Pobreza & Desenvolvimento Local

Enviado por Augusto de Franco



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Por que a pobreza e a exclusão social não devem ser enfrentadas apenas com crescimento econômico e políticas compensatórias, e sim, prioritariamente, com programas inovadores de investimento em capital humano e em capital social. A perspectiva do DLIS – Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável.

Começo com algumas perguntas. Para erradicar a pobreza basta fazer crescer o PIB e aumentar o salário mínimo? Ou basta investir mais alguns bilhões em políticas compensatórias? Em que medida as políticas sociais governamentais concorrem para erradicar (ou para manter) a pobreza?

Vou procurar responder a questões como essas do ponto de vista de uma nova concepção de desenvolvimento – humano, social e sustentável – baseada em um novo padrão de relação entre Estado e sociedade e em uma nova compreensão das relações entre desenvolvimento e política.

Venho trabalhando há algum tempo com a idéia de que pobreza não é insuficiência de renda, mas insuficiência de desenvolvimento. Como desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico nem é o resultado direto da oferta de serviços estatais, a pobreza – e, de maneira mais ampla, a exclusão social – não pode ser adequadamente enfrentada apenas com políticas de distribuição de renda ou com as chamadas políticas sociais.

Ao contrário do que se acredita, a pobreza não é um problema puramente econômico, de falta de crescimento, nem é um problema de falta de oferta eficiente e suficiente de serviços estatais. A pobreza, em sintonia com o que nos disse Amartya Sen, é a falta de capacidade de desenvolver potencialidades e, poderíamos acrescentar, de aproveitar oportunidades.

A CIRCULARIDADE DO ARGUMENTO ECONÔMICO

A crença corrente é a de que pobreza é falta de dinheiro. Segundo essa crença, se dermos dinheiro a uma pessoa, ela diminui o seu nível de pobreza, podendo, inclusive, dependendo da quantidade do dinheiro recebido, deixar de ser pobre. Todavia, por algum motivo, as coisas não funcionam assim em termos sociais. Programas compensatórios de distribuição de renda – como os diversos programas de renda mínima, que hoje fazem tanto sucesso entre nós – não conseguem debelar a pobreza. Diz-se que isso se deve ao fato de a quantidade de dinheiro distribuído ser muito pequena, o que soa razoável e é verossimilhante, porquanto, se distribuíssemos regularmente milhares de dólares para cada família, com certeza não teríamos mais pobres.

Por outro lado (caricaturando um pouco e correndo o risco de tornar primário o argumento), como não temos tais recursos, precisamos gerá-los, por meio do crescimento econômico, do aumento do PIB e, conseqüentemente, do aumento da renda. Mas como se poderá crescer suficiente e duradouramente para que esses recursos estejam sempre disponíveis se o fator responsável pela pobreza foi, exatamente, sempre segundo esse raciocínio, a insuficiência desse crescimento ou a incapacidade de mantê-lo a altas taxas por longos períodos, quer dizer, de torná-lo sustentado?

Em outras palavras. Quem fará e manterá o crescimento suficiente para que, no caso do Brasil, 50 milhões de pobres possam deixar de sê-lo em virtude de terem sido "adotados" pelo Estado?

Países que conseguiram crescer economicamente e manter esse crescimento a altas taxas durante períodos relativamente longos não tiveram de enfrentar tal problema. Ou melhor, para esses países – como os Estados Unidos, o Japão e a Alemanha (Ocidental), e. g. – esse problema não se colocou, ou não se colocou dessa forma. Tais países já partiram, vamos dizer assim, de certo patamar de capital humano e de capital social antes de atingir ou conseguir manter altas taxas de crescimento econômico. Quer dizer, seus altos índices de desenvolvimento social não foram obtidos somente a partir, ou como decorrência, do seu extraordinário crescimento econômico, conquanto, é forçoso reconhecer, tenham sido bastante incrementados e potencializados pelo dinamismo econômico alcançado. Formaram-se, assim, círculos virtuosos, pelos quais o crescimento do capital humano e do capital social possibilitou o crescimento da renda, a qual, por sua vez, realimentou o circuito, incrementando ainda mais o capital humano e o capital social. A formação desses laços de realimentação de reforço constitui, aliás, o fenômeno que mais se aproxima daquilo que chamamos de desenvolvimento.

Um país como os Estados Unidos, que em 1850 possuía em torno de 20% da sua população alfabetizada, não pode ser comparado, em termos de capital humano, a um país como o Brasil, que no mesmo ano não devia ter menos do que 99% de analfabetos! E não há milagre econômico que possa corrigir tal defasagem, empatando um jogo que começou com o placar de 20 x 1. Aliás, esse milagre ocorreu com o Brasil, país que, de 1850 ao final dos anos 70 do século 20, cresceu – se considerarmos a "aceleração", isto é, a taxa de mudança do movimento de crescimento – muito mais do que os Estados Unidos e muito mais do que qualquer outra nação. Não obstante, mantivemos baixíssimos níveis de desenvolvimento social, apresentando também, ao final desse período, a maior defasagem do planeta entre crescimento econômico e desenvolvimento social.

Diz-se que isso ocorreu porque fizemos crescer o produto mas não distribuímos a renda, o que é verdade. Todavia, os que dizem isso em geral atribuem à falta de vontade das elites de implantar políticas de distribuição da renda e a um suposto modelo econômico concentrador toda a culpa pela chamada "dívida social". Mas não conseguem ver que a capacidade de apropriação e multiplicação da renda é função dos níveis de capital humano e de capital social existentes numa dada sociedade.

E com isso voltamos ao problema colocado aqui. Qualquer esforço distributivo que possa ser feito pelo Estado, qualquer novo modelo econômico não-concentrador que possa ser imaginado e implantado pelo melhor governo possível, supondo que existam condições macroeconômicas favoráveis nos âmbitos interno e externo, esbarra na realidade dos índices de desenvolvimento social.

Se os índices de desenvolvimento social – medidos por indicadores de capital humano e de capital social – forem baixos, também será baixa a capacidade das populações de se apropriarem e multiplicarem a renda – ou seja, usar renda para gerar mais renda –, mesmo que essa renda seja transferida compulsoriamente, por meio do aumento do salário mínimo e da elevação legal de outros pisos salariais ou, de modo mais direto, por meio de programas compensatórios estatais de oferta de serviços e da doação, pura e simples, de dinheiro, isso supondo que existam superávits nas contas estatais que possibilitem tal operação, o que não se verifica em virtude do mesmo motivo pelo qual não se consegue crescer a altas taxas duradouramente.

Trata-se, então, de aumentar os níveis de capital humano e de capital social. Muito bem. Mas como se pode fazer isso? Para muitos a resposta está na ponta da língua: seguir o caminho coreano, investindo pesadamente no ensino fundamental e, em seguida, no ensino médio e superior, durante uma ou duas décadas. (Essa resposta se refere, diretamente, apenas ao capital humano, pois, em geral, as pessoas ainda não se deram conta do papel determinante do capital social na criação de ambientes favoráveis ao desenvolvimento).

Embora aparentemente óbvia, essa resposta esbarra na realidade dos países que, como o Brasil, apresentam imensos contingentes de pobres e graus elevados de desigualdade social, numa época de profundas transformações nas relações de trabalho e nos padrões de emprego e de transição para um novo tipo de sociedade – da informação e do conhecimento – que exige força de trabalho cada vez mais qualificada. Por certo, aumentar a cobertura e a qualidade dos programas estatais de educação continua sendo necessário, assim como universalizar os ensinos fundamental e médio, mas tais medidas não serão suficientes enquanto as pessoas forem educadas para empregos que não existem.

Por isso, dizem alguns, é necessário crescer, para gerar mais empregos capazes de absorver o ingresso de novos contingentes de excluídos no mercado de trabalho. Ora, mas como crescer a taxas suficientes (hoje avaliadas entre 5% a 7% ao ano) durante um tempo suficiente (nada menos do que uma década) para aumentar os postos de trabalho que seriam ocupados pelos novos ingressantes, com mais alto nível de escolaridade, provindos de um concentrado, maciço e prolongado esforço educativo feito pelo País? Ou seja, para tal maneira de olhar, predominante ainda entre os policy makers que, de fato, decidem as políticas – i. e., os economistas –, o problema não pode ser resolvido a não ser pela solução única do crescimento. Mas, como vimos, se essa solução fosse possível e viável, não teríamos, do ponto de vista desses mesmos economistas, o problema.

Além disso, como não basta crescer – e nós somos o melhor exemplo disso – para promover o desenvolvimento social, é necessário distribuir a renda. Mas para distribuir a renda num patamar que, supostamente, seja suficiente para promover o desenvolvimento social necessário para sustentar o crescimento é necessário ter um nível de crescimento a altas taxas e mantê-lo durante um certo tempo. A pergunta é: como fazer isso, se o alcance e a manutenção dessas taxas exigem níveis de desenvolvimento social que só podem ser atingidos quando tais taxas forem praticadas por certo tempo?

Repetindo o parágrafo anterior, de outra maneira, a circularidade do argumento econômico é a seguinte: como fazer crescer o PIB a altas taxas, continuadamente e por um tempo suficiente, para que seja possível uma distribuição significativa da renda, se, para tanto, é necessário partir de patamares de capital humano e de capital social que só serão alcançados com um crescimento continuado do PIB a altas taxas?

 


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