Tratamento cirúrgico da hipertensão porta na esquistossomose mansoni

Enviado por Andy Petroianu


RESUMO

Define-se a hipertensão porta pela presença de um gradiente de pressão venosa hepática superior a 5mmHg. Ela é causada geralmente pelo aumento da resistência do leito vascular porta-hepático em decorrência de obstrução ao fluxo sanguíneo. Nas formas graves da esquistossomose há aumento progressivo da pressão porta e o desenvolvimento de varizes nos órgãos intra-abdominais, no retroperitônio e na parede do abdômen. A principal complicação desse processo é o sangramento digestivo, proveniente, na maioria dos casos, das varizes esofágicas e gástricas. Para o tratamento, diversos procedimentos clínicos (propranolol, somatostatina e octeotrida), endoscópicos (escleroterapia, clipes e ligaduras de varizes), vasculares (TIPS – shunt intra-hepático transjugular portasistêmico) e cirúrgicos (derivações portassistêmicas e desconexões portavarizes) têm sido propostos. Neste artigo, o autor apresenta revisão crítica sobre os vários tratamentos propostos, enfatizando os procedimentos cirúrgicos.

Palavras-chaves: Esquistossomose mansoni. Hipertensão porta. Sangramento de varizes.

ABSTRACT

Portal hypertension is defined by an hepatic venous pressure gradient greater than 5mmHg. It is usually caused by an increase in resistance in the portal-hepatic vascular bed due to obstruction to flow. The severe forms of schistosomiasis usually evolve with portal hypertension, esophageal, intraabdominal, retroperitoneal and abdominal wall varices. Massive bleeding due to esophageal or gastric variceal rupture is the major complication of portal hypertension in schistosomiasis. In regard to treatment, clinical (propranolol, somatostain, octreotide), endoscopic (sclerotherapy, clips and ligature of varices), vascular (TIPS – transjugular intrahepatic portosystemic shunt) and surgical (portosystemic shunts and portovariceal disconnection) approaches have been tried to decrease portal hypertension and prevent bleeding. In the present review the author discusses the subject emphasizing the surgical procedures.

Key-words: Schistosomiasis mansoni. Portal hypertension. Variceal hemorrhage.

A hipertensão porta não é uma doença em si; representa, na verdade, complicação de várias doenças. Entre as afecções que podem cursar com hipertensão do sistema porta, destacam-se a cirrose, a forma hepática ou hepatoesplênica da esquistossomose, neoplasias do fígado, das vias biliares ou do pâncreas, fenômenos tromboembólicos da veia porta e moléstias supra-hepáticas, como insuficiência cardíaca direita e oclusão da veia cava inferior, por trombos ou tumores. Há ainda muitas outras moléstias que podem dificultar o fluxo da veia porta e provocar aumento da pressão em todo sistema venoso que aflui para esse vaso e não possui válvulas.

Por serem doenças diferentes e, geralmente, constituírem síndromes, as suas manifestações também variam consideravelmente entre si, ainda mais quando podem associar-se a outras afecções e incidirem em faixas etárias específicas. Diante dessa diversidade nosológica, há muitas opções terapêuticas, de acordo com sua causa, estádio e estado geral do doente. Seria, portanto, inapropriado, padronizar o tratamento de qualquer dessas afecções e menos adequado ainda extrapolar os bons resultados obtidos no tratamento de uma doença para outra16.

Na realidade, a hipertensão porta raramente necessita ser tratada. Apesar de todo o sistema venoso que drena para a veia porta encontrar-se hipertenso são poucas as repercussões funcionais. Há dilatação e tortuosidade em grande parte dessas veias, desde as esofágicas e gástricas até as retais superiores, também conhecidas como hemorroidárias internas. Além das varizes presentes em todo o sistema digestório, há neoformações venosas e varicosidades no pedículo esplênico, em torno do baço, em todo o retroperitônio e na parede abdominal anterior.

Ainda em decorrência dessa hipertensão, forma-se intensa trama venosa que conecta as circulações porta e sistêmica ou cava. Entre essas derivações portassistêmicas sobressaem o complexo venoso do ligamento redondo do fígado (veia umbilical na fase embrionáriofetal), a região esofagogástrica (que passa a drenar para o sistema ázigo e, subseqüentemente, para a cava superior), o sistema venoso retal (que drena as retais superiores - porta - para as retais inferiores - cava inferior). Apesar de o aspecto dessa circulação mostrar-se anômala, raramente registram-se complicações.

A complicação mais grave é a hemorragia, que ocorre em menos de 10% dos doentes e tem sido mais encontrada no esôfago inferior e na parte alta do estômago (cárdia e fundo). Não há explicação definitiva para o sangramento surgir especificamente nessa região, já que todo o sistema porta encontra-se hipertenso e há locais, como o reto, cuja pressão pode ser até maior durante o esforço evacuatório. Ainda em relação às hemorroidas internas, deve-se ressaltar que, além da elevada pressão, elas estão sujeitas a trauma pela passagem das fezes, eventualmente endurecidas e, ainda assim, elas não sangram.

Acredita-se que a hemorragia esofagogástrica provenha, não diretamente das varizes maiores mas de vasos menores que se formam em decorrência da hipertensão. Essas veias neoformadas ou neodesenvolvidas possuem parede mais frágil e, em sua maioria, localizam-se sobre os troncos venosos principais gastroesofágicos. Ao ocorrer a ruptura da parede vascular de uma dessas varizes menores, abre-se a via de escape sangüíneo que pode se estender até uma variz maior e levar a hemorragia de vulto.

Excepcionalmente, ocorre sangramento de variz intra-abdominal peritoneal, do pedículo hepático ou periesplênico. É de se esperar que o trauma abdominal também possa ser responsável pelo sangramento de variz ou mesmo do baço, que assume proporções mais avantajadas. Entretanto, os registros de hemorragia livre na cavidade abdominal ou de hematomas são raros.

HIPERTENSÃO PORTA NA ESQUISTOSSOMOSE

A hipertensão porta na esquistossomose decorre da deposição dos ovos nos ramos intra-hepáticos da veia porta. Esse fato ocorre quando o indivíduo foi parasitado por esquistossomas dos dois sexos. A oclusão porta também pode ser provocada pelo próprio parasita vivo ou principalmente morto, nos casos de infestação maciça. O esquistossoma e seus ovos podem localizar-se exclusivamente no fígado, mas, nos casos mais graves, eles também são encontrados no baço, nos pulmões e em outras partes do sistema porta. A doença pode ser estadiada como formas hepática, hepatoesplênica, hepatopulmonar ou hepatoesplenopulmonar, cada uma delas com suas peculiaridades clínicas8. As derivações naturais portassistêmicas podem levar os parasitas e seus ovos para outros locais do organismo26.

O tempo de vida do esquistossoma pode aproximar-se de vinte anos, porém, por meio de reinfestações, o indivíduo tem a sua moléstia agravada durante toda a vida. Quanto maior for a infestação e a deposição de ovos, mais intensa será a oclusão venosa e mais grave a hipertensão porta. Com o tempo, o calibre das varizes aumenta e o risco de hemorragia também. A presença de varizes, mesmo de calibre maior, não prenuncia o advento de hemorragia. As varizes, mesmo de grande calibre, raramente sangram45.

O diagnóstico de esquistossomose não exclui a concomitância de outras hepatopatias, como a cirrose alcoólica ou as hepatites virais. Na esquistossomose hepática, ocorre fibrose do fígado e, na forma hepatoesplênica, fibrose periportal e aumento do baço, sem que esse quadro evolua para cirrose8. Portanto, ao se verificar a presença de cirrose, deve-se buscar a sua causa em outra etiologia, não esquistossomótica.

TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO PORTA ESQUISTOSSOMÁTICA

A esquistossomose ativa deve ser tratada com medicamentos. As drogas mais eficazes são a oxamniquine e o praziquantel. É interessante observar que o tratamento clínico bem sucedido, reduz o risco de hemorragia decorrente das varizes. Acredita-se que, mesmo nos casos de fibrose intensa do fígado, há reabsorção de fibras colágenas e, portanto, diminuição da hipertensão porta (Figura 1).

TRATAMENTO CLÍNICO

A terapêutica clínica específica para o sangramento visa ao aumento da capacidade do leito vascular esplâncnico, por meio de medicamentos, como os bloqueadores beta-adrenérgicos (propranolol - 40 a 360mg/dia), somatostatina - 250mg/h e octreotidas - 100mg a cada 8 horas33. Esses tratamentos justificam-se pela própria evolução natural da hipertensão porta, que aumenta o continente venoso abdominal mediante o desenvolvimento de rede venosa ampla e de calibre progressivamente maior. Os inconvenientes da terapêutica clínica são a sua eficácia apenas nos sangramentos menos intensos e a sua limitação ao tempo em que o medicamento é utilizado.

TRATAMENTO ENDOSCÓPICO

A hemorragia proveniente de varizes esofágicas pode ser controlada por via endoscópica. Esse método foi realizado pela primeira vez, por Boerema em 1949. A injeção de substâncias esclerosantes, como etanol absoluto, etanolamina a 5% e cloreto de sódio a 3,5%, dentro da variz ou perivascular tem sido muito eficaz. Mais recentemente, a aplicação de clipes vasculares e de ligadura elástica ganharam a preferência de vários endoscopistas. Entretanto, esses métodos também não são novos, pois Crile já havia proposto a ligadura endoscópica de varizes, em 195017 33.

Quando o sangramento provém das varizes de fundo gástrico, o seu controle, pela via endoscópica, revela-se difícil. As ligaduras elásticas e a injeção da cola de cianoacrilato exige técnica mais apurada e seus resultados mostram-se menos eficazes do que os obtidos no tratamento das varizes esofágicas. Há, também, o risco de a injeção de cola danificar o aparelho de endoscopia.

A terapêutica endoscópica, à semelhança do que ocorre com o tratamento clínico, promove melhora temporária e requer múltiplas sessões de esclerose para reduzir as varizes esofágicas. Há ainda a possibilidade de a oclusão das varizes esofágicas elevarem a pressão no leito vascular gástrico, aumentando o calibre das varizes do estômago e elevando o risco de sangramento em território gástrico de difícil controle por outro meio que não seja o cirúrgico15 50.

 


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