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Redução da desigualdade, da pobreza, e os programas de transferência (página 2)

Simon Schwartzman

 

Gráfico 3. Fonte: PNAD 1992-2004, processamento IETS

Analisando estes resultados, Ricardo Paes de Barros, Mirela de Carvalho e Samuel Franco avaliam que 20% da redução da desigualdade se deve aos programas de transferência de renda do governo, e que outros 12% se devem à redução das desigualdades de renda devidas à educação (Barros, Carvalho et al., 2006). Outros fatores que teriam tido impacto seriam o aumento do salário mínimo (8%), aumentando o valores das aposentadorias e dos ganhos dos que recebem salário mínimo, e a redução no desemprego (2%). Somados, estes fatores dariam conta de 42% da redução da desigualdade, ficando mais da metade, portanto, por ser explicada por outros fatores não identificados. Segundo Sônia Rocha, "apesar de o rendimento médio do trabalho ter ficado praticamente estável, a forte expansão da ocupação aliada ao aumento dos rendimentos na base da distribuição foram os principais determinantes para a redução da pobreza e da indigência entre 2003 e 2004. Embora o sistema de previdência e de assistência social, assim como os novos programas de transferência de renda no âmbito do Bolsa-Família tenham contribuído neste sentido, foi o comportamento do mercado de trabalho, como é desejável, o fator fundamental para o aumento da renda das famílias, levando à redução da pobreza e da indigência no período em questão". Esta mudança na distribuição renda ocorreu apesar de o rendimento do trabalho ter decrescido nos últimos anos, após um aumento significativo ocorrido no ocasião do Plano Real.

Gráfico 4.
Fonte: PNAD 1992-2004, Processamento do IETS.
Valores expressos em reais de 2004, deflacionados pelo INPC.

O crescimento do acesso à educação, embora não tenha levado, aparentemente, a um aumento da renda das pessoas, levou a uma redução importante nos diferenciais de renda no mercado de trabalho. Hoje, mais do que no passado, o mercado rejeita as pessoas que não concluíram o ensino médio, que têm os níveis mais altos de desemprego, desde o final dos anos 90; e, ao mesmo tempo, paga menos aos empregados mais educados. Em 1992, bastavam, 7 a 8 anos de educação para obter uma renda correspondente à média do país. Em 1998, eram necessários 9 anos; e, em 2004, mais de 10 anos.

Gráfico 5. Fonte: PNAD 1992, 1998, 2004. Processamento próprio

Gráfico 6. Renda de todos os trabalhos, em relação à renda média de cada ano (media = 100).
Fonte: PNAD 1992, 1998, 2004. Processamento próprio.

Gráfico 7. Fonte: PNAD 1992-2004, processamento do IETS.

Características das famílias segundo a renda5

As famílias do décimo mais baixo de renda familiar per capita são predominantemente da região Nordeste, a maioria dos chefes de família não são brancos, mas pardos e mulatos. As famílias são, em geral, grandes – 4.5 pessoas por família, comparado com 2.5 para os de renda mais alta, e 3.3 para a média nacional. Em sua maioria, as famílias são formadas por casais com filhos presentes. Embora a proporção de homens entre os chefes de família não seja muito diferente da dos demais grupos de renda - cerca de 75% - a proporção de famílias constituídas por mulheres e filhos menores – 8% - é a maior de todas as faixas de renda. Em termos de educação, 34% dos chefes de família são analfabetos, e somente 8.7% concluíram o ensino médio, com menos de 1% tendo freqüentado curso superior. Estas famílias são também, relativamente, mais jovens do que as demais, com os chefes de família tendo ao redor de 40 anos de idade, comparado com 50.3 para os de renda mais alta, e 46.7 anos como média nacional.

Quadro 1. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Quadro 2. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Quadro 3. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Do ponto de vista da ocupação, 83% das pessoas de referência, ou "chefes de família", são economicamente ativos, mas a taxa de desemprego entre eles é a mais alta, de 16.8%, comparada com a taxa de 4.1% para a média dos chefes de família do país. O numero de empregados com contrato de trabalho estável é muito reduzido – 9.8% - o que é compensando por um grande numero de pessoas trabalhando por conta própria, em atividades precárias.

Quadro 4. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Quadro 5. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Padrões de consumo das famílias

A renda monetária detectada em pesquisas como a PNAD é um indicador razoável das condições de vida das pessoas, e os dados de ocupação, educação cor e características das famílias comprovam que, de fato, as diferenças de renda expressam diferenças sistemáticas de condições de vida e de trabalho. Mas há também uma margem importante de erro, que precisa ser tomada em conta quando se usa a renda como critério único para a mensuração da pobreza.

Quadro 6. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Quadro 7. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Os dados mostram que a grande maioria das famílias de renda mais baixa do primeiro décimo vivem em habitações de alvenaria, dotadas de banheiro e servidas pelos serviços públicos essenciais, e mais da metade possuem os eletrodomésticos mais comuns – fogão de duas bocas, TV a cores ou preto e branco, geladeira. Não é uma situação de pobreza extrema, e menos ainda de indigência. O acesso a telefones celular ou fixo já chega a mais de 10%, mas eletrodomésticos como máquina de lavar roupa, freezer e microcomputadores ainda são raros neste segmento, e só atingem valores mais altos nos segmentos mais ricos.

Composição da renda

A principal fonte de renda para todos os segmentos, naturalmente, é a proveniente do trabalho. A segunda fonte de renda familiar é a proveniente das aposentadorias e pensões, que beneficiam sobretudo a metade mais rica das famílias.6 A terceira categoria é a de "juros e outros rendimentos" que, como se sabe, inclui também, na PNAD, rendimentos provenientes de transferências governamentais, como o bolsa família. O que se observa é que os dois grupos de menor renda são os que mais dependem deste tipo de recursos, o que indica uma focalização correta, embora imperfeita, dos programas de transferência de renda. Na média, as famílias dos dois primeiros décimos recebiam 28,0 e 29,4 reais por família por mês de subsídio, respectivamente. No entanto, os décimos 3 e 4, com renda mensal per capita superior a 100 reais, também se beneficiavam do programa, embora em proporção menor.

Quadro 8. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Uma outra maneira de olhar estes dados é observando como a massa de rendimentos de diferentes tipos se distribui entre as famílias de diferentes níveis de renda. Podemos observar que, além de concentrar a maior parte da renda do trabalho, as famílias de maior renda concentram a maior parte de outros tipos de rendimento, que incluem por exemplo aluguéis, e também transferências e juros, que, para estas famílias, devem ser efetivamente oriundos de investimentos financeiros. Por outra parte, pode-se observar que, em valores absolutos, o total de transferências para os três segmentos mais pobres é similar, sendo maior para o segundo segmento do que para o primeiro, decrescendo pouco para os segmentos seguintes. Além disto, o montante de transferências para o segundo décimo de renda, tanto em volume global quanto por família e por pessoa, é maior do que para o primeiro, confirmando a hipótese levantada em outro trabalho sobre a bolsa-escola de que os programas de transferência estão menos focalizados nos segmentos sociais em situações mais extremas de pobreza e isolamento do que normalmente se supõe (Schwartzman, 2005).

Quadro 9. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Gráfico 8. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Gráfico 9. Fonte: PNAD 2004, processamento próprio

Conclusões

As análises sobre a evolução da pobreza e da desigualdade social mostram que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, tanto a pobreza quanto a desigualdade no Brasil vêm se reduzindo ao longo do tempo, com algumas mudanças significativas nos anos mais recentes. As principais causas da redução da pobreza e da desigualdade são a melhoria progressiva do acesso à educação e da disponibilidade e custos reduzidos de alimentos e bens de consumo duráveis. O baixo crescimento da economia nos anos mais recentes tem constituído uma limitação importante neste processo, impedindo que a renda da população aumente. No entanto, o aumento sistemático dos indicadores de consumo, expectativa de vida, educação e condições habitacionais, mesmo quando a economia não cresce, mostra uma redução progressiva das condições de pobreza extrema, ainda que novos problemas tenham também surgido, sobretudo os associados às condições de vida nos grandes aglomerados urbanos. Os dados mostram também o grande peso da distribuição regressiva dos benefícios das aposentadorias e pensões, concentrados nos segmentos de renda media e alta.

As políticas de transferência de renda têm tido algum impacto nestas modificações, mas limitado, tanto pelo pequeno volume dos recursos transferidos para cada família, quanto pela má focalização dos gastos, já que estes recursos são distribuídos tanto a famílias realmente pobres quanto a outras menos pobres, e, além disto, a outras cujo padrão de vida não se expressa com nitidez na renda monetária medida pela PNAD. Uma política que fosse capaz de redistribuir melhor os gastos públicos em aposentadorias e pensões poderia contribuir muito mais para a redução da desigualdade de renda no pais país do que as políticas compensatórias implementadas atualmente.

Um dos argumentos a favor da prioridade que tem sido dada recentemente às políticas de transferência de renda é que elas seriam associadas a condicionalidades, ou seja, à freqüência das crianças à escola, ao atendimento das famílias aos centros de saúde púbica, e assim por diante. Isto seria importante, porque, a médio prazo, as transferências de dinheiro deveriam fazer com que as pessoas deixassem de depender destes recursos. Não há evidência, no entanto, que estas condicionalidades estejam de fato sendo implementadas, e nem há razões para crer que políticas que busquem alterar o comportamento quotidiano das pessoas possam ser dirigidas e comandadas a partir do governo federal, em uma relação direta com as famílias.

De uma maneira geral, chama a atenção que as análises macroeconômicas que buscam estimar o impacto destes programas deixam de tomar em conta as questões relacionadas ao sistema federativo e os problemas associados aos diferentes níveis de implementação dos programas sociais. O governo federal tem condições de redistribuir recursos e estabelecer sistemas genéricos de incentivo, mas muito pouca capacidade de gerenciar ações de nível local. De fato, as evidências disponíveis sobre o programa bolsa-escola mostram que se trata de um programa muito pouco efetivo do ponto de vista educacional, não só pela má focalização (Schwartzman, 2005), como também pela impossibilidade de controlar efetivamente sua condicionalidade mínima, que é o controle de freqüência à escola. Os recursos a ele destinados teriam tido maior impacto se fossem utilizados para fortalecer as escolas e seus vínculos locais e diretos com as comunidades das quais participam. Programas específicos que apóiam ações descentralizadas de governos estaduais, municipais e da comunidade, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, parecem ser muito mais bem sucedidos do que programas genéricos como o da bolsa família. É um tema que precisa ser aprofundado.

Referências

Barros, R. P. E., M. D. Carvalho, et al. Brasil está menos desigual. O Globo, n.30 de janeiro de 2006. 2006.

Beccaria, L. Poverty measurement: present status of concepts and methods. documento preparado para el "Seminar on Poverty Statistics". Santiago: CEPAL 1997.

Hoffmann, R. Aposentadoria e pensões e a desigualdade da distribuição da renda no Brasil. Econômica (Universidade Federal Fluminense), v.5, n.1, p.junho. 2003.

Iets. Tabulações elaboradas pelo IETS a partir da PNAD 1992-2004 (processamento estatístico de Samuel Franco). Rio de Janeiro: Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade. 2005 2006.

Rocha, S. Do consumo observado à linha de pobreza. Pesquisa e Planejamento Economico, v.27, n.2, agosto, p.313-352. 1997.

______. Estimação de linhas de indigência e de pobreza: opções metodológicas no Brasil. In: R. Henriques (Ed.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. Estimação de linhas de indigência e de pobreza: opções metodológicas no Brasil, p.685-718.

Schwartzman, S. As causas da pobreza. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 2004.

______. Education-oriented social programs in Brazil: the impact of Bolsa Escola.

Paper submitted to the Global Conference on Education Research in Developing Countries (Research for Results on Education), Global Development Network. Prague: IETS - Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade 2005.

Notas

1. Agradeço aos comentários e sugestões de André Urani, Gustavo Iochope, João Batista Araújo e Oliveira, Rodolfo Hoffmann e Sônia Rocha à primeira versão deste texto.

2. Há um ligeiro aumento da renda média do trabalho principal entre 2003 e 2004, de 635 para 640 reais mensais, que não chega a compensar a queda havida desde 2001, quando era de 704.

3. Nesta tabulação estão incluídos os dados da zona rural da região Norte, que começam a ser pesquisados a partir da PNAD 2004. Para as séries comparativas, no entanto, estes dados foram excluídos. Veja a nota seguinte sobre a estimativa da renda domiciliar per capita.

4. Este índice se refere à renda familiar per capita, com as correções elaboradas por Samuel Franco para o IETS. São excluídos os domicílios coletivos e as pessoas que não pertencem ao domicílio (empregado doméstico, pensionistas e parentes do empregado doméstico). Além disso, essa renda possui 2 ajustes.

Um que aumenta em 25% as rendas de transferências, para corrigir subestimações da PNAD. O outro é o aluguel imputado que aumenta em 15% a renda dos domicílios com casa própria (paga ou pagando). Por último, foram eliminados os domicílios onde algum de seus membros omite qualquer uma de suas rendas.

5. Todos os dados de processamento próprio, nesta seção e seguintes, se referem a décimos de renda familiar per capita de 2004, calculados de forma simples, sem as correções feitas no processamento das séries temporais do IETS.

6. A aparente distorção da elevada proporção da renda de aposentadoria e pensão no sexto décimo de renda se explica pelo fato de que, neste nível, se acumulam as pessoas que recebem aposentadorias de um salário mínimo. Nota Rodolfo Hoffman, em comunicação pessoal, que "na PNAD de 2004 1,85% das pessoas tem renda domiciliar per capita igual a um salário mínimo. Tanto o percentil 58 como o 59 são iguais a 260. Grande parte dessas pessoas são idosos formando domicílios de 1 ou 2 pessoas com renda exclusiva de aposentadoria e/ou pensão, de maneira que a renda domiciliar (ou familiar) per capita é igual a um salário minimo. É isso que faz com que no sexto décimo a proporção da renda proveniente de aposentadorias e pensões seja mais elevada" (Hoffmann, 2003). Veja também o Quadro 2, acima.

Simon Schwartzman
simon[arroba]schwartzman.org.br
http://www.schwartzman.org.br/simon



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