Tecnologia e Sociedade: a Internet como utopia

 

 

ABSTRACT

Ensaio de interpretação dos usos e do sentido da tecnologia na sociedade, fazendo algumas verificações sobre a sua aplicabilidade no caso da Internet. Num primeiro momento examina o significado do medium na visão de McLUHAN (1967) e seu papel na evolução sociocultural, segundo RIBEIRO (1975). Em seguida, discute-se a Internet, examinando-se o seu princípio comunicacional, suas possibilidades, as expectativas que gerou, em contaste com a realidade de sua implementação. Concluindo, argumentamos que a Internet parece ter um papel social semelhante ao das tecnologias anteriores, enfatizando sua importância e a necessidade de sua crítica.

 

I. CONHECIMENTO E TECNOLOGIA

Em 2004 completa 40 anos a publicação de "Understanding Media", de Marshall McLuhan, obra na qual propôs que os meios são extensões do homem, assim como a roda é extensão do pé; a roupa, extensão da pele, etc., uma interpretação que se hoje é corriqueira, constituía uma visão extremamente nova em 1964. Corroborando a concepção do teórico canadense, McFARLANE e MARTIN (2004) relacionam o grande desenvolvimento da ciência na Europa nos séculos XVI a XVIII ao desenvolvimento da vidraria européia. O vidro teria transformado a relação total do homem com o mundo natural, e até consigo próprio, na medida em que privilegiava a visão sobre a memória, sugerindo os conceitos novos de prova e de evidência. O estudo que os autores desenvolveram revelou como o vidro ajudou a acelerar a aquisição de conhecimento sobre o mundo natural, por meio de novos instrumentos científicos como microscópios, telescópios, barômetros, termômetros, retortas, tubos de ensaio e outros. Os autores tomaram ao acaso vinte famosos experimentos que mudaram a ciência, como a descoberta dos elétrons por Thomson, o trabalho de Faraday's com a eletricidade e a decomposição da luz branca por Newton utilizando um prisma, e descobriram que quinze desses experimentos não poderiam ter sido realizados sem instrumentos de vidro. Embora essa interpretação possa ser acusada de reducionista, é inegável que a Biologia, por exemplo, só passa a existir como nós a conhecemos hoje, a partir do microscópio de Robert Hook e não seria possível o desenvolvimento da Cosmologia sem as lentes e espelhos dos grandes telescópios.

Essa valorização histórica da tecnologia do vidro pode ser lida de forma mcluhaniana: o desenvolvimento da ciência se dependeu em grande parte de aparelhos que são extensões dos sentidos, em particular a visão. São próteses que ampliam as capacidades humanas: o telescópio é uma prótese do olho, que permite ver mais longe, da mesma forma que o microscópio, que permite ver estruturas muito pequenas. Generalizando, o desenvolvimento científico seria viabilizado por um sem número de próteses desse tipo, que amplificam o alcance de nossos sentidos, exponenciando as potencialidades inatas dos seres humanos.

Tudo teria começado, metaforicamente, quando o primeiro hominídeo, para alcançar uma fruta na árvore usou uma vara, fazendo dela a primeira prótese (extensão do braço). Esse ato provável teria criado a primeira tecnologia que, embora rudimentar, supostamente tornou esse indivíduo mais apto que os demais para colher frutas e, portanto, produzir alimentos. Desde então, a tecnologia tem realizado essa tarefa de nos tornar mais produtivos, mais fortes, enxergando mais longe, fazendo as tarefas mais rapidamente, resolvendo problemas mais depressa, etc. Ou seja, a tecnologia se tornou nosso modo de ser, nossa segunda natureza, a que chamamos cultura. Darci RIBEIRO (1975), no seu estudo das etapas da evolução sociocultural documentou minuciosamente como os processos civilizatórios, que nos trouxeram das comunidades de caçadores e coletores até a sociedade moderna, se basearam no que ele denominou revoluções tecnológicas:

"Empregamos o conceito de revolução tecnológica para indicar que a certas transformações prodigiosas no equipamento de ação humana sobre a natureza, ou de ação bélica, correspondem alterações qualitativas em todo o modo de ser das sociedades eu nos obrigam a tratá-las como categorias novas dentro do continuum da evolução sociocultural. Dentro desta concepção, supomos que ao desencadeamento de cada revolução tecnológica ou à propagação de seus efeitos sobre contextos socioculturais distintos, através dos processos civilizatórios, tende a coresponder a emergência de novas formações socioculturais (RIBEIRO, 1975, p. 34).

 

Poderíamos, pois conceber a tecnologia como o desenvolvimento de extensões (próteses) que amplificam a produtividade humana na intervenção na natureza, distinguindo-a do conhecimento científico como as teorias e modelos explicativos dos fenômenos. O conhecimento científico tem tido como locus a universidade, sendo disseminado pelos pesquisadores, através de periódicos e eventos, pois um dos critérios de sua validação é a publicidade, que garante a possibilidade de sua crítica pelos pares ou consenso dos especialistas.

Afirma-se, algumas vezes, que a tecnologia seja o conhecimento científico aplicado, mas essa concepção não é totalmente verdadeira. Assim, a máquina a vapor foi inventada no século XVIII e disseminou-se antes da formulação das leis da termodinâmica, que supostamente seriam necessárias para entender o seu funcionamento. Alguns medicamentos são usados sem que se conheça exatamente o mecanismo de sua ação no organismo. Muitas descobertas ocorrem casualmente. A lista de exemplos é interminável.

Ao contrário do conhecimento científico, o espaço da tecnologia é a empresa. Ela é o conhecimento aplicado, tem um corte pragmático, imediatista e interessado. Ao invés de se divulgar na comunidade, ela é mantida em segredo (os segredos industriais e profissionais), protegida por direitos (propriedade intelectual), patentes, registros. Essa barreira de restrições visa a garantir a exclusividade do fabricante, dando a ele uma vantagem relativa no mercado. Com procedimentos legais acordados internacionalmente, estabelece-se o acesso diferencial à tecnologia, o qual, aliado a outras circunstâncias, como o capital, os cartéis, as marcas, o marketing, participa do processo responsável pelas desigualdades de classe e internacionalmente pelo gap de desenvolvimento entre as nações. RIBEIRO (1975) vê países desenvolvidos e subdesenvolvidos atuais como pólos complementares dentro de um mesmo sistema, no qual as sociedades detentoras da tecnologia mais avançada buscam perpetuar suas posições relativas em suas relações simbióticas com as demais.

Ao longo dos séculos XIX e XX, o conhecimento tecnológico e científico se aliou ao capital, concentrando-se geograficamente em certas partes do planeta e tornando as demais regiões fontes de matérias primas e suas sociedades mercados consumidores. É possível concluir que é mais vantajoso disseminar os frutos do desenvolvimento do que as suas sementes. O próprio processo de concentração do conhecimento nos países capitalistas centrais acelera novas reconcentrações, aumentando o intervalo que os separa dos países periféricos. As sucessivas ondas de inovação tecnológica elevam progressivamente o patamar, de modo que os mercados da periferia estão sempre defasados em seus modestos avanços e dependentes de peças, softwares, upgrades. Os consumidores sentem que se beneficiam com novos bens, que passam a fazer parte de sua cesta, mas estão sempre na ponta dos compradores, de modo que o gap se perpetua. Por esse processo, a sociedade do conhecimento, no contexto dos mercados, implica uma assimetria crescente entre o centro e a periferia, instaurada pelas vantagens comparativas dinâmicas criadas pela tecnologia, fortemente concentrada e protegida por diplomas legais, em âmbito nacional e internacional.

Em termos econômicos, a tecnologia é uma modalidade mais valorizada de conhecimento, pelo lucro que pode representar. Em termos sociais, a ciência é uma esperança de superação dos problemas, de diminuição das injustiças, embora muitas vezes isso possa depender também da tecnologia, com suas respostas de curto prazo.

São, pois, duas modalidades de conhecimento, freqüentemente confundidas, mas cujas trajetórias sociais são distintas. No entanto, ciência e tecnologia intercambiam suas propriedades constantemente: a tecnologia se beneficia do repertório científico, enquanto a ciência necessita cada vez mais de dispositivos e materiais, instrumentos e ferramentas que a tecnologia produz.

 

II. A UTOPIA

"Com o advento da tecnologia elétrica, o homem prolongou, ou projetou para fora de si mesmo, um modelo vivo do próprio sistema nervoso central." Marshall McLuhan (1967, p. 61)

 

Em termos de tecnologia da comunicação, a Internet parece realizar a visão de McLuhan, de um sistema nervoso planetário e cooperativo. A rede de computadores, projetada na década de 60 em círculos de pesquisa militares, foi aberta ao público ao longo das décadas de 80 e 90, como resultado do fim da guerra fria, exponenciando as potencialidades dos computadores pessoais tão logo eles são conectados.

A Internet se distingue radicalmente dos meios anteriores pelo princípio de sua forma de disseminação da informação (SOARES, 2004). O princípio ancestral é o meio estacionário, representado por monumentos, palácios, obeliscos, estátuas gigantescas, estelas, templos, inscrições monumentais. É característico das civilizações da Antiguidade, simbolizando por meio de seu colossalismo, o poder das realezas, a origem divina da aristocracia, a enorme distância social desta em relação ao povo.

Em seguida, há os meios de distribuição, que fazem a entrega a um conjunto de assinantes ou de compradores das informações veiculadas por veículos múltiplos, como os produtos da imprensa, jornais e revistas e com o filme cinematográfico. Embora estabelecido no século XIX, com o jornal impresso, tem precursores em séculos anteriores como mostrou Carlos RIZZINI (1977), em O jornalismo antes da tipografia. Mas há um meio contemporâneo que apresenta uma versão eletrônica da distribuição, representada pela TV por assinatura.

A radiodifusão, iniciada na segunda década do século XX, com o rádio, e expandida, após a Segunda Guerra Mundial, com a televisão estabeleceu outro princípio. Trata-se de um meio que alcança a todos, desde que disponham de um receptor sintonizado na freqüência do transmissor. Por suas possibilidades expressionais baseadas nos recursos audiovisuais, mas também graças a esse caráter universalista e por ser financiada pela publicidade, a radiodifusão ganhou a preferência das audiências, tornou-se o protótipo da comunicação de massa, originando todo um setor de estudos especializados, baseados no modelo de comunicação E-M-R (emissor-meio-receptor), que acabou, por ser aplicado, retroativamente, a outros meios (ALBUQUERQUE, 2002).

A Internet com sua arquitetura em rede é o mais novo ambiente de comunicação, cujo princípio é a disponibilização das informações e cuja expressão mais radical é o compartilhamento, como viabilizado originalmente pelo Napster e, hoje, pelo Kazaa. Não há um centro distribuidor ou difusor, cada um pode ser alternadamente o receptor ou emissor, comunicando-se com muitos pelo correio eletrônico, pelos blogs, pelas páginas pessoais ou, no limite, compartilhando seus programas e arquivos, em um setor do disco rígido liberado para download pelos interessados de qualquer parte do planeta. Nesse princípio peculiar é que reside a grande novidade e a força extraordinária da rede, ou seja, ela forma um acervo construído coletivamente por milhões de colaboradores, pessoas, organizações, governos, de todo mundo, construindo um repertório enciclopédico inexcedível, diverso e em permanente renovação e ampliação, que se disponibiliza gratuitamente ou não aos usuários.

MORRIS e OGAN (2003) consideram a Internet um meio de massa, defendendo que, com as novas tecnologias, a linha entre os diversos contextos vai se tornando cinzenta e as classificações de comunicação se tornam inadequadas, forçando os pesquisadores a reexaminar suas antigas definições:

"Uma nova tecnologia de comunicação como a Internet permite aos scholars repensarem, ao invés de abandonarem, definições e categorias. Quando a Internet é conceptualizada como um novo meio de massa, o que se torna claro é que nem massa nem meio podem ser precisamente definidos para todas situações, mas, pelo contrário, devem ser continuamente rearticulados dependendo da situação. A Internet é um meio multifacetado de massa, isto é, contém muitas configurações diferentes de comunicação...

(...) A Internet joga com as características de fonte-mensagem-receptor do modelo tradicional de comunicação de massa, às vezes colocando-os em padrões tradicionais, às vezes colocando-os em configurações completamente novas.(...) Cada ponto do modelo tradicional do processo de comunicação pode, na verdade, variar de um para muitos na Internet. Fontes das mensagens podem ir de uma pessoa na comunicação por e-mail a um grupo social em uma lista de discussão ou grupo de usuários, a um grupo de jornalistas profissionais em uma página da WWW. As próprias mensagens podem ser reportagens jornalísticas tradicionais criadas por um repórter e editor, histórias criadas em um longo período de tempo por muitas pessoas ou simplesmente conversações, como num grupo de bate-papo. Os receptores ou audiências dessas mensagens podem ser também de um até potencialmente milhões e podem ou não fluir de seu papel como membros da audiência a produtores de mensagens".

 

Uma característica peculiar à Internet é a interatividade, definida como a capacidade de um meio de permitir ao usuário exercer uma influência sobre o conteúdo e/ou forma da comunicação (JENSEN, citado por ALBUQUERQUE, 2002). Dentre as modalidades de interatividade viabilizadas pela rede, duas são diretamente importantes para o usuário:

  • Consultacional: capacidade de permitir ao usuário buscar as informações que lhe interessam, acessando um conjunto de informações disponíveis. Ex. Busca em homepages, hipertexto, navegação.
  • Conversacional: capacidade de permitir ao usuário produzir e introduzir sua própria informação em um sistema de mídia de mão dupla. Ex: correio eletrônico, listas de discussão.

O que conferiu essa extrema versatilidade extrema à Internet foi a criação do World Wide Web, em 1992, que, utilizando uma interface amigável, propulsionou a rede, permitindo a navegação por hipertexto e a utilização de recursos multimídia. Na realidade, a Internet se tornaria não uma única rede, mas uma interligação de redes, cuja força deriva de sua conectividade mundial (HUITEMA, 1995).

A conectividade mundial tornou-se realidade, integrando laboratórios, universidades, pesquisadores, estudantes. O intercâmbio virtual permite à comunidade científica interagir em tempo real, trocar documentos e mensagens, acessar bases de dados. A comunicação mediada por computadores além da troca de textos e documentos multimídia, permite também trabalhar esses dados cooperativamente, por exemplo, com autores colaborando na redação de um livro. O sistema Wiki, uma modalidade de escrita hipertextual cooperativa viabilizou a criação da wikipédia, redigida em colaboração pelos internautas. Nessa modalidade de hipertexto cooperativo, os participantes compartilham a produção de um texto comum, promovendo uma forma de construção social do conhecimento (PRIMO e RECUERO, 2003). Um engenheiro, envolvido nos trabalhos da criação da rede escreveu: "Pôr os computadores em rede permite fazê-los realizar cálculos mais complexos, mas ao mesmo tempo permite aos homens compartilhar a sua inteligência." (HUITEMA, 1995).

Com tais propriedades, tão inéditas quanto importantes, o potencial libertário da rede de computadores estimulou novas utopias tecnológicas, principalmente porque, pela primeira vez na história dos meios de comunicação, surgia uma tecnologia mediática que parecia abolir a idéia de um "centro" ou de majors, ou de "campeões de audiência". Como observou um crítico: "A Internet abriu um espaço muito importante para a comunicação progressiva e democrática, especialmente para ativistas limitados pelos meios comerciais tradicionais. Só isso faria da Internet um desenvolvimento extremamente positivo" (McCHESNEY, 1997, p. 97) Paulo VAZ, num texto mais recente, discutiu essa esperança:

 

"As novidades tecnológicas da Internet eram tantas que permitiram uma pletora de sonhos. Para os de democratização, porém, quatro se destacavam: a descentralização do poder de emitir informações à distância; o anonimato; o novo poder da audiência em relação a representações que lhes são transmitidas; e a Internet como um lugar terceiro de sociabilidade para além da família e do trabalho". (2004, p. 126).

No entanto, essas esperanças democráticas logo seriam desafiadas por circunstâncias relativas à sua implementação. A primeira delas é a bastante discutida exclusão digital, que se sobrepôs às formas de exclusão prevalecentes. Especialmente nos países periféricos, ao fato de não ter uma linha telefônica, nem um computador acrescentava a carência de um provedor de Internet. Essa circunstância tinha sido prevista num texto anterior à rede de computadores, através de proposições que diziam que a adoção de uma nova tecnologia de comunicação faz com que as pessoas que já têm altos níveis de informação e habilidade ganhem mais do que as pessoas nos níveis iniciais mais baixos e que as novas tecnologias criam novos gaps antes que os antigos se fechem"(KATZMAN, 1976). TRIVINHO (s/d) referiu-se ao estabelecimento de um apartheid próprio à civilização mediática, marcada pela dinâmica de uma estratificação que estabeleceu um fosso entre uma elite cibercultural e um bolsão de uma nova miséria técnica, resultante de uma desqualificação compulsória e contínua.

CASTELLS (2003) assinala que Londres tem mais domínios de Internet que a África inteira. Numa visão bem abrangente das questões suscitadas pelo advento da rede, o pesquisador espanhol observa que nas condições sociais e institucionais prevalecentes, a Internet pode causar desenvolvimento desigual, aumentando, ao mesmo tempo, a riqueza e a pobreza, a produtividade e a exclusão social.

Por outro lado, VAZ (2004) focaliza a idealização inicial da rede de computadores, como um ambiente igualitário, citando os resultados de pesquisas desenvolvidas em Harvard:

"...embora haja milhões de Websites, na prática esta diversidade é ignorada: embora possam ir para muitos lugares, a maiora dos usuários visita os mesmos. Devido ao modo de funcionamento – os mecanismos de buscas hierarquizam as respostas pelo número de links que um dado website "recebe" de outros – há uma concentração da mídia no mundo on-line maior do que a existente no off-line."

Um estudo citado pelo autor revelou que nos primeiros dias do ataque ao Iraque pelos Estados Unidos, 32% dos internautas norte-americanos que procuraram a Internet para se informar sobre a guerra contra o Iraque acessaram os sites das redes de TV, 29% os sites dos jornais e 15% sites do governo. Apenas 10% acessaram sites de empresas de notícias de outros países; 8% visitaram sites alternativos e 6% leram sites de grupos que se opunham à guerra.(VAZ, 2004)

McCHESNEY (1999) lamentou que a Internet esteja se tomando o aspecto concentrador da mídia convencional, ao se tornar cada vez mais importante para gigantescas empresas mediáticas. Tudo começou, segundo ele, com a inexistência de um debate público sobre a maneira como iria funcionar a Internet. Os lobbies, naturalmente, não tinham nenhum interesse na discussão do interesse coletivo e viam a rede como um campo aberto à comercialização. Com isso, as possibilidades emancipatórias da Internet definharam ao longo do tempo. Nas palavras de uma matéria do The New York Times, na Internet "o grande se torna maior e o pequeno some", concluindo que a rede ao invés de apresentar um viés competitivo, na verdade parece estimular o monopólio ou o oligopólio. Assim, apesar de no começo parecer favorecer Davi contra Golias, a Internet rapidamente beneficiou o tamanho gigante, tornando-se dominada pelas corporações de sempre. Para McCHESNEY, alguns participantes novos aparecerão no campo do conteúdo, mas tudo indica que o mundo da comunicação digital será muito parecido ao mundo comercial pré-digital.

Apesar dessas decepções, CASTELLS (2003) não vê alternativa à conexão à Internet. Para ele, estar desconectado equivale a ficar à margem do sistema global, pois uma economia ou administração sem a Internet faz diminuirem as chances de desenvolvimento: apesar de tudo, a Internet é uma condição para a prosperidade, a liberdade e a autonomia.

 

CONCLUSÕES

O conhecimento historicamente tem servido ao desenvolvimento das civilizações, ao mesmo tempo em que, constitui um diferencial entre elas, dependendo de quem detém seu controle. Tecnologias têm atuado historicamente como meios de concentração de poder, induzindo à desigualdade, assimetria, ao serem absorvidas ou arrebatadas por grupos, classes ou nações. A Internet, apesar de sua arquitetura em rede, sem um ponto central, poderá integrar a dinâmica de formações sociais excludentes, assimétricas e desiguais como as do passado, embora por outros meios e praticando novas formas de hegemonia. A sociedade do conhecimento, mais do que as formações anteriores, colocaria em evidência um dos fundamentos objetivos da supremacia histórica: a distribuição desigual do conhecimento, em particular da tecnologia. Até a potencialmente "boa" tecnologia poderia se converter numa nova forma de concentração de poder e em novas formas de desigualdade.

O que os críticos da Internet destacam é que, ao invés de solapar o oligopólio da comunicação de massa global, a nova tecnologia passou a integrá-lo como meio subsidiário, mas com um papel cada vez mais importante. O chamado ciberespaço é predominantemente marcado pela comunicação comercial do chamado e-business, pelo comércio on-line, pela publicidade comercial digital, pelos portais maciços dos grandes meios convencionais, jogando água fria naqueles que viam a Internet como um campo mais igualitário, de pluralidade, de um novo tipo de jornalismo, de diversidade cultural e de idéias políticas variadas, da diferença de pontos de vista e de opiniões.

Apesar do quadro atual e como decorrência do princípio comunicacional que preside seu funcionamento – disponibilização e compartilhamento - a Internet ainda oferece a alternativa de domínios importantes para a educação, ciência e à cultura, patrocinados pela universidades, governo, associações da sociedade civil, indivíduos, ao contrário do que ocorre com a radiodifusão, por exemplo. Não se trata, portanto, de condená-la, mas de reconhecer sua importância e fazer a sua crítica, identificando seus usos sociais, politizando a discussão, ao invés de recair na negação ou no ufanismo.

 

BIBLIOGRAFIA

· ALBUQUERQUE, A. Os desafios epistemológicos da comunicação mediada pelo computador. Rio de Janeiro: COMPÓS, 2002 (CD-rom).

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· RIBEIRO, D. O processo civilizatório. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

· RIZZINI, C. O jornalismo antes da tipografia. São Paulo: Nacional, 1977.

· SOARES, M.C. Internet e saúde: possibilidades e limitações. Textos de la CiberSociedad, 4. Disponível em: http://www.cibersociedad.net/textos/articulo.php?art=51

· TRIVINHO, E. Lógica da cibercultura. Crítica de um totalitarismo comunicacional. Mimeo, s/d.

· VAZ, P. As esperanças democráticas e a evolução da Internet. Revista FAMECOS. Faculdade de Comunicação Social, PUC RS, n. 24. Julho 2004. p. 125-39.


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Murilo Cesar Soares
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