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Cocaína e crack: o adolescente e o risco das drogas (página 2)

Natacha Toral; Betzabeth Slater; Isa de Pádua Cintra; Mauro Fisberg

 

Em 1997, dados de adolescentes dessa mesma pesquisa demonstraram que no sexo feminino havia maior risco de desenvolver dependência de álcool e maconha em mulheres mais velhas, porém as adolescentes utilizavam menos cocaína do que o sexo masculino(10).

No Brasil, os resultados são semelhantes. Em estudo realizado com um grupo de 294 usuários de cocaína, sendo 90% do sexo masculino e com idade média de 27 anos, observou-se que mais de 50% deles já haviam feito uso de, pelo menos, cinco diferentes tipos de drogas; 63% utilizavam cocaína diariamente; e 82% já haviam experimentado crack(5).

3. Cocaína e crack

Substância natural, extraída de folhas de Erythroxylon coca, a cocaína se apresenta sob diversas formas:(4,19)

· Cloridrato de cocaína: sob a forma de pó, pode ser aspirado ou dissolvido em água, para uso endovenoso;

· Pasta de coca: utilizada para a manipulação do crack e também fumada, em forma de cigarros;

· Crack: pedras resultantes da mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio (o que permite a combustão), que são fumadas em cachimbos;

· Merla: mistura, também fumada em cachimbos, porém pouco utilizada em São Paulo.O usuário de cocaína inalada ou injetável inicia o uso do crack, basicamente, por três motivos(19):

· Dificuldade em encontrar cocaína pura ou com pouca mistura;

· O preço, mais baixo que o da cocaína em pó;

· O efeito mais rápido da droga.

A incidência do uso de crack vem aumentando significativamente, como se pode observar através do aumento na procura por tratamento, por parte de indivíduos viciados nessa forma da cocaína: de 1990 a 1993, a porcentagem de indivíduos que utilizavam a cocaína sob a forma injetável caiu, de 40% para 28%; a cocaína inalada permaneceu estabilizada; porém o uso do crack aumentou de 17%, em 1990, para 64%, em 1993(7).

Um estudo realizado entre presidiários usuários de cocaína em Los Angeles identificou características peculiares entre aqueles que passam a utilizar o crack: o usuário de cocaína em pó apresenta alta probabilidade de progredir para o uso do crack e, quando as duas formas são utilizadas concomitantemente, resultam num grau mais alto de uso e dependência de ambas(15).

Entre 565 crianças em situação de rua entrevistadas em cinco capitais brasileiras em 1993, 74,3% disseram já terem feito uso de drogas pelo menos uma vez na vida, como solventes e maconha, excluindo-se cigarros e álcool(13). Os pesquisadores observaram, ainda, maior consumo de cocaína e crack na região Sudeste do país, e concluíram que o uso de drogas faz parte, atualmente, do estilo de vida dessas crianças.

Porém, o crack não atinge somente pessoas em situação de rua. Levantamento do Proad - Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes - demonstra que, a cada ano, aumenta o número de pacientes de classe média viciados em crack, representando, atualmente, 60% dos pacientes atendidos por esse Serviço(19).

4. Efeitos da cocaína no organismo

As três formas de uso da cocaína se diferenciam em termos de início do efeito e tempo de duração do mesmo(4,19):

O motivo pelo qual os efeitos do crack são mais imediatos está relacionado à sua rápida velocidade em atingir o cérebro, pelas vias pulmonares (4).

A longo prazo, os efeitos da cocaína independem da forma sob a qual ela foi utilizada:

"Senti como se eu tivesse captado toda a energia da rede elétrica do mundo... o azul ficou mais azul... um colorido diferente... excitação como nunca tinha sentido antes. Prazer puro, intenso... energia forte..." F., 24 anos(19)

Essa sensação de "prazer intenso" descrita pelo jovem, a longo prazo, traz o efeito da cocaína ao organismo, que é devastador e independe da forma como foi utilizada: excitação, hiperatividade, insônia, perda da sensação de cansaço e falta de apetite são alguns sintomas descritos por pesquisadores do Cebrid/Unifesp. Além disso, a toxicidade da cocaína provoca midríase, dor no peito, aumento da pressão arterial, taquicardia e rabdomiólise.

Casos de derrame cerebral relacionados ao uso de cocaína e anfetaminas foram relatados em estudo com mulheres de 15 a 44 anos(14) e o risco de aborto espontâneo também é considerado alto, entre adolescentes grávidas usuárias de cocaína(12); além disso, podem ser provocados efeitos no cérebro do feto, como vasoconstricção, levando a hipóxia e isquemia(18).

A morte do usuário de cocaína pode ocorrer por desnutrição, infarto do miocárdio ou por diminuição da atividade de controle central da respiração(19). Além disso, o uso da droga está altamente relacionado ao risco de contrair outras doenças, como será descrito a seguir.

5. Riscos de doença associados ao uso de drogas

Em análise do comportamento de adolescentes em situação de rua, concluiu-se que dos 219 pesquisados, 50% dos meninos e 60% das meninas apresentavam distúrbios de conduta, os quais estavam altamente associadas ao uso de heroína ou cocaína e a comportamentos de risco para contrair o vírus HIV.(1) Em outro estudo, realizado com 3.054 estudantes norte-americanos, observou-se que no sexo feminino, aquelas que já haviam utilizado maconha ou cocaína apresentavam início mais precoce de relações sexuais e relações recentes sem o uso de preservativos(16).

A fim de avaliar o conhecimento e a percepção de usuários de drogas com relação a comportamentos de risco foram analisados 448 usuários de cocaína em pó e 100 usuários de crack, nos Estados Unidos. Noventa e seis por cento deles sabiam o significado do termo HIV, porém apenas 22% e 33% dos usuários de cocaína e crack, respectivamente, conheciam os comportamentos de risco para contraí-lo. Concluiu-se, portanto, que os usuários dessas drogas tinham conhecimento sobre HIV e Aids, porém subestimavam seu real risco de contrair o vírus(17).

Na verdade, o risco de se contrair o vírus HIV sendo usuário de crack não está relacionado ao uso em si, visto que as pedras são depositadas em um cachimbo - improvisado ou não - e fumadas. O que pode ser observado é que, na falta de dinheiro para comprar a droga, muitos usuários prostituem-se em troca de dinheiro ou da própria droga, como foi demonstrado entre jovens norte-americanos de 18 a 29 anos: eles apresentavam maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis, maior número de parceiros sexuais nos últimos 12 meses e relatos de relações sexuais com usuários de drogas injetáveis. Essa reunião de fatores foi considerada pelos autores como uma nova epidemia(21).

Além do risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis e apresentar desordens de conduta, o adolescente brasileiro corre ainda risco de morte, quando está envolvido no trabalho de tráfico de drogas, como foi observado entre 2.665 adolescentes moradores em uma favela, no Rio de Janeiro: 7,5% estavam diretamente envolvidos nesse trabalho e 16,8% atuavam indiretamente. De 1996 a 1997, 13,8% dos homicídios contra adolescentes estavam relacionados com o tráfico de drogas(11).

Porém, não são somente os indivíduos diretamente relacionados ao uso ou tráfico de drogas que correm tais riscos. Pessoas que residem em regiões com alto índice de uso foram analisadas através de entrevistas e análise sanguínea: assim, dos 103 adolescentes com idade de 18 a 21 anos, residentes em um bairro do Brooklin, Nova Iorque, com alto número de usuários de drogas injetáveis, 85% haviam tido relações sexuais no ano anterior, porém apenas 19% haviam usado preservativos; 48% já haviam utilizado maconha e 9% cocaína(8).

6. Campanhas de prevenção

Inúmeros estudos descrevem a necessidade de se desenvolver em campanhas de prevenção ao uso de drogas, tanto as ilícitas como aquelas consideradas mais "leves", pois alguns autores identificaram progressão de usuários de cigarro e maconha para drogas mais "potentes"(2,5,6,20).

No que diz respeito aos usuários, outros estudos demonstram a necessidade de campanhas sobre comportamentos de risco para contrair doenças sexualmente transmissíveis e Aids(1,7,8,16,15,21).

7. Conclusões

Através desse breve estudo sobre o uso de drogas, especificamente a cocaína, entre adolescentes, conclui-se:

1. A adolescência é um período de intensas modificações na vida do indivíduo, caracterizado pela busca de novos desafios, dentre os quais o uso de drogas pode estar presente;

2. O adolescente usuário de cocaína sob as três formas - inalada, injetável ou crack - possui elevado risco para contrair doenças direta e indiretamente relacionadas ao uso de drogas, como desnutrição, doenças sexualmente transmissíveis e Aids;

3. Campanhas de prevenção devem ser desenvolvidas, visando informar o não usuário sobre o risco das drogas e o usuário sobre as doenças associadas.

"Os sonhos vêm, os sonhos vão, e o resto é imperfeito.

Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes,

Teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira.

E, há tempos, nem os santos têm, ao certo, a medida da maldade

E, há tempos, são os jovens que adoecem.

E, há tempos, o encanto está ausente, e há ferrugem nos sorrisos,

E só o acaso estende os braços

A quem procura abrigo e proteção."

Legião Urbana

8. Bibliografia

1. Booth RE, et al. Conduct disorder and HIV risk behaviors among runaway and homeless adolescents (Drug Alcohol Depend. 1997, Nov).

2. Brasseux C et al. The changing pattern of substance abuse in urban adolescents (Arch Pediatr Adolesc Med. 1998, Mar).

3. Cebrid - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas: O que são drogas psicotrópicas. Folheto Educativo, 1999, Universidade Federal de São Paulo.

4. Cebrid - Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas: Cocaína - pasta de coca, crack, merla. Folheto Educativo, 1999, Universidade Federal de São Paulo.

5. Dunn J & Laranjeira R. Cocaine-profiles, drug histories, and patterns of use of patients from Brazil. (Subst Use Misuse 1999, Sep, 34:(11): 1527-48).

6. DuRant RH. et al. The relationship between early age of onset of initial substance use and engaging in multiple health risk behaviors among young adolescents (Arch Pediatr Adolesc Med. 1999, March).

7. Ferri CP. et al. Increase in the search for treatment by crack users in 2 outpatient clinics at the city of São Paulo from 1990 to 1993 (Ver Assoc Med Bras. 1997, Jan).

8. Friedman SR. et al. Sex, drugs and infections among youth. Parenterally and sexuality transmitted diseases in a high-risk neighborhood (Sex Transmi Dis. 1997, Jul. 24(6): 322-6).

9. Johnson BD. et al. Nurturing for careers in drug use and crime: conduct norms for children and juveniles in crack-using households (Subst Use Misuse 1998, Jun).

10. Kandel D. et al. Prevalence and demographic correlates of symptoms of last year dependence on alcohol, nicotine, marijuana and cocaine in the U.S. population (Drug Alcohol Depend. 1997, Jan).

11. Meirelles ZV. Vida e trabalho de adolescentes no narcotráfico numa favela do Rio de Janeiro. Tese (mestrado) apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de janeiro, 1998, 99p.

12. Ness RB. et al. Cocaine and tobacco use and the risk of spontaneous abortion (N Engl J Med. 1999, Feb 4).

13. Noto AR. et al. Use of drugs among street children in Brazil (J Psychoactive Drugs 1997, Apr, 29(2): 185-92).

14. Petitti DB. et al. Stroke and cocaine or amphetamine use (Epidemiology 1998, Nov).

15. Shaw VN. et al. Sequences of powder cocaine and crack use among arrestees in Los Angeles County (Am J Drug Alcohol Abuse 1999, Feb).

16. Shrier LA. et al. The association of sexual risk behaviors and problem drug behaviors in high school students (J Adolesc Health 1997, May).

17. Silbersiepe KA. et al. Aids knowledge and risk perception of cocaine and crack users in a national household survey (Aids Educ Prev. 1997, Oct).

18. Slotkin TA. Fetal nicotine or cocaine exposure: which one is worse? (J Pharmacol Exp Ther. 1998, Jun).

19. Uchôa MA. Crack: o caminho das pedras. São Paulo, Editora Ática, 1996.

20. Van Etten ML. et al. Comparative epidemiology of initial drug opportunities and transitions to first use: marijuana, cocaine, hallucinogens and heroin (Drug Alcohol Depend. 1999, Apr).

21. Word CO et al. Background to crack cocaine addiction and HIV high-risk hebavior: the next epidemic (AM J Drug Alcohol Abuse. 1997, Feb).

Regina Célia Denadai1, Mauro Fisberg2, Élide H. G. R. Medeiros3
fisberg[arroba]uol.com.br

1Professora de Educação Física, pós-graduanda em Reabilitação Humana, Unifesp.
2Professor adjunto do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Unifesp - São Paulo - SP.
3Professor adjunto do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da Unifesp - São Paulo - SP.



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