Do Projeto de Poder a um Projeto de Governo



 

1. A "Atlântida" do projeto nacional

Mistério insondável parece ser o da "Atlântida" dos projetos de governo do maior partido do Ocidente, atualmente ocupando o governo no maior país da América do Sul. Em algum momento de um passado indefinido, ainda não identificado exatamente pelos guardiães dos registros históricos e das coordenadas geográficas, esse imenso e vibrante continente, rico em idéias mágicas, regurgitando de vontade política e submergido num mar cartorial de projetos nacionais, parece ter-se perdido nas brumas de um cataclismo obscuro e incomensurável. Os vagalhões provocados pelo que deve ter sido uma ruptura fundamental das placas geológicas do projeto de governo permaneceram aparentemente indetectáveis nos sismógrafos dos observadores políticos e com isso a Atlântida do projeto nacional desapareceu da vista dos cartógrafos.

Tudo indica que o projeto de governo, se algum dia existiu, foi tragado pela vitória eleitoral, permanecendo em seu lugar apenas o projeto de poder. Pelo menos foi o que disseram alguns arautos do ancien régime, mas tudo pode não passar de lutas inter-clânicas que não deveriam impedir esse maior partido de apresentar o seu projeto de governo. O curioso é que não faltavam idéias e concepções sobre como deveria ser o projeto nacional. De repente, tudo isso desapareceu e ficamos com a administração do que é possível e uma grande esperança carente de resultados efetivos.

Como isso foi possível? A despeito das diretrizes de governo do primeiro semestre de 2002, dos compromissos prometedores firmados em meados do ano, das propostas medianamente claras enunciadas logo após a vitória, do trabalho de diagnóstico e de sistematização de propostas de toda uma equipe de transição no final desse mesmo ano e de um rico discurso de posse no primeiro dia de 2003, a linha de continuidade entre a conquista do poder e a administração do governo parece ter se rompido em algum ponto desse itinerário, sem que seja possível, agora, ver de modo claro quem cortou o fio de Ariadne ou quem embaralhou as estrelas de Ulisses. Perdido nas profundezas do mar do Estado real – e não aquele imaginado nas pranchetas oceânicas da arquitetura oposicionista ‑ , o projeto de governo, se existente, ainda está tentando alcançar as praias de Ítaca, mas o rumo é indefinido. De fato, o governo navega em sua própria odisséia, sem que se saiba quando e aonde, exatamente, ele quer ou pretende chegar.

Sim, sabemos das linhas básicas do grande plano estratégico: desenvolvimento com inclusão social, mas a carta de navegação — os comandantes antigamente falavam de "derrota", ou seja, curso ou itinerário — aparece com imensos claros de mar bravio e muitas terras incógnitas. Enfim, segundo alguns representantes do ancien régime, por certo maldosos, o partido da reforma tinha um projeto de poder, mas não consegue apresentar um projeto de governo. Será isso verdade?

Seria possível desmentir esses oposicionistas e até mesmo alguns antigos aliados, hoje mais preocupados em redigir manifestos de protesto do que em ajudar a conceber planos de governo? Alguém poderia dizer qual é o projeto de governo da atual maioria e, se for possível, não de forma reativa ou simplesmente circunstancial, mas com base nos grandes princípios de atuação do partido da reforma, naquelas diretrizes de transformação da sociedade brasileira que sempre constituíram sua marca distintiva no panorama político nacional?

Não tenho, nem posso pretender ter, nenhuma pretensão de formular um projeto de governo, seja de encomenda, seja por vontade própria, uma vez que não sou membro nem aspirante a membro de qualquer partido, pretendendo, ao contrário, continuar ostentando minha virtual independência de opinião e julgamento. Mas posso, talvez, tentar alinhar alguns elementos de um eventual projeto de governo, uma vez que sou membro da tribo dos sociólogos, aqueles mesmos que, segundo Mário de Andrade, praticam a arte de tentar salvar rapidamente o Brasil. De resto, como cidadão ativo e (aparentemente) dotado de reflexão própria, partilho muitas das preocupações sociais ostentadas pelo partido da reforma, o que me dá, pelo menos, credenciais intelectuais, digamos assim, para me aventurar em terreno nunca dantes navegado em meus trabalhos de puro onanismo sociológico.

 


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