Estudo da anatomia vascular sanguínea e biliar do segmento lateral esquerdo do fígado e sua aplicação cirúrgica



Artigo original: Acta Cir. Bras., Jan 1998, vol.13, no.1. ISSN 0102-8650

 

1. Resumo

O objetivo do presente estudo é investigar a anatomia vascular sanguínea e biliar do segmento lateral esquerdo ou segmentos II e III do fígado, assim como suas variações, para se evitarem complicações isquêmicas ou trombóticas do segmento lateral esquerdo, bem como o surgimento de fistulas biliares após o transplante hepático parcial ou reduzido. 25 cadáveres foram avaliados. A veia porta, artéria hepática, via bilífera e veias hepáticas foram submetidas a técnica de injeção de acrílico na forma líquida para posterior obtenção dos moldes hepáticos. Não foram encontradas variações no ramo esquerdo da veia porta. A irrigação arterial de tal segmento se seu a partir da artéria hepática esquerda ramo da artéria hepática comum em 24/25 casos; em um caso encontrou-se uma artéria hepática substituta, ramo da artéria gástrica esquerda, irrigando os segmentos II e III; em outro caso (1/24) foi encontrado um ramo acessório da artéria gástrica esquerda irrigando o segmento II. O ducto hepático esquerdo recebeu os ramos de drenagem dos segmentos II e III em todos os casos estudados; em 23/25 casos notou-se a presença de um ducto bilífero proveniente do segmento IV desembocando ducto hepático esquerdo. Quanto a veia hepática esquerda, responsável pela drenagem de tais segmentos, uniu-se a veia hepática intermédia formando um tronco comum antes de sua desembocadura na veia cava inferior em todos os casos estudados.

Descritores: Modelos Anatômicos. Veia Porta. Artéria Hepática. Ductos Biliares. Veias Hepáticas.

2. Introdução

O fígado possui uma grande diversificação quanto à distribuição das estruturas vasculares sanguíneas e biliares no interior de seu parênquima, o que contrasta com a ausência de marcadores em sua superfície. A partir do início da década de cinqüenta, trabalhos de grande importância foram publicados, fazendo com que grandes mudanças ocorressem no conhecimento da anatomia hepática tanto no aspecto morfológico quanto funcional.

HJORTSJÖ18 representou o primeiro estudo a propor uma divisão estrutural segmentar do órgão. COUINAUD9 elaborou uma classificação baseada na distribuição intraparenquimatosa da veia porta, onde dividia o órgão em oito segmentos independentes sob o ponto de vista morfológico e funcional. Outros autores como GOLDSMITH & WOODBURNE13 também propuseram classificações anatômicas baseadas na distribuição intra-hepática das estruturas vasculares. A partir da metade da década de 80, o estudo do segmento lateral esquerdo do fígado ganhou importância frente às possibilidades de se realizarem ressecções segmentares do fígado e o transplante de tais segmentos. Alguns autores descreveram seus achados quanto a anatomia do segmento lateral esquerdo do fígado, dentre estes destacaram-se RAT, PARIS e FAVRE24; SILVA, LEITE, BOIN e LEONARDI28 que estudaram fígados de cadáveres após a realização da necropsia e outros autores basearam seus estudos na obtenção de moldes hepáticos, como REICHERT25 que estudou à anatomia das veias hepáticas e LUNGWTZ21 estudou a distribuição e os locais de inserção dos ductos bilíferos no segmento lateral esquerdo do fígado. Frente à crescente importância adquirida de tais segmentos hepáticos, principalmente no campo das reduções hepáticas para o transplante, e por não ter sido encontrado na literatura compilada relatos de estudos de toda a anatomia vascular sanguínea e biliar intra-hepática do segmento lateral esquerdo do fígado, ou segmentos II e III, propusemo-nos a estudar o assunto, utilizando a técnica de injeção-corrosão em fígados de cadáveres para obtenção dos moldes.

3. Método

Foram dissecados 25 cadáveres de adultos, 9 cadáveres do sexo Feminino e 16 do sexo Masculino. A idade variou de 19 a 77 anos com média 53,3 e desvio-padrão 15,8, com até 24 horas de óbito, para que o fígado, assim como as estruturas vasculares sanguíneas e bilíferas não se apresentassem em estado de decomposição e estivessem íntegras para suportar a injeção do acrílico e fornecer moldes adequados, procedentes do Serviço de Verificação de Óbito da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e do Serviço de Verificação de Óbito da Universidade de São Paulo - FMUSP.

Foram utilizados somente órgãos macroscopicamente normais e sem sinais de doenças hepáticas. As estatísticas descritivas, bem como os resultados do teste comparativo entre os sexos Masculino e Feminino, com relação a peso corporal, peso total do fígado e peso estimado do lobo esquerdo encontram-se na tabela I. Não foram encontradas evidências de diferença entre os valores de peso (corporal, total do fígado e estimado do lobo esquerdo) do sexo Masculino e Feminino.

Tabela I.
Médias, desvios-padrão e resultados do teste t-Student para a comparação entre os sexos Masculino e Feminino
quando aos valores do Peso Corporal, Peso Total do Fígado e Peso Estimado do Lobo Esquerdo.

Masculino

Feminino

teste t-Student

Média

dp

Média

dp

t

p

Peso Corporal

71.56

15.58

64.87

13.16

1.14

0.2659

Total do fígado

1592.18

525.86

1576.66

447.68

0.08

0.9385

Estimado do lobo esquerdo

684.94

255.26

677.59

210.34

0.08

0.9389

Foram realizadas dissecções do fígado com o cadáver em decúbito dorsal. Utilizou-se a técnica de retirada realizada no doador de órgão para o transplante hepático, tendo-se cuidado para evitar qualquer tipo de lesão das estruturas vasculares sanguíneas e bilíferas. Após a hepatectomia, realizou-se o preparo da peça para a injeção do acrílico na forma líquida, monômero metilmetacrílico, de rápida polimerização após a mistura do líquido com o pó. Tal preparo consistia da dissecção dos elementos do hilo hepático, veia cava inferior em toda sua extensão, e retirada de fragmentos de outras estruturas que acompanhavam a peça a ser estudada. Procedia-se, então, a pesagem da peça e estimava-se o peso do lobo esquerdo a partir da fórmula proposta por CHAIB e col. 7 para fins protocolares. Seguia-se introduzindo uma sonda plástica do tipo uretral, com um comprimento de 10 cm, nos calibres 18 para veia cava inferior, 16 para veia porta e 14 para artéria hepática e colédoco.

A solução de JETâ5 , era preparada pouco antes de sua injeção, a diluição utilizada foi de 50%, ou seja ½ parte de pó e ½ parte de líquido, para as veias. Na artéria e via bilífera se utilizou diluição 2:1, ou seja, 2 parte de líquido para uma parte de pó. Junto à solução adicionou-se tinta em spray automotivo nas cores azul escuro para veia cava inferior, azul claro para veia porta, vermelho para artéria hepática e amarelo para via bilífera, com objetivo de obter-se a identificação das estruturas a serem estudadas. Foram injetados de 60 a 80 ml da solução pela V.C.I., 40 a 60 ml da solução pela veia porta, 20 a 30 ml da solução pela artéria hepática e via bilífera. Após uma hora as peças foram colocadas em um recipiente contendo ácido clorídrico a 35% a fim de promover a corrosão do tecido hepático para posterior análise dos dados a serem coletados. As peças eram mantidas por 48-72 horas imersas no ácido, quando então eram retiradas e lavadas exaustivamente em água corrente para retirada dos fragmentos corroídos. Seguindo o protocolo, foram coletados dados quanto aos diâmetros e distâncias das estruturas vasculares sanguíneas e bilíferas que compõe o segmento lateral esquerdo do fígado.

4. Resultados

Os diâmetros da Veia hepática esquerda e da Veia hepática intermédia mostraram-se significantemente mais elevados no sexo Masculino (p=0,0166 e p=0,0404 respectivamente). As demais medidas de diâmetro tiveram comportamento semelhante com relação aos sexos Masculino e Feminino. As estatísticas descritivas (médias / desvios-padrão)27,29, bem como os resultados do teste comparativo entre os cadáveres do sexo Masculino e os do sexo Feminino encontram-se na tabela II. Quando comparados os sexos Masculino e Feminino, nenhuma das distâncias mensuradas apresentou diferença estatisticamente significante. As distâncias médias e respectivos desvios-padrão para os cadáveres do sexo Masculino e os do sexo Feminino encontram-se na tabela III. Quanto a presença de uma bifurcação comum a partir dos ramos portais para os segmentos II e III, a mesma esteve presente em 16% dos casos, sendo que houve em 80% dos casos uma bifurcação comum formada pelos ramos portais para o segmento III e IV acima da origem do ramo do segmento II.

Quanto a artéria hepática esquerda, foi observada a origem dos ramos de irrigação dos segmentos II e III a partir de uma bifurcação comum em 88% dos casos. Encontramos em um caso do sexo masculino a presença de uma artéria hepática esquerda do tipo acessória, ramo da artéria gástrica esquerda, irrigando em conjunto com a artéria hepática esquerda o segmento II do fígado. Em outro caso, observamos a presença de uma artéria hepática esquerda do tipo substituta, ramo da artéria gástrica esquerda, responsável pela irrigação dos segmentos II e III. Houve em 80% dos casos a origem do ramo arterial para o segmento IV proveniente da artéria hepática esquerda.


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.