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4. Material e métodos

Dados epidemiológicos e sinais clínicos de uma doença nervosa em bovinos foram obtidos em duas propriedades no Estado de Santa Catarina, nos municípios de Capinzal, em 1993, e Canoinhas em 1996. No surto verificado em Capinzal foram realizadas necropsias de três animais doentes e coletadas amostras de diversos órgãos. Experimentalmente, Phalaris angusta Ness ex Trin. (Fig. 1) foi administrada a seis bezerros com idade aproximada de 8 meses, sendo que dois animais receberam a planta em 1993, dois, em 1994 e outros dois em 1995. Nos três anos, a planta era coletada semanalmente na fase de crescimento, que correspondia ao final de julho e início de agosto, e foi conservada em câmara fria. Os bovinos em experimentação foram mantidos estabulados em baias individuais e receberam P. angusta no cocho à vontade como alimento exclusivo e água ad libitum, por um período de 20 dias, com exceção de um, em que a administração foi suspensa após 3 dias. Frequências cardíaca e respiratória, motilidade ruminal, temperatura corporal e alterações de comportamento foram avaliados. Quatro animais foram sacrificados para necropsia ao se completar os 20 dias desde o início da ingestão de P. angusta, e dois foram abatidos ao completar 18 meses do início do experimento. De todos os animais necropsiados, tanto nos casos naturais, como nos experimentais, foram coletadas amostras de vários órgãos, fixadas em formol a 10%, incluídas em parafina, cortadas em 5µ e coradas pela hematoxilina-eosina.

Fig. 1. Phalaris angusta, município de Capinzal, SC.

5. Resultados

5.1 Surtos da intoxicação

No primeiro surto, o que ocorreu no mês de julho de 1993 no município de Capinzal, um lote de 20 bovinos de diferentes faixas etárias, foi introduzido em uma área de 10 hectares, parte da qual era constituída por aveia (Avena sativa) e outra, de Phalaris angusta. Como a área que continha aveia estava situada próxima a sede da propriedade e os bovinos ali colocados eram de temperamento agitado, estes permaneciam a maior parte do tempo pastoreando na área onde havia P. angusta. Segundo o proprietário, poucos dias após a introdução dos animais no local, vários deles manifestaram alterações clínicas que se caracterizavam por tremores generalizados, incoordenação motora, andar rígido, hipermetria (Fig. 2), movimentos constantes e ritmados da cabeça e das orelhas, e olhar atento a qualquer movimento, objetos e sombras. Os sinais clínicos agravavam-se quando os animais eram movimentados, podendo ocorrer neste período, dificuldade em manter-se de pé e convulsões, que eram frequentes, principalmente mediante ruídos. Alguns animais se jogavam contra cercas, fato pelo qual dois deles caíram em um local íngrime e morreram. Um bovino que manifestava fortes sinais clínicos, foi sacrificado para necropsia. O restante dos animais foi retirado do local, e as manifestações clínicas foram desaparecendo lentamente, até recuperação completa, 20 a 30 dias após. Apenas um animal, depois de decorrido um ano da retirada do local, ainda manifestava dificuldades passageiras em apreender os alimentos. Os dois animais que morreram naturalmente, e o que foi sacrificado, tinham como única lesão macroscópica, coloração cinza esverdeada no tálamo e mesencéfalo (Fig. 3). Pelos exames histológicos não foram encontradas lesões.

Fig. 2. Bovino com hipermetria. Intoxicação natural por P. angusta, município de Capinzal, SC.

Fig. 3. Coloração cinza-esverdeada no tálamo (Bov. 74). Intoxicação experimental por P. angusta.

No segundo surto que foi verificado no município de Canoinhas no mês de julho de 1996, 15 bovinos foram colocados em uma resteva de soja, na qual havia nascido grande quantidade de P. angusta, que estava em fase de floração. Vinte dias depois, os animais começaram a manifestar sinais nervosos semelhantes aos descritos acima. Um dos animais adoeceu gravemente, permanecendo em decúbito lateral e foi sacrificado pelo proprietário. Os outros bovinos foram removidos do local e as manifestações clínicas desapareceram gradativamente em um período de 15 a 20 dias.

5.2 Reprodução experimental

Dos dois terneiros que receberam P. angusta em 1993, um deles (Bov. 71) comeu avidamente a planta e manifestou fortes sinais clínicos a partir do terceiro dia da ingestão, quando foi suspensa a administração da planta. O outro (Bov. 69), que comia a planta lentamente ingerindo menor quantidade, teve leves alterações clínicas a partir do sétimo dia da ingestão. Os quatro animais que receberam a planta nos anos de 1994 (Bov. 72 e 73) e 1995 (Bov. 74 e 75), manifestaram alterações clínicas a partir do 10º e 15º dia, respectivamente, do início da ingestão, e estes se agravaram progressivamente. O quadro clínico-patológico manifestado pelos seis bovinos foi semelhante ao verificado nos dois surtos da doença espontânea, variando apenas na intensidade. Foi verificado que a permanência dos animais em locais fechados, favorece a manifestação de olhar para o alto. As lesões macroscópicas, tanto nos sacrificados após 20 dias, como nos sacrificados após 18 meses, foram idênticas às descritas para os casos naturais e também, como nestes, não foram observadas alterações histológicas.

6. Discussão e conclusões

Phalaris angusta foi responsável pela doença nervosa de bovinos, que ocorreu nos municípios de Capinzal e Canoinhas, SC. Tremores generalizados, incoordenação, hipermetria, olhar atento com movimentos constantes das orelhas, ataxia e convulsões, foram os principais sinais clínicos observados, tanto na doença espontânea, como na intoxicação experimental. Coloração cinza-esverdeada no tálamo e mesencéfalo foi a única lesão macroscópica encontrada. As alterações clínicas e as lesões macroscópicas verificadas, estão de acordo com aquelas descritas para a intoxicação por Phalaris spp por Gaggino et al. (1963), East & Higgins (1988) , Lean et al. (1989), Bourke et al. (1990) e Nicholson et al. (1989). A pigmentação intracitoplasmática de neurônios descrita na literatura, não foi vista nos casos naturais e experimentais.

No ano de 1993, P.angusta encontrada na propriedade onde ocorreu o surto, tinha um crescimento vigoroso e altura média de 15 a 20 cm. Os sinais clínicos manifestados, tanto na doença espontânea, como experimental, apareceram rapidamente após os primeiros dias da ingestão da planta e tinham intensidade bastante forte. Contrariamente, a planta usada para experimentação em 1994, tinha um crescimento pouco vigoroso devido a ocorrência de um período seco, e os animais só apresentaram alterações clínicas a partir do décimo dia após início da ingestão, e estes tinham intensidade menos grave que os verificados no ano anterior. Nos experimentos realizados em 1995 e no surto verificado em Canoinhas, em 1996, a planta, apesar de bom desenvolvimento, se encontrava em fase de floração. Aqui também os sinais clínicos apareceram mais tardiamente, entre 10 a 15 dias após o início da ingestão, e não tão graves quanto os observados em 1993. Esta variação do quadro clínico sugere que P. angusta seja mais tóxica quando está na fase inicial de crescimento e com bom desenvolvimento. Plantas pouco desenvolvidas e plantas adultas, parecem ser menos tóxicas do que aquelas ingeridas na fase inicial de crescimento (aprox. 30 cm) e em solos férteis e de boa umidade.

7. Referências

Bourke C.A., Carrigan M.J., Seaman J.T. & Evers J. V. 1987. Delayed development of clinical signs in sheep affected by Phalaris aquatica staggers. Aust. Vet. J. 64(1):31-32.

Bourke C.A., Carrigan M.J. & Dixon R.J. 1990. The pathogenesis of the nervous syndrome of Phalaris aquatica toxicity in sheep. Aust. Vet. J. 67(10):356-358.

De Luco D.F., Gárcia Márin J.F., Badiola J.J., Luján L. & Pérez V. 1991. Intoxication of sheep by Phalaris brachystachys [Intoxicación ovina debido al consumo de falaris (Phalaris brachystachys)]. Med. Vet., B. Aires, 8(3):167-175.

East N.E. & Higgins R.J. 1988. Canary grass (Phalaris sp.) toxicosis in sheep in California. J. Am. Vet. Med. Assoc. 192(5):667-669.

Gaggino O.P., Carrillo B.J. & Frontera A.R. 1963. "Phalaris staggers", su observación en el sudeste de la província de Buenos Aires. Gaceta Veterinária 25:51-56.

Kennedy D.J., Cregan P.D., Glastonbury J.R.W., Golland D. T. & Day D. G. 1986. Poisoning of cattle grazing a low-alkaloid cultivar of Phalaris aquatica, Siloran. Aust. Vet J. 63(3):88-89.

Lean I.J., Anderson M., Kerfoot M.G. & Marten G.C. 1989. Tryptamine alkaloid toxicosis in feedlot sheep. J. Am. Vet. Med. Assoc. 195(6):768-771.

Mendel V.E., Crenshaw G.L., Baker N.F. & Muniz R. 1969. Staggers in pastured cattle. J. Am. Vet. Med. Assoc. 154(7):769-772.

Nicholson S.S., Olcott B.M., Usenick E.A., Casey H.W., Brown C.C., Urbatsch L.E., Turquist S.E. & Moore S.C. 1989. Delayed phalaris grass toxicosis in sheep and cattle. J. Am. Vet. Med. Assoc. 195(3):345-346.

Odriozola E., Campero C., Lopez T., Marin, R., Casaro G. & Andrada M. 1991. Neuropathological effects and deaths of cattle and sheep in Argentina from Phalaris angusta. Vet. Hum. Toxicol. 33(6):465-467.

Ulvund M. 1985. Incoordination and hyperexitability in a lamb grazing Phalaris arudinacea in southwestern Norway. Nord. Veterinaermed. 37(4):259-260.

Aldo Gava2, Renato S. Sousa.3, Marcia S. de Deus4, Celso Pilati2, José Cristani2, Ademar Mori5 e Dalmo S. Neves2 - a2cp[arroba]cav.udesc.br

2Centro de Ciências Agroveterinárias, Universidade do Estado de Santa Catarina (CAV/UDESC), Av. Camões 2090, Lages, SC 88520-000. 3Curso de Pós-Graduação em Medicina Veterinária, área de concentração em Patologia; bolsista do CNPq, Universidade Federal de Santa Maria 97119-900 Santa Maria, RS 4Bolsista do CNPq PIBIC. In Memoriam. 5Médico Veterinário, COPERDIA, Concórdia, SC 89700-000.



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