Relações centro-periferia: o caso da autonomia universitária

Enviado por Simon Schwartzman


João Batista Araújo e Oliveira e Simon Schwartzman

Estudos e Debates (Brasília, Conselho de Reitores), nº 3, 1980, 133-143. Publicado no Jornal do Brasil, 2 de dezembro de 1979.

Os dois modelos

As relações entre o centro e a periferia de grandes sistemas organizacionais, como é o sistema de Universidades federais brasileiras, podem ser vistas a partir de dois modelos extremos e alternativos: no primeiro caso, a direção do fluxo de decisões, informações e controle fica centralizada; no outro, os órgãos periféricos são muito mais do que agentes, delegados ou instituições de base: eles, de fato, adquirem capacidades de auto-regulação, auto-controle e uma apreciável dose de autonomia e adquirem condições mesmo de se opor às diretrizes do centro.

A questão da autonomia e descentralização administrativa não é um mero problema burocrático e administrativo, mas tem implicações bastante importantes em relação a possíveis transferências de centros de poder. Aos problemas conceituais de demarcação de novos limites entre a organização e o ambiente, de um lado, e a organização dentro de uma rede inter-organizacional, por outro, somam-se as peculiaridades do processo político. A viabilização de formas conceituais esbarra, assim, num problema não totalmente novo, mas, sem dúvida, mais complexo, em termos de planejamento estratégico, em que o desafio consiste em procurar "delinear políticas aceitáveis para todos os participantes, embora possivelmente mais vantajosas para alguns" (Lindbloom, 1977, p. 323).

No presente trabalho, procuraremos delinear as características, vantagens e desvantagens do modelo centralizado de administração universitária; e discutiremos, a seguir, as possíveis implicações de uma possível autonomização dos órgãos periféricos, isto é, as Universidades e Escolas Isoladas Federais. Finalmente, delinearemos algumas possibilidades, a nível conceitual, de uma mudança nessas relações, sem perder de vista o ambiente político circundante, os limites de qualquer estratégia planejada.

Vantagens e Desvantagens do Modelo Centralizado

O cerne do problema da centralização reside na preocupação com o controle adequado dos recursos face aos resultados esperados. Na prática, a ênfase, nos resultados, cede lugar a preocupações mais formais.

No caso das Universidades brasileiras, embora seja difícil avaliar o quanto de autonomia elas detinham efetivamente, antes de 1964, elas seguiram o padrão mais geral verificado no País: centralização de recursos, poder e decisão. A centralização ocorreu não apenas na relação Governo Federal (MEC) com cada Universidade. Internamente, pelas incorreções e deturpações da Reforma Universitária implementada a partir de 1968, as burocracias proliferam em tomo das Reitorias, que também se tomaram mais poderosas e organizacionalmente mais bem equipadas, para lidar com os fluxos de informação e de recursos.

As conseqüências do modelo centralizado constituem-se em experiência geral comum a todos os países e em diversos tipos de instituições. No geral, o que mais se nota é a incapacidade das burocracias centrais exercitarem suas funções de coordenação, em prejuízo visível de seus objetivos.

No setor universitário, ocorreu um fenômeno interessante; enquanto as Universidades eram muito pequenas e a demanda reduzida, fora possível uma aliança forte entre o pequeno número de burocratas do poder central os professores, que dividiam entre si as esferas de atuação e de poder. Dessa forma, um alto grau de uniformidade curricular, estrutural, de pessoal e critérios de seleção e admissão pôde conviver com o estabelecimento de padrões e mecanismos colegiados de aferição de qualidade do trabalho acadêmico. Isso ocorreu em países como a França, Itália, Alemanha Oriental e Polônia, entre outros. O acesso de grupos cada vez maiores, no entanto, e o crescimento de camadas intermediárias de poder e pressão (os comitês de direção, os burocratas das próprias instituições universitárias, etc.) levaram ao enrijecimento desse sistema, ora já em revisão em muitos países. (Clark, 1978).

A crise universitária que eclodiu por volta de 68, em vários países. e que abalou profundamente a idéia mesma daquela instituição, oferece lições de particular interesse para o nosso caso: ela demonstrou, entre outras coisas, a incapacidade daquelas estruturas uniformes de se antecipar e reconhecer dramáticas mudanças no ambiente, adaptando-se para absorvê-las, acomodá-las ou a elas responder. Os prejuízos causados sobretudo à pesquisa universitária não são fáceis de se avaliar, embora, em diversos países, também se discutam os efeitos sobre a baixa na qualidade do ensino. Ademais, as conseqüências causadas pelas rigidez de formatos organizacionais uniformes não são impunes, já que a equalização de carreiras, critérios e mecanismos de alocação de recursos cria custos futuros que tomam o uso dos recursos cada vez mais restrito e inflexível.

As vantagens apregoadas da centralização se referem sobretudo aos conceitos de eficiência, economia, controle, eqüidade e igualdade de oportunidades. Eficiência e economia, indubitavelmente, podem advir de economias administrativas de escala, como está fartamente documentado na literatura. Aliadas aos aspectos positivos do controle centralizado, que permitiram, inclusive, um reaparelhamento e modernização da máquina burocrática central, a eficiência e economia, em princípio, podem constituir-se em passos importantes para uma racionalidade administrativa. É preciso não esquecer, no entanto, que a realidade organizacional nem sempre se curva aos princípios e regras do jogo burocrático. Pfeffer e Salancik (1978) mostraram como a alocação de recursos dentro de Universidades, no caso americano, é influenciada pelo poder real e pelo poder percebido dos departamentos mais fortes: em última instância, as regras se acomodam ao poder.

Quanto ao conceito de eqüidade e igualdade de oportunidades advindas de um sistema burocrático impessoal e com regras gerais comuns, é preciso observar que, na realidade, hoje já é importante distinguir entre a oportunidade de entrar, de se manter, e de se graduar numa instituição universitária. Nem mesmo a seletividade sutil do sistema educacional francês, por exemplo, consegue esconder o fato de que da já reduzida parcela da população que conclui o "baccalauréat." Com sucesso, pouco mais de 5% alcançam, efetivamente, a Universidade: esta, de "livre" acesso, reduz, ainda mais drasticamente, o alunado do final do primeiro ano, sem os desconfortos de um sistema público de vestibular...

Em termos mais específicos, a centralização das Universidades, no caso brasileiro, levou a uma extrema dependência financeira e orçamentária; ao excesso de ritualismo e formalismo na disciplina dos currículos e mecanismos de titulação; a uma uniformidade organizacional, quiçá desnecessária, entre as diversas Universidades, a par dos problemas diferenciados que encontram em suas regiões; a um rígido sistema de carreiras - esse ainda mais vinculado às amarrações do órgão central controlador de pessoal; a critérios de seleção e oferta de vagas que dependem de decisões de conselhos superiores externos a própria instituição.

Quanto aos efeitos positivos do modelo centralizador, eles se fazem sentir diferentemente de acordo com os beneficiários potenciais: o arranjo desses diversos grupos e suas preferências será objeto de análise posterior.

 


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