparece como uma coisa muito grande, por causa dos altos custos do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano 2000. Aliás, o caso do Censo, e do IBGE de maneira geral, é bastante significativo. O censo custa mais de um bilhão de reais, e estes gastos se dão ao longo de vários anos, sendo que a maior concentração de recursos se dá no ano da coleta das informações. O orçamento anual do IBGE, fora o censo, é da ordem de várias centenas de milhões de reais, a maior parte para pagar uma extensa folha de funcionários, aposentados e pensionistas. Além do IBGE, que é um órgão de pesquisa em ciências sociais, o governo federal ainda financia os trabalhos do IPEA, um centro de pesquisa em economia baseado no Rio e em São Paulo. No entanto, normalmente nem o IBGE nem o IPEA são incluídos nos levantamentos feitos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia sobre gastos governamentais em pesquisa, e existe uma idéia generalizada de que o setor público não investe recursos na área da pesquisa social. O que estou argumentando é que isto não é verdade, os investimentos existem, e são vultosos. Agora, é provável que estes investimentos fossem muito mais produtivos se o IBGE, ao invés de ser uma grande burocracia, se transformasse em um centro de pesquisa e estatística moderno e ágil, e pudesse trabalhar em parceria com centros universitários e inclusive com o setor privado. Existem outras áreas em que o governo federal investe recursos importantes em pesquisa, sendo que a Embrapa, no Ministério da Agricultura, e o Instituto Oswaldo Cruz, no Ministério da Saúde, talvez sejam os melhores exemplos.

Fontes: Dados Brutos: Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), para o setor empresarial; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Diretório dos Grupos de Pesquisa, para os demais setores Elaboração: Coordenação de Estatísticas e Indicadores - Ministério da Ciência e Tecnologia Notas: As informações para o setor empresarial referem-se a 1999.

(1) Total inclui "Outro Pessoal de Suporte" no setor empresarial apenas, pois a estimativa desse contingente não está disponível para os demais setores.

Nota Específica Atualizada em 10/04/2002. Fonte: http://www.mct.gov.br/estat .

A informação acima. proveniente da base de dados do CNPq sobre grupos de pesquisas, mostra aonde estão os pesquisadores brasileiros. O CNPq identifica cerca de 80.000 pessoas fazendo pesquisa no país, dos quais cerca de 56.000 estão no ensino superior, 13 mil no setor empresarial, e cerca de 10 mil em instituições do governo. O quadro seguinte dá a distribuição dos recursos do CNPq na forma de auxílios – um pequeno orçamento de cerca de 60 milhões de reais (comparados com os quase 3 bilhões do total dos gastos federais), distribuído entre as engenharias, ciências básicas, agropecuária, exatas, etc. Para as ciências sociais, relativamente pouco e humanidades, menos ainda.

O ponto principal aí é que os recursos vinculados às agências de ciência e tecnologia, a começar pelo CNPq, são uma parte muito pequena dentro do volume bastante grande de recursos que o setor público gasta no setor. Meu argumento principal nesse artigo é que o grande demandante potencial da pesquisa científica no Brasil não é o setor privado, mas o próprio setor público. O setor público não é simplesmente o financiador, como ocorre no CNPq, em que é o pesquisador que define o quer fazer, e sai à procura de recursos. Totalmente diferente é a situação do Ministério da Saúde, que tem a responsabilidade de proporcionar medicamentos para o tratamento do HIV, e conta com o Instituto Oswaldo Cruz para pesquisar como produzir estes medicamentos, trabalho que serve inclusive para aumentar o poder de barganha do Brasil nas negociações sobre preços dos fármacos produzidos pelos grandes laboratórios internacionais, dando credibilidade à possibilidade de o Brasil sair na frente na produção independente destes medicamentos. O Estado é um grande demandante, de pesquisas e conhecimento, e poderia ser mais ainda. Por exemplo, os grandes problemas sociais requerem pesquisa, requerem conhecimento. Nos EUA existe toda uma área de pesquisas sobre a temática da pobreza e desigualdade surge associada aos programas nacionais de combate à pobreza, usando uma fração dos gastos neste setor para melhorar o entendimento dos problemas que se tenta resolver.2 Uma outra área aqui no Brasil que é muito importante é a área da educação. O INEP, na gestão do Paulo Renato de Souza e da Maria Helena Guimarães Castro, se transformou em grande centro de levantamento e processamento de informações. A realização do censo escolar, a realização do censo do ensino superior, os exames nacionais de avaliação, tudo isso requer conhecimento especializado e o desenvolvimento de competências novas em pesquisa educacional, e precisa estar associado ao envolvimento da comunidade científica, na questão da educação. Já passamos da época que o problema da educação básica era colocar mais dinheiro, e temos um problema fundamental de qualidade com o qual ainda não aprendemos a lidar. Temos um sistema educacional gigantesco, que funciona mal, e não adianta colocar dinheiro porque não melhora. Para ir à frente, precisamos de melhores bons dados e boas análises, e temos agora um ponto de partida importante, que são as grandes bases de dados gerados pelos censos educacionais e os sistemas de avaliação, um importante sistema de informações que o governo montou e que ninguém poderia montar privadamente, por causa da escala desse tipo de coisa. O que faltou até aqui foi uma política mais deliberada de compartir estas informações e análises com a comunidade de pesquisadores, através de procedimentos claros de disponibilização dos dados e investimentos em capacitação nas metodologias adequadas para operar com este tipo de informação. O atual governo, se por um lado desmontou um pouco do INEP, por outro está colocando à disposição os micro-dados do censo escolar, que podem ser adquiridos em um CD, e isto é um avanço muito grande.

Poderíamos pensar em outras áreas, como a do meio ambiente, onde a pesquisa é fundamental, e tem que ser feita no país. Embora tenhamos problemas seriíssimos na área ambiental, com dinâmicas pouco conhecidas, o governo até hoje não desenvolveu um sistema adequado de incentivo à pesquisa neste campo, e o que existe é feito por pesquisadores e institutos isolados e desprovidos de recursos.

Estes exemplos mostram que nem sempre as agências setoriais do governo, como o Ministério do Meio Ambiente por exemplo, está capacitado para identificar o que precisa ser pesquisado, e apoiar de maneira adequada a pesquisa da qual se necessita.

Em parte por esta razão, existe uma permanente disputa, dentro do governo, sobre quem deve controlar os recursos da pesquisa, se os ministérios setoriais - saúde, agricultura, transporte, meio ambiente, e outros – ou o Ministério de Ciência e Tecnologia. Este problema ocorreu com uma inovação recente, que foi a criação dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia. Esses fundos foram estabelecidos por uma engenharia institucional inteligente, feita pelo governo passado, pela qual as agências reguladoras, em áreas como energia, telecomunicações ou outras, cobram uma taxa pelos seus serviços das entidades reguladas, e com isto formam um fundo para a pesquisa em sua área de atuação. Mas, quem deve controlar os recursos e administrar os projetos, o Ministério da Ciência e Tecnologia ou os respectivos ministérios das áreas? O argumento para não deixar os recursos nas mãos dos ministérios é que eles não tem tradição de pesquisa, e não vão utilizar os recursos de forma adequada. No entanto, o Ministério da Ciência e Tecnologia e agências como o CNPq e a FINEP não têm experiência nem interesse direto em para fazer um trabalho efetivamente aplicado. No final, os recursos dos fundos setoriais acabam ficando contigenciados, ou usados para compensar o corte nos recursos regulares de apoio à pesquisa, e fica tudo na mesma.

Penso que deveríamos evoluir no sentido de fortalecer a capacidade de pesquisa nessas diferentes agências. É importante que o Ministério da Saúde tenha dentro dele um setor cuja preocupação seja como fazer pesquisa pra melhorar a saúde no Brasil, e assim igualmente o Ministério da Agricultura, o Ministério do Meio-Ambiente, o Ministério das Cidades, etc. Se eu pensar em uma organização do sistema de C&T no Brasil em que diferentes setores do governo tenham esse papel, o volume de dinheiro para pesquisa no Brasil não serão mais R$50 milhões, que é o que sobra para o Ministério da Ciência e Tecnologia executar hoje; serão R$ 3 bilhões, porque esse é o total que já está gastando. A escala muda completamente.

O outro problema, evidentemente, é do lado dos institutos de pesquisa, dentro e fora das universidades. Eles são rígidos, não têm flexibilidade para fazer contratos, e obedecem a uma lógica acadêmica que valoriza pouco a pesquisa aplicada, sobretudo aquela que não resulta em publicações em revistas consagradas e não conta ponto nas avaliações da CAPES. De um modo geral, as instituições de pesquisa ainda tem pouca capacidade e motivação para buscar projetos de maior porte e de natureza mais aplicada, e isto precisa ser modificado.

A pesquisa científica é uma atividade que tende naturalmente a se concentrar em um número reduzido de instituições e centros de excelência, e esta é uma dificuldade importante para a implantação da pesquisa em universidades privadas, com recursos limitados e pouca ou nenhuma tradição anterior de pesquisa. O gráfico abaixo ilustra esta situação. Trata-se de uma Curva de Lorenz, utilizada normalmente analisar desigualdades de renda.

No eixo horizontal, o gráfico mostra o número de instituições brasileiras de ensino superior, por ordem do número de pesquisadores que tem; e no eixo vertical, o número acumulado de pesquisadores existentes nestas instituições. O que vemos, do lado esquerdo, é que metade das instituições quase não tem pesquisadores, e que, do lado direito, umas poucas instituições concentram um grande número de pesquisadores, fazendo com que a curva suba rapidamente. É exatamente o que ocorre com a distribuição da renda. No lado direito, na ponta do gráfico, está a USP que, tem de 20 a 30 % de pesquisadores do Brasil, e se somarmos a USP, a Unicamp, a UFRJ, e talvez a UNESP, teremos cerca de metade de pesquisadores brasileiros ou mais. lado.

A conclusão deste gráfico é que nem todos têm condições de competir da mesma forma no mundo da ciência, e isto vale tanto para instituições como para países. É uma ilusão achar que, se começarmos pequenininhos, vamos ser grandes um dia. O governo brasileiro diz a nossos cientistas, muito contente, que antigamente produzíamos 0,5% da produção científica mundial e agora temos 1,2%, 1,3%, Aumentamos quase 3 vezes.

Antes não era nada, e agora é quase nada, e estamos perdendo terreno em termos de investimentos em pesquisa. Como é que o Brasil como um todo vai entrar na competição internacional sobre ciência? Como é que uma instituição vai entrar na competição brasileira? Em um trabalho em que participei há alguns anos, desenvolvemos essa idéia de uma evolução que teria havido recentemente, dos dois modos de produção do conhecimento (Gibbons et al., 1994); na verdade são dois modelos ideais, entre o que seria uma ciência mais tradicional e uma ciência mais contemporânea, e que está descrito de forma sintética no quadro abaixo.

O modo I supõe que a pesquisa parte do conhecimento básico, e depois vai para as aplicações; o pesquisador é livre e pesquisa o que quiser, ninguém me o que pesquisar e para que fim. A pesquisa é organizada por disciplinas, as organizações de pesquisa são homogêneas e o pesquisador está preocupado com o avanço do conhecimento, tem que fazer boa pesquisa, e o resto decorre daí. Basicamente, é o modelo universitário que predomina no Brasil hoje em dia. O modo II, ao contrário, parte da idéia de que a distinção entre a pesquisa aplicada e a pesquisa básica vai desaparecendo. O conhecimento básico se dá também junto com as aplicações. Ao pesquisar um produto novo, uma nova tela de computador por exemplo, se está descobrindo novos princípios da física. As duas coisas vão juntas, não há mais a separação. A transdisciplinaridade é cada vez mais forte, a separação entre as disciplinas básicas é obsoleta, as pessoas trabalham em diferentes áreas, a idéia da heterogeneidade é fundamental. Neste modo II, os interesses públicos e privados se misturam, as universidades atuam junto a empresas e órgãos de governo, os setores privados financiam pesquisa governamental e vice-versa. Isto cria uma confusão muito grande, mas também cria um dinamismo muito diferente, e introduz também a necessidade da responsabilidade social e da avaliação externa da pesquisa. O pesquisador não é cobrado somente pela qualidade da pesquisa que faz, mas por uma série de outras coisas: se consegue ser produtivo, se rende, se está gastando bem o dinheiro, se suas pesquisas têm efeitos mais a longo prazo, etc.

Diante deste quadro, o que podemos concluir a respeito do espaço para a pesquisa no setor privado na educação? Existe esse espaço? Volto a dizer que sempre existe espaço para a pesquisa enquanto scholarship e atividade pedagógica, mas não acho que a função principal do setor privado do ensino superior de ser fazer pesquisa profissional como fazem as grandes universidades. Pretender isto é insistir no equívoco da famosa "indissolubilidade entre ensino, pesquisa e extensão" e o setor privado deve insistir em não embarcar nisso. O setor privado é basicamente um setor de ensino e deve fazer um ensino de qualidade, tem que poder tratar o conhecimento de forma inteligente, criativa e inovadora, mas não transformar todas as instituições de ensino superior em centros profissionais de pesquisa no sentido estrito da palavra. Isto como ponto principal.

O segundo ponto é evitar entrar no que chamo de "rat race", essa corrida louca atrás das publicações, professores doutores e de tempo integral, para acumular pontos a qualquer custo nos sistemas de avaliação da CAPES e seus equivalentes. Se, nos planos de desenvolvimento de uma instituição, surgir a necessidade de contratar mais professores de tempo integral, mais doutores, e a possibilidade de desenvolver pesquisas, tanto melhor. Mas o setor privado deve insistir em que existem outras opções – por exemplo, proporcionar boa educação a partir de um pequeno núcleo de professores e um grande número de contratados em tempo parcial – e estas opções precisam ser respeitadas.

Hoje, no Brasil, existe uma grande pressão do governo para forçar o setor privado a copiar os padrões das grandes universidades, e puni-lo quando isto não ocorre, e esta pressão precisa ser resistida.

Ao mesmo tempo, se pensamos que a pesquisa clássica é só um componente em um conjunto muito mais amplo de atividades, que fazem parte da cadeia de inovação (Salles Filho, 2000), podemos ver que existem muitos espaços em que o setor privado pode entrar e crescer, graças à flexibilidade que têm estas instituições de atrair talento e identificar financiadores e usuários de seus serviços. O ponto de partida não precisa ser um curso de pós-graduação, pode ser uma atividade aplicada que se desenvolva com a participação de alguns professores e estudantes, e que vá ganhando, aos poucos, densidade.

Em relação a financiamento, não se deve continuar pensando que as únicas fontes de recurso possíveis são as competições acadêmicas dentro das FAPs e do CNPq, ou da Capes, que seguem o modelo tradicional acadêmico. Elas têm o seu papel, mas existem outras formas, outros usuários, outros públicos. Tem o setor público, diferentes setores do governo, ONGs, setor privado na indústria, área de serviços, instituições internacionais, enfim, existe um mundo de fontes possíveis de financiamento e atividades dentro dessa ampla cadeia de inovação, e, se pensarmos nesse conjunto como um todo, veremos que o pedaço acadêmico é um pedaço pequeno.

A ciência é construída a partir da competência, da capacidade de trabalho e não a partir do cumprimento das metas burocráticas nos rituais. Se conseguimos fazer um trabalho bom, ensinando bem, usando a pesquisa enquanto treinamento, descobrindo áreas onde se pode atuar, estaremos com isto gerando competência e, com o tempo, até mesmo capacidade de disputar recursos e reconhecimento nessa área mais estrita, mais acadêmica. Caso contrário, corremos o risco de vai ficar patinando o tempo todo, no meio do caminho.

Muito obrigado.

Referências

Gibbons, M., Trow, M., Scott, P., Schwartzman, S., Nowotny, H., & Limoges, C. (1994). The new production of knowledge - the dynamics of science and research in contemporary societies. London, Thousand Oaks, California: Sage Publications.

Greenstein, R. (1991). Universal and Targeted approaches to relieving poverty an alternative view. In C. Jencks & P. E. Petersen (Eds.), The Urban Underclass (pp. 437-459). Washington, DC: The Brookings Institution.

Salles Filho, S. (2000). Ciência, tecnologia e inovação - A reorganização da pesquisa pública no Brasil. Campinas: Editora Komedi.

Schwartzman, S. (2002). A pesquisa científica e o interesse público. Revista Brasileira de Inovação, 1(2), 361-395.

Schwartzman, S., Bertero, C. O., Krieger, E. M., & Galembeck, F. (1995a). Ciência e tecnologia no Brasil uma nova política para um mundo global. Vol 2. política industrial, mercado de trabalho e instituições de apoio. (1. ed ed.). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.

Schwartzman, S., Bertero, C. O., Krieger, E. M., & Galembeck, F. (1995b). Ciência e tecnologia no Brasil uma nova política para um mundo global. Vol 3. a capacitação brasileira para a pesquisa científica e tecnológica (1. ed ed.). Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.

Schwartzman, S., Bertero, C. O., Krieger, E. M., & Galembeck, F. (1995c). Science and Technology in Brazil a New Policy for a Global World, vol. 1. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

Wilson, W. J. (1991). Public policy research and "The Truly Disadvantaged". In C. Jencks & P. E. Petersen (Eds.), The Urban Underclass (pp. 460-483). Washington, DC: The Brookings Institution.

Notas

1. Os trabalhos produzidos para este projeto, assim como o documento de síntese, que procura apresentar uma política alternativa, foram publicados em três volumes pela Fundação Getúlio Vargas, um dos quais em inglês. (Schwartzman et al., 1995a, 1995b, 1995c).

2. Veja por exemplo (Greenstein, 1991; Wilson, 1991).

Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon
Simon Schwartzman:
Obrigado, professor Roquete. Na verdade o senhor já fez mais ou menos a introdução que eu ia fazer, mas vou tentar acrescentar alguma coisa.



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