Dos poderes e resistências na Sociedade Informacional

 

ABSTRACT

A comunicação intenta refletir sobre a noção de cibernética e as novas configurações de saberes e relações de poder a partir da analítica das noções de ‘real’ e ‘virtual’ nos pensamentos de Jean Baudrillard e Gilles Deleuze, sinalizando, ao mesmo tempo, o agonismo entre ‘comunicação’ e ‘ruído’ como expressões de controle e resistências. 1. Norbert Wiener e Cibernética. 2. Gilles Deleuze. 3. Jean Baudrillard. 4. Sociedade Disciplinar e Sociedade de Controle. 5. O ‘11 de Março’ na Espanha e o Movimento Punk no Brasil.

Palabras clave:

 · ciberespacio
 · filosofía
 · juventud
 · movimientos sociales
 · sociedad de la información

 

As profundas transformações ocorridas a partir da segunda metade do século XX na sociedade ocidental lançaram as Ciências Sociais em uma ‘crise conceitual’ ou, no sentido mais amplo, perante a condição de esfacelamento de seus paradigmas. Categorias como classes sociais – burguesia e proletariado – ou de padrões de civilização como socialismo e capitalismo como referências para a organização da sociedade industrial perderam sua força analítica e explicativa com o esfacelamento da URSS e países aliados e, no mundo ocidental, com a inoperância do neo-liberalismo como matriz de reorganização econômica, franca decadência dos Estados-nação e, principalmente, com a perda da supremacia da indústria como base de organização das relações sociais com o advento das novas e emergentes tecnologias.

O paradigma da ‘sociedade industrial’ que alimentou as matrizes clássicas do pensamento sociológico – Marx, Weber e Durkheim – foi relativizado já em meados da década de sessenta com a explosão de novas resistências de estudantes, hippies, mulheres, ‘minorias’ étnicas e países de "Terceiro Mundo". Os novos "movimentos sociais" expandiram novas modalidades de pensamento, em grande medida antecipatórios da analítica contemporânea de pensadores como Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Michel Foucault talvez tenha sido o pensador mais original do século passado quando, não negando as bases econômicas e tecnológicas de organização da sociedade ocidental, propôs o conceito de "sociedade disciplinar" como critério de entendimento da dinâmica social. A interpretação econômica da sociedade e da centralidade soberana no Estado dá lugar a uma analítica do processo maciço de sujeição de corpos em instituições disciplinares – como a família, o exército, a escola, a fábrica – e a circularidade do poder que se dá de forma ascendente e descendente.

O poder descendente representa para Foucault os micro-poderes que ocorrem no local entre os próprios corpos sujeitados por uma estrutura de vigilância e punição tecida em rede na qual o ‘olhar’ se torna com sua modulação em dispositivo – o panóptico – na principal estratégia de dominação.

O poder ascendente constitui o que Foucault denomina "Biopolítica" ou "Biopoder", isto é, a outra face do poder na sociedade disciplinar, a estratégia de dominação que tem como alvo não o corpo individualizado, mas a população, como um todo, disciplinada por um poder de Estado que, ao contrário do poder soberano, não visa a morte do súdito, mas que mediante políticas públicas sujeita a vida, ou na célebre definição de Foucault, substitui a perspectiva soberana de ‘fazer morrer e deixar viver’ pela noção de dominação mais sutil de ‘fazer viver e deixar morrer’.

Gilles Deleuze, um leitor arguto de Foucault, não deixou passar desapercebido as considerações em "Vigiar e Punir" que sinalizavam a brevidade do modelo "sociedade disciplinar" e considerando as tecnologias surgidas no final da II GM declara que "sociedades disciplinares é o que já não éramos mais, o que deixávamos de ser" (Deleuze, 1992: 220), nos tornando ‘sociedade de controle’.

"Sociedade de Controle" como modelação inebriante dos anéis da serpente substituindo a clausura dos buracos da toupeira, em outros termos, a sujeição dos corpos em instituições de confinamento sendo superada pelo controle em ‘espaço liso e aberto’ por novos dispositivos tecnológicos como o computador, satélites, conexão de redes, "coleiras eletrônicas". A fábrica é substituída pela empresa que não se preocupa mais com os níveis de produtividade, mas com a prestação de serviços, ou nos termos de Paolo Virno e Mauricio Lazaratto, com o ‘trabalho imaterial’ não sujeito a uma quantificação de energias despendidas, nem tampouco materializado como mercadoria no ciclo de produção e consumo.

A cadência ou ritmo da ‘dança dos corpos’ regidos na sociedade disciplinar pela potencialização para a produção econômica e redução ou inércia das energias políticas são abandonados como padrão de partituras envelhecidas de melodias que já não atraem a audição de uma platéia desejosa de andamentos mais velozes:

"Não há necessidade de ficção científica para se conceber um mecanismo de controle que dê, a cada instante, a posição de um elemento em espaço aberto, animal numa reserva, homem numa empresa (coleira eletrônica) (Deleuze, 1992: 224)"

A assinatura que cartografava o corpo como indivíduo nos dispositivos disciplinares e o número de matrícula que indicava sua posição numa massa na biopolítica da sociedade disciplinar são ultrapassados por uma nova anatomia de poder que pulveriza o ‘organismo’ do corpo singular transformado em divíduo, totalidade dispersada no infinitamente divisível de suas partes e a massa metamorfoseada em senha ou cifras de ‘banco de dados’ ou pura informação nos novos dispositivos maquínicos:

"É fácil fazer corresponder a cada sociedade certos tipos de máquina, não porque as máquinas sejam determinantes, mas porque elas exprimem as formas sociais capazes de lhes darem nascimento e utiliza-las. As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas, roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie, máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e, o ativo, a pirataria e a introdução de vírus (Deleuze, ibidem: 223)"

Gilles Deleuze, no entanto, não é um neoluddista que repudia os avanços tecnológicos em prol de um padrão anterior de dominação, ao contrário, funda sua filosofia, na tradição irruptiva de Nietzsche, na afirmação do acontecimento indiferente a classificação da ‘sociedade disciplinar’ e da ‘sociedade de controle’ nas categorias de ‘melhor’ ou ‘pior’; a dominação está presente em ambas como repetição de sujeições, mas também a diferença com a produção de ‘novas armas’ como virtuais para liberalizações.

O acontecimento na perspectiva nietzschiana de Deleuze não se reduz a normalização da história, que o define, classifica e determina seu apodrecimento com a comunicação de seu obituário, mas, desvia-se da história, como Maio de 68, fazendo-se ‘devir em estado puro para ‘criar algo novo’. No entanto, o ‘devir’ é um campo de forças e de disputas, indiferente a fluxos irrefreáveis para uma resolução teleológica principalmente no que diz respeito as tecnologias que se apresentam como processos, a exemplo das ‘produções farmacêuticas extraordinárias, formações nucleares, manipulações genéticas’ que se potencializam como apropriação do ‘infinitamente pequeno’ voltada, na irresolução do agonismo, seja para a ‘replicação’ ad perpetuum da dominação e sujeição, seja para a liberalização da vida na constituição subatômica e cosmológica na própria vida.

A definição da vida como ‘padrão puro de informação’ não é uma determinação subjacente das máquinas informacionais, mas configurada pelas subjetividades que organizaram um novo agenciamento das coisas, das máquinas, da comunicação e das relações sociais: a Cibernética.

De acordo com N. Katherine Hayles a cibernética estabeleceu-se como novo campo do conhecimento no fluxo de tempo da década de quarenta à década de sessenta com os encontros anuais da Fundação Macy que reuniu pensadores e cientistas seminais como Norbert Wiener, John von Neumann, Claude Shannon e Warren McCulloch. Este período é marcado pelo conceito central de homoestase, aplicado igualmente a animais, humanos e máquinas, como base para a constituição de um novo paradigma de uma teoria da informação, providenciada inicialmente por Claude Shannon. Warren McClulloch, por sua vez, providenciou um modelo do funcionamento neural que demonstrava o trabalho dos neurônios como um sistema de processamento de informações. John von Neumann desenvolveu uma análise do código binário e de sua capacidade de produzir dispositivos de autoreplicação, propiciando uma teoria que aproximava a cibernética dos sistemas biológicos e, por fim, Norbert Wiener providenciou a teoria mais complexa permitindo atribuir-se ao paradigma cibernético uma significação cósmica.

A primeira ‘Conferência Macy" sobre cibernética deu-se no imediato pós-guerra, mais precisamente, em 1946, na cidade de New York, e foi marcada por uma profunda interdisciplinaridade com a presença de pensadores de diversos campos como a neurofisiologia, engenharia elétrica, filosofia, semântica, literatura e psicologia, dentre outros. No imenso aporte ao tema central da conferência, o triunfo da informação sobre a materialidade, destacaram-se as intervenções de John von Neumann e Norbert Wiener que a despeito da diferença de conteúdos externaram o mesmo pensamento, isto é, que na equação homem-máquina, a entidade de maior importância não era a energia, mas, a informação:

"O ponto central era como a informação poderia fluir através do sistema e quão rapidamente poderia se mover. Wiener enfatizou o movimento da energia para a informação, indicando explicitamente: ‘A idéia fundamental é a mensagem... e o elemento fundamental da mensagem é a decisão.’ Decisões são importantes não porque produzem bons materiais, mas porque produzem informação. Controle de informação seguido de poder (Hayles, 1999: 52)"

Norbert Wiener foi seguramente o teórico mais importante dessa primeira geração de pensadores cibernéticos, pois elevou a discussão para o campo da analítica da Termodinâmica e da cosmologia refletindo sobre a relação homem-máquina na dimensão do imensamente pequeno das partículas ao infinitamente amplo e universal do fenômeno físico entrópico.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Wiener esteve profundamente envolvido como cientista nos esforços de guerra para, através da cibernética, criar ou aperfeiçoar máquinas destrutivas, precisando radares, automatizando baterias de fogo antiaéreo, projetando torpedos e mísseis teleguiados. No pós-guerra, Wiener assumiu uma postura liberal humanista colocando-se contra a proliferação de armas nucleares, projetos de lobotomia agenciados pelos Estados e, na década de 50, buscando conciliar sua visão cibernética e humanista, alertando a comunidade científica dos perigos da perda de autonomia e liberdade da raça humana pelo mau uso das máquinas e sobre uma possível dominação planetária de uma inteligência artificial.

Os trabalhos iniciais de Wiener são marcados pela experiência de guerra, mas, também, pela perspectiva de construção de um novo paradigma para a sociedade que banisse a possibilidade de um novo conflito de alcance mundial como os registrados nas décadas anteriores. A reflexão de Wiener sobre cibernética não deixou de ser implementada, porém, submetida ao seu ideário liberal para que as máquinas jamais viessem a ameaçar a autonomia e a auto-regulação do sujeito do liberalismo humanista.

Wiener inscreve a cibernética na realidade quântica do ‘caos’ e da ‘ordem’, situando no mesmo patamar a ‘palavra’ e o ‘mundo’, introduzindo, ao mesmo tempo, a ‘informação’ como uma nova categoria de reflexão no campo da Física. De acordo com Wiener a informação é constituída pela mensagem, porém, seguindo os passos de Ferdinand Saussure na lingüística, nega uma referência ou essência íntima da mensagem, situando-a num campo relacional, seletivo e probabilístico com outras mensagens, isto é, concentra-se na transmissão de padrões antes que na comunicação de essências. Para Wiener a linguagem é sempre analógica e sua condição de padrão implica sempre a interpretação do receptor dando significância a mensagem. N. Katherine Hayles refletindo sobre essa distinção entre ‘essência’ e ‘padrão’ e a preferência metodológica de Wiener por esta última, exemplifica o valor heurístico dessa categoria com a participação deste na II Guerra Mundial:

"Considere o ‘previsor’ anti-aéreo que Wiener desenvolveu em colaboração com Julian Bigelow durante a II Guerra Mundial. O prognosticador recebia dados de localização como input (por exemplo, o radar seguindo um avião) e dava, como output, previsões para onde o avião iria. Análises estatísticas eram usadas para encontrar padrões nesses dados, e os dados eram compreendidos como padrões analogicamente relacionados aos eventos do mundo. Assim, percepção, matemática e informação concentravam-se sobre padrões antes que conteúdos. Como os dados movem-se através de várias espécies de interfaces, relações analógicas são os vínculos que permitem que os padrões sejam preservados de uma modalidade a outra. A analogia é assim constituída como um sistema de troca universal que garante que os dados movam-se atravessando fronteiras. É a língua franca de um mundo (re)construído mediante a relação antes que a compreensão de sua essência." (Hayles, 1999: 98)

De acordo com Wiener, o ser humano não é só carne, sangue e ossos, mas, fluxos de informação que uma vez compreendidos permitiriam a criação de máquinas cibernéticas, pois se a memória é o resultado da transferência de padrões de informação do ambiente exterior para o cérebro, tal processo de transferência, teoricamente seria possível de ser implementado entre o humano e a máquina, inclusive as emoções, se forem compreendidas como um epifenômeno do sistema nervoso. Um sistema cibernético homem-máquina estaria apto a responder as mudanças radicais do ambiente, aprendendo com o passado, adaptando livremente seu comportamento as circunstâncias, preservando a estabilidade homoestática e contendo as forças dissipativas da entropia. A analítica de Wiener carrega os pressupostos acumulados em torno do sujeito liberal clássico, mas, inaugura no campo do enunciado discursivo a cartografia das novas orientações societárias que darão gênese ao que Deleuze chama de ‘Sociedade de Controle’ pois, como o próprio Wiener ressalta, a palavra ‘cibernética’ advém da raiz grega ‘piloto’, o homem do controle de uma embarcação diante das vagas tempestuosas nos oceanos.

A análise da relação da Informação com a realidade física, empreendida pela Cibernética representaria, de acordo com Wiener, uma nova teoria universal do conhecimento; após o tratamento dado pela Estatística e a Física Quântica aos fenômenos de micro-escala, a comunicação refletiria e incorporaria os mesmos princípios de incerteza em macro-escala.

Na Era da Informação, a comunicação requer controle em todos os níveis, do mecânico, da termodinâmica ao plano da informação que assegura a expansão do controle para a esfera das relações sociais e, no plano mais geral, a resolução do drama cosmológico entre a ‘ordem’ e o ‘caos’. Neste aspecto, não foi fortuito que na I Conferência Macy, a noção de homeostase – a habilidade dos organismos vivos de manterem estados fixos quando atingidos por ambientes inconstantes – tenha norteado as apresentações nas diversas disciplinas, não raro, retornando ao século XIX para exemplificar a categoria com uma suposta relação harmônica entre o funcionamento da máquina a vapor e a estabilidade dos Estados Europeus.

A Cibernética, aspirada por Wiener, apresenta um paradigma alternativo de construção de saberes, porém, atrelado aos dispositivos de poder que na definição da mensagem como padrão de informação realiza a articulação da analítica do infinitamente pequeno das estruturas moleculares da Física Quântica de Niels Bohr a perspectiva do controle dos macrocosmos da "Teoria dos Campos Unificados" de Einstein.

As noções de ‘real’ e ‘virtual’, na teoria de Wiener, são secundárias em face da informação como categoria que se apresenta, ao mesmo tempo, como ‘materialidade’ no campo visível de um écran de um computador, na esfera macro da relação do internauta com o mundo e, ‘imaterial’ para os órgãos de sensação nas estruturas nanométricas das escalas subatômicas da matéria e das codificações genéticas do DNA.

O ‘material’ e o ‘imaterial’ ou o ‘real’ e o ‘virtual’ não são campos inteiramente excludentes como nos fazem crer as noções intimistas de ‘simulacro’, ‘simulação’ e ‘embuste’ de Jean Baudrillard que postula o ‘fim’ do real diante da ascensão de uma dimensão ‘hiper-real’ na qual o mapa precede o território e as novas gerações co-habitam com um mundo ilusório que é seu solo natural estabelecido por uma construção ideológica que se afirma na estrutura de linguagem que precede a própria existência. Para Baudrillard vivenciamos apenas vestígios do real ou nos seus termos, popularizados pelo filme ‘Matrix", somos circundados pelo "deserto do real", sendo a rua apenas o prolongamento do não-lugar ou lugar virtual do acontecimento que se dissipa na velocidade da profusão das imagens.

A noção de "virtual" em Baudrillard adota a forma, nos termos de Csicsery-Ronay, de "ficção científica teórica" a ponto de afirmar que a "Guerra do Golfo" parecia interminável porque jamais começou ou aconteceu. Baudrillard é apanhado na própria construção teórica do simulacro do qual é criador e da construção do "espetáculo" de néons verdes dos mísseis lançados sobre Bagdá, transmitido mundialmente em tempo real pela CNN, levando-o a crer que na pós-modernidade a guerra real não se efetuaria, dando lugar a guerra fantasmagórica realizada em um espaço abstrato, informático e eletrônico:

"Nós estamos longe do aniquilamento, do holocausto e do apocalipse atômico, da guerra total que serve de imaginário arcaico à histeria midiática. Ao contrário, esta espécie de guerra preventiva, dissuasiva, punitiva, é uma intimação para todos para não chegar aos extremos e infligir a si mesmo o que se inflige aos outros (é o complexo do missionário): a regra do jogo que faz com que cada qual fique aquém de sua potência e não faça a guerra por todos os meios. A potência deve se manter virtual e exemplar, isto é, virtuosa (Baudrillard, 1991: 58)"

A suposta guerra "virtual" e protestante de Bush sênior dá lugar, com o atentado ao World Trade Center em 2001, a uma concessão ao real na teoria de Baudrillard. Os eventos de New York ao mesmo tempo em que radicaliza a situação mundial, radicaliza, de acordo com Baudrillard, a relação entre imagem e realidade. Para Baudrillard se ocorre uma "ressurgência do real" e uma "ressurreição da história" com o terrorismo, isto não significa que a realidade ultrapassa a ficção, pois o próprio princípio de realidade se perdeu no fascínio inicial pela imagem e sua presença primeira a qual é acrescido o horror da violência do real:

"Alguma coisa como uma ficção a mais, uma ficção ultrapassando a ficção. Ballard (após Borges) falava também de reinventar o real como a última e a mais perigosa ficção (Baudrillard,2002: 39)"

A afirmação de Baudrillard de que ficção e realidade são inextricavelmente ligadas não está inteiramente equivocada principalmente no que tange ao desenvolvimento tecnológico contemporâneo e a produção teórica de tecnólogos como Nick Bostrom sobre uploading ou transferência da consciência para uma plataforma computacional; Ray Kurzweil prognosticando o desenvolvimento da inteligência e da vida artificial; Hans Moravec vislumbrando a criação de um robô universal dotado de emoções como novo padrão de evolução pós-darwiniano e nanotecnólogos que se orientando pelo pensamento inicial de Kim Eric Drexler em Engines of Creation , temem a proliferação de nanomáquinas replicantes se apropriando da Biosfera e exterminando a vida.

As possibilidades que são prenunciadas pela nanotecnologia, robótica, engenharia genética e Inteligência Artificial são, juntamente com a Informática, de alcances ilimitados e, em grande medida, a "materialização" da informação como padrão universal das coisas, antevista por Wiener. Não obstante, a possibilidade da articulação de novas modalidades de poder – prenunciadas por Foucault, Deleuze e o próprio Baudrillard – está longe de ser "virtual" como entendido por Baudrillard e possivelmente sem a concordância teórica e pragmática do povo iraquiano atingido pela "guerra real" e pouco protestante de George Bush Júnior.

Do Real e do Virtual

Espanha, 11 de março de 2004.

Após os atentados de 11 de março, o presidente Aznár tenta se reeleger atribuindo a organização ETA a responsabilidade pela ação terrorista. A manipulação de informações é respondida com uma manifestação em frente a sede do partido governamental articulada virtualmente a partir de swormings. José Maria Aznar não é reeleito.

São Paulo, 26 de setembro de 2004.

Nas ruas de São Paulo, principal cidade do Brasil, jovens punks e libertários realizam uma manifestação em frente a prefeitura defendendo o voto nulo nas eleições municipais. A imprensa cobre o evento estampando uma foto de um ‘punk rocker’ na primeira página do dia seguinte, no entanto, na reportagem interior outra foto tomando ¼ da folha exibe um outro jovem punk com a legenda do jornalista comentando-a em negrito: "Zero à Esquerda".

A noção de "virtual" que no pensamento de Baudrillard alimenta uma visão melancólica sobre a configuração da vida social atual, relacionando o evento a imagem e a ideologia da linguagem que produz a "ficção do real" não se correlaciona com a teoria das multiplicidades de Deleuze da relação entre "real", "atual" e "virtual".

O ‘atual’ para Deleuze é rodeado por uma ‘névoa de imagens virtuais’ que são absorvidas ou que reagem sobre ele, formando o impulso total do objeto, isto é, ‘atual’ e ‘virtual’ constituem um ‘plano de imanência’, no qual a própria atualização do ‘real’ pertence ao ‘virtual’:

"A imagem virtual não para de tornar-se atual, como num espelho que se apossa do personagem, tragando-o e deixando-lhe, por sua vez apenas uma virtualidade, à maneira d’A dama de Xangai. A imagem virtual absorve toda a atualidade do personagem, ao mesmo tempo que o personagem atual nada mais é que uma virtualidade. Essa troca perpétua entre o virtual e o atual define um cristal. É sobre o plano de imanência que aparecem os cristais. O atual e o virtual coexistem, e entram num estreito circuito que nos reconduz constantemente de um a outro (Deleuze apud Alliez, 1996: 54)"

O virtual de Deleuze – ao contrário do virtual de Baudrillard que se restringe a uma construção de camadas sobrepostas de ‘miragens – carrega, como parte constitutiva de um plano de imanência, imagens portadoras de potências de transformações e devires. Do mesmo modo, o "virtual" deleuziano não é um conceito articulado a um enunciado discursivo sobre o ciberespaço, pode ser isto, mas é muito mais, pois implica as vontades de potência de criação de devires, de desejos e subjetividades que se voltam para a reatualização do atual como vacúolos que produzem as resistências as estruturas molares de normalização das tecnologias para a reprodução de dominações soberanas.

O virtual é o spatium de manifestação dos vacúolos como acontecimentos que atropelam e passam por todos os componentes da história que procuram cartografá-los para melhor dominar e controlar. O ‘atual’ é reatualizado pela força do virtual que se faz como vacúolos tal como a força de uma imagem que adquire uma potência – afirmação dos jovens punks como movimento de resistência, indiferente ao enunciado discursivo breve e conservador de um jornalista – ou da apropriação das tecnologias como dispositivo de contra-poder do povo espanhol, após o "11 de março", para se confrontar a linguagem como dispositivo de perpetuação de centralidades soberanas insensíveis as afetações e sensações de uma população atingida pelo terror. Talvez, não se trate, como postula Deleuze, de retomar a palavra, a fala e a comunicação, instâncias apodrecidas pelo uso recorrente da dominação, mas, nos atos de resistências nas ruas e no ciberespaço, produzir o RUÍDO que subverte os padrões normativos e de controle da comunicação.

 

Bibliografia

· ALLIEZ, Eric. Deleuze Filosofia Virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.

· BAUDRILLARD, Jean. L’esprit du terrorisme. Paris: Galilée, 2002.

· BAUDRILLARD, Jean La Guerre du Golfe n’a pas eu Lieu. Paris: Galilée, 1991.

· DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.

· FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

· FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 27-09-2004: Caderno Especial, p. 3.

· HAYLES, N. Katherine. How We Became Posthuman: virtual bodies in Cybernetics, literature, and informatics. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.

 


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"Este artículo es obra original de Edivaldo Vieira da Silva y su publicación inicial procede del II Congreso Online del Observatorio para la CiberSociedad: http://www.cibersociedad.net/congres2004/index_es.html"

 

Edivaldo Vieira da Silva
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