O Plebiscito Impossível. Treze más razões para opor-se à Alca e uma boa para dizer não



1. Uma introdução necessária

Circula na Internet um documento anônimo, mas cuja autoria fica evidente pelo seu conteúdo, intitulado "Plebiscito: Treze razões para dizer não à Alca", que pretende oferecer argumentos para que o cidadão brasileiro recuse, num hipotético plebiscito nacional, um possível acordo hemisférico envolvendo 34 países das Américas, a Alca. Sua autoria é obviamente de opositores da Alca, cujo objetivo seria o de obter uma estrondosa rejeição, por parte do eleitorado brasileiro, desse ainda incerto acordo, mas a versão que recebi, transcrita in fine, não comporta assinatura dos responsáveis por sua redação ou responsabilidade intelectual por sua divulgação.

Não é difícil presumir quem ou quais sejam os responsáveis pelo texto, uma vez que a maior parte das ONGs que circulam na órbita do Fórum Social Mundial têm na Alca um de seus principais cavalos de batalha, junto com o FMI, a OMC, o capitalismo globalizador, os transgênicos e outros tantos elementos simbólicos vinculados de perto ou de longe à economia de mercado. No caso da Alca, creio afirmar que existe uma unanimidade nacional quanto à sua indesejabilidade para o Brasil e para o Mercosul: aliás, seria virtualmente impossível encontrar qualquer grupo político, econômico ou social que se posicione a favor da Alca. Se houver, descontando um grupo inexpressivo de economistas liberais, gostaria de ser avisado, pois estaríamos em face de tipos raros.

Gostaria de oferecer alguns comentários tópicos, e outros gerais, sobre cada um dos "argumentos" oferecidos pelos "autores" da peça em questão, pois acredito que, a despeito da imensa cacofonia e da estridência verbal que caracterizam o "debate" sobre a Alca no Brasil, ainda assim vale a pena dialogar com cidadãos interessados em problemas relevantes para o futuro do Brasil, como são os das negociações comerciais em geral e, em particular, o de um possível (até aqui hipotético) novo bloco comercial no hemisfério.

Coloquei alguns dos conceitos acima entre aspas e já explico por que: não me parece que as afirmações abaixo destacadas possam ser consideradas como "argumentos", verdadeiramente, pois na maior parte dos casos eles não se submetem a testes de validação empírica, nem vêm acompanhados de demonstrações efetivas sobre a realidade que pretendem descrever. Trata-se, em grande medida, de invectivas políticas, sem critérios objetivos que os coloquem no mesmo plano dos debates acadêmicos bem fundamentados. Ainda assim, vou procurar responder honestamente e com toda a objetividade possível aos "argumentos" alinhados no texto.

Quanto aos "autores", será difícil individualizá-los todos, uma vez que se trata, provavelmente, de uma construção coletiva, na verdade uma assemblagem feita a partir das tradicionais invectivas anti-Alca a que já estamos acostumados desde que esta surgiu no horizonte político do hemisfério, em 1994. Sendo uma assemblagem, pode-se honestamente designar seus "autores" como sendo simplesmente "anti-alcalinos", pois é isto que eles são e como tal se apresentam. De minha parte, devo esclarecer que não sou a favor da Alca, como não sou por princípio a favor de nenhuma medida ou política que não ofereça a maior racionalidade possível em termos de políticas públicas ou que não representem aquilo que os economistas chamam de "melhor situação de bem-estar".

Ora, os grupos econômicos restritos, e aqui se incluem os blocos comerciais, são, por definição, discriminatórios e restritivos, conduzindo àquilo que esses mesmos economistas chamam de "second best solution", na ausência do "first best", que seria supostamente uma liberalização unilateral, ou o livre comércio universal. Este significaria o que a liberdade de trocas representa no plano nacional: ausência de barreiras à entrada, informação ampliada, concorrência de mercados, regulação não intrusiva etc. Minha postura, portanto, não é a de ser, a priori, a favor ou contra a Alca, mas a de buscar a melhor solução possível aos nossos problemas de competitividade internacional, situação que possa aumentar o grau de bem-estar do povo brasileiro (sinto muito mas não tenho condições de me ocupar da humanidade em geral, ou de outros povos e fico só no Brasil).

Por fim, também coloquei debate entre aspas, porque não creio que esteja ocorrendo um verdadeiro debate nacional (e racional) sobre os dilemas da Alca para o Brasil, e certamente não a partir de textos como esse, que tangenciam os problemas e se limitam a lançar invectivas de natureza mais política do que econômica. Em todo caso, pretendo de minha parte contribuir para esse debate da forma mais objetiva possível.

2. Acordos comerciais não podem ser reduzidos a "sim" ou "não"

Começo, antes de comentar topicamente os "argumentos", pela própria questão do "plebiscito", apenas referido no título, mas em nenhum momento justificado ou legitimado, inclusive porque não é certo que ele venha a ser realizado, pelo menos não no plano institucional. Existiram, bem sabemos, dois "plebiscitos" no período recente, um sobre a dívida externa, outro sobre a Alca, justamente, ambos conduzidos por entidades da chamada sociedade civil e já antecipados quanto a seus resultados totalmente previsíveis: os dois resultaram na total rejeição da dívida externa e da Alca à razão de 99% dos votantes, que já estavam induzidos pelos organizadores a fazê-lo dessa forma. Eles não têm, portanto, a validade política que se requer dos processos democráticos,pois que não corresponderam, em nenhum momento, a uma escolha real entre opções válidas, de resto não explicadas em sua dimensão própria.

Não creio que um plebiscito, instrumento próprio para responder a questões claramente colocadas que se trata de validar pelo método da consulta popular, seja o mecanismo adequado para uma consulta social e nacional sobre um problema como o da Alca, por demais complexo e multifacetado para ser respondido num tipo de escolha de "sim" ou "não". Colocar a Alca sob a dependência de um plebiscito é simplesmente errado, pois os aspectos positivos e negativos de um acordo comercial desse tipo, seu desenvolvimento progressivo e seu impacto diversificado na economia nacional não se prestam para tal instrumento redutor. Deve-se descartar o mecanismo de consulta, mas reter a possibilidade de abrir um amplo debate sobre os problemas da Alca, em especial mediante textos menos simplistas como o que agora passo a examinar.

Venho agora aos elementos textuais do libelo contra a Alca, alinhando-os sistematicamente e agregando meus comentários ao tema em questão.

"A ALCA representa maior dependência e vulnerabilidade econômica externa e a re-colonização política e militar de todo o continente sob controle dos Estados Unidos da América. "Nós queremos vender mercadorias, tecnologia e serviços estadunidenses, sem obstáculos ou restrições, para um mercado único de 800 milhões de pessoas, com uma renda total de 11 trilhões de dólares anuais, num território que irá do ártico até o cabo de Horn", declarou o general Colin Powell, Secretário de Estado do governo Bush."

PRA: A Alca, se existir, será um mero acordo de liberalização comercial, nem pior, nem melhor do que o atual acordo do Nafta, e como tantos outros já registrados na longa história do comércio internacional. Pretender ver na Alca um empreendimento de re-colonização significa politizar exageradamente essa iniciativa de caráter econômico, sem oferecer, de resto, elementos credíveis que permitam validar a tese da re-colonização. A frase do então Secretário de Estado Powell nada mais representa do que a pura expressão da verdade: os EUA estão de fato interessados em fazer comércio num mercado hemisférico, como aliás está o Brasil no âmbito da América do Sul e outros países em escala regional ou internacional. Não há nada de negativo nisso. Os conceitos de "dependência" e de "vulnerabilidade" são sempre relativos a determinadas situações concretas: países com muito comércio, e portanto "interdependentes", são em geral menos vulneráveis do que aqueles autárquicos ou introvertidos, na medida em que dispõem de uma soma de mercados nacionais que é, por definição, superior ao seu.

"Os Estados Unidos possuem 240 milhões de habitantes e 9 trilhões de dólares, de PIB. Os demais países americanos: 560 milhões de habitantes e 2 trilhões de dólares de PIB. O Brasil, 170 milhões de habitantes e 800 bilhões de dólares de PIB."

PRA: Os autores do texto deveriam revisar seus números e atualizar seus dados, pois que os EUA há muito tempo passaram dos 11 trilhões de dólares como PIB, aproximando-se já dos 12 trilhões. De resto, o PIB nominal do Brasil há muito deixou a casa dos 800 bilhões (que era na época da valorização do real) e desceu para menos de 500 bilhões. Ele voltou a subir, mas os dados nominais são bem inferiores à cifra citada.

 


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