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Perfil sociodemográfico e de padrões de uso entre dependentes de cocaína hospitalizados (página 2)

Marcelo Ribeiro

 

MÉTODOS

A Grande São Paulo é formada por 39 municípios, ocupando 0,1% do território nacional. A população atual atinge 17,8 milhões de habitantes (terceiro maior aglomerado urbano do mundo, perdendo para Tóquio e Cidade do México). Concentra 48,6% da população do Estado de São Paulo e 10,5% da população brasileira. É constituída de vários grupos sociais provenientes de outros países e de outras regiões do País, principalmente da região Nordeste.9

Realizou-se um estudo transversal, com uma amostra de conveniência, pela seleção e pelo tempo, formada por dependentes químicos, residentes na Grande São Paulo, com idade igual ou superior a 18 anos, internados por problemas sociais e psicológicos decorrentes do uso de cocaína cheirada (pó) e/ou fumada (crack).

Foram escolhidos seis hospitais psiquiátricos da região estudada com os seguintes critérios de escolha: a) receber pacientes tanto da rede pública como conveniados e particulares, que o procuraram espontaneamente ou foram trazidos pela polícia e/ou familiares; b) ter setor e protocolo específico para tratamento de adictos; c) admitir pacientes de todas as regiões da Grande São Paulo; d) permitir livre acesso da equipe às dependências do hospital para as entrevistas. Os hospitais exclusivamente particulares não concordaram em participar.

No período de estudo, 1/12/1997 a 15/9/1998, ocorreram 803 internações por uso de drogas nos hospitais visitados. Destes, 597 (74,3%) obedeciam aos critérios de inclusão. Foram excluídos os pacientes sonolentos, confusos ou agressivos, os internados devido ao uso exclusivo de maconha e/ou solventes e os que se negaram a participar do estudo. Em 101 (16,9%) ocasiões as entrevistas não foram realizadas devido ao paciente ter recebido alta antes de ser entrevistado, geralmente a pedido ou por critério disciplinar (uso de droga dentro do hospital, agressão física a funcionários e/ou a outros pacientes) e 56 (9,4%) adictos já haviam sido entrevistados anteriormente, eram re-internações. O total da amostra foi de 440 pacientes.

O protocolo de estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Todos os pacientes foram informados dos objetivos do estudo e um termo de consentimento foi obtido de cada um deles, previamente.

Em conjunto com psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais experientes no atendimento a pacientes usuários de drogas, foi elaborado um questionário, com o objetivo de obter dos pacientes as seguintes informações: a) características demográficas – sexo, idade, raça, residência, local de nascimento; b) características socioeconômicas – estado civil, escolaridade, profissão e ocupação, moradia e classe social, sendo esta última avaliada de acordo com os critérios da Associação Nacional de Empresas de Pesquisa (ANEP);1 c) padrões de uso da cocaína inalada e/ou fumada – idade de início do uso, tempo de uso, quantidade e freqüência usada, uso individual ou coletivo; d) consumo concomitante de álcool, classificado entre leve, moderado e grave, realizado de acordo com Laranjeira & Pinksy;17 e) utilização de outras drogas em concomitância ou no passado – tabaco, maconha, solventes, heroína, drogas injetáveis; f) antecedentes de prisão – número de vezes em que foi preso, tempo de encarceramento, uso de drogas na prisão.

Os questionários foram aplicados por uma psicóloga experiente e treinada, por meio de entrevistas individuais, em sala fechada, estando presentes a entrevistadora, o entrevistado e um auxiliar de enfermagem, com duração de cerca de 20 min. Para resguardar a veracidade das informações obtidas na entrevista, os pacientes só eram abordados após serem liberados pela equipe do hospital, responsável pelo seu atendimento, ou quando a entrevistadora, após aplicação de testes simples de memória e raciocínio, visualizava que estes, juntamente com comportamento do adicto, não estavam prejudicados pelo uso de drogas ilícitas ou sob medicação sedativa.

Análise estatística

A entrada de informações foi realizada por meio do programa Microsoft-Access® - Windows 95®. Para análise descritiva dos dados foi utilizado o programa Epi Info 6.04. O resultado das observações das variáveis sociodemográficas e dos padrões de uso de drogas foi apresentado por meio das médias dos valores para as variáveis numéricas e percentagens para as variáveis categóricas. Para se estabelecer a comparação de médias entre dois grupos de variáveis, utilizou-se o teste de t de Student. Para comparar variáveis categóricas entre dois grupos, foi utilizado o teste de Qui-Quadrado. O nível de significância  foi fixado em 5%.

 

RESULTADOS

Entre os 440 pacientes entrevistados, havia somente 18 (4,1%) mulheres. A faixa etária dos pacientes estudados era bastante jovem (85,0% dos dependentes químicos tinham menos de 35 anos de idade), com média de 27,5±6,9 anos, mínimo de 18 e máximo de 51 anos. A maioria não tinha companheiro (a) (74,8%) e pertencia às classes sociais C, D ou E (69,8%).

Usavam cocaína cheirada 131 adictos (29,8%), 169 (38,4%) eram dependentes de crack e 140 (31,8%) utilizavam-se de ambas as formas da droga (pó e crack). Estes, usavam maiores quantidades de pedra e em maior número de vezes na semana. Desta forma, para fins de análise, foram utilizados dois grupos de adictos: usuários exclusivos de cocaína cheirada na forma de pó (N=131); e usuários da forma fumada (crack), seja ela exclusiva ou associada ao pó cheirado (N=309).

Na Tabela 1, encontram-se os aspectos demográficos e sociais dos adictos estudados que mostraram significância estatística. A maioria dos dependentes (79,3%) havia nascido na Grande São Paulo, proporção que foi maior entre os usuários de crack (p=0,0139). Apenas seis indivíduos (1,4%) tinham completado curso superior, sendo que os usuários de cocaína apresentavam uma melhor escolaridade (p=0,0006). Metade dos adictos não tinha fonte de renda, e entre os usuários de crack, a proporção de desempregados era maior (p=0,0336); 37,0% estavam desempregados há mais de um ano. Referiam morar em casa ou apartamento 378 dependentes químicos (85,9%), sendo que entre os usuários de crack era maior a proporção de indivíduos que moravam nas ruas ou em favela (p=0,0315); 363 (86,2%) moravam sozinhos ou com até cinco pessoas. Cento e dezesseis (26,4%) admitiam já ter morado nas ruas, fato mais freqüente entre os usuários de crack (p=0.0000). Estavam sem teto 19 adictos (4,3%). Não mostraram diferença estatística: idade, classe social, tempo de desemprego, número de pessoas residentes na mesma casa, número de dias que morou nas ruas.

Estavam na sua primeira internação por consumo de drogas 232 pacientes (52,7%), 171 (38,9%) e 37 (8,4%) já haviam sido internados anteriormente de uma a três vezes e mais de três vezes respectivamente, sendo o número de internações anteriores maior entre os usuários de crack (p=0,0352) (Tabela 2).

A Tabela 3 revela as características do uso concomitante de álcool e fumo. Usavam álcool 177 pacientes (40,2%) em quantidades consideradas de alto risco para a saúde (mais de 50 unidades de álcool/semana), sendo este uso mais freqüente entre os dependentes de cocaína cheirada (p=0,0109). A associação de uso de tabaco também era freqüente (86,1%) e geralmente relacionada ao uso de crack (p=0,0077).

Outros sete (1,6%) indivíduos relatavam usar droga endovenosa associada as inalatórias (um usava heroína, outro usava anfetaminas e cinco usavam cocaína endovenosa). Dois adictos admitiam usar atualmente heroína na forma de pó, cinco (1,1%) referiam uso atual também de solventes (cola de sapateiro, esmalte, "tinner", benzina) e todos eles eram dependentes de crack. O uso de maconha era freqüente (55,9%), principalmente entre os usuários de cocaína fumada.

A Figura mostra a idade de início do uso de drogas inalatórias. O uso de inalantes começa na adolescência com o fumo (média de idade =14,6±3,3) passando o adicto a usar, no decorrer da sua juventude, a maconha, cocaína cheirada e crack (p=0,0000).

Os pacientes que usavam cocaína na forma de pó o faziam por um tempo maior que aqueles dependentes de crack (21,4% cheiravam a cocaína por mais de 10 anos; p=0,0000). Já os que usavam crack fazia menos tempo que o tinham usado pela última vez (média de 11 dias; p=0,0200) e o usavam mais freqüentemente todos os dias (69,6%) (Tabela 4).

Já haviam sido detidos 252 (57,4%) pacientes, sendo este número maior entre os usuários de crack (p=0,0013) os quais também ficaram presos por um período maior de tempo (p=0,0500). Também mais freqüentemente usavam drogas na prisão (p=0,0358); 31,0% dos indivíduos que foram presos utilizaram drogas durante sua passagem nos presídios paulistas (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Os resultados mostraram maior taxa de usuários de crack e pequena prevalência de dependentes de drogas injetáveis na amostra estudada.

Os problemas decorrentes do uso de amostras clínicas de conveniência são bem conhecidos. As características do usuário em contato com serviço de saúde são bem diferentes e podem não representar a comunidade de onde vieram. Há um filtro na seleção de pacientes que faz com que alguns usuários procurem um serviço médico e outros não. As estimativas produzidas nesses estudos podem não corresponder à verdadeira freqüência na população. As pesquisas que utilizam amostras não-aleatórias são úteis para verificar se um determinado problema existe no universo em que estão inseridos. Desde que a abordagem seja feita de modo adequado, os resultados não só informam a existência do problema, como também dão idéia de sua magnitude e importância, fornecendo base para o trabalho de profissionais da área de saúde que vivenciam condições parecidas e cujos pacientes são semelhantes aos incluídos nessas amostras.8,15,20 Outro grande problema é a veracidade das informações obtidas pelo questionário, já que a cocaína tem como característica embotar a realidade dos fatos, e a prática do uso de drogas ilícitas pode impor aos adictos a não dar informações sinceras e verídicas. Kokkevi et al16 (1997) estudaram a confiabilidade da resposta de dependentes químicos e mostraram que as mesmas são confiáveis na dependência de alguns fatores tais como: tempo curto de entrevista, simplicidade das questões e treinamento do entrevistador. O questionário aplicado no presente estudo era simples e objetivo, com a maioria de respostas tipo sim e não, realizado por uma psicóloga experiente e treinada, tendo a entrevista duração de cerca de 20 minutos.

Foi encontrada maior proporção de dependentes de crack, tanto isoladamente (38,4%) como em associação com cocaína cheirada (31,8%). Vários autores vêm demonstrando um aumento crescente no consumo de crack entre os jovens.8,10,25 O fator responsável por este aumento ainda não está bem definido, mas poderiam ser: a) maior disponibilidade da droga;18 b) usuários de drogas injetáveis estariam migrando para o crack em decorrência da infecção pelo HIV;8,10 e por ser muito mais fácil de ser utilizada,6 não tendo o inconveniente uso de agulhas; c) baixo custo desta forma de apresentação;8 d) maior dependência provocada pelo uso do crack, impedindo a utilização de outras drogas,10 observando-se que os dependentes de crack usavam-no todos os dias e em maiores quantidades, enquanto que aqueles que usavam a cocaína cheirada utilizavam-se de menores quantidades e apresentavam maior tempo de uso; d) diferença na potência dos efeitos da cocaína de acordo com sua forma de administração, pois a cocaína inalada tem os menores níveis plasmáticos e menores efeitos farmacológicos e o crack produz efeitos substancialmente maiores, eqüivalendo-se ou até mesmo ultrapassando os efeitos da administração por via endovenosa. Entretanto, sua meia-vida é curta, levando o adicto a usá-los várias vezes.6,11 Um possível viés do presente trabalho seria pelo fato de que o crack, levando a uma maior dependência química e a um maior consumo, aumentaria as chances de seu usuário ser internado e, conseqüentemente, ser incluído na pesquisa. Porém, outros trabalhos com pacientes institucionalizados também observam o mesmo fato.8,10

A freqüência de mulheres internadas pelo uso de drogas foi baixa, o que está de acordo com a literatura, que mostra maior uso de drogas entre homens.2,4,8,18,19

Faixa etária jovem é comum entre usuários de drogas. A média de idade encontrada foi de 27,5 anos com variação de 18 a 51 anos; 85% dos pacientes de nossa amostra tinham menos de 35 anos de idade. Outros trabalhos brasileiros e internacionais4,5,15,18,21,22 mostram faixas semelhantes e revelam que o encontro de maior número de adictos de baixa idade se explica pela maior exposição e grande penetração das drogas entre os jovens. Pesquisa realizada nos Estados Unidos entre 567 estudantes de escolas públicas da Carolina do Norte, usuários de crack e cocaína cheirada, mostrou que esses dependentes químicos eram oriundos de uma população vulnerável, tais como: jovens que apresentavam baixo rendimento escolar, indivíduos alienados pelos amigos e pela família, alunos com componente depressivo. Salienta, também, que esses fatores eram mais marcantes nos usuários de crack.22 Carvalho et al5 (1995) evidenciaram que a probabilidade de uso de drogas era cinco vezes maior entre adolescentes que moravam em lares onde a violência familiar estava presente e não havia diálogo entre os familiares, juntamente com falta de interesse dos pais pelos problemas dos filhos. Na ausência desses fatores, mas sendo os pais separados ou viúvos, o consumo de drogas nessa faixa etária era 1,5 vezes maior quando comparado com jovens que viviam com o pai e a mãe.

A grande maioria (72,7%) dos indivíduos era da raça branca, número semelhante a outro trabalho realizado no ambulatório de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina.8

Observou-se baixa escolaridade entre adictos; 50% dos pacientes não completaram a oitava série, sendo essa proporção maior entre usuários de crack (p=0,0006). O uso da droga impede que o adicto exerça qualquer atividade que dependa de atenção, compreensão e responsabilidade.18 Em trabalho realizado em Nova York, visando-se estudar quais eram os fatores que determinavam o atraso escolar entre adolescentes, encontrou-se que 36% dos estudantes daquela cidade tinham mau desempenho escolar relacionado com o uso de álcool, cigarro e drogas ilícitas (cocaína em todas as suas apresentações).3 Nappo et al19 (1996) revelaram que a evasão do primeiro ciclo educacional na cidade de São Paulo, entre dependentes químicos, foi de 48% (20% era a taxa entre os não adictos) e que a capacidade de concentração e compreensão era menor entre usuários de crack.

A maioria dos pacientes tinha nascido na cidade de São Paulo (79,3%). Porém, entre usuários de crack, era maior a proporção de indivíduos nascidos em outras localidades (p=0,0139). Isso, provavelmente, explica-se pela grande quantidade de imigrantes que, em busca de melhores condições de vida, partem para a Grande São Paulo e, não encontrando melhor qualidade de vida, sem trabalho e moradia, buscam nas drogas um refúgio para suas desventuras.

Em torno de 70% dos adictos da amostra foram classificados como pertencentes aos níveis sociais C, D e E, ou seja, de baixo poder aquisitivo. Esta proporção pode não ser a real, tendo em vista que não foram visitados, por questões operacionais, os hospitais que atendem somente pacientes particulares. Outro potencial viés é o fato de que os usuários de drogas costumam desfazer-se de seus pertences, como televisão e rádio, para comprar droga. A presença desses utensílios na residência dos indivíduos era considerada na pontuação para a classificação social. Ou seja, na presente amostra, os adictos poderiam ser de classe social mais elevada. Nappo et al18 (1994) salientaram que a perda dos laços familiares, mesmo que temporária, pode levar adictos a serem classificados em níveis sociais inferiores e que antes do uso de drogas a maioria dos dependentes químicos não se diferenciam socioeconomicamente.

Metade dos pacientes encontrava-se desempregada na época da entrevista. Para se analisar se a baixa taxa de adictos possuidores de alguma fonte de renda devia-se ao fato de ser uma população bastante jovem e sem participação no mercado de trabalho, foi avaliada a associação de desemprego com a idade e encontrada importante significância estatística (p=0,0000). Observou-se, porém, que 58% dos dependentes entre 18 e 25 anos tinham alguma fonte de renda, enquanto entre maiores de 25 a proporção encontrada foi de 42%. Assim, confirma-se a baixa inserção ocupacional dos pacientes em idades consideradas mais produtivas.

Encontrou-se maior proporção de desempregados entre usuários de pedra (p=0,0336). Dunn et al8 (1996) encontraram que 50% dos usuários de cocaína fumada, que procuraram tratamento ambulatorial no período de 1990 a 1993, estavam desempregados. Nappo et al19 (1996) mostraram que 76% dos usuários de crack não tinham fonte de renda. Como o crack dificulta qualquer atividade que demande responsabilidade, seu usuário, em pouco tempo, abandona o trabalho. Bastos et al2 (1988) mostraram como os dependentes químicos financiavam seu consumo de drogas: 37,% alegavam ter renda própria, 16,8% realizavam furtos, 12,9% faziam tráfico, 10,4% relatavam adquirir dinheiro junto às suas famílias, 17,5% obtinham a droga por intermédio de amigos e 5,5% referiam outras fontes.

Dos 208 pacientes (47,3%) que já haviam recebido tratamento anteriormente, tiveram como motivo das internações repetidas o fato de geralmente não terem completado o tratamento anterior, por fuga ou alta a pedido, ou, ainda, por recaídas. Foi encontrado maior número de readmissões entre usuários de crack (p=0,0352), o que mostra maior dependência dos adictos a essa forma de apresentação da cocaína.

A associação do uso de drogas lícitas, como o álcool e o fumo, foi alta no presente estudo. A grande maioria (69%) dos indivíduos também usava álcool, sendo que 40,2% usavam-no em quantidades elevadas. Entre os usuários de cocaína na forma de pó, esta proporção era maior (p=0,0109). Isto se justifica, segundo informações dos próprios dependentes, pois usuários de cocaína cheirada encontram no álcool um alívio para a hiperatividade provocada pela droga imediatamente após o seu uso. Quase 90% dos adictos usavam também tabaco. Essa proporção era maior entre usuários de crack (p=0,0077), os quais trituravam a pedra e misturavam-na ao fumo e utilizavam o cigarro, denominado de pitilho, como fonte de administração da droga.

Analisando o uso concomitante de outras drogas ilícitas, observou-se que grande proporção era também usuária de maconha (quase 60% dos adictos estavam também usando esta droga na atualidade e 32,3% já a tinham usado no passado). Esta freqüência era maior entre usuários de crack (p=0,0230), que, semelhante ao fumo, misturavam a pedra à Cannabis, formando o mesclado, e inalavam ambas as drogas. A média de idade do início de uso da maconha também era menor nos usuários de crack (p=0,0139). A baixa freqüência do uso de heroína inalada se justifica pelo baixo tráfico dessa forma de apresentação da droga no Brasil. Poucos foram os indivíduos que usavam solventes. Isso decorre do fato dessa prática ser mais freqüentemente encontrada entre menores e na presente amostra só foram arrolados maiores de 18 anos.

Pela análise das médias de idade de início de uso de drogas inalatórias, foi observado que parece haver um padrão de comportamento, um escalonamento no uso de substâncias químicas, iniciando-se pelas mais leves (tabaco) e migrando para as mais pesadas (cocaína). No presente estudo, a média de idade de início do uso do fumo, maconha, cocaína cheirada e crack foi 14,6, 15,2, 19,3 e 22,9 respectivamente (p=0,000). Smart et al24 (1990) compararam as idades dos usuários de cocaína e maconha com os dependentes de álcool oriundos do mesmo centro e observaram médias de idade para início do uso de drogas de 14,8, 14,9 e 17,3 anos, respectivamente, para a maconha, cocaína e álcool, sendo o uso de drogas ilícitas considerado fator predisponente para o alcoolismo. Gorelick et al12 (1995), estudando as características dos pacientes que usavam drogas inalatórias, observaram forte associação do uso de tabaco e maconha com cocaína e 97% dos pacientes de sua amostra iniciaram o uso de drogas com fumo e Cannabis. Schorling et al23 (1994) observaram que o uso de cigarro entre estudantes aumentava o risco de alcoolismo e utilização de drogas ilícitas.

Somente oito (1,8%) indivíduos admitiram estar usando droga endovenosa. Esta baixa freqüência pode ser decorrente de: a) o paciente ocultar uso de drogas endovenosas; b) mudança no padrão de uso de drogas em decorrência da epidemia pelo HIV - usuários de substâncias injetáveis teriam passado a usar crack ou cocaína cheirada; c) pacientes contaminados pelo HIV serem atendidos em outras instituições; d) morte dos adictos por "overdose" ou pela Aids.

Quanto aos antecedentes de prisão, foi encontrada outra característica comum à literatura, que é a maior marginalidade dos dependentes de crack. Mais da metade dos indivíduos da amostra já havia sido detida por causa da droga (p=0,0013), bem como havia utilizado pedra dentro das dependências do presídio (p=0,0358). O uso de drogas no interior de casas de detenção não é característica somente do Brasil. Trabalho realizado na Austrália, no período de 1993-1994, analisou as características do uso de cocaína naquele país. Observou-se que, enquanto na população geral decrescia o número de usuários da droga, dentro dos presídios estava ocorrendo aumento, principalmente da forma injetável.13

Concluiu-se, pelo grande número de internações hospitalares por dependência, que na Grande São Paulo o uso de drogas pela população menos favorecida vem se agravando nos últimos anos, principalmente mediante o uso do crack. Esses usuários são freqüentemente presos, aumentando os índices de violência e criminalidade.

 

REFERÊNCIAS

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Olavo Franco Ferreira FilhoI; Marilia Dalva TurchiII; Ronaldo LaranjeiraIII; Adauto CasteloIV
laranjeira[arroba]uniad.org.br

I. Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Londrina. Londrina, PR, Brasil
II. Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública, Universidade Federal de Goiás. Goiânia, GO, Brasil
III. Setor de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil
IV. Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil



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