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A Física Clássica na Aurora do Pensamento Contemporâneo (página 2)

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

Retomando Aristóteles, Ptolomeu (100-165 a.D.) propôs que o centro do universo é a Terra por ser o lugar natural do elemento Terra, atraindo portanto árvores, animais e pessoas para sua superfície e não os espalhando pelo ar. Os movimentos no céu não eram fáceis de ser explicados quando se pensava no conceito de esferas concêntricas, que foi por sua vez foi aprimorado com a idéia dos epiciclos (pequenos círculos) dos planetas. Mesmo assim, uma série de movimentos observados nos planetas exigiu uma enorme criatividade para descrever de forma rigorosa e matematizável o movimento dos corpos celestes.

Essa síntese do pensamento grego sobre o universo, contendo esses artifícios quando eram necessários, foi realizada por Ptolomeu, que imaginou um sistema de movimento planetário capaz de permitir a previsão das futuras posições dos planetas. Embora bastante preciso para a época, o sistema ptolomaico se afastava da perfeição geométrica simples dos antigos gregos.

Resumindo, neste final da Antigüidade, se monta uma síntese dotada um poder explicativo ou preditivo acerca da mecânica celeste e da mecânica ao nível da Terra. Essa síntese foi assim exposta por Iain Nicolson:

"O sistema ptolomaico do Universo e a visão aristotélica de força e movimento, nos quais a força era necessária para manter um movimento e os objetos materiais eram constituídos de elementos que buscavam seus lugares naturais, foram transmitidos através do Oriente Médio e da Europa. Embora a visão do mundo que eles proporcionavam fosse bela e consistente, divergia da experiência e da observação sob muitos aspectos. No entanto, permaneceu inalterada por mais de mil anos: este foi o alcance da influência dos filósofos gregos."

O sistema aristotélico – ptolomaico foi talvez o último grande legado da Antigüidade ao Ocidente, que conhece uma grande crise com a derrocada do Império Romano, nessa região, e que só com a síntese feudal, a partir do século X, começa a se reerguer, para o que foi bastante importante o papel de Carlos Magno e o seu esforço, acompanhado evidentemente pela Igreja, na educação e alfabetização. Do século XII em diante, como se sabe, o Ocidente tem sua rotina de vida e trabalho profundamente mudada com a expansão árabe, com as Cruzadas e com o renascimento do comércio, tanto no Mediterrâneo como no interior da Europa, criando figuras sociais novas como o mercador e o moedeiro, os primeiros bancos e, ao mesmo tempo em que surgiam as primeiras grandes cidades, como centros de saber, da manufatura e da Igreja congregada nas catedrais, as figuras do intelectual como Santo Anselmo, Santo Abelardo, São Tomás de Aquino e a figura ímpar de São Francisco.

Nesse movimento, a cultura árabe jogou um papel decisivo na renovação intelectual do Ocidente, que havia esquecido os gregos. Os grandes pensadores como Aristóteles eram agora uma herança árabe, mas através de sábios vivendo na Europa como Averróis, puderam ser novamente lidos e recolocados na corrente cultural do continente.

A Física do final da Antigüidade passou a ser discutida nesse novo ambiente por filósofos como o francês Nicolas de Oresne (1320-1382) e pelo cardeal alemão Nicolau de Cusa (1401-1462), que puseram em dúvida pontos como a imobilidade da Terra e a finitude do universo com o seu centro imóvel. Como se sabe, o maior desses filósofos foi o polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que inicia a chamada "revolução copernicana" que iria abalar toda a estrutura antiga. O sistema de Copérnico tinha centro no Sol, isto é, era heliocêntrico. A Terra girava, nele, sobre seu próprio eixo, o que fazia inútil o movimento das esferas das estrelas e o dos corpos celestes.

Ao mesmo tempo, explicava o movimento anual do Sol ao redor da esfera celeste e os movimentos irregulares nos planetas, que tanto trabalho haviam dado a Ptolomeu. Entretanto, Copérnico manteve o movimento circular uniforme para os corpos celestes, o que fazia difícil descrever com simplicidade o movimento apropriado dos mesmos.

A oposição a Copérnico e às suas idéias foi grande, em boa parte, por razões religiosas. Lutero, por exemplo, invocou a autoridade da Bíblia para atacar as novas idéias. Entretanto, não puderam impedir a difusão da concepção de um Universo heliocêntrico e de uma Terra em movimento. Outros autores, como Thomas Digges (1545-1595) e Giordano Bruno, fizeram deles próprios a idéia de um Universo infinito cheio de estrelas. Em grande parte pelas atividades de Bruno, este foi condenado pela Inquisição e o livro de Copérnico De revolutionibus foi colocado no Índice dos livros proibidos. Estamos seguindo aqui a História Ilustrada da Ciência de Colin Ronan e o livro já citado de Iain Nicolson, além dos trabalhos sobre a Idade Média de Jacques Le Goff, citados nas referências bibliográficas.

O trabalho de Copérnico encontrou oposição mesmo entre grandes astrônomos da época, como o dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601). Sua visão de Universo mantinha a Terra no seu centro, fixa, com uma esfera de estrelas fixas que girava ao redor da Terra uma vez por dia. Os planetas girariam ao redor do Sol em órbitas circulares, mas o Sol se moveria em torno da Terra. Apesar desse ponto de vista antigo, Brahe era um excelente observador do céu, podendo por isso examinar o aparecimento de uma supernova em 1572 na Constelação de Cassiopéia e a partir daí concluir que aquele objeto situava-se por seus movimentos muito além da esfera da Lua e dos planetas, devendo situar-se na esfera das estrelas. Esta, portanto, não era imutável.

Mais tarde, observando um cometa, percebeu que ele se movia em uma órbita ao redor do Sol e se achava mais longe do que Vênus, contrariando a visão tradicional de que os cometas eram fenômenos atmosféricos, como sustentava Aristóteles.

As idéias de Copérnico foram retomadas pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642). Astrônomo notável, tanto pelo uso que fez do telescópio como por contribuições para a Mecânica, de grande importância futura para uma teoria da gravidade. No início do século XVII, Galileu havia descoberto argumentos matemáticos que o levaram a crer que a Terra se movia. Teve a sorte, também, de observar uma nova que para ele se achava além da esfera da Lua. Em 1609, passou a fabricar telescópios, uma invenção holandesa, com lentes que aumentavam 30 vezes. Apontando seus instrumentos para o céu, Galileu descobriu que a Lua era semelhante à Terra, com montanhas, vales e outros acidentes, e não uma esfera lisa, perfeita e imutável, feita de material celeste.

Percebeu também que havia um sem-número de estrelas de luz muito fraca para ser vista a olho nu e que Via-Láctea não era um fenômeno atmosférico, mas uma massa de estrelas de pouca luminosidade. O pequeno auxílio do seu telescópio na observação das estrelas lhe sugeriu que elas deveriam situar-se a distâncias muito maiores que as dos planetas. Galileu percebeu também manchas solares, com base nas quais deduziu a rotação do Sol. Também Vênus pôde ser observado como uma esfera em rotação e Júpiter possuía quatro satélites gravitando ao seu redor. Essas idéias mostravam que a Terra não era o único centro de movimento do universo e tornava atraente a visão copernicana. Essas observações de Galileu não constituíam uma comprovação do sistema heliocêntrico, mas borrou a distinção entre o céu e a Terra.

O alemão Johannes Kepler (1571-1630), personagem central de um livro recente do físico Marcelo Gleiser e, segundo este, mais copernicano que o próprio Copérnico, foi o pesquisador mais importante para o descrédito do sistema geocêntrico e do movimento circular uniforme no firmamento. Após alguns trabalhos iniciais, na Alemanha, Kepler foi convidado por Tycho a trabalhar com ele em Praga para ajudá-lo a observar os movimentos dos planetas. Inicialmente Kepler começou a trabalhar sobre o movimento de Marte, chegando após 70 tentativas à conclusão de que a órbita de Marte era uma elipse, o que punha um fim na tradição do movimento circular perfeito. Todo o seu trabalho pode ser apreciado pelas três leis que ele inferiu no movimento dos planetas:

  1. A órbita de cada planeta ao redor do Sol é uma elipse, localizando-se o Sol em um dos focos;
  2. O raio vetor, ou a linha que liga o planeta ao Sol, percorre áreas de espaços iguais em tempos iguais de tal forma que em suas órbitas elípticas, os planetas se movem mais depressa quando próximos ao Sol do que quando afastados;
  3. O quadrado do tempo periódico de um planeta, ou seja, o tempo necessário para ele completar uma órbita em torno do Sol, é diretamente proporcional ao cubo de sua distância média ao Sol, entendendo-se por distância média o eixo maior da elipse.

Essas idéias estavam adiante das idéias do próprio Galileu e pôde por um fim na crença da perfeição do céu e de que o movimento circular perfeito era o único possível para os mundos celestiais. A Terra também fora destronada de sua posição central no universo e, a Física, a Astronomia e a Filosofia jamais poderiam ser as mesmas.

Até aqui percebemos uma nova maneira de conceber o movimento dos planetas, em órbitas elípticas, aumentando e diminuindo suas velocidades como Kepler observou. Galileu, por sua vez, mostrou que a distância percorrida por um corpo em queda livre é proporcional ao quadrado do tempo e este é o exemplo mais simples de aceleração, a aceleração uniforme. Demonstrou também que todos os corpos, independentemente de seus pesos, sofrem uma aceleração idêntica em direção ao solo. Ou seja, um corpo pesado e um corpo leve cairão na mesma velocidade se deixados cair no mesmo instante, desprezando-se a resistência atmosférica, do alto de uma torre. Galileu descobriu também o princípio da inércia, pelo qual um corpo continuaria a mover-se na direção em que fosse impelido num plano horizontal, a menos que fosse obrigado a deter ou mudar esse movimento. Essa lei contradizia a noção de força de Aristóteles, e chegou próxima da primeira lei do movimento de Newton. Como indica Iain Nicolson:

"Galileu derrubou muitos dos pilares fundamentais da mecânica aristotélica: demonstrou que a força não é necessária para o movimento; que os corpos podem executar diferentes espécies de movimento ao mesmo tempo; que os corpos em queda livre sofrem a mesma aceleração, independentemente de seu peso; e que o vácuo é possível. Inegavelmente, ele colocou os alicerces sobre os quais Newton iria erguer a nova mecânica".

Entretanto, Galileu não chegou a construir uma mecânica e não conhecia a gravidade, tomando-a por um termo bastante usado, mas incompreendido. Kepler também não chegou a elaborar tal mecânica, embora supusesse que existia uma atração geral entre os corpos e que isso explicava o movimento deles no céu assim como as marés do oceano, mas isso foi percebido de maneira ao mesmo tempo antecipatória e confusa.

Muitos outros autores como Descartes, Huygens, e outros como Gassendi tentaram explicar a gravidade e o magnetismo de forma freqüentemente mística e não comprovada, embora interessante. Apenas Newton colocou numa grande síntese rigorosa, em termos de leis da mecânica que agiam dentro de um aparato matemático que ele mesmo criou, ao mesmo tempo que Leibiniz, o cálculo diferencial. Essa tarefa começou a ser desenvolvida no início da vida adulta de Newton, foi abandonada em favor de outros interesses, como a alquimia e a teologia, e depois foi completada em grande medida pelo ambiente estimulante do início do século XVIII.

Percebemos, portanto, que desde Empédocles no século VII a.C. até Ptolomeu em I d.C, foi completada a física aristotélica – ptolomaica, que vigorou inconteste até a Renascença, e daí até Newton diversos pesquisadores foram pondo pedras para o caminho da física clássica entre os séculos XVII e XVIII. Evidentemente, a aceleração da história européia desde o final da Idade Média tem uma conexão com a história das idéias e das ciências, num momento em que esta começava a se distanciar do misticismo, criando critérios próprios para sua validade. Não é tolo dizer que a própria aceleração da vida material na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII está por trás do sucesso de Newton, como ocorrerá com outras ciências, como a Química, na esteira do desenvolvimento industrial, que começa a ocorrer neste último século.

É possível dizer que a separação entre fé e razão, já postulada por Duns Scott e Guilherme de Ockham, só agora ganha plena validade. Pode-se mesmo dizer que este é o momento em que nasce uma ciência materialista sobre seus próprios pés.

Para tentar expor as idéias básicas da física clássica, utilizamos aqui o conhecido livro A Evolução da Física, de Albert Einstein e Leopold Infeld. O primeiro ponto é que essa física baseia-se em conceitos mecânicos e explora a conexão entre força e alteração da velocidade, conceitos que são ampliados e generalizados para dar conta de diversos fenômenos físicos. Para Newton, "uma força imprimida é uma ação exercida sobre um corpo a fim de modificar o seu estado, seja de repouso ou de movimento uniforme para frente e em linha reta. Essa força consiste somente na ação; e não mais permanece no corpo quando a ação termina. Pois um corpo mantém todo novo estado que adquire somente por sua inércia. As forças imprimidas têm origens diferentes, como percussão, pressão, força centrípeta".

Esse conceito mecânico, que é a base da física de Newton, tem como fundamentos três leis:

  1. A lei da inércia, segundo a qual, como dizia Galileu em Duas Novas Ciências, "qualquer velocidade, uma vez imprimida a um corpo em movimento será rigidamente mantida enquanto estiverem removidas as causas externas de aceleração ou retardamento, condição essa que só encontrada nos planos horizontais; porque nos casos dos planos em declive já está presente uma causa de aceleração, enquanto nos planos em aclive há um retardamento; segue-se daí que o movimento em um plano horizontal é perpétuo; pois, se a velocidade for uniforme, não poderá ser diminuída ou retardada e muito menos destruída (...)";
  2. Lei que trata da medida de uma força imprimida, descrita como "a mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida." Pode-se entender a "mudança de movimento" como a mudança da "quantidade de movimento". Segundo Newton, "quantidade de movimento" surge da velocidade e quantidade de matéria conjuntamente, isto é, velocidade e massa. Assim, a mudança da quantidade de movimento é a medida da força que a produz. Dessa forma, deriva a medida da força como o produto da massa e aceleração (mudança ou variação de velocidade);
  3. Lei da ação e reação, descrita como "a toda ação corresponde uma reação de igual intensidade mas de sentido oposto".

Essas leis são suficientes para dar conta de um conjunto de fenômenos como a gravidade, até o século XIX. Embora Newton tenha relutado em chamar gravidade de força, hoje se usa o conceito de que ela é uma força fraca, agindo à distância entre dois corpos. Assim, a Terra atrai a Lua da mesma forma que a Lua atrai da Terra, como se percebe pelo fenômeno das marés, que é possível pelo fato da água do mar poder ser deslocada com mais facilidade que o material sólido da Terra. A gravidade atua entre os corpos celestes desenhando trajetórias elípticas dos corpos menores como a Terra sobre os corpos maiores como o Sol, em torno do qual orbitam. Porque esse movimento é elíptico é demonstrado mecanicamente de uma forma nada óbvia e que foge ao âmbito deste artigo. Estudando a gravidade, Newton pôde estabelecer uma lei da gravitação segundo a qual a força de atração entre dois corpos depende inversamente da distância entre eles. A lei da gravitação e a leis gerais do movimento bastam para prever o curso de um corpo em movimento. Essa mecânica pesada é facilitada pela matemática desenvolvida por Newton e Leibiniz.

Vejamos a seguir como os princípios mecânicos de Newton permeou o desenvolvimento de outra área da física, a saber, a termologia, até culminar com o avanço da teoria cinética dos gases. Após um longo período de dominação das concepções aristotélicas, contrapõe-se uma, em particular, no século XVII: a noção de calor como característica da matéria, e não como um tipo especial de matéria, como referência ao elemento fogo da física de Aristóteles. As primeiras indicações sobre a natureza do calor pode ser verificada no Novum Organum de Francis Bacon (1561 – 1626). Aplicando o seu método, mas ainda de forma qualitativa, com a catalogação de fenômenos vários, como o movimento desordenado da chama, bem como o movimento dos líquidos quentes ou em ebulição, Bacon sugere que o movimento parece ser a natureza oculta do calor.

Mais tarde, Newton explorou a noção de uma substância gasosa constituída por átomos cercada por uma espécie de fluído que podia variar proporcionalmente segundo as forças repulsivas entre os átomos, que também variavam com o inverso da distância. Portanto, Newton considerava o calor como esse fluído. Depois, Daniel Bernoulli (1700-1782 ), em 1738, já considera o calor como o movimento interno das partículas, preanunciando a teoria cinética dos gases do século XIX e, ainda que de forma mais rigorosa e implícita, refletindo os estudos qualitativos de Bacon.

Somente no final do século XVIII, com Joseph Black (1728-1799), as noções de temperatura e calor foram nitidamente distinguidas, com os estudos a respeito da fusão do gelo. Também conceitos como o calor específico e a capacidade térmica surgiram a partir dos trabalhos de Black. Porém, ainda aqui, Black soube distinguir os conceitos, mas não defini-los corretamente, pois não se tinha conhecimento sobre a natureza dos gases, propriamente. A partir de 1763, com James Watt (1736-1819), com os estudos dos princípios teóricos da máquina a vapor, bem como os notáveis trabalhos de Robert Mayer (1814-1878) e de James Prescott Joule (1818-1889), realizados independentemente, chegou-se a relações consistentes entre calor e movimento e a descoberta da conservação quantitativa de algo básico: a energia.

Estava aqui enunciada a Termodinâmica, com suas leis bem determinadas e seus efeitos térmicos estudados quantitativamente. A questão inicial, porém, volta-se com mais força: seria possível deduzir as leis básicas da termologia a partir de princípios da mecânica, num esforço semelhante ao de Newton e Bernoulli que já tinham tentado deduzir as leis de dilatação dos gases a partir de modelos mecânicos? O preâmbulo dessa resposta veio com John Dalton (1766-1844), em 1800, recuperando a hipótese atômica dos pré-socráticos, à medida que conseguiu associar grandezas quantitativas aos átomos, numa clara evolução às idéias abstratas de partículas minúsculas de seus antecessores. Ainda assim, Dalton, tentava aplicar as idéias de Newton, segundo o qual o gás era constituído por átomos em repouso, mantidos afastados por forças repulsivas inversamente proporcionais à distância. A idéia da conservação de energia e concepção do calor como um tipo intrínseco de movimento recuperou as idéias de Bernoulli. Então, o calor poderia ser aceito como a energia cinética das partículas de um gás, proporcional à temperatura do gás.

Mais tarde, em 1857, Rudolf Clausius (1822-1888) mostrou que várias propriedades gasosas eram dedutíveis de um modelo cinético da matéria e Maxwell, em 1866, conseguiu, através de um estudo teórico, analisar quantitativamente a variabilidade das velocidades das moléculas de um gás, através de um método de distribuição de velocidades. Em seguida, Ludwig Boltzmann (1844-1906), em 1877, tenta demonstrar como se poderia deduzir, a partir da teoria cinética, a segunda lei da Termodinâmica, que se refere à entropia de um sistema isolado. Em suma, depois de um longo período, foi possível explicar as principais relações da Termodinâmica a partir do movimento das partículas que compõem um gás.

Também a óptica foi alvo de uma modelagem mecânica. As principais da óptica já eram conhecidas no século XVII; no entanto, tratavam-se de relações descobertas experimentalmente, a mercê de estudos a respeito das causas desses fenômenos. A conhecida Lei da Reflexão já tinha sido deduzida por Heron de Alexandria, porém, o que causou um caloroso debate foi a Lei da Refração, no século XVII, descoberta de forma independente por Willebrord Snell (1580-1626), em 1621, e René Descartes (1596-1650), publicada em 1637 por esse último. Descartes, ao contrário de Snell, especulou sobre o porquê do fenômeno da refração, que diz respeito ao desvio da luz em materiais distintos. Para tanto, utilizou um modelo mecânico. No caso da reflexão, comparou a luz a uma esfera que rebate numa superfície sólida.

Facilmente percebe-se que os ângulos de incidência e de reflexão, medidos a partir de um eixo normal, perpendicular à superfície de separação, são iguais. No caso da refração, Descartes compara a incidência da luz em um líquido, por exemplo, com uma esfera que fosse atirada para o interior desse mesmo líquido. A esfera mudaria de direção devido à resistência do líquido. O modelo de Descartes, entretanto, tinha sérias limitações, pois ele considerava a propagação da luz como instantânea; ao mesmo tempo, admitia diferentes velocidades à Luz em meios diferentes.

Um pouco mais tarde, Christiaan (1629-1695) Huygens, discípulo de Descartes, propôs uma clara concepção ondulatória para a Luz., pois lhe parecia conveniente pensar nesses termos, visto que dois feixes de luz se sobrepõe sem nenhuma aparente perturbação em qualquer deles. Essas ondas se propagariam na "matéria etérea ", e assim, explicou de forma bastante razoável os fenômenos de reflexão e refração, além da propagação retilínea da Luz. Porém, não conseguiu explicar fenômenos como a dupla refração, difração e interferência. Newton também se ocupou dos estudos de Óptica, dedicando-se a demonstrar vários axiomas estabelecidos a partir de experiências inéditas. A principal delas se refere à formação do espectro luminoso por um prisma.

Dessa forma, Newton entendeu cada um dos raios luminosos coloridos como uma luz homogênea, cada qual com um diferente grau de refrangibilidade, entendido como o grau de desvio de cada uma das cores. Assim, um prisma decompunha a luz branca em diferentes raios luminosos homogêneos (raios de diferentes cores). Um segundo prisma poderia recompor esses raios e formar novamente a luz branca, como também demonstrado experimentalmente pelo cientista inglês. Newton demonstrou em seu Principia que, considerando a luz como pequenas partículas, podiam-se deduzir rigorosamente as leis da reflexão e refração, supondo que sobre essas partículas agissem certas forças constantes. Entretanto, Newton nunca afirmou que a Luz era constituída por partículas; antes, demonstrou os principais fenômenos ópticos como se a luz fosse entendida por partículas, ressaltando as vantagens dessa abordagem, em detrimento dos problemas da teoria ondulatória de Huygens.

Paralelamente à coroação da mecânica newtoniana, estudos qualitativos sobre a eletricidade e o magnetismo foram, pouco a pouco, ganhando espaço, como, por exemplo, os trabalhos de William Gilbert (1540-1603) sobre o magnetismo Terra, em 1600, Benjamim Franklin (1706-1790), com os seus trabalhos sobre eletrização dos corpos, em 1747 e Charles Augustin de Coulomb (1736-1806), com a dedução da lei que rege as forças elétricas, no século XVIII. Conheciam-se três forças independentes: a gravitação, a eletricidade e o magnetismo que obedeciam à mesma lei do inverso do quadrado das distâncias. Até o início do século XIX, não se conhecia, porém, a relação entre essas três classes de forças. Logo, com a invenção da pilha de Volta, de Alessandro Volta (1745-1827), Hans Christian Oersted (1777-1851) descobriu a primeira relação entre eletricidade e magnetismo, em sua célebre experiência, em que constatou que cargas elétricas em movimento induziam uma ação sobre imãs. Em seguida, Michael Faraday (1791-1867) descobriu o oposto: imãs em movimento induziam corrente elétrica, fenômeno denominado indução elétrica.

Também se verificavam influências de campos magnéticos sobre a luz emitida por um gás aquecido. A questão que se colocava era qual a relação consistente entre a eletricidade, o magnetismo e a óptica. Então, James Clerck Maxwell (1831-1879), estudando o trabalho de seus antecessores, encontrou a unidade entre todos os fenômenos eletromagnéticos e resumiu a teoria da eletricidade e do magnetismo em quatro equações, as equações de Maxwell. Com sua teoria das ondas eletromagnéticas, e depois com as experiências de Hertz, em 1886, a luz foi então interpretada como uma onda eletromagnética de alta freqüência, passando então ser a óptica derivada do eletromagnetismo, com todas as suas leis dedutíveis a partir das equações de Maxwell. Por ser seu trabalho tão grandioso a ponto de se generalizar vários resultados conseguidos por seus antecessores, diz-se comumente que Maxwell está para o eletromagnetismo como Newton está para a Mecânica.

Esses dois séculos foram bastante exitosos para a teoria de Newton, para seus antecessores e sucessores, bem como para físicos contemporâneos como Edmund Halley e outros. Essa Física ainda continua sendo adequada para lidar com quase todos os problemas do dia a dia, incluindo lançar uma sonda espacial a planetas distantes. Nunca ficou claro o que é exatamente a gravidade e como agia através das distâncias celestes. Mesmo hoje a Física tem dificuldade para explicá-la. Entretanto, à medida que o conhecimento do universo das partículas aumentou, foram necessárias outras abordagens redimensionando problemas antigos e mesmo conceitos aparentemente simples como os do tempo e espaço, que para Newton eram dados e absolutos. Na segunda parte desse artigo trataremos dessa Física que na verdade já tem cem anos. Interessa-nos agora uma pequena digressão sobre a influência da Física clássica sobre as teorias econômicas mais importantes entre os séculos XVIII e XIX.

Sabe-se que a Física clássica foi a primeira ciência moderna no sentido de dispensar apoios metafísicos ou religiosos, construindo-se através da experimentação sistemática e de um rigoroso e novo instrumental matemático. Ela logo se tornou um modelo a ser buscado em outras áreas, inclusive naquelas relativas a então chamada filosofia moral. O primeiro pensador a construir conceitos sólidos inter-relacionados numa visão de homem e do seu mundo material, de produção e consumo e logo de satisfação de seu interesse próprio, foi Adam Smith, com a Riqueza das Nações, de 1776. Nesse livro Smith traça a idéia de um mercado onde os produtores individuais satisfazem seus interesses próprios e alcançam uma harmonia econômica e social através da concorrência, muito há semelhança dos astros no céu movendo-se com a gravidade. Essa visão já estava implícita na Teoria dos Sentimentos Morais, obra de filosofia que antecede o livro fundador da Economia.

A idéia de harmonia econômica vai chegar há muitos autores, dando conta de um mundo em que a produção material se convertia em seu foco principal, distanciando-se dos duros anos da Idade Média e mesmo da Renascença. Como fica claro em Marx, a visão desses economistas é a de relações entre coisas que gravitam com seus proprietários em uma ordem harmoniosa, que minimiza, inclusive, o papel do Estado. Com Ricardo e seus seguidores, inclusive o crítico brilhante que foi Marx, a economia toma um caminho muito mais politizado com ramificações no movimento operário.

Na altura em que a Física clássica atinge seu auge, no terceiro quartel do século XIX, a economia chamada neoclássica ou marginalista refaz a idéia de equilíbrio de Smith de modo a novamente tirar para fora o Estado e elaborar uma visão de equilíbrio entre proprietários de terra, proprietários do capital e proprietários do trabalho. Neste equilíbrio de todos, em que a contribuição à produção é igual para cada um a sua remuneração, a própria idéia de concorrência se enfraquece, alcançando-se um estado de bem estar e de maximização da satisfação ou da utilidade de todos os componentes do tecido econômico. Literalmente, tudo determina tudo, logo o poder fica obscuro.

Somente no século XX, com Schumpeter, a Biologia fará uma grande entrada enquanto contribuição teórica à Economia. Veremos esse ponto na próxima parte do artigo. Todavia, apesar de bastante interessante, a linha dura da Economia continuará a ser dada com vários matizes por escolas próximas de uma visão do mundo como os físicos a apresentam.

Referências Bibliográficas

  • Iain Nicolson: Gravidade, buracos negros e o universo – Rio de Janeiro: F. Alves, 1983.
  • Eric Chaisson: A aurora cósmica – Rio de Janeiro: F. Alves, 1984.
  • Colin Ronan: História da ciência – São Paulo: Círculo do Livro, s.d.
  • Albert Einsten e Leopold Infeld: A evolução da Física – Rio de Janeiro: Zahar, 1976, (1.a edição 1978).
  • Georges Duby: O tempo das catedrais, a arte e a sociedade, 980 – 1420 – Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
  • Jacques Le Goff: Os intelectuais na Idade Média – São Paulo: Editora Brasiliense, 1995.
  • Maurice Dobb: Teorias do valor e distribuição desde Adam Smith – Lisboa, Editorial Presença, Livraria Martins Fontes, 1973.
  • Albert Einsten: Notas autobiográficas – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
  • Newton: Coleção os pensadores
  • Paul A. Tipler: Física para cientistas e engenheiros – Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1991.
  • Rui Moreira, A revolução científica do século XVII, Universidade de Lisboa.
  • Isaac Newton, Princípios Matemáticos de Filosofia Natural – São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
  • Os Pensadores: Pré-Socráticos; Sócrates; Platão; Aristóteles, Abril Cultural, 1979
  • Arthur Koesler, Os Sonâmbulos, IBRASA – Instituição Brasileira de Difusão Cultura S.A., São Paulo (1961).
  • Lucinda, J. História da Física, Universidade Federal do Paraná, 2005.

 

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

igorzaleao[arroba]yahoo.com.br

Ednilson Rodrigo Pedroso



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