A política externa do governo lula (18/8/2004)



Antes de entrar no exame da política externa do governo Luis Inácio Lula da Silva, creio necessário estabelecer o quadro geral em que ela é posta em prática. O que significa traçar, como nos ensinaram, ainda que apresentando apenas suas grandes linhas, um quadro da situação internacional para, depois, buscar compreender os lineamentos da política externa e suas conseqüências.

Antes de tudo, a globalização

Para simplificar, diremos que a globalização é o novo, e talvez o último momento do processo de acumulação do Capital, aquele em que ele se torna de fato mundial. Esse processo apresenta algumas características, conhecidas de todos, mas que convém relembrar para perfeito entendimento do que se dirá depois.

a. Mudança no processo produtivo – As alterações introduzidas pela informática e pelos desenvolvimentos de gestão empresarial (desenvolvimento tecnológico, gerenciamento do processo, especialmente em seus aspectos financeiros, e da mão-de-obra, e marketing) configuram uma autêntica revolução, cujas conseqüências políticas e sociais ainda não foram devidamente apreendidas. É que não se consideraram cabalmente as repercussões que as alterações no volume e na densidade dos grupos sociais – para citar Durkheim –, e as mudanças ocorridas no setor de Serviços tiveram sobre a solidariedade social e a organização político-institucional das nações.

b – Nova geopolítica econômica – O que se tem no processo de globalização é, antes de tudo, a ocupação de um Espaço quase mundial por um modo de produção que poderemos chamar de Modo de Reprodução Ampliada. O Espaço é, em certa medida, a conditio realiter da acumulação do Capital – desde que seja tomado como Espaço-vivo (Posiçao Trabalho). O Espaço trabalhado pelo homem é essencial para que a acumulação se dê seja no mercado externo, seja no mercado interno do Capital. O primeiro é aquele em que o processo econômico se dá regido pelo Modo de Reprodução Ampliada do Capital; o último é a região (maior ou menor, contígua ou não, não importa) em que a atividade a econômica se processa conduzida pelos padrões do que se chamaria de reprodução simples.

Uma das características desse novo momento do processo de acumulação é a que grandes espaços geográficos perderam sua característica de serem apenas fornecedores de matérias primas e commodities em geral e de espaços em que se realizava o valor adicional produzido nos países mais desenvolvidos, para se transformarem em, digamos, espaços produtores de segunda geração. Completou-se nesses espaços a transformação das nações atrasadas, até então situadas no mercado externo do Capital, em mercados internos dele.

Da perspectiva geoeconômico-política, é importante não perder de vista que o espaço em que se gerou, difundiu e difunde o novo modelo de acumulação é o dos países que tinham feito ou completaram sua revolução industrial antes da Primeira Guerra Mundial, e tinham constituído até o fatal agosto de 1914 suas colônias ou suas áreas de influência econômica e política que controlavam de tal modo que era possível dizer que eram colônias da mesma maneira, ainda que formalmente se caracterizassem como países independentes e soberanos. Esses são os espaços ativos, produtores de primeira geração.

Os países que não chegaram ainda ao novo momento do processo de acumulação devem ser vistos como espaços-reserva, da mesma maneira que falamos em exército industrial de reserva. Assim como o "exército industrial de reserva forma um complemente indispensável da mecânica social do capitalismo", da mesma maneira há espaços geográficos que são a reserva indispensável para que se possa dar a acumulação do capital social global. Essa reserva era facilmente discernível no chamado mundo ocidental até 1945: colônias e países dependentes. Passou despercebido na análise o fato de que o bloco socialista, URSS e China inclusive, eram na prática espaços de reserva do Capital.

c – A revolução na velocidade das comunicações – A inserção a partir de meados do século XX dos espaços-reserva no processo global de mudança (e sua transformação em espaços produtores de segunda geração) só foi possível com a concomitante revolução nos transportes: tonelagem dos navios e dos aviões de carga, velocidade dos meios de transporte, boa infra-estrutura de vias de comunicação e portos, bons sistemas de telecomunicações.

Note-se que a informática foi grande instrumento tecnológico – se assim pode ser classificada – que permitiu que países que eram espaços-reserva passassem a produtores de segunda geração, mediante um salto que não alterou no essencial as relações sociais que neles se processavam, especialmente as de dominação.

Por outro lado, a mudança no processo produtivo que caracteriza a globalização exige grandes investimentos. Compare-se o custo da criação de um emprego rural ou urbano nos anos 1950/60 com os custos de hoje. A diferença, mesmo descontada a inflação do dólar, é enorme. Essa necessidade de investimentos reforça a influência, quando não o poder dos países situados nos espaços ativos em suas relações com os que estão nos espaços-reserva. Note-se que esse favorecimento sempre existiu – apenas hoje é mais gritante e a dependência dos produtores de segunda geração bem maior. Uma feliz expressão caracteriza as relações entre espaços ativos e espaços reservas (e eu diria, também os espaços produtores de segunda geração): "uma complexa interdependência de subordinação".


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