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Quando o certo é errado e o errado é certo: reinações e peripécias de exu no Brasil (página 3)


Partes: 1, 2, 3, 4, 5

No entender de Osvaldo Omotobàtálá: "Hoje em dia podemos dizer que a Kimbanda se liberou da Umbanda, existindo um culto separado só prá Exu da Kimbanda e fora do contexto umbandista."[82]

Autores como Matta e Silva, Antônio de Alva e Rivas Neto pretendem ser a Quimbanda a parte passiva da Umbanda, a ela entrelaçada. Outros como Roger Feraudy consideram como uma religião diferente e independente da Umbanda. Havendo na opinião de Osvaldo Omotobàtálá como descrito acima, além da Quimbanda, a Kimbanda de Angola. Bennto de Lima, em sua obra Malungo – Decodificação da Umbanda faz uma observação sobre essa interpenetração entre a Quimbanda e a Umbanda no que tange à pratica, nada comentando sobre a Kimbanda de Angola:

"Alguns pretendem que Umbanda negra[83]seja aquela que só trabalha com Exus, que são representações do mundo da sombra, entidades telúricas, cuja disponibilidade para o mal suplanta as intenções de auxílio fraterno; por outro lado, a Umbanda branca se caracterizaria por fazer trabalhos mágicos apenas com fins de caridade e auxílio. Contudo , na pratica, ambas se manifestam frequentemente misturadas, pois, tanto a realização de um mal pode gerar um bem , quanto , vice-versa, a realização de um bem pode acarretar um mal[84]

Ainda em Malungo, Bentto de Lima complementa o raciocínio acima exposto:

"Nota-se, por parte de certos umbandistas, a tendência de sincretizar Quimbanda às forças do mal e tornar a Umbanda representante das forças do bem, justificando ambas por uma relação de competição e belicosidade. Isso repete o Masdeímos, ressurgindo a eterna luta entre Ormudz – deus do bem e da luz – e Arimã – deus do mal e das trevas. Contudo essa crença é incompatível com o significado de unidade que se atribui à Umbanda. Cremos, assim, que os conteúdos da divindade Zervan, deus do tempo ilimitado, que gerou Ormudz e Arimã e engloba aspectos antagônicos e contraditórios , exprimiria melhor o significado almejado pela Umbanda do que sua dicotomização e sua especialização em " desmanchar os trabalhos" da quimbanda.[85]"

É necessário fazer um aparte no entendimento de Lima, e de outros autores, visto que embora seja considerada por muitos como "o reino de Exu", a Quimbanda não se compõe somente de entidades dessas falanges, nela estando presente, como pode ser notado ao longo do texto e também no estudo de suas linhas tanto caboclos (linha de Caboclos Quimbandeiros) quanto indígenas africanos ( Linha de Mossurubi[86]Segundo Sá Junior:

"(...), a quimbanda aparece no discurso umbandista ora como prática inserida na própria Umbanda, através de uma gira de Exu, ora como categoria de acusação, onde membros de um terreiro acusam a outros participantes ou terreiros de praticante da magia negra. É possível percebê-la ainda, como trabalhos realizados para diversos fins que chegam a envolver práticas do Vodu como os envultamentos (utilização de bonecos em forma humana em substituição ao corpo da pessoa que deseja atingir). Essas últimas, são práticas religiosas – trabalhos – normalmente pagos por aqueles que desejam se utilizar das prerrogativas da magia negra para obter fins materiais, espirituais ou afetivos."[87]

Para Dias Sobrinho todos os chefes das Linhas de Quimbanda "têm tendência obstinada à prática do mal e se comprazem em causar dano aos encarnados por meio de maus fluídos, encosto, etc. Os espíritos mais sagazes destas linhas são os Exús e o exército de que dispõe é enorme e poderoso[88]

Cabe recorrer a Lourenço Braga[89]e à descrição que este autor faz dos espíritos pertencentes à Lei de Quimbanda. Por questões de espaço nos ateremos aos espíritos denominados "Umuluns", Caveiras e Exus que aparecem em três das sete Linhas :

1ª – Linha da Almas: - Esta linha à qual tantas pessoas se orgulham de ser "filiadas" é constituída de 7 legiões de espíritos denominados "umuluns" e a sua forma é apavorante. São peludos como ursos, de cor branca-acinzentada. Possuem mão e pés em forma de garras, orelhas pontudas, dentes idênticos aos dos javali; alguns têm dois cornos outros um só, havendo também os que possuem um olhos só no centro da testa. São todos tortos de corpo, andam de rastros e têm uma luz vermelho-escura. Têm um chefe "Umulum Rei" ( s. Lázaro) Estes infelizes têm como Deus Oxalá e obedecem a Ogum Megê ( S. Jorge)

2ª – Linha dos Cemitérios: compõe-se das 7 legiões das caveiras. Seu chefe é João Caveira. Obedecem a Ogum Megê e seu Deus é Oxalá.

Todos esses espíritos têm forma de esqueletos humanos, andam agrupados e carregam uma bandeira branca com o símbolo da linha traçado a preto. São teimosos e persistentes na prática do mal e juntamente com o "umuluns" são especialistas em mandar gente para o outro mundo. Provocam nas criaturas paralisias, patetices, congestões cerebrais, lepra, tuberculose, feridas, etc. Quando não produzem estes males diretamente, procuram agravar os males de suas pobres vítimas.

3ª – Linha de Malei: é a linha dos Exús que agem de preferência nas encruzilhadas. Possuem na cabeça uma luz vermelha como uma lanterna e em torno do corpo fluídico uma espécie de envoltório cinzento.

Quase todos têm cauda e chifres, pernas e pés como bode; alguns têm forma de morcego, outros de um macaco gorila. Os seus chefes usam capa preta de fundo vermelho e um garfo tridente de forma arredondada. Os chefes de Legião também usam espada.

Êstes espíritos são especialistas em assuntos se uniões sexuais. Provocam o vício da embriaguez, do jogo, do roubo, fazendo também a separação dos casais; as suas irradiações produzem dores de cabeça, agulhadas, coceiras, distúrbios sexuais, impotência, etc. Chefe – Exú Rei.[90]"

Deixamos de fora as outras quatro linhas, a saber: Linha de Nagô(gangas), Linha Mossurubi (selvagens africanos – Chefe Kaminalôá). Caboclos Quimbandeiros ( Chefe Pantera Negra) e a Linha Mixta cujo chefe é Exú dos Rios e que se compõe de guias e espíritos sofredores ou trevosos de raças variadas, que são "arregimentados pelos Exus, para servir de joguete nos trabalhos para o mal."

Os autores supracitados (J. Dias Sobrinho – kardecista e Lourenço Braga- umbandista) assim como outros umbandistas esperam que o trabalho dos espíritos da Lei de Umbanda possa um dia extinguir a rede de quimbandeiros, através da captação, doutrinação e convencimento dos mesmos da validade meritória da prática do bem com vista à evolução espiritual. Tanto Sobrinho quanto Braga chamam atenção para o fato de que espíritos afeitos à Lei de Quimbanda podem ser utilizados para a prática do bem. Com o que concordaram Matta e Silva e outros autores umbandistas.

Há discussões que permeiam o meio intelectual umbandista sobre a figura denominada "Pantera Negra", que uns pretendem ser um caboclo ( Linha dos Caboclos Quimbandeiros - selvagens americanos - Norte e Sul), outros que seja um Exu. Elas não cabem no objeto deste trabalho assim como não cabe discutir a respeito de duas das outras linhas, como a Linha Mossurubi[91](selvagens africanos – Chefe Kaminalôá). Leal de Souza faz referência à Linha de Santo ou Linha das Almas da Umbanda, composta caboclos e negros egressos da Linha Negra (Quimbanda).

"A Linha de Santo é forma de pais de mesa, isto é, de médium de"cabeça cruzada", assim chamados porque se submeteram a uma cerimônia pela qual assumiram o compromisso vitalício de emprestar o seu corpo, sempre que seja preciso, para o trabalho de um espírito determinado, e contraíram "obrigações", equivalentes a deveres rigorosos e realmente invioláveis, pois acarretam, quando esquecidos, penalidades aspérrimas e inevitáveis.

Os trabalhadores espirituais da Linha de Santo, caboclos ou negros, são egressos da Linha Negra, e tem duas missões essenciais na Branca – preparam, em geral, os despachos propiciatórios ao Povo da Encruzilhada, e procuram alcançar amigavelmente de seus antigos companheiros, a suspensão de hostilidades, contra os filhos e protegidos da Linha Branca. Por isso, nos trabalhos em que aparecem elementos da Linha de Santos, disseminados pelas outras seis, estes ostentam, com as demais cores simbólicas, a preta, de Exu.[92]"

Retorna-se aqui a questão da pertença, ou melhor, da existência de falanges de caboclos e africanos na Quimbanda. A Umbanda, segundo a opinião de alguns autores como Matta e Silva e Rivas Neto, tem a Quimbanda como sua parte passiva, mas ambos os autores ( como a grande maioria) somente relacionam a Quimbanda com os Exus, talvez por serem os Exus o alvo central de suas atenções, ou antes, as figuras chave sobre as quais pretendiam fazer revelações.

2.2.3.- O lado branco do boné de Exu – Umbandas.

Para sobreviver e escapar das perseguições do Estado e da Igreja Católica, os diversificados cultos encampados pela denominação "Macumba" precisaram reorganizar-se. Dessa reorganização surgiram a Umbanda e a Quimbanda[93].

A parte dos adeptos das "Macumbas" que aceitou a inserção dos valores kardecistas e os apelos ao "embranquecimento", internalizando as teorias evolutivas, saiu em busca de legitimação[94]reunir-se-á a Umbanda, já permeada por ideais cristãos, modificada pela penetração em seus quadros de médiuns oriundos do kardecismo, estes últimos plenos dos ideais espíritas chegados ao Brasil desde o último quartel do séc. XIX.

"A umbanda devido seu vasto sincretismo e sua não sistematização dogmática tem características diversas em cada local de culto. Os centros espíritas Umbandistas tem suas características religiosas marcadas principalmente pela formação do líder mediúnico que rege a casa sendo essa característica notada em todas as regiões do Brasil. A Umbanda Carioca teve seu ápice junto com o processo de industrialização e urbanização, com novas possibilidades socioeconômicas para os negros . A Umbanda representou para essa parcela da população uma chance de desmistificar seu culto (macumba) e propor novas bases que facilitassem sua vida social, mantendo ainda características do seu antigo culto.[95]"

Nessa sociedade que buscava encontrar o que é a brasilidade, é que a Umbanda se auto intitulará como a Religião Brasileira e universal , diferenciando-se das demais religiões afro, como o Candomblé. Em seu artigo As Religiões Negras do Brasil, Reginaldo Prandi faz um apanhado da questão:

" Em nosso século [XX] nasceu a umbanda, que tem sido reiteradamente identificada como sendo a religião brasileira por excelência, pois, formada no Brasil, ela resulta do encontro de tradições africanas, espíritas e católicas. Ao contrário das religiões negras tradicionais que se constituíam como religiões de grupos de negros, a umbanda surge como religião universal. Isto é, dirigida a todos. A umbanda sempre procurou legitimar-se pelo apagamento de feições herdadas do candomblé, sua matriz negra, especialmente os traços referidos a modelos de comportamento e mentalidade que denotam a origem tribal e depois escrava, mantendo contudo essas marcas na constituição do panteão.[96]"

A Umbanda guarda algumas características reconhecidas por acadêmicos e intelectuais umbandistas que se tonaram parte do seu ethos, dentre todas a mais marcante é sua tendência a agregar e incluir novos conhecimentos, saberes, fazeres e entidades. A umbanda agrega e inclui os mais variegados tipos nacionais (e estrangeiros) ao seu panteão. Se o tripé umbandista é formado por caboclos, pretos-velhos e crianças, a esse tripé foram sendo agregados outros tantos personagens sofridos e excluídos pertencentes à memória nacional. Assim surgiram falanges de boiadeiros, marinheiros, orientais, ciganos, malandros, mineiros, baianos, etc. Umbanda vai abrigar também uma nova falange os Exus-mirins, que "refletem a delinqüência infanto-juvenil das crianças de rua, sem disfarces ou recondicionamentos.(...) Fiel ao seu "ethos", a Umbanda vai elaborar estas crianças (...) Transformando a sua competência ofensiva em qualidade defensiva."[97].(BAIRRAO – 2004)

2.2.3.1. –Umbandas

As relações entre umbandistas e suas diversas escolas com as entidades do "povo de rua" vão da negação de pertença - dada a sua condição demonizada - à elevação de Exus e Pombagiras como Guardiões da Lei .

O mito de fundação aceito pela maioria dos umbandistas data de 15 de novembro de 1908 sua anunciação numa sessão da Federação Espírita em Niterói, pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas, através do médium Zélio Fernandino de Morais. No dia seguinte, no bairro de Neves, São Gonçalo, na residência de Zélio, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, fundamentaria os princípios da religião e verbalizaria seu conceito: "Umbanda é a manifestação do espírito para a caridade."

Anteriormente a esta data não se tem notícias de algum outro culto autodenominado "umbanda", embora diversas manifestações de espíritos de caboclos e africanos, entre outros, já viessem ocorrendo não somente nas Macumbas e Candomblés de Caboclo, onde eram relativamente aceitos, mas também em Candomblés e Centros Kardecistas de onde eram expulsos ou convidados a se retirar, por serem considerados como eguns (espíritos dos mortos não divinizados) entre os candomblecistas e espíritos atrasados pelos kardecistas.

Não estando entre os objetivos dessa pesquisa as origens da Umbanda, o mito de fundação acima foi descrito apenas para facilitar a localização temporal e geográfica do evento, a partir do qual surgiram diversas tendas, templos, terreiros, centros que se auto intitularam inicialmente como de "Espiritismo de Umbanda". Ocorre que este "Espiritismo de Umbanda", deu origem a uma série de Escolas de pensamento, cada qual com sua visão de mundo e do que é a Umbanda.

Sendo uma religião inclusiva, aberta a novos aportes religiosos que adequa a seu gosto e necessidade, Umbanda originou uma infinidade de vertentes. A seguir, serão apresentadas algumas dessas vertentes ou escolas e suas relações com as entidades que se manifestam nas giras de Exu , também chamadas "Povo de Rua"( Exus, Pombagiras, Exus-mirins, Malandros).

Os seguintes fatores influenciaram na escolha de quais vertentes ou escolas citar:

  • A antiguidade;

  • A visibilidade;

  • O grau de influência;

  • A disponibilidade de acesso a material e adeptos.

Ao observar as escolas e correntes de pensamento umbandistas para melhor compreende-las em seu universo convém citar Birmam e seu estudo "O Que é Umbanda?" Segundo a autora em se tratando da Umbanda:

"Não importa muito saber se em tempos passados um orixá tinha tal ou qual característica de origem africana, mas sim compreender que a característica de ontem não significa a mesma coisa agora, o sentido dos símbolos muda junto com a sociedade que os utiliza.[98]"

É preciso ter em mente tal afirmação de forma a compreender a grande capacidade de reinventar-se e de reinventar tradições que a Umbanda pratica. Da mesma forma é em sua capacidade de adaptar-se ao murmúrio social que reside parte de sua competência para cuidar do humano, revertendo posições sociais dos excluídos, aceitando-os e os ressocializando. A partir da sublimação do mal, que relativiza e ao qual atribui qualidades e funções, leva-os até o ponto de sacralizá-los.

Escolas de Umbanda:

Escola: Umbanda do Caboclo das Sete Encruzilhadas[99]

Fundadores: Caboclo das Sete Encruzilhadas[100]através do médium Zélio de Moraes(1891 -1975).

Base Filosófica e Teológica: Kardecismo, Cristianismo e o Evangelho. Estatuto da TENSP.

Local e data: Neves, São Gonçalo – RJ - 15 e 16 de Novembro de 1908.

Templos: 1º - TENSP- Tenda Nossa Sra. da Piedade e mais 6 outras seriam fundadas diretamente pelo CDSE. Diversos outros templos foram fundados nas bases definidas pelo CDSE. Ano de 1939 – fundação da Federação Espírita de Umbanda do Brasil - FEUB, posteriormente denominada União Espiritualista de Umbanda do Brasil - EUEB[101]que inicialmente reuniu as tendas fundadas pelo CDSE, mais tarde agregando outras.

Relação com o Povo de Rua: Segundo depoimento de Zélio, o CDSE ensinou que Exu poderia ser um trabalhador do bem desde que despertado e agregado às falanges de Umbanda. Zélio, no entanto, declara que não se trabalha com Exu em sua casa por qualquer motivo. Segundo o médium qualquer um pode "receber" e trabalhar com um Exu, inclusive maus médiuns. A atual responsável pela TENSP, Sra. Lygia, neta do fundador, afirma que nesta tenda, continuam a não trabalhar com Exus. No entanto, segundo Pedro Miranda , atual dirigente da Tenda Espírita São Jorge - a sexta fundada pelo CDSE, desde sua fundação esta tenda trabalha com Exus.

Escola: Umbanda da Tenda Mirim

Fundadores: Caboclo Mirim através do médium Benjamim Figueiredo

Base Filosófica e Teológica: Tem doutrina e característica próprias, afastando-se do africanismo e classificando seus postos hierárquicos a partir de termologias indígenas. Desvinculou-se totalmente dos cultos afro tanto no que tange a ritualística quanto às liturgias e doutrinas. Estatuto da Tenda Mirim.

Local e data: Rio de Janeiro – RJ - 12 de março de 1920 - anunciação, 13 de março de 1924 fundação da Tenda Mirim. Em 05 de outubro de 1952 dá-se a fundação do Primado de Umbanda como uma organização religiosa de caráter religioso e iniciático".

Templos: Tenda Mirim. Matriz e filiais numeradas. 1 ª, 2 ª , etc. Além das tendas fundadas diretamente pelo Caboclo Mirim , outras tendas filiadas ao Primado de Umbanda seguem sua doutrina.

Relação com o Povo de Rua: Oficialmente jamais trabalhou com Exus e Pombagiras. Fato do qual se orgulha. Segundo Teixeira[102]em seu artigo " O legado de Benjamin Figueiredo", na Tenda Mirim "não havia sequer uma saudação a Exus e Pomba-giras, muito menos um Gira ou sessão própria para o trabalho destes." No entanto o mesmo autor , afirma que embora Benjamim Figueiredo parecesse "ignorar completamente a existência do "Povo de Rua" bem como a extensão e importância dos trabalhos próprios dessa linha", a participação de tais entidades "sempre foi fundamental na corrente astral da casa". Ocorrendo o trabalho de tais entidades, segundo o autor, na parte "invisível" ou espiritual dos trabalhos.

Escola: Umbanda de Mesa Branca

Fundadores: Não Há.

Local e data:

Base Filosófica e Teológica: Kardecismo popular no qual se aceitam a presença de caboclos e preto-velhos, desde que estes aceitem as imposições comportamentais da mesa.

Templos: Diversos

Relação com o Povo de Rua: Não há.

Escola: UMBANDA ESOTÉRICA - Raiz de Guiné - "Escola Iniciática da Corrente Astral do Aumbhandan"

Fundadores: Woodron Wilson da Matta e Silva - Mestre Yapacani ( 1917-1988) e Pai Guiné

Local e data: Itacuruçá, RJ – 1940.

Base Filosófica e Teológica: Fundamentada a partir da publicação do livro "Umbanda de Todos Nós"(1956) e obras seguintes do mesmo autor. A sua pesquisa apresenta a religião Umbanda como ciência e filosofia. Sua teologia é complexa envolvendo diversas tradições como a Teosofia, a Astrologia, a Cabala, etc. Baseia-se em um instrumento místico-esotérico criado por Sant Yves D"Alveydre, o Arqueômetro, o qual acredita ser possível conhecer a linguagem oculta universal através da combinação da cabala, numerologia, uso de cores e astrologia entre outros. Crê que a Umbanda seja milenar.

Templos: T.O.U. - Tenda de Umbanda Oriental -. A partir da qual surgiram ordens iniciáticas descendentes da Raiz de Guiné, entre elas: a O.I.C.D. - Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino (comandada por Francisco Rivas Neto/ Mestre Araphiaga) e a O.U.C.S.- Ordem de Umbanda do Cruzeiro do Sul ( atualmente sob o comando de José Henrique Motta de Oliveira ( Mestre Arashakamá).

Relação com o Povo de Rua: Consideram Exus e Pomba-giras como espíritos pertencentes à Quimbanda, sendo esta a "parte passiva" da Umbanda. Exus e Pomba-giras são enquadrados em falanges, sub-falanges, etc. Há três tipos de Exus: Os Exus Coroados ou Exus de Lei, chamados "Cabeças de legião" que são diretamente subordinados aos Orixás e seus delegados( Caboclos e Pretos-Velhos); Exus "Batizados" , que são os que efetivamente trabalham nos terreiros realizando atendimentos, desmanchando magias e descarregando as energias negativas; e os Exus "Pagãos", também denominados "rabos de encruza", Estes ainda muito ligados aos Quiumbas, quando não aos elementais. Segundo essa Escola, Exus são a ligação da Umbanda com a Quimbanda, a qual pertencem e da Quimbanda fazem ligação com a Quiumbanda , "reino dos quiumbas" , espíritos atrasados , trevosos, obsessores, etc...

Escola: Umbanda iniciática ou Escola de Síntese.

Fundadores: Francisco Rivas Neto ( Mestre Araphiaga) e seus Guias.

Local e data: São Paulo – SP . 1970.

Base Filosófica e Teológica: Derivada da Umbanda Esotérica e fundamentada pelo médium Francisco Rivas Neto a partir dos escritos de W.W. da Matta e Silva e de seus próprios livros como "Umbanda a Proto Síntese Cósmica", "Lições Básicas de Umbanda" , "Exu, o Grande Arcano". Nesta Escola "há a busca de convergência doutrinária (sete ritos), e o alcance da Aumbandhan, o Ponto de Convergência e Síntese. Possuem doutrina própria, sacramentos, liturgias e rituais particulares[103]Segundo seu fundador essa escola "não se interpõe a nenhum movimento que exista dentro da própria Umbanda, (...)procura sintetizar , fazendo o maior número possível de ritos, de segunda à sexta feira, para agrupar um leque de várias formas, obviamente dentro do que se propõe a fazer[104]

Templos: O.I.C.D. _ Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino - ano 1970 - e a F.T.U. Faculdade de Teologia de Umbandista. Primeira no gênero.

Relação com o Povo de Rua: Acompanha a doutrina de W.W. da Matta e Silva (Mestre Yapacani). Produz um Livro complementar : "Exu , o Grande Arcano" , em que considera os Exus como Guardiões da Lei. Surgidos em tempos imemoriais e regentes do planeta Terra. Considera que na formação do Planeta Terra houve Sete Exus planetários ligados diretamente aos Orixás. Entende Exus e Pombagiras como entidades da Quimbanda que trabalham para a Umbanda, sob o comando de seus Guias e Orixás.

Há grande polêmica gerada no meio umbandista em relação a um de seus livros: "Lições de Umbanda" onde Rivas Neto nega a pertença à Umbanda de duas de suas principais e mais famosas entidades: Maria Padilha e Zé Pelintra. Nos últimos anos tem havido mudanças em seu modo de pensar. Essas mudanças se refletem na divulgação pública da incorporação da entidade Zé Pelintra por Rivas Neto e no planejamento de que tal entidade ditaria um livro. Rivas Neto entende " que a tradição da Umbanda é uma constante mutação", com o que concordam vários estudiosos do assunto ao apontarem na Umbanda como uma religião inclusiva onde há constante processo de reinvenção de tradições, aceitação de novas falanges e entidades, abertura a novos conhecimentos.

A F.T.U.- Faculdade de Teologia Umbandista, realiza há anos, geralmente no mês de outubro, um encontro de umbandistas de diversos pontos do país e do estrangeiro para o assim denominado: "Rito de Exu, O Guardião da Era Dourada[105]", que reuniu cerca de duas mil pessoas e levou com permissão da Prefeitura de São Paulo o ritual para a rua.

Escola: Umbanda Mística /Umbanda Popular

Fundadores: Não há. Em geral, surgem da mediunidade espontânea de algum médium e são coordenadas conforme o entendimento conjunto de guias e do médium em questão. Podem também ser resultantes de da desagregação de outras casas. A que está presente na maioria dos terreiros que se denominam como de Umbanda.

Local e data: Antigo Distrito Federal - Cidade do Rio de Janeiro - Estado da Guanabara e antigo Estado do Rio de Janeiro.

Base Filosófica e Teológica: Fruto da umbandização das macumbas cariocas agrega valores de outras religiões afro-brasileiras como o Candomblé, o Catimbó. A que está presente na maioria dos terreiros que se denominam como de Umbanda. É a vertente mais aberta a novidades, onde cada terreiro compõe-se de acordo com o entendimento de seus dirigentes podendo agregar ritos e mitos das mais diversas fontes, adequando-os ao seu modus operandi.

Templos: Diversos.

Relação com o Povo de Rua: Em geral, há nesses terreiros giras de Exu. Alguns terreiros apresentam também uma gira separada para Malandros.

Escola: Umbanda Sagrada

Fundadores: Pai Benedito de Aruanda através do médium Rubens Saraceni .

Local e data: São Paulo, 1996.

Base Filosófica e Teológica: Fundamentada a partir de psicografias do Médium e do livro " O Código de Umbanda" entre outros. Tem cosmogonia e teologia próprias que se afastam das demais umbandas.

Templos: Colégio de Umbanda Sagrada Pai Benedito de Aruanda, ao qual se seguiram outros fundados por seus discípulos. Propõe cursos presenciais e EAD de teologia de Umbanda entre outros. Também trabalha com cursos iniciáticos de magia independentemente da Umbanda. Rubens é também o fundador do Colégio Tradição de Magia Divina, colégio este que se destina a dar amparo aos formados nas magias abertas ao plano material e espiritual.

Relação com o Povo de Rua: Segundo essa Escola, há na origem da criação um Orixá Exu, uma Orixá Pombagira e um Orixá Exu-Mirim. A partir desses Orixás vão surgir as entidades que se agregam sob o mesmo nome, mantendo para com Os Orixás (todos) relações de compromisso através das quais vão trabalhar para a Lei e a luz nas Trevas, como Guardiões da Lei e Executores do Carma (individual e coletivo). Exus e Pombagiras são parte importante da teologia e da doutrina Saracenica, sobre os quais já foram psicografados e editados diversos livros.

Escola: Umbanda Omolocô ou Omolokô

Fundadores: Tancredo da Silva Pinto (1905 – 1979) É considerado como o organizador do culto Omolokô no Brasil. Tendo este origem no sul de Angola.

Local e data: Brasil/RJ/GB - 1950

Base Filosófica e Teológica: Trazida da África e fundamentada por Tancredo da Silva Pinto , mais próxima do Candomblé de Angola e do Candomblé de Caboclo. Nela apresentam-se tanto entidades umbandistas quanto Nkisses. Autor de mais de trinta obras sobre religiosidades afro-brasileiras.

Templos: Em 1950, devido a grandes perseguições aos umbandistas nos mais diversos Estados da União, assim como no antigo Distrito Federal, fundou então a Confederação Espírita Umbandista do Brasil, após romper com a FEU- Federação Espírita de Umbanda. Defendeu a Umbanda, tendo viajado por quase todo o País, fundando Federações com o objetivo de organizar e dar personalidade ao Culto.

Relação com o Povo de Rua: Esta escola entende Exus e pomba-giras como guardiões do terreiro. Considera que Exu é o agente mágico universal, por cujo intermédio o mundo dos vivos se comunica com o mundo espiritual. Faz referência a Umbandas nas nações Guiné e Luanda enraizadas no Brasil. Informa que "os terreiros de Guiné só trabalham com Exus , Caboclos e Tata Massambis ( velhos minas) , antigos mestres do preceito". Localiza tais Umbandas a partir de 1916[106]

Escola: Umbanda Sete Raios

Fundadores: Fundamentada por Ney Nery dos Reis , o "Omolubá" e por Israel Cisneiros.

Local e data: Rio de Janeiro, novembro de 1978.

Base Filosófica e Teológica: Nas palavras do autor: " A umbanda é sincrética com o Hinduísmo, aceitando sem dogmatismo as Leis do Carma, Evolução e Reencarnação. Como o Cristianismo, bebendo do "amai-vos uns aos outros" e do africanismo, os Orixás, arcabouço da natureza universal." Ainda segundo Omolubá a Umbanda sofre influência da Cultura ameríndia , do Catolicismo, e do Espitismo.

Templos:

Relação com o Povo de Rua: Considera ser Exu uma força viva da natureza, cuja apresentação pode variar, pois sob o nome de Exu encontram-se espíritos dos mais variados graus evolutivos desde os mais atrasados aos que se encontram com tendência ao orixalato.[107] Para omolubá o progresso de Exu "sempre esteve condicionado à condições evolutivas do povo a que servia."

Escola: Umbanda Crística

Fundadores: Pai Juruá.

Local e data: São Caetano do Sul, 1937.

Base Filosófica e Teológica: Fundamentada no Evangelho e no Kardecismo Aceita os Orixás ("como denominações humanas para os Poderes reinantes do Divino Craidor, a própria natureza em si"), alguns santos católicos e seus ensinamentos; espíritos militantes na doutrina espírita kardequina; dá ênfase na realização de rezas para a prática do Ritual do Rosário das Santas Almas Benditas. Mediunicamente atua com : Santas Almas Benditas(guias espírituais de Umbanda); linha de Caboclos da Marta e Sertanejos; Pretos-Velhos e Baianos;Crianças; Magos Brancos do oriente;Elementais Sereias e tritões; Yaras; Irmandade dos Semorombas (santos(as), padres e freiras); Sakáangás (benzedores(as) rezadeiras(os), parteiras), Exus e Pomba-Giras. - Obra doutrinária: "O Ritual do Rosário das Santas Almas Benditas - A presença da Irmandade dos Semirombas e dos Sakáangás na Umbanda / Pai Juruá[108].

Templos: Templo Estrela Azul – Casa de Oração e Escola Cristã Umbandista

Relação com o Povo de Rua: Considera o 'Povo de Rua uma falange de trabalhos espirituais diferenciada do Exu Orixá africano. A falange de Exus e Pomba-giras de Umbanda sé composta por espíritos "recém egressos da Banda Negra"(Pai Juruá). São compreendidos como uma linha de trabalho auxiliar, que atua mediunicamente nos trabalhos de defesa e desmanches de magia negra. Não havendo gira ou atendimento público dessa falange.

Escola: Umbanda Traçada

Fundadores: Não há um único fundador. São múltiplas em seus fazeres e doutrinas, Acabando por "individualizar-se" de templo para templo. O que as define como Umbanda é, em geral, a ênfase na caridade e a presença do tripé umbandista : Caboclos, pretos-velhos e crianças, aos quais se agregam outras entidades das mais diversas origens, não necessariamente africanas.

Local e data: Não há.

Base Filosófica e Teológica: Fundamentações diversificadas. Seguem, em geral a doutrina adotada pela entidade chefe do terreiro e por seus dirigentes, podem ser "cruzadas" com o esoterísmo , as escolas iniciáticas (criar escolas iniciáticas próprias), com o orientalismo , e outras vertentes mais do conhecimento religioso e científico.

Templos: Diversos

Relação com o Povo de Rua: Pode ou não trabalhar com o 'Povo de Rua" conforme sua maior ou menor ligação com a determinadas doutrinas . Entidades do 'Povo de Rua' podem trabalhar desde livremente até sob total doutrinação e disciplina, com abstenção ou não de de fumo, bebida e palavras de baixo calão. São múltiplas em seus fazeres acabandopor individualizar-se de templo para templo. O que as qualifica como "Umbanda", além da ênfase dada ao trabalho para a caridade é , por um lado o auto reconhecimento, por outro a presença do tripé umbandista: Caboclos , pretos-velhos e crianças, aos quais se agregam ou não outras entidades das mais diversas origens , não necessariamente africanas.

Escola: Umbandomblé

Fundadores: Não há um único fundador.

Local e data: Não Há.

Base Filosófica e Teológica: Todas aquelas que de alguma forma se fundamentam a partir do Candomblé independentemente de qual seja a nação africana a qual sigam. Nela há "Toques" para os Orixás, considerados como Orixás no sentido africano da palavra. Há feituras, recolhimentos, sacrifícios, etc. O que as afasta do Candomblé de raiz e as aproxima da Umbanda é a presença conjunta do culto às entidades de Umbanda.

Templos: Diversos

Relação com o Povo de Rua: Trabalha tanto com o conceito e o assentamento do Exu Orixá, quanto com as entidades umbandistas pertencentes ao 'Povo de Rua'.

Escola: Umbanda Aumpram

Fundadores: Roger Feraudy e o Espírito Babajiananda (Pai Tomé)

Local e data:

Base Filosófica e Teológica: Esotérica pauta-se nos princípios contidos nos livros "Serões do Pai Velho" (3ª ed.) e "Umbanda, essa Desconhecida" (3ª ed.), que já se tornaram clássicos da Umbanda Esotérica. Diferencia-se do segmento esoterismo de Matta e Silva, trabalhando temas como projeção extrafísica. Considera a Quimbanda uma religião separada a Umbanda.

Templos: Fraternidade do Grande Coração

Relação com o Povo de Rua: Considera que "Exu é o grande agente mágico universal. É o fluido impessoal sem representação-forma, servindo de veículo para toda e qualquer magia, sintetizada em suas sete gradações nos sete planos de manifestação. É o subconsciente de Deus".p177- O Exu é uma faixa vibratória onde se agrupam entidades de três graus. O "Compadre", forma criada, quando atinge essa faixa, essa vibração, subordina-se as suas Leis e corrente evolutiva. Passa a ser comandado pelo Chefe da Legião, subordinado ao Orishá correspondente. Têm direitos e deveres. Tem responsabilidade de policiamento no baixo astral. Entra numa corrente evolutiva com finalidades precisas. Mesmo como "Compadre", não é um irresponsável. Os outros, os "compadres vermelhos", não estão situados nessa faixa vibratória. São obsessores vampiros, entidades negativas e que não têm a menor ligação com a umbanda. Pertencem exclusivamente à Quimbanda.[109] (FERAUDY- 2006) pp.184-185

Como visto acima as Escolas de Umbanda, em sua diversidade, têm relações e entendimentos muito diversificados para com os espíritos que compõe a falange do "Povo de Rua". Esses entendimentos, assim como a forma pelos qual tais entidades são trabalhadas no cotidiano dos terreiros vão variar no tempo e no espaço.

Nota-se, no entanto, uma tendência ao revisionismo que, em geral, nomeada como uma "revelação". Com relação aos Exus, essas revelações do que estava "velado" começam por Matta e Silva, seguido por seu discípulo Rivas Neto e nos últimos anos por Rubens Saraceni e como veremos adiante também por Robson Pinheiro, escritor de origem kardecista.

No que tange às entidades do "Povo de Rua, a tendência das "revelações" é de torná-los cada vez mais palatáveis à sociedade abrangente e aos adeptos. De excluídos, negados, barrados, às vezes tolerados, ou solicitados nas necessidades, a Guardiões da Lei e da Luz um longo percurso foi percorrido e muito ainda há para percorrer. Como os "Mirins" a que se refere Bairrão: "pouco acessíveis a argumentos racionais e, pequenos, capazes de entrar em brechas mínimas em que ninguém pode alcançá-los[110]os elementos do Povo de Rua adultos e infantis vieram ao longo desse primeiro século de existência da Umbanda, abrindo brechas nos espaços Umbandistas do qual inicialmente foram excluídos. Vêm conquistando espaço e posições e não somente entre umbandistas. Também pode-se vê-los a dar consultas em algumas casas de Candomblé ( o Exu entidade/compadre e não o Exu Orixá). Aos poucos é possível perceber sua lentíssima mas gradual penetração, se não nos cultos kardecistas ( onde incorporam segundo as fontes com outras identidades, como aliás o fazem outros tantos guias de Umbanda), nas mentes e corações dos médiuns. É possível, e até comum, encontrar pelos terreiros de Umbanda, kardecistas se consultando com Exus e Pombagiras.

2.3. O Pensamento Kardecista.

Em princípio os Kardecistas especialmente os ortodoxos, são bastante discriminativos em relação aos demais espiritualistas afro-brasileiros. O próprio mito de fundação da Umbanda dá notícias sobre essa forma de ver o outro. Para os Kardecistas de então (1908) os espíritos de pretos e índios são considerados incultos e atrasados, e convidados a retirarem-se do ambiente kardecista.

Essa discriminação permanece ainda hoje, embora já existam centros kardecistas de visão heterodoxa que permitem, sob dadas condições, a presença de entidades afro-brasileiras desde que as mesmas se proponham a trabalhar conforme as normas kardecistas.

A história da Umbanda é permeada pela doutrina kardecista conforme entendida no seu contexto brasileiro, no seu seguimento mais religioso e popular. Do Kardecismo vieram vários de seus líderes por vontade própria ou determinação espiritual - casos em que se inscrevem, por exemplo, Benjamim Figueiredo Médium do Caboclo Mirim, e João Carneiro de Almeida, fundador do Centro Espírita Caminheiros da Verdade.

Também da aproximação com o Kardecismo e com o termo espírita, se utilizaram os umbandistas no período de legitimação da Umbanda e como forma de fugir à perseguição religiosa ( Católica principalmente) e legal (por parte do Estado) que a religião sofreu desde o início, e que ora se repete no campo religioso através da "Inquisição neopentecostal", principalmente a Iurdiana[111]

No entanto, é possível encontrar obras de Kardecistas com uma visão menos preconceituosa da Umbanda, entre elas : " Forças Ocultas Luz e Caridade", de J. Dias Sobrinho, em edição datada de 1950. No Capítulo XVII da citada obra o autor faz um apanhado do que seja a Umbanda e suas linhas, reconhecendo-a como proveniente da África e concluindo as práticas africanas voltadas para o Bem (magia branca) são denominadas Umbanda e as voltadas para o Mal (magia negra) são denominadas Quimbanda. Também registra que o povo chama genérica e erroneamente de Macumba à Quimbanda, o "baixo espiritismo" e a prática de Magia Negra.

Para o Autor, "nesta ordem de espiritismo[112]existem duas Leis, a saber: Lei de Umbanda – Magia Branca e Lei de Quimbanda - Magia Negra". Cada uma delas sendo dividida em sete linhas.

A Umbanda teria surgido por ordem do Astral Superior dado a exacerbação do uso da Magia Negra por quimbandeiros, que vinha criando diversos problemas o que levou espíritos altamente evoluídos e que "por essa razão não poderiam empregar a violência com os espíritos atrasados quimbandeiros para obriga-los a não praticarem a Magia Negra"[113], a agirem através da astúcia , da humildade e da sagacidade. Modificando sua roupagem fluídica (para as de Caboclos e Pretos-Velhos), foram infiltrando-se nas falanges de quimbandeiros e "empregaram os mesmos métodos usados pelos quimbandeiros porém , em sentido invertido, isto é , objetivando a prática do Bem." Naquilo que o autor chamou de " obra de regeneração e não de correção" que se realiza através da aproximação, captação da confiança e aos poucos encaminhamento desses espíritos quimbandeiros à prática do bem e à evolução.145

Para Dias Sobrinho a Lei de Quimbanda tem um Chefe Supremo (Maioral da Lei de Quimbanda) que se entende diretamente com os Orixás de Umbanda e por intermédio destes " presta submissão a São Miguel Arcanjo", entidade espiritual "incumbida da guarda e direção de todos os espíritos" do Planeta Terra, sejam eles encarnados ou desencarnados - segundo o entendimento dos umbandistas consultados pelo autor.147

Robson Pinheiro, médium kardecista e psicógrafo, em obras compartilhadas com o autor espiritual Angelo Antônio, sai em defesa dos espíritos umbandistas, inclusive de Exus, que considera guardiões e amigos. Em dois de seus livros: " Tambores de Angola" e "Aruanda" descreve trabalhos de apometria[114]e desobsessão assim como a destruição de laboratórios de magos negros no baixo astral. Em todos esses trabalhos aparecem além de Pretos-Velhos e Caboclos as figuras dos Exus e Caveiras como guardiões da ordem e defensores da Lei, e seguranças dos espíritos encarnados e desencarnados envolvidos no trabalho espiritual do bem. Por conta desses e de outros títulos psicografados pelo autor, há os que debatem se ele realmente se enquadraria como kardecista e não como umbandista. Tal questionamento, entretanto não cabe no escopo dessa pesquisa, motivo pelo qual não aprofundaremos a discussão.

Elisa Masselli, autora de romances doutrinários espírita-kardecistas, em uma de suas obras remete ao universo mágico religioso das religiões afro-brasileiras. Em "A Vida é Feita de Escolhas" Masseli faz um esclarecimento sobre o assunto indicando que a escolha do bem ou do mal é individual e que aqueles que se utilizam de espíritos (exus - considerados com escravos obedientes das vontades dos encarnados) para fazerem o mal, no futuro, terão que acertar contas com os exus utilizados indevidamente e com os espíritos daqueles que forem seus alvos. [115]

Nas três obras citadas, neste subtítulo, todas de origem Kardecista, encontram-se explicações sobre entidades umbandistas e seus trabalhos espirituais. Entre elas Exu, visto e entendido sob óticas variadas, certamente reinterpretado conforme as crenças de cada seguimento kardecista podendo aparecer como:

  • Uma entidade que quimbanda afeita ao mal, porém passível de voltar-se para o bem e seguir a trilha da evolução.

  • Um guardião, chamado Exu nas religiões afro-brasileiras, conhecido por outros nomes em outras religiosidades, cujas reponsabilidades e os graus de evolução variam de acordo com a classe hierárquica à qual pertençam.

  • Um escravo que obedece e faz o que se lhe mandam, independentemente de ser para o bem ou para o mal, mas que faz o bem com alegria e o mal por obrigação. Cobrando daqueles que lhe pedem mal, tornando-se estes últimos seus devedores, de quem em algum momento quererão se vingar.

Como demonstrado pelos exemplos acima, também no Kardecismo os espíritos denominados Exus se fazem não somente presentes , mas sob muitos aspectos, já aceitos , justificados , e mesmo hierarquizados positivamente.

Questões que ficam por investigar e que não cabem no escopo deste trabalho referem-se ao porque de kardecistas, mais especialmente os romancistas espíritas estarem desde alguns anos inserindo figuras do panteão umbandista, antes de todo recusadas como "entidades atrasadas" , e mais especificamente Exus e Pombagiras, por si só figuras controversas dentro dos próprios cultos afro-brasileiros e mais diretamente da umbanda onde as opiniões e tratamentos , como visto, vão da negação ao semi-endeusamento. As hipóteses primárias apontam para: a) uma abertura maior por parte de alguns grupos kardecistas às entidades de umbanda encaradas ou não, a depender da corrente, como espíritos iluminados que se propõe a "vestir" tais roupagens para melhor praticar a caridade (teoria aliás aceita por muitos umbandistas); b) Uma questão mercadológica não apenas referindo-se diretamente ao mercado do sagrado, mas principalmente ao mercado editorial ( visto que tais livros alcançam um público muito maior do que o espírita kardecista; c) Para contentar um público que embora pertencendo oficialmente ao kardecismo, umbanda, candomblé, catolicismo, etc. acaba por identificar-se com a literatura espírita e, muitas vezes, seja por praticar dupla religiosidade[116]

2.4 – A convite do pastor e Exu rouba a cena nas Igrejas Neopentecostais.

Quando o pastor convida Exu aparece.

Sem fugir à sua natureza traquina e sem abrir mão de seu domínio do mercado, neste caso o religioso, Exus e Pombagiras respondem aos insistentes chamados de pastores das Igrejas Neopentecostais e acabam por tornar-se aí, a atração principal. Com relação a esse fato, umbandistas afirmam que quem comparece às sessões nas Igrejas neopentecostais, não são os verdadeiros Exus e Pombagiras da Umbanda e sim espíritos mistificadores (trevosos e quiumbas) que se fazem passar por Exus e Pombagiras. O que teria um duplo proveito: por um lado, doutrinaria tais espíritos, por outro, permitiria que essas religiões cumprissem parte de sua missão espiritual: frenar, paralisar a queda moral de determinados espíritos encarnados ou não, que de outra forma não conseguiriam cessar sua decadência moral e espiritual, nem sua busca inconsciente por autodestruição. Converter tais indivíduos, portanto, pode ser visto como uma forma de salvaguardar o mundo, a família e eles mesmos das consequências de suas desorientações.

Faz-se necessário comentar que no entendimento dos umbandistas algumas entidades do "Povo de Rua", mais especificamente aquelas ligadas à falange de Exu Tranca Rua, são consideradas como guardiães dos templos - de todas as religiões - por excelência. Isso significa dizer que para os umbandistas em questão, essas entidades que guardam os templos, estão presentes nas portas de todos os templos religiosos, inclusive daqueles que nominalmente os repudiam.

Acreditando que nada ocorre fora dos designíos de Deus, o que inclui o surgimento de novas religiões com seu modus operandi pessoal e nem sempre pacífico, algumas correntes umbandistas encaram a ascensão das Igrejas Neopentecostais como parte de um plano Divino para conter, frenar e redirecionar espíritos encarnados ou desencarnados que não estando ainda em condições de compreender a espiritualidade por outras vias (intelectuais) precisam de uma linguagem determinada mais incisiva e atemorizadora, no entanto, ao mesmo tempo, provedora de esperanças de salvação. Os críticos dessas Igrejas costumam chama-las de Igrejas dos Ex[117]Ex-viciados, Ex-homossexuais, Ex-alcoolatras, Ex-protitutas(os),Ex-bandidos, etc.

Do outro lado, as Igrejas Neopentecostais, principalmente a IURD – Igreja Universal do Reino de Deus, fundada e comandada pelo Bispo Macedo - fizeram dos espíritos presentes nas religiões afro-brasileiras, verdadeiros demônios a serem combatidos numa "guerra santa", em que os inimigos principais são Exus e Pombagiras, que por sua própria fama – considerando o no senso comum, se enquadram perfeitamente no arquétipo demonizador Cristão-Neopentecostal. É preciso então expulsar os demônios para permitir que o Êxtase do Espírito Santo se realize. O demônio é o que afasta o Divino que há no homem, pela restauração do qual Cristo se sacrificou.

"No neopentecostalismo, como acontece principalmente na Iurd, isso é mais evidente pelo lugar central que o transe das divindades da umbanda (exus e pombagiras) assumiu na cosmogonia do culto, inclusive em detrimento do transe do próprio Espírito Santo, já não mais enfatizado como em sua origem.[118] A experiência do transe não é apenas um potencial caminho vicinal entre esses sistemas religiosos (neopentecostal e afro-brasileiro), mas também, ou sobretudo, uma experiência na fronteira entre diferentes percepções de noção de pessoa que se articulam muitas vezes como ângulos opostos pelo vértice.[119]"(SILVA-2005)(grifo nosso)

Eduardo Refkalefsky, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), faz uma análise sobre a IURD, e conclui que não é por conta do uso de técnicas de Comunicação e Marketing que se deu rápido crescimento dessa Igreja:

Ao contrário, este crescimento se deve a um profundo conhecimento da religiosidade brasileira pelo líder da IURD. Esta religiosidade se caracteriza pela pluralidade de elementos religiosos provenientes de ameríndios, africanos e europeus, e encontra na Umbanda a sua melhor expressão. As práticas umbandistas sincréticas, mágicas e de contato com espíritos foram rejeitadas historicamente pelo protestantismo tradicional. A IURD, ao contrário, faz do posicionamento contra a Umbanda o centro de sua doutrina, ao mesmo tempo aceitando a existência das forças mágicas, mas lhes conferindo um caráter negativo e oferecendo armas sobrenaturais para combatê-las." (REFKALEFSKY-2006)

Ocorreu entre a IURD e as religiões afro-brasileiras uma interação, que sobre certos aspectos poderia ser explicada em termos espiritualistas como uma espécie de obsessão profunda, daqueles em que o obsessor está tão ligado ao obsidiado que é impossível sobreviver sem ele. Segundo Ronaldo de Almeida em seu artigo "A Guerra de Possessões".

"A postura combativa expressa nos exorcismos, entretanto, acabou gerando uma curiosa relação da Igreja Universal com as religiões afro-brasileiras, em particular a umbanda. A Universal dependeu delas para construir parte de seu universo simbólico, como se ela se alimentasse daquilo que propunha combater.[120]"(ALMEIDA- sd)

Para Eduardo Refkalefsky isso se deve ao fato de ambas as religiões fazerem uso da Mariz Religiosa Brasileira, cada qual à sua maneira. A Umbanda agrega em seu panteão os diversos tipos sociais brasileiros, os sacraliza e cultua, relativizando a ideia do mal, e de certa forma , manipulando-o e doutrinando-o em direção ao bem, na crença de que todos , mais cedo ou mais tarde, em seu próprio tempo, evoluirão e retornarão inevitavelmente a Deus. Por outro lado, os seguidores da IURD, sob a orientação do Bispo Macedo, como demonstra o texto abaixo, embora se utilizem da mesma Matriz Religiosa, o fazem a partir de determinados juízos de valor que condenam esses elementos pertencentes às religiões afro-brasileiras, em especial à Umbanda, que segundo Refkalefsky é o alvo principal da IURD.

"As características principais da Matriz Religiosa Brasileira e da Umbanda, em especial, são: a) o contato direto com o Sagrado (através das incorporações de "espíritos"); b) o uso intensivo de elementos sincréticos, provenientes de diversas origens religiosas; c) o caráter de magia prática para solução de problemas cotidianos; d) a relação de trocas ("eu te ajudo para que você me ajude") com estas entidades e o Sagrado, de modo geral; e e) a prática de uma religiosidade individual, à margem das instituições eclesiásticas.

O que a Universal faz é manter essas mesmas características da Umbanda na doutrina e na prática. Porém, faz um juízo de valor entre o trabalho "bom" (feito pela própria IURD) do "mal" (feito nos terreiros). A Comunicação da IURD, portanto, apresenta um discurso de aceitação da existência deste mundo mágico, típico da Matriz Religiosa Brasileira. Com isso, não se opõe às crenças da maioria da população do País, como havia feito o protestantismo tradicional.[121]" (REFKALEFSKY-2006)

Em "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?"[122] , Edir Macedo[123]cita Coríntios (1- 3.16,17") para afirmar que o homem é o santuário onde habita o Espírito de Deus. Segundo Macedo, se este santuário é invadido por qualquer outro espírito, é preciso um ritual de exorcismo para derrotar o demônio que tal espírito representa, pois é a presença desse espírito que leva o homem ao pecado e derrama sobre sua vida todo o mal. Podem, no entanto, haver sobre a vida de uma pessoa não somente um mais vários espíritos representantes do demônio, que necessitam todos ser exorcizados e vencidos em "Nome de Deus" para que a pessoa possa então receber o Espírito Santo e com Ele a salvação. Para tanto, as Igrejas Neopentecostais , principalmente a IURD , fazem sessões de descarrego e libertação, onde são convocados os espíritos considerados como demônios.

"Privilegiando o demônio em detrimento da celebração do Cordeiro, é compreensível que, do ponto de vista da cosmogonia, as principais entidades manifestadas na sessão descarrego ou de libertação da Iurd sejam os exus e pombagiras, representações do diabo subtraídas das religiões afro-brasileiras. Vimos os significados do exu como intermediário nessas religiões e as conseqüências de sua "derrota" no neopentecostalismo para a construção do lugar e carisma do pastor como intermediário legítimo.".[124](grifo nosso)

No contexto brasileiro, as entidades que servem como "polos de atração" e objetos passíveis de proporcionar através de sua "derrota" enquanto demônios a legitimação do poder espiritual do pastor, são parte imprescindível do espetáculo.

"Os ataques feitos no âmbito das práticas rituais das igrejas neopentecostais e de seus meios de divulgação e proselitismo têm como ponto de partida uma teologia assentada na idéia de que a causa de grande parte dos males deste mundo pode ser atribuída à presença do demônio, que geralmente é associado aos deuses de outras denominações religiosas. Caberia, aos fiéis, segundo essa visão, dar prosseguimento à obra iniciada por Jesus Cristo de combate a tais demônios: "Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo" (1 Jo. 3:8).

O panteão afro-brasileiro é especialmente alvo deste ataque, sobretudo a linha ou categoria de Exu, que foi associada inicialmente ao diabo cristão e posteriormente aceita nessa condição por uma boa parcela do povo-de-santo, principalmente o da umbanda. No interior das igrejas neopentecostais são freqüentes as sessões de exorcismo (ou "descarrego", conforme denominação da Igreja Universal do Reino de Deus – Iurd) dessas entidades, que são chamadas a incorporar para em seguida serem desqualificadas e expulsas como forma de libertação espiritual do fiel.[125]"

"O mal também necessita ser ancorado. De onde vêm todos esses males e doenças? De onde vem o desemprego? E os problemas familiares, como o abandono do marido, as filhas que engravidam sem casar, a falta de aluguel, a falta de escolas? A resposta é imediata: são os exus e as pomba-giras. São encostos que esses maus espíritos colocam sobre as pessoas. Essas entidades malignas recebem até nomes. Ao realizar os exorcismos, uma das primeiras perguntas feitas ao "doente-pecador" é: Qual o teu nome? Satã? Pomba-gira? Legião? Exu do cemitério? Exu macumbeiro? Exu preto? Exu das quebradas? Exu da encruzilhada?

Os fiéis da IURD fazem a representação social do Diabo apoiados na hermenêutica bíblica neopentecostal que exaspera a figura dos demônios, tornando-os arqui-inimigos do homem e de Deus. Desta forma, criam uma resposta extramundana para as desgraças e dificuldades do cotidiano. A IURD identifica o Diabo como o causador de todas as espécies de males que acometem o mundo. Não é de hoje que o mal é identificado como obra de uma divindade oposta ao "deus do bem". [126]

Em resumo: Assumindo, a convite dos próprios pastores, o lugar de destaque nas sessões de descarrego e libertação da IURD, e outras neopentecostais, Exus e Pombagiras estão sempre presentes. E embora de forma involuntária, "roubam" de Jesus a cena e os holofotes. São repetidamente chamados para serem expulsos. Depois, novamente chamados e expulsos, ad infinitum.

Ao analisar o arquétipos e as lendas do Orixá/Entidade, é possível perceber o quanto Exu gosta de ser lembrado, cultuado, e mesmo despachado, como ocorre no Tambor de Mina. Não importa como: Exu está presente. Faz-se lembrar, ainda que para ser expulso ou despachado em seguida. "Assim é Exu, o orixá que faz: O erro virar acerto e o acerto virar erro"[127]. Da mesma forma as entidades herdeiras do nome e da fama.

Capítulo III

3 – Da pesquisa: O que pensam os atuais umbandistas sobre os espíritos que compõem o "Povo de Rua".

Uma das propostas dessa pesquisa é saber como os umbandistas veem Exus, Pombagiras, Exus-Mirins e Malandros, enquanto entidades do "Povo de Rua" em sua relação com a Umbanda. Para isso, foram realizados dois questionários abertos. O Questionário 1 (Q1), buscou averiguar qualitativamente o pensamento do indivíduo umbandista sobre o "Povo de Rua". O Questionário 2 (Q2), procurou captar o tratamento dado a essas entidades pelo terreiros: sua presença pública, absolutamente discreta, ou ainda, não existente ou não reconhecida. Da mesma forma buscou-se conhecer o que é ou não permitido a essas entidades pelos terreiros.

Os questionários poderão ser encontrados no anexo A e foram distribuídos de diversas formas: por e-mail direto ou via grupos de debates sobre umbanda e religiões afro-brasileiras, em sites de relacionamento (ORKUT[128]– RBU –Rede Brasileira de Umbanda[129]– REUCA – Rede Europeia de Umbanda e Cultos Afro [130]- Rede Afrobrasileira[131]), e ainda em site próprio para pesquisas[132]O período de pesquisa prática pode ser contado do início do 2º semestre de 2008 ao final do ano de 2012.

Informações sobre as condições sócio-econômico-culturais dos entrevistados assim como sobre seu grau hierárquico e tempo na religião, serão encontradas juntamente com os questionários no anexo A.

3.1 – Questionário 1

Com relação ao Questionário 1, que nominar-se-á Q1, a partir de agora, foram compostas 12 perguntas, cujos resultados computados serão analisados a seguir. Faz-se necessário explicar que nem todas as perguntas efetuadas nos dois questionários terão suas respostas divulgadas aqui. Algumas perguntas foram desenvolvidas como introdução a outras questões.

Entre as hipóteses levantadas pela pesquisa está o questionamento quanto às mudanças da visão que os umbandistas tiveram e tem a respeito de Exu ao longo do tempo. Essas visões vão da exclusão total, com negação de pertença, passando pela "aceitação contrariada" em razão de alguma necessidade, chegando até o endeusamento ou à candidatura ao Orixálato[133]Alguns dos entrevistados fazem comentários sobre o assunto:

"Na Umbanda, Exu ainda divide opiniões. A própria mãe-de-santo do nosso terreiro, uma senhora de mais de 80 anos, vê Exu diferente de nós, mais jovens. Reza a lenda que, se dependesse dela, nem teríamos giras de Exus, mas é necessário. Ela é contra velas pretas, por exemplo, só acende vela branca, mesmo para Exu. É uma mistura de temor e respeito. Exu faz a segurança do terreiro. Guarda a porta de entrada, impede espíritos zombeteiros e afins. Faz trabalhos mais densos, contra a magia negra, afasta pessoas prejudiciais, trata de questões materiais, financeiras mesmo... As Pombagiras, que entendemos como Exus femininos, têm tato especial para questões amorosas, dores do coração, sexualidade..." (Q1 - F.R.R.) (grifo nosso)

"O Exu eh uma das entidades fundamentais da Umbanda. Ha preconceito de algumas casas em aceitar trabalhos com Exus, tanto na Umbanda quanto no Candomblé." (Q1 - J.L.F.)

Entrevista com Sra. Maria Aparecida Martuche Silva – 75 anos. Cinquenta anos de prática umbandista, médium do Centro da Vovó Maria Cambinda, em Nova Iguaçu.

"Perg: A sra. está há 50 anos na Umbanda. A Sra. acha que houve modificações no tratamento que se dava a Exu , de quando a Senhora entrou, pro tratamento que se dá hoje ?

Resp: Prá agora? Completamente!

Perg: Por que? Me conta, ai: Como era antes e como é agora?

Resp: Olha, antigamente não dava para fazer nada com Exu se não fosse na encruzilhada. Tinha que ter encruzilhada, cemitério e, "pa-ra-rá pão-duro". Mas agora, ah! É uma evolução espiritual, é evolução do mundo, do tempo, da Terra. Agora , tá diferente, a gente faz coisas pro exu dentro da casa do Exu , do próprio Exu, e... e...é que vale mais , é , é, às vezes, mais do que você tá numa encruzilhada(3:14) porque, às vezes, na encruzilhada você tá ... com Exu de tudo que é ...uma gama de Exus. E você tando lá, naquela casa de santo, sozinho... tem aquele Exu santo. Então se a gente fica com ele na casa de Exu e ali, eles estão escutando...eles e tão procurando ajuda, ele tão tudo com mais doutrina... mais doutrina... Os Exus hoje são...tão elevado (... ininteligível), não é naquele tempo que eu comecei. É diferente, sabe?[134]"

Ainda segundo a entrevistada houve mudanças no que concerne ao vestuário, pois antes trabalhavam de roupas coloridas com capas e hoje trabalham de baiana branca. A Sra. Maria Aparecida trabalha com Exu Veludo das Almas que inicialmente usava uma capa preta, sobre a entidade ela afirma:

"Exu Veludo pra mim, se ele não era, ele ficou(bom), pelo menos este que trabalha, que trabalha nos meus pés , porque não trabalha na minha cabeça, quem trabalha na minha cabeça é minha mãe Oxum , a gloriosa madrinha Yemanja e meu poderoso pai Xangô.[135]"

Os exemplos acima, para além das publicações teológicas umbandistas confirmam na prática as modificações que vem ocorrendo tanto no âmbito das mentalidades quanto no das práticas umbandistas.

Há que se observar ainda que os elementos do "Povo de Rua", sempre classificados pelos acadêmicos e pelos próprios umbandistas (inicialmente) como representantes da desordem e do caos, dado seu processo de desdemonização e mesmo por efeito dos caminhos tomados pela intelectualidade umbandista para "revelar" sua verdadeira missão e posição espiritual e evolutiva, acabaram por transformarem-se em representantes da Lei e da Ordem.

Tanto os questionários quanto a literatura doutrinária umbandista mais atualizada apontam para essa ressiginificação/ reclassificação. Se Exus e seus companheiros do "Povo de Rua" são tidos por acadêmicos e mesmo por antigos intelectuais da Umbanda como símbolos da desordem em oposição à ordem representada pelos caboclos, pretos velhos e crianças, é necessário notar que a característica da controvérsia que envolve tudo que se relaciona com Exus, se faz presente no momento de outra forma. A pergunta é como entidades que são enquadradas como símbolos da desordem podem ser classificadas como representantes e executoras da Lei, "policiais do Astral" responsáveis pelo ordenamento espiritual e pela segurança do todo.

A seguir far-se-á uma apuração dos resultados dos questionários e demais pesquisas. Começando por Q 1 - Pergunta 1: Quem é Exu?

3.1.1 – Quem é exu?

As respostas a essa pergunta remetem à ideia de que Exu seja um Orixá africano e uma entidade de umbanda, e dependendo de qual escola de pensamento umbandista se siga, poderá aparecer nas duas situações: compreendido como Orixá surgido na origem da criação e como entidade incorporante no cotidiano umbandista. Entidade esta que mesmo estando sob a coordenação de um Orixá (pode ser qualquer um) está ligada à energia do Orixá Exu ao qual se vincula por seu arquétipo e função.

"Falando de Exu antes temos que entender que em algumas Casas de Umbanda ele é cultuado como Orixá, mas na maioria das Casas são os espíritos que chegam na Linha de Trabalho que costumam chamar de Esquerda, Meia Noite, Hora Grande (...outros), perceba que nem mesmo o nome da Linha Trabalho tem o mesmo nome nos Terreiros, ainda estes são chamados de compadres, guardiões, etc., o trabalho destes espíritos é muito procurado nos Terreiros, quer ver uma gira cheia basta "bater" para Exu, mas isso tem explicação que nada mais é que a aproximação destes espíritos a nós encarnados." (Q1 - A.S./A.O.)(grifo nosso[136]

Tratando-se de Exu entidade e seus companheiros do "Povo de Rua", são considerados pela maioria dos umbandistas entrevistados primeiramente como Guardiões da Lei e da Luz nas Trevas. Em seguida como agentes e executores do Karma individual ou coletivo. É a partir dessas funções que exerce que irá trabalhar como regente dos caminhos, abrindo-os ou fechando-os conforme a Lei o determinar. É bastante expressiva a compreensão das atividades de tais entidades como "policiais do astral".

Para alguns umbandistas Exu aparece não como o opositor de Deus, mas como Seu "outro lado" ou:

"Exu é o negativo de Deus na natureza ".(Q1- C.S.)

"Exu é a mão esquerda de Deus[137](R. Q.)

As afirmações acima devolvem Exu à condição que o orixá tinha na África, que não era aquela que os cristãos lhe impingiram como opositor de Deus, mas a de um deus necessário a tudo e todos. Um auxiliar do Criador tanto para colocar em prática os planos da criação quanto para depois disso exercer um mandato como deus responsável pelo movimento sem o qual nada acontece, pelos caminhos e encruzilhadas por onde transitam tudo e todos, de senhor das comunicações sem as quais todos os seres se encontrariam isolados, responsável pela fecundidade e igualmente profundo conhecedor dos deuses, dos homens, de seus problemas e soluções.

À pergunta: "Exu é comumente sincretizado com o diabo cristão. Exu é o diabo? Uma resposta chama atenção, pois ao mesmo tempo em que nega que Exu seja o diabo, o coloca sentado ao lado do mesmo:

"Com certeza Não, muitos exus quando evoluidos estão sentados ao lado do diabo, que são conhecidos como exus guardioes mas não são diabos.(Q1 - B.)

Há um ponto cantado para Exus e Pombagiras que talvez possa lançar compreensão sobre a visão do umbandista acima. O ponto demonstra a proximidades entre Exus, Pombagiras e Satanás ao mesmo tempo em que evidencia a força e o poder das entidades que "não tremem", colocando-as como portadoras de um poder acima dos de Satanás que "treme" :

"Tremeu , tremeu , tremeu,

Satanás tremeu!

Só não teme, Tranca Ruas,

Satanás tremeu!

Só não treme _______________ (nomes de Exus e Pombagiras)

Satanás tremeu."

Como resposta a mesma pergunta (Exu é o diabo?) , outros entrevistados responderam:

"NUNCA muito embora exus nao se incomodem dessa associaçao ja que sao espiritos tao evoluidos que sabem que por traz dessa afirmação existe um preconceito e lutam contra isso brincando." (Q1 - C. L. R.)

"Exú já era cultuado em Oyó por exemplo, cidade de Xango, há 4000 anos o cristianismo tem 2000 anos. Portanto os cristãos é que fizeram esta "leitura" de Exú, multiplicação para vegetais ocorre por polinização, daí a importância das flores p/ Exú, e no caso dos mamíferos via sexo, o que é um tabu para ocidentais cristãos, daí a demonização de Exú, assim como, Pan, Príapo, Dionísio e tantos outros Deuses"(Q1 – K.)

"Não, é a entidade mais incompreendida e caluniada."(Q1 –A.L.P.Z.)

"Não acredito na existência do diabo, porque não possuímos uma religião dual ( ou se é bom ou se é mal). Acredito em estágios de evolução espiritual onde há uma predominância de qualidades ou defeitos, e forças opostas a serem equilibradas". (Q1 - B.L.P.)

"Sincretizado? Na verdade exu foi demonizado no processo colonizatório promovido pelos europeus quando ocuparam a África e a América.

Acontece que exu, não é diabo. E nem poderia ser. O diabo é uma figura mitológico no universo cultural judaico-cristão. Na África e na América o diabo não existia antes do colonizador chegar. Aliás, nas culturas dos povos africanos e ameríndios, não existiria a figura de um ser que fosse a antítese de Deus. Todas as divindades seriam essencialmente boas. Se ela não lhe favorece é porque vc está em débito com ela, dai a necessidade de alguma oferenda. Não existiria uma divindade exclusivamente para fazer o mal[138]( Q1- J. H.M.O.)

Os elementos do "Povo de Rua" são percebidos entre todas as entidades do panteão umbandista, como aqueles que estão mais próximos aos seres humanos encarnados, sendo, portanto capazes de compreendê-los em seus desvios ou necessidades materiais e emocionais.

"São entidades que, evolutivamente falando, estão mais próximas da instabilidade do homem encarnado - o que geralmente é repetido como "entidade mais terra-a-terra". O termo Exu é usado tanto no Candomblé, como na Umbanda e na Quimbanda. É importante estabelecer essa diferença de contexto ".(Q1 - A.S.)

Há variações de entendimento quanto à sua posição na escala evolutiva. Há os que os acreditam como seres muito evoluídos, que se disfarçam com essa roupagem mais mundana para melhor auxiliar os encarnados. Outros os consideram como seres que pertencem a diversas graduações evolutivas, cada um exercendo suas funções de acordo com seu posto na hierarquia, sendo todos coordenados por um hierarca mor que pode ser conforme a corrente a que se esteja referindo: um Exu Orixá ( Guardião Planetário / ou Elemento da Origem da Criação), O Maioral da Quimbanda que por sua vez é subordinado aos Orixás e Guias de Umbanda, ou o Orixá de Umbanda ao qual esteja diretamente subordinado. E ainda, existe um grupo que crê serem essas entidades seres de outras dimensões nunca encarnados na Terra.

"Eh uma entidade evoluida – ou nao - , doutrinada – ou nao- considerada em algumas Umbandas como a "Linha da Esquerda", embora seja uma entidade oriunda da Quimbanda". ( Q1 - J.L.F./ pds[139]

"Vejo Exu como a roupagem que certos espíritos escolhem para trabalhar sua evolução espiritual."(Q1 - M.M.S.)

As qualidades apontadas para estas entidades indicam que conquistaram credibilidade positiva junto aos adeptos. São considerados: amigos, fiéis, justos, confiáveis, honrados em sua palavra, cumpridores de seus deveres, protetores e defensores dos homens e de seus templos.

3.1.2 – Exu "faz o bem, faz o mal". Exu é mau?

Será preciso esclarecer sobre a relatividade utilizada pela maior parte dos umbandistas para explicar questões referentes ao "bem" e ao "mal". Há uma historieta muito utilizada no meio umbandista que é exemplificadora desse entendimento:

Uma pessoa disputa uma vaga de emprego com outra pessoa qualquer e vai pedir a Exu ou qualquer outra entidade que a ajude a conseguir a vaga para si. Essa pessoa quer seu próprio bem e não o mal do outro. Mas se consegue a vaga, por ação de uma entidade ou feitiço, para a outra pessoa que não conseguiu o emprego isso pode ser sentido e entendido como um mal, praticado pelo que conseguiu a vaga juntamente com a entidade e\ ou aquele que realizou o feitiço. Desta forma, embora o mal não seja desejado ao outro, pode afetá-lo. Neste contexto, segundo as teorias umbandistas, nada ocorre por acaso, logo, se o outro não conseguiu o emprego, não foi somente porque houve um pedido a uma entidade ou uma oferenda, mas porque não estava na hora daquele que ficou de fora conseguir emprego , seja porque não o merece, seja porque há algo melhor mais adiante, seja porque ainda precisa passar por determinadas provações. De forma idêntica, o que obteve sucesso, o obteve porque era a sua hora e o merecia.

A pergunta: Exu "faz o bem, faz o mal". Exu é mau? - obteve entre outras as seguintes respostas:

"EXU É JUSTO, E NEUTRO, FAZ O QUE PEDEM, SE DESCOBRIR QUE FOI ENGANADO[140]ELE VAI QUERER ACERTAR AS CONTAS." (Q1-M.R.)

"Não. Se sua casa tem uma linha de caridade, não existe essa de Exu fazer o mal.

Partindo deste principio, lembramos mais uma vez q a escala evolutiva de exu é baixa, e portanto, se a casa não impor limites e mostrar a exu facilidades em conseguir o que desejas, por erro quase que 'humano' ele pode seguir os atalhos pelo lado mais facil." (Q1 - D.N.)

"(...)Exu é uma Entidade como qualquer outra, e como qualquer outra não faz o mal. O homem é quem conhece e pratica a idéia negativa sobre aqueles que considera empecilhos a quaisquer de seus anseios. Gosto de dizer que Exu é o chicote do mundo e em muitas vezes permite que os anseios do homem se traduzam em ações negativas no sentido do crescimento ambíguo da questão, como também considera o merecimento como o livre arbítrio de cada um dos envolvidos". (Q1 -R.N.)

"Por isso a importância de se estabelecer o contexto. Exclusivamente na Umbanda, a exigência mais básica que existe para que determinada entidade possa trabalhar Nela é o comprometimento absoluto em JAMAIS sugerir, aconselhar, insinuar ou fazer QUALQUER coisa que possa prejudicar QUALQUER indivíduo de QUALQUER maneira imaginável, do óbvio ao sutil. Se uma situação dessas acontece sem correção IMEDIATA na casa, significa que o 'terreiro de Umbanda' não é tão "terreiro" assim e tem sua credibilidade questionada justamente". (Q1 - A.S.)

"Não é mau por natureza, assim como não podemos dizer que o fogo é mau por queimar".(Q1 - E.P.F.P.)

"Lá, falamos bastante na diferença entre "Exu batizado" (ou "Exu de Lei") e "Exu pagão". Um Exu que trabalhe na Umbanda não pode fazer o mal, mas um agrupamento de espíritos atrasados que se denomine Exus pode decidir fazê-lo.  É o tipo de espírito que trabalharia na Quimbanda (pois acreditamos na Quimbanda como algo separado da Umbanda, embora alguns terreiros misturem as coisas)". (Q1 - F.R.R.)

"Não é bem assim. Depende do que se julga por bem ou mal. Às vezes algo que julgamos ser bom pra nós é na realidade mau, e Exu tem esta capacidade de dar ou não dar o alvo desejado, pois faz o que é melhor pra nós. Exu é do BEM". (Q1 - J.C.A.S.)

"O Exu coroado faz somente o bem, pois assim como nós ele está em busca de evolução, o que se ver por ae são Quiumbas que se apresentam como Exu para terem credibilidade e executam assim a pratica do mau, mas cabe colocar que dentro da Religião de Umbanda não há pratica do mal, já que os espiritos vem prestar caridade em busca de evolução, e ponto".(Q1 - L.M.)

"EXU É DE ACORDO COM QUE SE PEDE, VC PODE PEDIR O BEM ELE TRARÁ O BEM, VC PEDE O MAL ELE DARÁ O MAL, MAS NUNCA PODE SE ESQUECER DA LEI DO RETORNO OU QUE TUDO QUE SE PEDE TEM UM PREÇO, INDEPENDENTE DO PEDIDO, ASSIM COMO UM SOLDADO ELE CUMPRE ORDENS". (Q1- M.)

"Exú, na Umbanda, não faz o mal. O mal, entendo eu, que seja tudo aquilo que é pedido para Ele, que representa algo imerecido, egoístico ou que prejudique, de alguma forma alguém. Devido à natureza dos Trabalhos dos nossos Exús e Pomba Giras, as regiões que têm acesso , energias que manipulam e aos Camaradas que normalmente fazem parte de suas legiões, que possibilitam a realização de suas incursões e trabalhos, é exeqüível atos que possam ser considerados malignos. No entanto, na Umbanda, devido ao seu direcionamento Cristão, normalmente, esses atos não são permitidos ou incentivados. Nos interessa o progresso espiritual de todos (Entidades desencarnadas e encarnadas)". (Q1 – R.F.R.)

"Não! (Na verdade isso varia com a linha que ele está seguindo). Existem coisas que eu também não entendo[141](Q1- V. A.)

3.1.3 – Domínios e funções

No que tange aos seus domínios e funções concordam em muito com aqueles atribuídos ao Exu Orixá: são tidos como senhores dos caminhos e encruzilhadas (físicas, espirituais e emocionais), responsáveis diretos pela abertura ou o fechamento de portas e passagens. São também os que regulam o fluxo do mercado, do dinheiro, da riqueza, da comunicação. É através deles que transita a energia (axé) que vitaliza ou não o ser humano. São por excelência, agentes magísticos considerados hábeis manipuladores de energias.

Por outro lado, a questão referente à sexualidade e à fecundidade/fertilidade do arquétipo de Exu (orixá) quase não aparece nas respostas[142]Quando os entrevistados fazem referência ao assunto, ele está muito mais dirigido ao aspecto emocional, às paixões emocionais amorosas que ao sexual, em geral, relacionado ao campo de atuação da Pombagiras. Isso pode se dar por diversos motivos:

  • 1- O sexo, a sexualidade ainda são tabus;

  • 2- Apesar das imagens e do arquétipo das Pombagiras fazerem referências diretas à sexualidade e à sensualidade livres, ao despudor em oposição ao arquétipo das pudicas senhoras do lar, mães e esposas exemplares, o que parece mover os consulentes em direção as Pombagiras é antes a reputada capacidade dessas entidades de compreender os desejos amorosos de ordem sentimental do que seus qualificativos de ordem sexual[143]O fiel confia na empatia da entidade para com seu sentimento e/ou o seu desejo.

  • 3- A literatura doutrinária e a prática cotidiana dos terreiros vêm realizando um trabalho constante de ressignificação da imagem dessas entidades femininas. Esse trabalho inclui a divulgação de histórias de vida exemplares de Pombagiras que versam sobre outros "erros" pelos quais foram levadas a sua atual posição no mundo espiritual. Tais histórias se distanciam em parte da questão sexual e da prostituição remetendo a outras (ir)responsabilidades: o abandono dos filhos e da família, o aborto, o abuso de poder ( religioso, social ou político), o desviar de outros de suas responsabilidades, o mau uso do conhecimento adquirido, intrigas cujo resultado tenha prejudicado outros, etc. Nem por isso os tracionais exemplos arquetípicos relacionados aos abusos da sexualidade foram deixados de lado, apenas tiveram os holofotes compartilhados.

  • 4- Dos autores umbandistas quem mais dá destaque tanto aos Exus e Pombagiras quanto à sexualidade inerente aos mesmos, é Rubens Saraceni.

 

Foram separadas algumas respostas explicativas do entendimento que os umbandistas têm dessas entidades:

""Do ponto de vista da Umbanda é uma Entidade (espírito desencarnado) como todas as demais. Na visão do culto original dos Orixás, Exu é uma Divindade, criada diretamente por Olorum e tem como característica a intermediação das comunicações entre os homens e os Orixás.".(Q1 - R.N )(grifo nosso)

"Na visão Umbandista: Exu é um espírito que busca evolução, ele vai ser sempre aquilo que fazemos dele, é tanto que sua ação depende muito do médium, sua conduta espiritual, seu esclarecimento, conhecimento das leis evolutivas da natureza. Tenho acompanhado trabalho de Exu que se não soubermos que se trata de uma entidade das encruzilhada nos vemos frente a frente com um espírito altamente evoluído a dar orientações dignas de um Preto velho. No meu entendimento o Exu vai depender muito do médium para sua assenção espiritual.[144]"( M.O.W.C.R.- 2010) (grifo nosso)

"Exú é um guardião. Exú tem a total liberdade de entrar em qualquer plano mediunico. Tanto inferior quanto superior ao nosso plano espiritual. Sua moradia espiritual esta superior a nossa, por isso tem tanta semelhança e conhecimento do nossos custumes. Pois eles já foram encarnados um dia na Terra, e estão tentando evoluir como nós também estamos".(Q1 - J.O.D.M.)

"A Umbanda no geral encara Exu como uma especie de policia do mundo espiritual, afastando e combatendo Eguns e mantendo as casa de santo sempre protegidas para que os trabalhos fluam bem".(Q1 - C.R.L.)

"Guardião e Protetor do Ritual de Umbanda e dos médiuns. Entidade que manipula energias mágicas densas. Conhece nossos problemas mais imediatos bem de perto. Em nosso benefício, junto aos seus camaradas, é capaz de ir a regiões densas da espiritualidade para abrandar ou resolver questões de baixa magia."(Q1 -R.F.R.)

"Exus são espíritos que já encarnaram na terra. Na sua maioria, tiveram vida difícil como mulheres da vida; boêmios; dançarinas de cabaré, etc. Estes espíritos optaram por prosseguir sua evolução espiritual através da prática da caridade, incorporando nos terreiros de Umbanda. São muito amigos, quando tratados com respeito e carinho, são desconfiados mas gostam de ser presenteados e sempre lembrados. Estes espíritos, assim como os Preto-velhos, crianças e caboclos, são servidores dos Orixás.

Apesar das imagens de Exus, fazerem referência ao "Diabo" medieval (herança do Sincretismo religioso), eles não devem ser associados a prática do "Mal", pois como são servidores dos Orixás, todos tem funções específicas e seguem as ordens de seus "patrões".( Q1 - L.F.)

"Os Exus são espíritos que acumularam débitos muito grandes e trabalham na Umbanda sob a direção das entidades superiores, para reequilabrar seus próprios carmas.

São extremamente inteligentes, conhecedores de mágia, manipuladores de enérgia e estão acima do bem e do mal, sua tarefa não é julgar, mas sim executar.

Das entidades na corrente Astral da Umbanda, Exu é o mais polêmica e discussão produz entre os curiosos ou mesmo entre os intregrantes dos Cultos Umbandistas." . (Q1 - Ka.)

Ottoni Luiz Ferreira, membro da REUCA- Rede Europeia de Umbanda e Cultos Afro contribuiu com essa pesquisa informando como Exu é entendido segundo o seu segmento e prática umbandista:

"Exu, é visto na Umbanda, principalmente no ritual praticado por mim que é o culto Bantu Ameríndios, como um espírito, em que em sua passagem pela terra, não teve um procedimento baseado na prática da caridade e do bem, e automáticamente este espírito, retorna ao Planeta terra em nossa dimensão para pagar pelos erros praticados e para se purificarem e assim conseguir sua elevação no plano espiritual.

Existem sete linhas quanto ao estado de evolução do espírito na Umbanda, e Exú é o quarto grau, ou seja é onde ficam os espíritos que não possuem Luz suficiente.

Estes espíritos de seres humanos desencarnados, através de seus aparelhos, praticarão atos de caridade por sí, ou devidamente vigiados pelo chefe e gerente do médium que o incorpora, conseguindo desta forma conhecimentos necessários para sua evolução espiritual, conseguindo mais tarde de acordo com sua evolução, sair da linha de Exu e vir na terra trabalhar na linha das Almas como um preto velho quimbandeiro, caboclo cruzado e etc...[145]"(O.L.F. – REUCA -2010)

De Huelva, España, o Baba Alafandejò, embora sacerdote, preferiu colaborar enriquecendo a pesquisa a partir de sua condição de Mestre "Historiador e Pesquisador de religiões de matrizes africanas":

Em relaçao aos exus que "baixam" nos terreiros de Umbanda e kimbanda, seriam espiritos ligados a diversas falanges, cuja missao seria as de GUARDIAES DOS TEMPLOS e "soldados" mais apropriados para trabalharem em zonas de baixa vibraçao (Umbral e Crosta Terrestre) sempre a serviço do BEM! Qto aos que se dizem exus e praticam o mal, certamente nao o sao, se trata de entidades denominadas QUIÚMBAS que prestam serviços em troca de benéfices proprias, mas quase sempre a pedido ou com o consentimento do médium que por desconhecer a verdadeira natureza da UMBANDA, se comprometem espiritualmente num processo penoso de falencia na mediunidade e na missao espiritual.[146].(Baba Alafandejò – 2010- REUCA)

3.1.4 – Dos resultados Q1

Nota-se por parte dos umbandistas uma forte inclinação tanto para a defesa de Exus e Pombagiras, quanto pela culpabilização[147]do médium e daqueles que buscam essas entidades pelo mal que possa resultar de seus contatos. Os médiuns, considerados como coparticipes nos atendimentos[148]são apontados - em casos que resultem trabalhos negativos ou imorais, como corresponsáveis com a entidade e o pedinte, pois caberia a eles (por sua doutrinação e moral que deveriam ser elevadas[149]de alguma forma impedirem tais fatos. Enquete encontrada em uma comunidade umbandista do Orkut demonstra que 88% dos médiuns se diz parcialmente consciente (50%) ou totalmente consciente (38%) , declarando-se inconscientes apenas 12% dos votantes[150]A relação mediunidade –consciência ou mediunidade –inconsciência afeta diretamente o julgamento do senso comum umbandista sobre a culpabilidade do médium. Nos casos de mediunidade consciente os médiuns são acusados de má-conduta, pouca doutrina, vaidade, etc. Quando sabidamente conscientes tornam-se alvos de observação, desconfiança e cobranças contínuas quanto às atitudes das suas entidades. Outro fator apontado é a fascinação do médium pela "entidade" simbolicamente idealizada, real ou mistificada, que pode levar o médium a ser abandonado pela entidade umbandista "real", que dados os defeitos morais e o mau uso da mediunidade, não aceitaria continuar com tal médium. O que resultaria:

  • 1. No lugar da entidade umbandista de direito, iluminada, benfeitora, doutrinada e justa, penetram os kiumbas e eguns, espíritos brincalhões, malévolos ou trevosos, que se fazem passar pelas entidades umbandistas, no caso em questão, enganado tanto médium como consulentes.

  • 2. Fascinado[151]pela entidade umbandista idealizada por ele ( o médium) , vaidoso do "sucesso" da entidade "real", o médium pode criar em si um animismo inconsciente.

  • 3. Sabendo-se impossibilitado como medianeiro de entidades umbandistas, pode o médium mistificar a presença da mesma, através de uma "falsa incorporação".

A crença na evolução dos espíritos (incluindo os do chamado "Povo de Rua"), assim como em sua iluminação e possível doutrinação para o bem está presente em quase todas as respostas. A ideia de evolução dos espíritos é uma constante. Em paralelo há os que creem que sejam os espíritos que compõe o "Povo de Rua" já bem evoluídos tendo escolhido permanecer nesse trabalho por responsabilidade para com a Lei e a Luz e também por amor aos encarnados. Outros consideram que jamais encarnaram, sendo seres de outras dimensões[152]

Pery, em texto explicando o trabalho dos Exus na Umbanda, faz referência às situações acima descritas. A autora coloca que seria ilógico que o Astral Superior colocasse Exus como guardiões e defensores se essas entidades fossem subornáveis ou não confiáveis. Da mesma forma critica a frase " Exu tanto faz o mal quanto faz o bem e depende de quem pede", dizendo não haver pior defesa para a entidade , já que mesmo crianças sabem diferir uma coisa da outra. Além disso, questiona: "E ainda por cima não ter nenhum tipo de aspiração evolutiva, ou seja, ficar sempre entregue a mercê de nossa vontade nunca aspirando evoluir?" Um pouco mais adiante no texto a autora afirma que quem faz trabalhos negativos se dizendo ser Exu são os quimbas e obsessores, capazes de se fazer passar não somente por Exus e Pomba giras como por outras entidades de Luz. A seguir dá a sua explicação do porque de tais coisas acontecerem:

"E por que isso acontece? Por causa de médiuns invigilantes. Médiuns pouco compromissados com o Astral Superior, médiuns e dirigentes ignorantes. Médiuns e dirigentes que buscam os terreiros de Umbanda para satisfazer as suas baixas aspirações, como válvulas de escape para fazerem "incorporados" o que não tem coragem de fazer de "cara limpa"! Médiuns de moral duvidosa que gritam, xingam, bebem, dançam de maneira grotesca para uma casa religiosa e imputam a Exu esses desvarios. Caso estejam realmente incorporados estão na realidade é sofrendo a incorporação de kiumbas (que são espíritos moralmente atrofiados ou que buscam apenas tumultuar o ambiente). Nunca um Exu ou Pomba Gira de verdade irá se prestar a um papel desses.[153]"

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