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Relação entre enxaqueca, Diabetes Mellitus e exercício físico (página 2)

Lucyr J. Antunes

2. CASUÍSTICA E MÉTODO

Este estudo, em nível ambulatorial, foi conduzido em dois grupos.

Grupo 1: 100 diabéticos, sendo:

- 50 do tipo 1, congênita, (19 homens e 31 mulheres), com a idade variando entre 18 e 75 anos (Média = 35,6 anos);

- 50 do tipo 2 (16 homens e 34 mulheres), com a idade entre 32 e 90 anos (Média = 58,8 anos). O tempo de doença foi muito variável, sendo que a maioria a descobriu por acaso, em exame de rotina ou em busca de diagnóstico para queixas diversas.

Grupo 2: controle - formado por 100 pessoas voluntárias (31 homens e 69 mulheres), com a idade variando entre 18 e 76 anos (Média = 36,6 anos), sem dibetes mellitus ou qualquer doença aparente.

Realizou-se a pesquisa com base em um questionário composto pelos itens relacionados a seguir.

- Diabetes: classificação em tipo 1 ou tipo 2, uso de medicamentos para o controle dessa doença, regularidade com que foram seguidas as recomendações médicas (dieta e medicamentos), segundo os próprios relatos dos doentes;

- Enxaqueca: o presente trabalho seguiu o seguinte critério para a avaliação de enxaqueca: presença de cefaléia de forte intensidade, acompanhada de, pelo menos, duas das seguintes manifestações: náuseas, vômitos, alterações visuais, fotofobia, fonofobia, mal-estar e alterações do sono. O desencadeamento da cefaléia por algum tipo de medicamento, também foi pesquisado. Os critérios de melhora ou piora da enxaqueca foram verificados pelos relatos dos pacientes.

- Diabetes x enxaqueca: perguntou-se a relação entre a enxaqueca e o diabetes quanto à melhora ou piora na duração, freqüência e/ou intensidade dos sintomas e a relação dessas mudanças com o tratamento.

Exercício físico: investigou-se a prática de esportes, data de início, freqüência, tipo de exercício, sua regularidade e intensidade, bem como sua relação com a enxaqueca.

Os resultados foram comparados pelo teste do qui quadrado. Foram consideradas significativas as diferenças superiores aos níveis de P < 0,05.

3. RESULTADOS

A enxaqueca esteve presente em 28% dos pacientes do grupo-controle e em 25% dos diabéticos (32% tipo 1 e 18% tipo 2). Em ambos os grupos, a enxaqueca predominou em mulheres (Tabela 1).

Entre os 16 diabéticos tipo 1 com enxaqueca, observou-se que:

- 10 pacientes iniciaram os episódios de enxaqueca após o diagnóstico do diabetes;

- dois tiveram aumento do número de episódios de enxaqueca, com piora de sua intensidade após o estabelecimento do diabetes;

- dois pacientes não souberam informar a relação da enxaqueca com o diabetes;

- um melhorou a enxaqueca após o diagnóstico do diabetes;

- um não apresentou alteração nos episódios de enxaqueca.

Entre os nove diabéticos tipo 2 com enxaqueca, observou-se: - dois melhoraram a enxaqueca após o diagnóstico do diabetes;

- três constataram aumento do número de episódios de enxaqueca com piora de sua intensidade;

- três não perceberam mudanças nos episódios de enxaqueca com o advento da doença;

- um não soube informar a relação da enxaqueca com o diabetes.

Nos dois grupos de diabéticos, 14 pessoas seguiram corretamente as orientações médicas de dieta e medicação:

- quatro apresentaram piora dos episódios de enxaqueca após o início do tratamento do diabetes;

- oito iniciaram as crises após o diagnóstico e tratamento do diabetes;

- um apresentou melhora após o início do tratamento;

- um não apresentou alteração.

Nove pessoas não seguiram rigorosamente as recomendações médicas: - três apresentaram melhora das crises;

- com cinco não ocorreu alteração do quadro anterior;

- três relataram piora das crises após o início do tratamento.

Quanto à prática de esportes, 29 pessoas normais e 38 diabéticos exercitaram-se regularmente (Tabelas I e II). Essas tabelas mostram a freqüência de enxaqueca entre os que praticam esporte.

No grupo-controle a maior proporção dos que praticavam esporte era de homens (45,2% contra 21,7% de mulheres). A caminhada foi o esporte mais praticado (16 pessoas), sendo que cinco delas apresentaram enxaqueca. Os outros esportes mais praticados foram: natação (6), musculação (3), corrida (4), ginástica (1), peteca (1) e ciclismo (1). Desses, somente um, que praticou musculação, tinha enxaqueca.

Quanto às 71 pessoas que não praticavam esporte, 22 relataram a presença de enxaqueca.

Entre os diabéticos tipo 1, não houve diferença entre a proporção de homens e mulheres que praticavam esporte. A caminhada também foi o exercício mais praticado: 20 doentes, dos quais sete relataram enxaqueca.

Os outros esportes foram: futebol (3), natação (1), este com enxaqueca, luta(1) e vôlei (1), sendo que nenhum desses apresentou enxaqueca. Por outro lado, entre os diabéticos do tipo 2 a maior proporção dos que praticavam esporte foi de mulheres (38,2% contra 18,7% de homens).16 praticaram caminhada e uma, ginástica. Nenhum deles queixava de enxaqueca.

Em resumo, quanto à relação entre enxaqueca e exercício físico, observou-se que dos 38 pacientes diabéticos que praticavam esportes rotineiramente, apenas 20,5% apresentaram enxaqueca, enquanto que, dos 60 diabéticos que não faziam exercício físico, 30% relataram esse quadro. No grupo-controle, os achados foram proporcionalmente os mesmos: das 71 pessoas normais com vida sedentária, 31% apresentaram enxaqueca. Entre os 29 indivíduos que praticavam esporte regularmente a taxa de enxaqueca foi de 20,7%.

4. DISCUSSÃO

Este estudo mostrou uma frequência de enxaqueca semelhante entre as pessoas do grupo-controle e os diabéticos tipo 1. Já nos diabéticos tipo 2, a incidência de enxaqueca foi menor. Se forem comparados os dois grupos de diabéticos, observa-se que a grande maioria dos diabéticos tipo 1 pioraram a enxaqueca antes existente ou iniciaram os episódios de enxaqueca após o diagnóstico do diabetes. Já nos diabéticos tipo 2, em aproximadamente metade deles, a enxaqueca melhorou e na outra metade ela piorou.

Observa-se, ainda, que a maioria dos pacientes que seguiam o tratamento, mantendo, presumivelmente, seus níveis glicêmicos próximos ao normal, referia piora das crises de enxaqueca ou revelava seu aparecimento.

Já na maior parte dos pacientes que não seguiu as orientações médicas, mantendo provavelmente sua glicemia mais alta, as crises de enxaqueca melhoraram ou não apresentaram alteração do quadro.

Não se pode afirmar que a enxaqueca esteja diretamente relacionada ao nível de açúcar no sangue, mas sabe-se que a glicemia afeta o sistema nervoso autônomo, que, por sua vez, controla o tono vascular(5,6,11). Como a enxaqueca é uma cefaléia de origem vascular, a glicemia poderia, eventualmente, influenciála (1,2,11). É muito importante ressaltar que as crises de enxaqueca reduzem com o avançar da idade, tanto em freqüência, quanto em intensidade. Portanto, é possível que esse fato tenha contribuído para a melhora, na clínica da enxaqueca, de alguns pacientes de nossa casuística. No presente trabalho, não foi realizada associação dos dados avaliados com a faixa etária.

Com relação ao exercício físico, é sabido que ele oferece inúmeros benefícios a quem o pratica.

Dentre esses, estão a prevenção de distúrbios cardiovasculares e a redução da obesidade, que agravam o diabetes(7,9). No entanto, considerando que foram selecionados apenas os pacientes que se enquadravam como portadores de enxaqueca, e eles não relataram crises durante o exercício, poder-se-ia pressupor que a prática de atividade física esteve relacionada a um alívio do quadro clínico. Segundo alguns autores, o exercício físico vigoroso seria um método eficaz de prevenir ou aliviar crises de enxaqueca. No presente trabalho, observou-se esse fato, já que as crises de enxaqueca foram mais comuns entre os praticantes de caminhada do que entre os que praticantes de esportes mais vigorosos como corrida, natação e ginástica, apesar de esse dado não ser estatisticamente significativo.

Observou-se, ainda, que nenhum paciente diabético tipo 2, que realizou exercício, desenvolveu enxaqueca, levando a crer que, nesse grupo, mesmo exercícios mais leves, como a caminhada, seriam capazes de prevenir as crises.

5. CONCLUSÕES

Na presente pesquisa, a enxaqueca foi menos freqüente em diabéticos tipo 2 do que nos tipo 1 e nas pessoas normais. Exercícios físicos mais vigorosos associaram-se a menor presença de enxaqueca em diabéticos tipo 1 e pessoas normais. Nos diabéticos tipo 2, o exercício, mesmo leve, parece ser capaz de prevenir a enxaqueca. As mulheres apresentaram mais enxaqueca do que os homens, independente ou não da prática de exercício físico. Novas pesquisas em pacientes diabéticos e com enxaqueca são necessárias para entender melhor a influência da glicemia nesse quadro e esclarecer a relação entre prática de exercício físico com a glicemia e conseguinte enxaqueca.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Hospital Universitário São José, Ambulatório da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Hospital das Clínicas da UFMG, Santa Casa de Misericórdia, Instituto Mineiro de Nefrologia, todos em Belo Horizonte, além do Grupo de Diabéticos de Araxá pela cooperação em permitirem as entrevistas com os doentes.

Somos gratos também ao CNPq e à FAPEMIG pelo apoio financeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2 - BURN WK; MACHIN D & WATERS WE. Prevalence of migraine in patients with diabetes. Br Med J 289: 1579-1580, 1984.

3 - DANDONA P; JAMES IM & BECKETT AG. Prevalence of migraine in patients with diabetes. Br Med J 290: 467-468, 1985.

4 - ADAMS RD, VICTOR M & ROPPER AH. Headaches and other craniofacial pains. In: ADAMS RD; VICTOR M & ROPPER AH. Principles of neurology. 6th ed. Mc Graw Hill, New York, p. 167-193,1998.

5 - BASOGLU T; OZBENLI T; BERNAY I; SAHIN M; ONUR A; DEMIRCALI AE; COSKUN C & ONEN T. Demonstration of frontal hypoperfusion in benign exertional headache by technetium- 99m-HMPAO SPECT. J Nucl Med 37:1172-1174, 1996.

6 - SILBERT PL; HANKEY GJ; PRENTICE DA & APSIMON HT. Angiographically demonstrated arterial spasm in a case of benign sexual headache and benign exertional headache. Aust N Z J Med 19: 466-468, 1989.

7 - VAN GJ. Relief of common migraine by exercise. J Neurol Neurosurg Psychiatry 50: 1700-1701, 1987.

8 - GARCIA AE; CABRERA F; TEJEIRO J; JIMENES JFJ & VAQUERO A. Delayed postexercional headache, intracranial hypotencion and racket sports. J Neurol Neurosurg Psychiatry 40: 367-372, 1992.

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10 - STOICA E & ENULESCU O. Catecholamine response to exercise in migrane . Rom J Neurol Psychiatry 32: 21-27, 1994.

11 - WASSERMAN DH & ZINMAN B. Exercise in individuals with IDDM . Diabetes Care 17: 1732-1733, 1994.

Recebido para publicação em 08/06/2000 Aprovado para publicação em 30/11/2000

Andy Petroianu1; Ana Rita da Glória Soares2; Cibele Grossi Rocha3; Cristiane de Mattos Souza4; Florença de Aguiar Cardoso5 & Marilene Lucinda Silva6
petroian[arroba]medicina.ufmg.br

1. Docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG; Docente Livre da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia; Pesquisador IA do CNPq.
2. Médica Residente de Clínica Médica.
3. Bolsista da FAPEMIG; Médica Residente de Neurologia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte.
4. Médica.
5. Médica.
6. Médica; Residente de Clínica Médica do Hospital Belo Horizonte.
CORRESPONDÊNCIA: Prof. Andy Petroianu. Avenida Afonso Pena, 1626 - Apto.1901 - CEP 30130-005 - Belo Horizonte, MG. Fone / FAX: (31) 274-7744.



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