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A atuação do monitor em ambientes virtuais: um relato sobre o apoio à fluência e à autonomia dos est (página 2)

Gerson Pastre de Oliveira

 

 

Os três módulos do curso procuraram acompanhar, progressivamente, a trajetória de aprendizado comum da comunidade constituída pelos participantes. Assim, inicialmente, professora e monitores proporcionaram uma ‘semana de ambientação’, que pode ser vista como ‘pré-módulo um’, na qual cada participante praticou o acesso e a navegação pelo ambiente do curso, relacionando dúvidas e dificuldades, que foram esclarecidas oportunamente pela equipe docente. De maneira ampla, a estratégia pedagógica presente em cada módulo previa, respectivamente, as seguintes abordagens:

  1. TECNOLOGIA: Repercussões sociais do desenvolvimento científico e tecnológico. Tecnologias da inteligência. Ambientes virtuais. Hipertexto e mapas conceituais;
  2. ENSINO: Produção e utilização de tecnologias em situações de ensino (presenciais e a distância). Formação contínua. Novas metodologias de ensino online. Comunidades virtuais de aprendizagem Ensino (Aprendizagem) colaborativa.
  3. PROJETO: Elaboração de projetos educacionais utilizando-se das novas tecnologias eletrônicas de comunicação e informação (USP, 2004).

 

Os participantes foram divididos em três grupos (A, B e C), cada qual com um ou dois monitores (ou tutores, os dois termos foram empregados, com predominância do primeiro). Entre os papéis que esta experiência mostrou serem inerentes à figura do monitor (2), constam a resolução de dúvidas de ordem técnica e ‘problemas de percurso’ – estes relacionados à trajetória do participante ao longo das atividades propostas; o exercício do papel de "facilitador do processo de aprendizagem" (Pallof e Pratt, 2002, p.38), de "(...) animador da inteligência coletiva de seus grupos de alunos (...)" (Lévy, 1999, p.158), ou, ainda, sob o enfoque colaborativo, com a tarefa principal "centrada no acompanhamento e na gestão das aprendizagens", o que envolve "o incitamento à troca dos saberes, a mediação relacional e simbólica, a pilotagem personalizada dos percursos de aprendizagem" (Lévy, 1999, p.171); a manutenção de um espaço no qual as colaborações dos membros do grupo fossem evidenciadas; orientação, estímulo à participação e provocações (aqui, com o sentido de fomentar discussões que introduzam o elemento da colaboração de ordem teórica); e o mais amplo de todos os papéis: participar.

 

"Eles surgem..."

 

Alguém já disse, referindo-se a atividade de suporte ao aprendizado mediado por tecnologias computacionais: "a qualquer hora, de dia ou de noite, eles surgem na tela de meu computador, pedindo orientação(...)" (Cardoso, 2001). Eles, mencionados pela autora, são estudantes, aprendizes, trabalhadores. Pessoas, enfim, que participam de cursos ou efetuam alguma modalidade de aprendizado em meios que extravasam o espaço da sala de aula tradicional, como é o caso da experiência que aqui relato. Diante de um microcomputador conectado à Internet descobrem um novo mundo, povoado de informações que surgem a cada momento. Para os usuários, o acesso é predominantemente democrático e a expansão do mesmo depende quase que tão-somente do desenvolvimento de fluência no manejo das ferramentas midiáticas. O público utilizador desses espaços de aprendizagem é bastante heterogêneo, se considerado em uma perspectiva geral, e mobilizado mediante interesses pessoais. Alguns buscam complementar, de alguma forma, as informações recebidas em espaços tradicionais; outros, ao contrário, tentam suprir eventuais carências de formação, de oportunidade, de tempo. Claro que existem outras motivações, em uma lista tão extensa, talvez, quanto são as possibilidades abertas em um contexto ao qual Lévy (1999) chamou, muito apropriadamente, de "universo oceânico de informações".

 

Antes de começar...

Foram essas, basicamente, as reflexões que povoaram minha mente quando fui convidado para atuar como monitor do curso EAV I, do qual seria, ao mesmo tempo, aluno. Como poderia eu auxiliar meus colegas, na maioria mestrandos ou doutorandos em educação, ao longo do percurso ao qual nos propúnhamos? E minha "bagagem", como professor universitário e pesquisador, seria suficiente?

Quanto à segunda pergunta, desde os primeiros instantes de atuação percebi algo que me assustou e fascinou ao mesmo tempo: não, a bagagem não era suficiente, pelo menos não quanto à idéia de completude tantas vezes associada a esse termo. Nunca é. Para ninguém. Qualquer um que se considere completo, sem elementos para agregar ao próprio background, está preso a uma época, definitivamente superada, em que as formações pretensamente tinham começo, meio e fim, e que garantiam aos seus possuidores uma competência inquestionável, ou, pelo menos, com aparência sólida o suficiente para assentar o indivíduo em alguma carreira estável qualquer no alto da qual poderia olhar o mundo. As competências, os saberes, as informações, em constante reconstrução, têm, no acesso promovido pelos instrumentos tecnológicos e, conseqüentemente, na virtualidade, o espaço de mediação necessário, que se soma a outros, pedindo novas maneiras de pensar a educação. O processo é, cada vez mais, constante, ininterrupto, interativo, colaborativo. Assim, se não houvesse de minha parte disposição efetiva para aprender eu fracassaria, com certeza.

Nas reuniões da equipe de monitores e professora, que aconteceram antes do início do curso, começaram a se delinear as respostas para minha primeira questão – claro que a experiência viria a superar a expectativa definitivamente. No primeiro contato, presencial, uma outra percepção, extremamente feliz: ninguém estava interessado em apenas mudar o ambiente no qual se daria o processo de ensino-aprendizagem, imitando, virtualmente, as velhas e desgastadas relações de reprodução ainda predominantes na escola tradicional. As relações de poder – isso ficou muito claro – estariam em franco processo de diluição em um ambiente democrático, no qual éramos, antes de qualquer coisa, colegas. Monitores e professora também aprendiam. Alunos também ensinavam. O processo seria de construção/reconstrução de saberes e competências, e estaria firmemente apoiado nas vivências coletivas e nas experiências pessoais dos participantes.

 

E agora?

Grupos divididos, coube a mim e a outro colega a monitoria do Grupo C. Tudo muito certo. Os grupos, cada qual com oito ou nove alunos aproximadamente, contariam com a atuação de dois monitores. As tarefas de monitoria poderiam, então, ser compartilhadas e até divididas, em certos casos. Trabalho colaborativo mesmo. Entretanto, logo no início do curso, meu colega precisou deixar a atividade. "– Ahn... Houston, temos um problema: o outro piloto saltou!", pensei, perplexo. Mas a vivência no ambiente virtual mostraria uma realidade diferente: potencialmente, todos são "pilotos" e as tarefas de condução da "nave" são, predominantemente, coletivas.

 

Atividades, dedicação, colaboração

Claro que certas atividades são inerentes à monitoria e uma vez que teria que desempenha-las solitariamente no âmbito do grupo C, tratei de reorganizar minha agenda. Essa etapa foi de importância vital para o desempenho da tarefa. Minhas prioridades precisaram ser redefinidas durante o período do curso, e foi importante perceber e fazer isso logo no início. Pude assim evitar o tradicional "depois eu faço", atitude que deve ser definitivamente descartada do exercício da monitoria. Acúmulos de afazeres são desaconselháveis em um ambiente no qual se tem a responsabilidade de oferecer suporte ao aprendizado com relevância e oportunidade (é inconcebível, por exemplo, demorar dias para responder a um e-mail, que pode conter uma dúvida que pede pronto esclarecimento).

Em contato com os colegas de grupo durante a semana de ambientação e primeiras atividades, percebi que o tempo de dedicação à monitoria deveria ser maior do que eu inicialmente imaginara. Assim, no módulo inicial do curso, dediquei cerca de seis horas diárias para a atuação como monitor, que dividi em três categorias principais: on-line síncrona (como a participação em chats, por exemplo), on-line assíncrona (fórum, e-mail, consulta aos recursos do WebCT, atualização de colaborações no espaço virtual destinado ao grupo, etc) e off-line (quanto ao ambiente virtual do curso, porque muitas ações desse tipo eram realizadas na Internet, como pesquisas em sites de busca, por exemplo, com a finalidade de trazer referências da Web para os debates em curso).

As solicitações de esclarecimento dos colegas de grupo com os quais eu compartilhava a experiência começaram a chegar desde muito cedo, tendo o e-mail e o fórum como veículos principais. Percebi a monitoria, desde o início de sua prática no curso, como uma atividade múltipla, ou seja, composta de diversas frentes de atuação, intrinsecamente ligadas, exercidas em paralelo na maior parte do tempo. Ao mesmo tempo em que dúvidas de ordem técnica, relacionadas ao ambiente virtual, pediam esclarecimento (como fazer), outras chegavam, relacionadas ao percurso proposto pelo planejamento do curso (o que fazer e em que momento). Além disso, o posicionamento teórico dos monitores era aguardado nas atividades que pediam discussão, bem como a postagem de colaborações dos mesmos em tarefas outras que solicitavam intervenções de ordem diversa por parte dos participantes – busca por textos, colaborações ao glossário, montagem da home page pessoal, confecção do diário de bordo, entre outras (fazer junto, atuar colaborativamente, participar).

 

Apoio à autonomia

Entretanto, as intervenções que julgo mais relevantes ocorreram no sentido de colaborar para que cada colega fosse capaz de alcançar um grau de autonomia tal que lhe permitisse assumir o controle de sua vivência no ambiente virtual, tomando as rédeas do processo de construção do próprio aprendizado, agindo colaborativamente de maneira cada vez mais fluente, à medida que dominava o uso e a aplicação das ferramentas disponíveis no ambiente. A estratégia que preferi foi a de orientar, incentivar, provocar por descobertas, pela presença, pelas colaborações, mediar sutilmente e se, possível, exercer a melhor de todas as mediações: a imperceptível. Jamais pensei em conduzir ou de manter a dependência. Concluí que o grau de eficiência de minha atuação só poderia atingir nível satisfatório se, a partir de determinado momento, eu não fosse mais visto como monitor, mas como colega, tão-somente.

O caráter de estímulo psicológico inerente à monitoria foi outro fator de relevância. Participações dos colegas do grupo precisavam adquirir visibilidade e valorização, servindo de incentivo para que outras colaborações viessem posteriormente. Ainda que espaços como o fórum e o chat pudessem proporcionar tais ganhos emocionais potencialmente, senti a necessidade de criar uma "vitrine" de colaborações, mantida sempre atualizada e com a preocupação de destacar o trabalho dos participantes. O meio encontrado para isso foi criar uma home page para o grupo dentro do ambiente virtual proporcionado pelo curso, ou seja, usando do espaço, das ferramentas e das possibilidades providas pelo WebCT.

Claro que com tais medidas, a tarefa só fazia crescer, inicialmente. Vi minhas seis horas diárias de dedicação chegarem a oito, ocasionalmente. Por estar só na condução da monitoria do grupo C, julguei que alguma estratégia de atuação, como em toda atribuição de caráter pedagógico, era necessária e inevitável. A linha de ação que procurei seguir, evidentemente flexível, considerando as condições de interatividade e mudança constantes, típicas do ambiente virtual, seguia razoavelmente as seguintes diretrizes:

a) Quanto às dúvidas de ordem técnica e "problemas de percurso": na medida do possível, procurei responder às solicitações desse tipo no mesmo dia, tentando evitar o adiamento de qualquer atividade em função do desconhecimento de algum detalhe de funcionamento das ferramentas disponíveis no ambiente. A idéia era fornecer um esclarecimento claro e objetivo, tornando o colega apto a prosseguir sozinho. Neste ponto, precisei estudar os recursos do ambiente antecipadamente, tanto quanto possível, de maneira a poder responder rapidamente. Os chamados "problemas de percurso" eram dúvidas relacionadas às tarefas e desafios da semana, prazos de entrega, textos que deviam ser lidos, etc. Todas essas informações constavam de seções como a Agenda, Guia do Curso e Aulas. Aqui, as informações eram dadas, resumidamente, e o colega convidado a procurar maiores esclarecimentos nas seções pertinentes. Os resultados me pareceram excelentes: com o tempo, o grupo demonstrou fluência significativamente maior, realizando as tarefas com desembaraço crescente, as dúvidas diminuíram e a autonomia cresceu;

 

b) Quanto à manutenção da home page do grupo: foi, sem dúvida, a atividade mais árdua. Apenas parte das colaborações era enviada por e-mail. Tive que procurar boa parte das intervenções feitas por membros do grupo no fórum. Os chats do grupo precisaram ser gravados à medida que aconteciam. Enfim, depois de reunidas as colaborações do grupo, diariamente, restava me entregar à tarefa de conversão de formatos de arquivos, reestruturação de tabelas, downloads, uploads, criação de hyperlinks, formatação de textos e assim por diante. Creio que funcionou: os colegas do grupo – e de outros grupos também – visitaram constantemente a página. Não foi incomum que algum colega me lembrasse, sutilmente, meu esquecimento na atualização da página com sua mais recente colaboração. Como "vitrine" das intervenções individuais, a home page do grupo desempenhou um papel importante, típico da monitoria, à medida que representou um meio de valorizar tais manifestações;

 

c) Quanto às discussões no fórum e chats: a melhor estratégia que encontrei aqui foi surpreendentemente simples: participar. Como aluno, na maior parte das vezes, completamente esquecido, até, da condição de monitor. Uma ou outra vez creio ter iniciado ou estimulado uma discussão no fórum trazendo meus posicionamentos pessoais, provocando mesmo. Entretanto, mais adiante, grande parte dos colegas estava fazendo o mesmo, com grande desenvoltura, partilhando comigo as intervenções desse tipo. Nos chats do grupo alguma mediação foi necessária, inicialmente, orientando o debate em alguns momentos ou estimulando posicionamentos em torno dos temas propostos. Não tardou, porém, que tal atuação se diluísse e fosse compartilhada naturalmente por outros colegas. Mediante o interesse comum manifestado por determinados assuntos, e como continuidade das discussões anteriores, os membros do grupo tomaram a iniciativa de agendar chats adicionais. Em todos eles, em função da relevância dos temas, aprendi muito;

 

d) Quanto à orientação, estímulo à participação e provocações: vez por outra – raramente, no âmbito desse curso – compus e enviei algumas mensagens de incentivo e orientação, ao perceber que alguns membros do grupo demoravam a "deslanchar" em determinadas atividades, sem, contudo, exercer qualquer pressão sobre os mesmos. No mais, provocações, no sentido de promover discussões relevantes e aprofundamentos teóricos, orientações e estímulos surgiram naturalmente no decorrer das atividades, sem hora marcada, especificamente, para que eu exercesse tais atribuições. Aliás, quase todos no grupo assumiram esses papéis em algum momento do curso.

 

 

Por fim...

A partir do final do segundo módulo, aproximadamente, as solicitações à minha atuação foram diminuindo sensivelmente. Menor a necessidade de estímulo, uma vez que a maioria prosseguia entusiasmada. As raras dúvidas que chegavam diziam respeito ao diário de bordo e as home pages pessoais e não tomaram muito tempo. Uma parte dos integrantes do grupo, depois de alguma orientação, providenciou a publicação desses itens por conta própria no ambiente virtual. Outros criaram os links e me enviaram os arquivos para que fossem colocados nas áreas específicas. A atuação como monitor exigia, então, nesse ponto, tempo significativamente menor.

No final, apenas mais um participante. Que construiu o próprio aprendizado apoiado pelo impulso coletivo. Agora, continuamos todos na nave. A viagem prossegue. E ninguém quer pousar.

 

Bibliografía

  • CARDOSO, S.H. Tutoria à distância – novos horizontes para a Aprendizagem em Neurociências. Revista Eletrônica Cérebro & Mente. . Busca em 08/2002.
  • LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo : Editora 34, 1999.
  • PALLOF, R.M; PRATT, K. Construindo comunidades de aprendizagem no ciberespaço: estratégias eficientes para salas de aula on-line. Porto Alegre: Artmed, 2002.
  • USP. Sistema FenixWeb. http://sistemas1.usp.br:8080/fenixweb/fexDisciplina? sgldis=EDM5044. Busca em 02/2004.

 

 

Notas

[1] - Web Course Tools, programa produzido pela Universidade da Columbia Britânica (Canadá), e destinado à criação de ambientes educacionais.

[2] - Claro que, de alguma forma, estes também são papéis do professor.

 


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Gerson Pastre de Oliveira
gepasoli[arroba]uol.com.br



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