Recuperação do nitrogênio (15N) da uréia e da palhada por soqueira de cana-de-açúcar (Saccharum spp.)

Desenvolveu-se um experimento com vistas em avaliar a utilização do nitrogênio mineralizado da palhada (¹⁵N) e do nitrogênio da uréia (¹⁵N) aplicada em soqueira de cana-de-açúcar. O experimento foi desenvolvido em campo, num Argissolo Vermelho-Amarelo (Paleudalf), no município de Piracicaba (SP), de outubro de 1997 a agosto de 1998, e constou de quatro tratamentos: (T1) mistura de vinhaça e uréia aplicada em área total sobre o solo coberto com palhada-¹⁵N; (T2) mistura de vinhaça e uréia-¹⁵N aplicada em área total sobre o solo coberto com palhada; (T3) mistura de vinhaça e uréia-¹⁵N aplicada em área total sobre o solo sem a palhada; (T4) uréia-¹⁵N enterrada em sulcos nos dois lados das linhas da cana, com prévia aplicação de vinhaça sobre o solo sem cobertura de palhada. O delineamento experimental foi o de blocos casualizados, com quatro repetições. Comparações de componentes de produtividade da cultura, da acumulação de nitrogênio pela parte aérea e da utilização do nitrogênio da uréia-¹⁵N e do mineralizado da palhada-¹⁵N, foram realizadas entre os tratamentos. O desenvolvimento vegetal deu-se em um ciclo de 315 dias e foi semelhante nas condições com ou sem palhada de cana-de-açúcar. Do nitrogênio total acumulado na parte aérea da soqueira de cana-de-açúcar, 10 a 16 % foi absorvido do fertilizante e, em média, 4 % do N mineralizado da palhada. A eficiência de utilização do nitrogênio da uréia pela soqueira de cana-de-açúcar foi em média de 17 %, não havendo diferenças entre os tratamentos, e o da palhada foi em média de 8 %. O nitrogênio da palhada foi disponibilizado para a planta no final do ciclo da cultura.

Termos de indexação: cana sem queima, mineralização de N, resíduo vegetal, vinhaça.

An experiment was carried out to evaluate how mineralized nitrogen from cane trash and urea nitrogen applied to the soil is utilized by sugarcane ratoon. The field experiment was carried out from October 1997 to August 1998 on a Paleudalf soil in Piracicaba, State of São Paulo, Brazil. Four treatments were established: (T1) application of a vinasse and urea mixture over the whole soil area covered with cane trash-¹⁵N (crop residue); (T2) application of a vinasse and urea-¹⁵N mixture over the entire soil area covered with cane trash (crop residue); (T3) application of a vinasse and urea-¹⁵N mixture over the whole area without cane trash; (T4) urea-¹⁵N buried in furrows on either side of the cane rows, with previous application of vinasse on the soil without cane trash. The experiment was installed in a randomized block design with four replications. Components of crop productivity; accumulation of nitrogen in the aerial part of the sugar cane ratoon; and the crop's use of ¹⁵N nitrogen of urea and of mineralized cane trash were evaluated for each treatment. The plant development occurred in a 315 day cycle and was similar in both conditions, with and without cane trash. Ten-16 % of the total nitrogen accumulated in shots of sugarcane ratoon came from the fertilizer and an average of 4 % was absorbed from the mineralized N of cane trash. Mean efficiency of the utilization of urea nitrogen by sugarcane ratoon was 17 %, with no difference among treatments, and that of the cane trash 8 %. Cane trash nitrogen was available to the plant towards the late crop cycle.

Index terms: green cane, N mineralization, crop residue, vinasse.

No sistema de colheita mecanizada da cana-de-açúcar sem a queima, as folhas, bainhas, ponteiro, além de quantidade variável de pedaços de colmo, são cortados, triturados e lançados sobre a superfície do solo, formando uma cobertura de resíduo vegetal ("mulch") denominada palha ou palhada. Essa cobertura vegetal aumenta a infiltração de água no solo, diminui a erosão e a evaporação, melhora a estrutura do solo e aumenta sua CTC. É, também, fonte de nutrientes para a macro e microflora do solo e para a própria cultura da cana-de-açúcar (Wood, 1991).

A quantidade de palhada de canaviais colhidos sem queima varia de 10 a 30 Mg ha^-1 de matéria seca e, nesse material, o nitrogênio oscila de 40 a 80 kg ha^-1 (Trivelin et al., 1996). As formas de nitrogênio orgânico que constituem parte do resíduo vegetal e que, após mineralização, podem-se tornar fontes de N-mineral para a planta são os aminoácidos livres, proteínas, ácidos nucléicos e nucleotídios (Killham, 1994). A intensidade de mineralização dessa matéria orgânica adicionada na superfície do solo dependerá de diversos fatores, tais como: tipo de solo, teor de matéria orgânica e N-total, relação C:N, tempo de uso dos solos, pH, temperatura, umidade, suprimento de nutrientes inorgânicos e interações solo-planta (Black, 1968; Jansson & Persson, 1982; Myers et al., 1994).

Chapman et al. (1992) utilizaram palhada de cana-de-açúcar marcada com ¹⁵N e observaram que 5 % do N-total da palhada foi recuperado na soqueira de cana-de-açúcar. Ng Kee Kwong et al. (1987) também utilizaram palhada de cana-de-açúcar marcada com ¹⁵N depositada sobre a superfície do solo e verificaram, após 18 meses de permanência no campo, que a recuperação pela cana-de-açúcar foi de 11 a 14 % do N da palhada, representando esses valores menos que 10 % do N acumulado na planta, tendo o restante, 73 a 83 % do N contido na palhada, permanecido na matéria orgânica do solo.

Com relação ao uso do isótopo ¹⁵N em avaliações da eficiência de utilização de fertilizantes nitrogenados (EUFN) aplicados à cultura de cana-de-açúcar, Takahashi (1967) verificou que a EUFN pode variar de 12 a 27 % em soqueiras de cana-de-açúcar. Esses resultados foram confirmados por vários pesquisadores, (Chan & Weng, 1983; Sampaio et al., 1984; Trivelin et al., 1995; 1996). Todavia, para cana-planta, Bittencourt et al. (1986) obtiveram resultados baixos de eficiência de utilização do fertilizante (¹⁵N), em torno de 0,2 a 3 %, e concluíram existir outras fontes de N para a planta, além do fertilizante.

Segundo Hauck (1973), as variações encontradas em experimentos que utilizam a técnica com ¹⁵N dependem não apenas do tipo de solo, espécie de planta, estação de ano, regime pluviométrico, qualidade e tipo do fertilizante empregado, mas também da técnica experimental usada. Por exemplo, o N recuperado de fertilizantes de experimentos em vasos na casa de vegetação revela uma média superior que o recuperado em lisímetros ou campo.

O presente trabalho teve o objetivo de estudar a contribuição da palhada como fonte de nitrogênio para a cana-de-açúcar e verificar possíveis efeitos desse resíduo cultural na recuperação do nitrogênio da uréia aplicada na fertilização de soqueira de cana-de-açúcar, em condições de campo.