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A exploração de aeroportos em regime privado: um ensaio para sua classificação (página 2)


Partes: 1, 2, 3

Primeira Fase: Os Estados instituem monopólios e os delegam a empresas públicas por eles criadas (ficaram conhecidas por "estatais"). É o que se denomina delegação legal: os Estados, por meio de lei, outorgam à empresa pública ou a uma autarquia um "Grant" ou outorga exclusiva para explorar o serviço. É o caso aqui no Brasil da Infraero (criada pela Lei nº 5.862, de 12/12/1972). O Governo fez uso da delegação legal para outorgar à Infraero a exploração de aeroportos, isto é, por via de lei, atribuiu a essa empresa pública a exploração industrial e comercial de infraestrutura aeroportuária. Na época, a criação dessa estatal foi inspirada na da British Airport Authority – BAA –, da Inglaterra, criada na década de 1960. Nessa época, tiveram início as descentralizações administrativas. Os Estados mais evoluídos, ao invés de deixar a administração de aeroportos na estrutura da Administração Direta, criaram empresas estatais (Administração Indireta), ou seja, esta primeira fase das delegações veio acompanhada de uma evolução na Administração Pública, a da descentralização administrativa. Se, antes, o Governo cuidava de aeroportos por meio da Administração Direta, agora, sob a vigência do Decreto-Lei nº 200/1967, promoveu-se a descentralização, mediante a criação de estatais, com o objetivo de se obter ganhos de eficiência. Naquele momento histórico, por volta da década de 1970, a descentralização administrativa constituía o modelo mais avançado para a Administração Pública.

Segunda Fase: Na década de 1990, os governos, no mundo todo, questionavam o "core business" do Estado e a necessidade de "cortar gorduras" constatando que as estatais provocavam ineficiências. Surgem, então, as concessões (inovação seguida da delegação legal/monopólio). Trata-se de um modo de delegação/outorga em que o particular atua (em tese) como se Estado fosse, porém, adotando em contrapartida a dinâmica da gestão privada. Esta forma de outorga foi decorrente da quebra de monopólios. Com o advento das concessões no Brasil, a prestação privada do serviço passou a substituir parcela significativa das estatais ineficientes em áreas como as telecomunicações, energia elétrica e setor portuário. Em se tratando dos aeroportos, essas concessões ainda podem ser consideradas muito tímidas, prevalecendo a prestação estatal do serviço, hoje realizada, predominantemente, pela Infraero. Nas concessões, os ativos do Governo não são vendidos (alienados), ou seja, as concessões são formas de privatização do serviço, mas não dos ativos de propriedade do Estado empregados na sua prestação. Embora o serviço seja prestado sob gestão privada, continua havendo considerável intervenção regulatória do Estado, que estabelece regime tarifário, obrigações de continuidade, atualidade, regularidade da prestação e outras obrigações a mais, constantes do contrato de concessão, que é o denominado regime público de prestação do serviço. Tem-se, portanto, a segunda fase de outorgas, denominada delegação contratual. Diferentemente do modo de delegação anterior – delegação legal – em que o Governo criava uma lei para regular a relação, nessa segunda fase, o Governo escolhe um concessionário por meio de um processo licitatório e firma com ele contrato. Daí o nome concessão.

Terceira Fase: No início dos anos 2000, em mercados maduros e desenvolvidos (ROSTOW, 1966), como é o caso da Inglaterra, Estados Unidos e Japão, começou-se a perceber que a delegação de determinados tipos de serviços públicos poderia ocorrer em conformidade com um regime de direito privado. Isto é, com menor grau de intervenção estatal (vide Figura 1), o que condicionou o surgimento de um novo instrumento de outorga de aeroportos denominado "autorização". A intenção por trás desta inovação, na adoção de um novo instrumento de outorga (no caso, a autorização), visa a promover maior eficiência no mercado e maior universalização dos serviços públicos, em especial, com a participação do capital e gestão privados. Para se outorgar serviços públicos nesta terceira fase, o instrumento legal e constitucionalmente previsto, no caso dos aeroportos, é a autorização. Não aquela precária e discricionária, mas sim outra espécie, revestida de garantia da segurança jurídica do investimento. É uma delegação do serviço público sob menor intervenção regulatória do Estado do que aquela que ocorre nas concessões. A propriedade dos ativos, nesta modalidade, não é do governo e sim, do autorizatário. Ao invés de um contrato, comumente, o instrumento de outorga é um termo de autorização por meio do qual se delega a atividade ao particular que, por sua inteira conta e risco, a explora. Daí se diz: regime privado de exploração. Não há nenhuma hipótese de garantia de equilíbrio econômico-financeiro, como há na concessão, e prevalecendo o regime de liberdade de preços, ou seja, sem regulação tarifária. Entretanto, o Estado continua regulando a segurança da prestação do serviço e os assuntos relacionados à proteção da concorrência e do meio ambiente. Em países como a Inglaterra, a adoção de instrumentos como a autorização se deve à necessidade da redução da responsabilidade financeira do Estado e de geração de melhoria no nível de prestação dos serviços públicos, já que, num mercado desenvolvido, admite-se a competição como indutor de aperfeiçoamento e de melhorias na prestação de serviços.

Figura 1 – Nível de intervenção regulatória X interesses predominantes

Monografias.com

Fonte: Binger (1999) Adaptado.

Observa-se que a diferença da concessão para a autorização é, em parte, evolutiva. Esta, em relação àquela, conta com menor intervenção regulatória. De forma similar, a concessão (delegação contratual) apresenta menor intervenção estatal em relação à delegação legal (monopólios). Aparenta ser uma diferença nitidamente estabelecida com base no nível de intervenção regulatória que, com sua redução gradativa, no decorrer do desenvolvimento dos mercados, foi se adaptando mediante a criação e adoção, pelos Governos, de instrumentos de outorgas com níveis distintos de atuação regulatória do Poder Concedente. Isso reflete a conveniência administrativa do momento. É por isso que, ao analisar o artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica (BRSIL, 1986) – CBA – observa-se que esse traz à risca esta evolução aqui relatada:

Art. 36. Os aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados:

I - diretamente, pela União;

II - por empresas especializadas da Administração Federal Indireta ou suas subsidiárias, vinculadas ao Ministério da Aeronáutica;

III - mediante convênio com os Estados ou Municípios;

IV - por concessão ou autorização.

O primeiro inciso traz a forma primitiva: o Estado diretamente agindo, como fora no Brasil de 1931 a 1972. A partir daí, surge a primeira fase de outorga (inciso II), inaugurada com a criação de estatais mediante delegação legal (instituição de monopólios). Tanto no inciso II como no III, tem-se o Estado agindo e prestando serviços públicos, de uma forma descentralizada, por meio dos entes estaduais ou municipais visto que a Infraero representava a União na pactuação de convênios com Estados e Municípios (inciso III). Hoje, com o fim do monopólio da Infraero, quem firma convênios com os Estados e Municípios é a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, recentemente criada.

Em seguida, no inciso IV, são mencionadas as concessões e as autorizações, numa ordem que expressa a sequência lógica da evolução da aplicação dos institutos de outorga. As autorizações, logo depois das concessões, marcam, assim, a fase atual de inovações de outorgas para exploração de infraestruturas, nesse caso, em particular, dos aeroportos.

A análise deste trabalho recai sobre a terceira fase de outorgas, ou seja, aquela instrumentalizada por meio de autorização para a exploração dos serviços aeroportuários em regime privado, como já defendido em literatura especializada no assunto: Farias (2005) e Soutelino (2008).

1.1 TEMA

"A Exploração de Aeroportos em Regime Privado - Um ensaio para sua classificação" é um tema da área de regulação de infraestrutura aeroportuária. Também figura como um ensaio sobre a proposição de uma classificação dos aeroportos quanto ao tipo de delegação, à qual estariam sujeitos. Por isso, o tema está relacionado à tentativa de se estabelecer um modelo propício à normatização das outorgas de exploração de aeroportos. É premente a necessidade de se definir, tanto no âmbito das políticas públicas de infraestrutura quanto na regulação da mesma, quais tipos de aeroportos podem ser delegados mediante autorização e quais o seriam por meio de concessão.

1.2 Enunciado do Problema

Considere-se o seguinte problema: apesar de já ter sido criada a Agência Reguladora responsável por conceder e autorizar a exploração comercial da infraestrutura aeroportuária, ainda não se tem definições, em linhas gerais, sobre como a Agência outorgará a exploração dos aeroportos. No setor aeroportuário, não foi possível criar a Agência e estabelecer as diretrizes de políticas públicas a serem implementadas por essa, concomitantemente. Por isso, atualmente, a Agência não conta com um Plano para orientar suas ações de outorga, no sentido de direcionar que tipos de aeroportos conceder e que tipo autorizar. Deste enunciado surge o seguinte problema a ser esclarecido: "Quais os tipos de aeroportos que seriam passíveis de delegação via concessão e quais deveriam ser delegados mediante autorização? Como é possível caracterizar a outorga de aeroportos delegados via autorização e a outorga de aeroportos delegados via concessão?". O objetivo central do presente trabalho consiste em esclarecer e proporcionar subsídios para as respostas a estes problemas. Sem que se definam as características de cada uma das modalidades de outorgas; autorização e concessão, e também que tipo de aeroportos vem sendo outorgados mediante aquelas modalidades, não se logrará êxito na proposta de um regulamento sobre o assunto. Este é um passo inicial para se elaborar e aprovar os Planos de Outorgas a serem estabelecidos pela Secretaria de Aviação Civil, criada pela Medida Provisória nº 527, de 18 de março de 2011 (BRASIL, 2011). Em face desta situação, este trabalho apresentará, inicialmente, a descrição, com base na literatura atualizada sobre o assunto, dos dois tipos de outorgas utilizadas para delegar aeroportos: concessão e autorização. Em seguida, serão analisados alguns aeroportos outorgados mediante autorização com o intuito de identificar os perfis de cada um e, a partir daí, procurar propor uma forma de diferenciação entre eles, com vistas a facilitar a identificação dos tipos de aeroportos propensos à outorga mediante autorização ou concessão.

1.3 Justificativa

Este trabalho investiga as características principais das modalidades de outorga autorização e concessão. E, na mesma medida, procura identificar quais são as características comuns dos aeroportos autorizados, com a propósito de demonstrar a viabilidade de um marco para identificar o tipo adequado de outorga para cada aeroporto a ser explorado pela iniciativa privada no Brasil.

Há escassez de trabalhos publicados sobre a autorização de exploração de aeroportos. A quantidade de trabalhos, a exemplo de dissertações e teses, envolvendo regulação e promoção da competição entre aeroportos, é muito pequena. A relevância do assunto se relaciona com o fato de que a promoção da competição entre aeroportos passa pela regulação desses e que, por sua vez, relaciona-se ao controle ou gestão de outorgas. Há grande necessidade atual acerca do entendimento aqui proposto, uma vez que o Governo precisa editar regulamentos para o setor, contemplando a demanda de investimentos privados para seu desenvolvimento.

Em se tratando dos serviços aeroportuários, a outorga consiste num instrumento de gestão que visa ao controle quantitativo e qualitativo da exploração daqueles serviços, condicionando-os às prioridades a serem estabelecidas no Plano de Outorgas, a ser elaborado e aprovado, em breve, pela Secretaria de Aviação Civil.

Com a criação da Secretaria de Aviação Civil, subordinada à Presidência da República, compete a esta, elaborar e aprovar os planos de outorgas para exploração da infraestrutura aeroportuária. Ressalta-se que, ao serem aprovados os Planos, a ANAC terá uma diretriz de como proceder com relação à aplicação das outorgas de concessão ou autorização.

Em vista da situação, espera-se que o estudo, aqui apresentado, contribua para o debate e para a análise técnica do problema, que apenas se inicia, neste desafio de estabelecer planos, por meio dos quais a Agência Reguladora proceda adequadamente com relação às concessões e autorizações para exploração de aeroportos.

1.4 Objetivo Geral

O presente trabalho objetiva analisar as diferenças entre aeroportos explorados em regime público (concessão) e aqueles explorados em regime privado (autorização). E, a partir disso, propor uma classificação para os aeroportos explorados em regime privado, ou seja, que tipos de aeroportos e em que situações um particular obteria outorga de autorização para explorá-los.

Pretende-se investigar se características como porte, movimento, função do aeroporto, e se é exclusivo ou adicional em sua área servida, são ou não critérios razoáveis a serem utilizados como parâmetros para se identificar aeroportos que poderão ser autorizados com relação àqueles que devem ser explorados mediante concessão.

Por fim, apresentar-se-ão recomendações a serem apreciadas na elaboração de um plano de outorgas para o setor aeroportuário, de forma a se fazer um regulamento atualizado contemplando a evolução na aplicação de outorgas já ocorridas em países mais desenvolvidos que o Brasil, bem como um pensamento mais avançado em torno do assunto.

Posto isso, este trabalho investiga o perfil de alguns aeroportos no Brasil e no exterior no que tange ao modo de sua outorga. Em seguida, diferencia-os em seus principais aspectos, sugerindo uma classificação para os aeroportos relacionada ao tipo de outorga por meio da qual foram repassados ao setor privado.

1.5 Objetivos Específicos

A análise proposta baseia-se nas disposições legais vigentes sobre a estrutura de organização e administração dos aeroportos brasileiros, inclusive mediante a apresentação de dados sobre a configuração do sistema aeroportuário atual, como é gerido e como se encontra distribuída sua administração, em nível federal, estadual e municipal, e explorados pela iniciativa privada. O trabalho tem como enfoque os aeroportos em que se operam voos regulares. Estão fora deste escopo aeródromos de uso privado, ou seja, aqueles voltados para o uso privativo do proprietário. A partir de então, prossegue-se com quatro objetivos específicos:

  • Identificar a estrutura de organização dos aeródromos brasileiros: neste item, será apresentada a classificação e as características do sistema aeroportuário brasileiro (como é operado e administrado, e sua estrutura legal e administrativa);

  • Revisar os conceitos de aeródromos de uso público e aeródromos de uso privado: a conceituação de aeródromo de uso público e de uso privado é imprescindível para o desenvolvimento do trabalho, já que o enfoque desse recai sobre os aeródromos de uso público explorados pela iniciativa privada. Neste ponto, serão detalhadas as principais diferenças entre aeródromos de uso público e aeródromos de uso privado;

  • Analisar e apresentar as distinções básicas entre concessão e autorização: concessão e autorização apresentam distinções jurídicas e procedimentais que se refletem nas relações do Poder Concedente com o prestador de serviço. Essas diferenças devem estar bem claras em se tratando de outorgas para exploração de aeroportos, uma vez que este entendimento possibilitará a elaboração de um Plano de Outorgas excelente para o setor;

  • Identificar e apresentar aeroportos explorados sob regime privado (autorização) e analisar suas características: neste item, propõe-se pesquisar as principais características de aeroportos explorados em regime privado no mundo e no Brasil, e identificar pontos em comum entre eles de forma a se extrair conhecimentos úteis para sua classificação.

1.6 Metodologia

Este trabalho foi elaborado a partir de materiais já publicados, constituídos, principalmente, de livros, artigos científicos, artigos de periódicos, textos para discussão e material disponível na rede mundial de computadores.

Procurou-se ampliar o alcance dos conhecimentos sobre as formas de outorga da exploração da infraestrutura aeroportuária à iniciativa privada mediante a generalização de características inerentes aos aeroportos explorados em regime privado, a saber, por meio de outorga de autorização. Foram investigadas características similares, entre eles, na tentativa de se estabelecer um padrão classificatório a ser utilizado, no futuro, na elaboração de planos de outorgas para a exploração de aeroportos.

Optou-se por realizar uma pesquisa de natureza descritiva, mediante a realização de um estudo exploratório, compreendendo o sistema aeroportuário civil brasileiro, sua organização, sua estrutura, e como é distribuída sua administração entre entes estatais e a iniciativa privada. Para consecução desta pesquisa e a delimitação do universo a ser estudado, cumpriram-se as seguintes etapas:

  • a) Identificou-se, no sistema aeroportuário civil brasileiro, aeroportos explorados pela iniciativa privada;

  • b) Identificou-se os tipos de outorga utilizados, no Brasil, para delegar à iniciativa privada a exploração de infraestrutura aeroportuária;

  • c) Selecionou-se para análise a modalidade de outorga denominada "autorização", exercida em regime privado no Brasil e em outros países, e apresentou-se suas características, comparando-a à concessão;

  • d) Apresentou-se aeroportos no Brasil e no mundo explorados mediante autorização e analisou-se as características principais inerentes a esses.

Por se tratar de uma pesquisa descritiva, foram expostas as principais características dos aeroportos explorados em regime privado, bem como da modalidade de outorga autorização. Envidaram-se esforços no sentido de dar o passo inicial rumo à classificação dos tipos de aeroportos a serem outorgados mediante autorização.

Esta descrição e interpretação do perfil dos aeroportos explorados por meio de autorização viabilizou a produção de uma classificação de aeroportos para efeitos de definição do tipo de outorga a ser aplicada a eles. Mediante a análise de casos particulares de diferentes aeroportos autorizados, foi possível generalizar propriedades comuns a todos eles, que servirão, futuramente, como diferenciadores desses quanto ao tipo de outorga a ser utilizado.

2 REVISAO BIBLIOGRÁFICA

A autorização para exploração de infraestrutura por particulares é uma forma de outorga consolidada e utilizada em países desenvolvidos, tais como os Estados Unidos e Inglaterra, assunto já discutido, ainda no início do século XX, por Wilcox (1915). Comumente, as autorizações administrativas são referenciadas na literatura britânica e norte-americana com a expressão "perpetual franchise", conforme consta em Wilcox (1915) e Heinke & Wei (2000).

Contudo, o emprego desta forma de outorga para delegar a particulares a exploração de aeroportos não é prática restrita somente a países desenvolvidos. Kapur (1995) confirma o emprego da autorização na Inglaterra, Bahamas e República Dominicana, e ainda sugere que esta forma de outorga pode ser interessante para se promover o desenvolvimento do sistema regional de aeroportos.

Analisando a bibliografia sobre o assunto, Payson e Steckler (1992) reconhecem a possibilidade do uso da autorização para particulares explorarem aeroportos e apontam que a expressão "perpetual franchise" se deve ao fato de o autorizatário ser o detentor da propriedade do patrimônio aeroportuário em caráter perpétuo. Não guarda relação com o fato de a autorização ser perpétua ou por prazo indeterminado. Recomendam que a decisão do governo quanto ao nível de intervenção regulatória (se concessão ou autorização) deve ser analisado caso a caso, dependendo das circunstâncias peculiares de cada aeroporto a ser submetido à exploração privada. E ainda sobre a autorização, os autores apresentam diretrizes normalmente adotadas nos Estados Unidos quando da adoção do regime privado. Ao se adotar a autorização, como modalidade de outorga, o autorizatário é o detentor da propriedade do patrimônio aeroportuário em caráter perpétuo e o governo mantém para si o poder de revogar a autorização se forem violados termos dessa por parte do autorizatário, em particular aqueles relacionados às suas obrigações com respeito à segurança e ao meio ambiente, que constituem fatores que podem comprometer a prestação segura e legal do serviço. O autorizatário pode estar sujeito a restrições regulatórias incidentes sobre as operações aeroportuárias e, em alguns casos, sobre a precificação do serviço. A outorga de longo prazo para explorar a infraestrutura, juntamente com a capacidade empresarial de obter retorno satisfatório sobre o investimento, são incentivos significativos para o autorizatário aportar investimentos nas instalações, assim expandindo sua capacidade. No regime privado, o autorizatário é o responsável por todas as decisões sobre o negócio, inclusive em nível de investimentos e procedimentos operacionais. Pode ter também o controle total ou parcial sobre o processo de precificação dos serviços aeroportuários.

Abordando o assunto sob a concepção de Heinke & Wei (2000), no modelo de autorização, o autorizatário fica responsável pelo projeto, financiamento e implantação do aeroporto, e a propriedade do patrimônio aeroportuário permanece com o autorizatário a título perpétuo. Ao governo cabe regular o projeto e, constatado que uma autorização para explorar aeroporto é sujeita à regulação do Poder Concedente, incide sobre essa as obrigações de obedecer às leis ambientais e de padrões de segurança operacional e da aviação de um modo geral.

No Brasil, a previsão normativa legal do emprego da autorização para explorar infraestrutura é mais recente. O primeiro regulamento contendo sua previsão é o Decreto n° 32, de 18 de novembro de 1966 (BRASIL, 1966), referenciado no quadro seguinte, no qual consta a evolução da legislação brasileira referente à exploração de infraestrutura aeroportuária.

Quadro 1 – Legislação sobre outorgas de exploração de infraestrutura aeroportuária no Brasil 1925 - 2005

Espécie Normativa

Número

Data

Disposição

Itens analisados

Decreto

16.983

22/06/1925

Aprova o regulamento para os serviços civis e de navegação aérea.

Artigos 31, 32 e 38

Decreto-Lei

483

8/06/1938

Instituiu o Código Brasileiro do Ar

[omisso]

Decreto-Lei

32

18/11/1966

Instituiu o Código Brasileiro do Ar

Artigo 50

Lei

6.009

26/12/1973

Dispõe sobre a utilização e a exploração dos aeroportos, das facilidades à navegação aérea e dá outras providências.

Artigo 1

Lei

6.833

30/09/1980

Instituiu o Monopólio da União e da INFRAERO sobre a exploração de aeroportos

Artigo 1

Lei

7.565

19/12/1986

Institui o Código Brasileiro de Aeronáutica

Artigo 36, inciso IV

Constituição Federal

-

5/10/1988

Constituição da República Federativa do Brasil

Artigo 21, inciso XII, alínea "c"

Lei

11.182

27/09/2005

Cria a Agência Nacional de Aviação Civil e dá outras providências

Artigo 8°, inciso XXIV

Fonte: Elaboração do autor.

Logo, a previsão da autorização para explorar aeroportos no Brasil só veio a ser estabelecida no Brasil passados mais de meio século em relação aos países desenvolvidos. O Decreto n° 16.983, de 1925, previa a possibilidade de aeródromos e campos de pouso serem estabelecidos e mantidos por particulares, porém, sua exploração era outorgada por meio de concessão do Governo Federal, isto é, não havia outorgas mediante autorização. A despeito disso, Castro e Lamy (1993, p. 7) apontam que o Decreto nº 16.983, de 1925, inaugura o primeiro Código Brasileiro do Ar, regulamentando atividade que, a rigor, antes inexistia. Na visão dos autores, este regulamento passou a exercer influência não só no desenvolvimento seguinte das empresas aéreas, como também, dos aeroportos no Brasil. O referido Decreto funda o primeiro regulamento da atividade de operação de aeroportos no Brasil; e é em sua vigência que ocorrem os primeiros investimentos privados em aeroportos. Naturalmente, a evolução das atividades e serviços relacionados à aviação acabaria requerendo legislação mais atualizada e contemplativa das demandas do setor.

Os aeródromos que suportaram a primeira fase de implantação da aviação no Brasil foram, inicialmente, explorados pela iniciativa privada. Ainda que a maioria deles fossem campos de pouso improvisados, com hangares, postos de rádio comunicação e estações meteorológicas, empresas, a exemplo da VARIG e Pan American Ways, investiram na construção de terminais aeroportuários. A primeira empresa implementou a infraestrutura em Pelotas/RS, em 1930, e a segunda, no Rio de Janeiro/RJ, em 1937 (BARBOSA, 1985). Os investimentos aqui relatados foram realizados mediante concessão do Governo Federal, e não autorização, já que esta só viria a ser prevista a partir da década de 1960, no Brasil.

Em 1938, houve uma reforma na legislação, com a aprovação de novo Código Brasileiro do Ar. Esse novo Código era omisso com relação a outorgas para exploração de aeródromos, não constando nem mesmo as concessões, como no Decreto nº 16.983, de 1925 (BRASIL, 1925). A necessidade de atualizar, evoluir e aperfeiçoar nossa legislação de forma a acompanhar a dinâmica da aviação, tanto nos seus aspectos relacionados à exploração de serviços aéreos quanto da exploração de serviços aeroportuários, resultou na aprovação do Código Brasileiro do Ar, de 1966. Esse último preceituava que "os aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados diretamente pela União, ou mediante concessão ou autorização, obedecidas as condições nelas estabelecidas" (BRASIL, 1966). Porém, não se teve acesso, para efeitos das pesquisas deste trabalho, a registros sobre manifestação de interesse ou pedido de entes privados, nesta época, para obtenção de autorizações para exploração de aeroportos. Nesta época, o Estado intervinha fortemente na economia, investindo pesado em infraestrutura, de forma que a iniciativa privada optou por concentrar seus investimentos em infraestrutura aeronáutica, enquanto o Poder Público chamou para si a responsabilidade de provedor da infraestrutura aeroportuária.

Criada em 1972, a Infraero tornou-se a entidade federal especializada na exploração de aeroportos (BRASIL, 1972), atividade esta regulamentada em seguida pela Lei n° 6.009, de 1973, que inovou em relação ao Decreto n° 32, de 1966. A esta altura, o Brasil passava a ter infraestrutura dotada de instalações para processamento de passageiros e carga, além das pistas de pouso, decolagem e estacionamento de aeronaves. Surgia a era dos aeroportos, daí que a Lei nº 6.009, de 1973, passa a prever autorização também para exploração de aeroportos; "os aeroportos e suas instalações serão projetados, construídos, mantidos, operados e explorados [...] mediante concessão ou autorização obedecidas as condições nelas estabelecidas." (BRASIL, 1973). Embora já houvesse, nessa época, previsão legal para autorizar a particulares a exploração de aeroportos, os investimentos eram de longa maturação, ou seja, retorno tardio (quando eram economicamente viáveis), de forma que a iniciativa privada, salvo raras exceções, não se interessou pela atividade. O mercado de aviação no Brasil era ainda incipiente, e grande era a demanda de investimentos em infraestrutura para seu desenvolvimento, de forma que a baixa atratividade econômica do negócio e os riscos envolvidos fizeram com que o setor privado deixasse ao governo a responsabilidade de prover os necessários serviços aeroportuários.

Por esta razão, logo depois que criou a INFRAERO, o Governo restringiu outorgas a apenas esta estatal, e a estados e municípios. Em 1980, por meio da Lei n° 6.833, a União instituiu monopólio sobre a exploração de infraestrutura aeroportuária de forma que ficou impossibilitado dar autorizações a particulares para o exercício desta atividade. Contudo, de acordo com Coelho, Santiago e Moreira (2006), o monopólio da União sobre a atividade foi extinto pelo Código Brasileiro de Aeronáutica – CBA, de 1986.

O Código de 1986, e até hoje vigente, prevê a autorização, assim como a concessão para a exploração de aeroportos. No entanto, de forma similar à Lei n° 6.009, de 1973, não estabelece distinções entre os dois institutos de outorga, e também não define que tipos de aeroportos a iniciativa privada poderá explorar via autorização ou concessão.

A par dessas constatações, a indefinição quanto aos tipos de outorga aplicar, e em que casos aplicar, na medida em que compromete a segurança jurídica do investidor pode, até certo ponto, ter desincentivado a iniciativa privada a direcionar investimentos para o setor. Embora o CBA preveja a autorização, no mesmo inciso que a concessão, não foi regulamentada a distinção quanto à exploração de aeroportos em regime público (concessão) e em regime privado (concessão), como já ocorrera em outros setores, a exemplo das telecomunicações e energia elétrica. Ensinava-se, pela doutrina do direito administrativo, que a autorização consistia num ato de outorga precário e discricionário, portanto, impróprio e inadmissível para delegar à iniciativa privada a exploração de aeroportos (MEIRELLES, 1991, p. 349).

Esse entendimento entrou em obsolescência com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual posiciona a autorização no mesmo patamar que a concessão, na condição de ato de outorga admissível para delegar ao setor privado o direito de explorar infraestrutura aeroportuária (FARIAS, 2005; ARAGAO, 2007, p. 230).

2.1 A reforma do estado e a autorização para explorar aeroportos

No Brasil, a autorização para exploração de infraestrutura em regime privado passou a ser discutida e regulamentada a partir da década de 1990, por ter ocorrido nesta época, a edição de várias leis regulamentando a autorização para exploração de serviços de telecomunicações em regime privado (BRASIL, 1997) e energia elétrica (BRASIL, 1996), por exemplo.

O novo tipo de autorização regulamentada difere das autorizações mais antigas, pois passam a ter prazo, assim deixando de ser precárias, cabendo indenizações caso haja revogação da outorga antes do prazo devido, sendo a necessidade de indenização, se houver, devidamente apurada mediante abertura de procedimento administrativo. A nova autorização rege a exploração, por particulares, e, em regime privado, de serviços públicos delegáveis, a exemplo do que já ocorria, por exemplo, nos Estados Unidos (WILCOX, 1915).

A partir de 1999, tem início no Brasil as discussões em torno da participação do setor privado na construção e exploração de aeroportos (ESPÍRITO SANTO JÚNIOR; PRAZERES; SANTANA, 2010) e (PRAZERES; ESTEVES; PECCI FILHO, 2009). Neste cenário, questiona-se a impropriedade da autorização clássica como ato precário para outorgar aeroportos, constatado que o vulto de investimentos requerido é incompatível com a natureza precária do ato na concepção antiga de pensamento.

As discussões em torno da possibilidade da utilização da autorização como ato estável, que garanta segurança do investimento ao autorizatário, é suportada por autores tais como Farias (2005), Melhado (2007) e Aragão (2007). O uso das autorizações surge no contexto em que, seguindo uma tendência mundial surgida na Europa e nos Estados Unidos a partir dos anos 1980, o Brasil, desde o início de 1990, vem buscando a construção de um modelo de Estado. Este novo modelo é afeito às ideias de que os serviços de natureza econômica considerados públicos devem ser prestados por particulares, ainda que a titularidade desses serviços ou sua fiscalização permaneça em mãos do Estado (COELHO; SANTIAGO; MOREIRA, 2006). O serviço público como área de titularidade do Estado quer dizer que, mesmo quando concede ou autoriza a particular, não transfere a competência, mas tão somente a função (GRAU, 2002).

Em se tratando da exploração de infraestrutura aeroportuária, nos termos da Constituição (BRASIL, 1988) e da legislação ordinária (BRASIL, 2005), consente-se que essa seja executada por particulares, podendo ser outorgada mediante autorização, assim sendo o serviço prestado em regime privado. É o modelo que se convencionou denominar por "Estado Regulador", constatado que a função estatal deixa de ser a de prestar serviços diretamente, passando a ser a de regulá-los e de fiscalizá-los adequadamente.

Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, ocorreu acentuação nessa tendência, com uma série de desestatizações sendo realizadas, a exemplo das ocorridas nas telecomunicações (BRASIL, 1997). Prosseguindo essas reestruturações, foram criadas as Agências Reguladoras, a exemplo da ANAC, hoje existente com o intuito de regular e fiscalizar os serviços públicos. Espera-se um incremento de investimentos privados e, consequentemente, de competição, como resultado da redução de barreiras à entrada de novos competidores ou prestadores de serviço. O uso da autorização para conferir outorgas a particulares interessados é uma das formas de reduzir essas barreiras à entrada.

A dificuldade reside na ausência de norma ou legislação específica que desenhe de forma clara, como se daria a obtenção de outorga de autorização para a exploração de infraestrutura aeroportuária. Constata-se, por esta razão, insegurança jurídica no tocante a investimentos outorgados via autorização ao se deparar com a carência ou insuficiência da regulamentação. E a existência de um ambiente inseguro ao investimento constitui barreira de entrada no mercado, quer para modernizar a estrutura já existente, quer para recompô-la por via de construção de novos aeroportos.

Devido à existência desse déficit regulatório, causado pela ausência ou insuficiência de marcos regulatórios mais específicos, esta revisão bibliográfica busca na literatura especializada sobre o assunto a possibilidade da utilização segura da autorização como forma juridicamente consolidada para fomentar investimentos no setor.

Neste cenário atual, caracterizado pela reforma em curso, consolidando o Estado Regulador, prossegue-se, nesta revisão bibliográfica, a investigação sobre a utilização da autorização como instrumento de outorga adequado para repassar a particulares o direito de exploração de serviços aeroportuários.

2.2 Autorização: o pensamento atual e sua adequação para outorga de aeroportos

Antes de tratarmos a questão a partir do tema central, qual seja, a partir do instituto jurídico da autorização, constata-se a necessidade de tecer algumas considerações a respeito dos conceitos de discricionariedade e da vinculação.

Pela discricionariedade, o Administrador Público tem uma margem de atuação conferida pela lei. Ou seja, a lei confere à Administração Pública um espaço de atuação pautado na conveniência e oportunidade[1]o que possibilita a realização ou não de determinado ato administrativo, ou, ainda, a possibilidade (ou não) de revogá-lo. Como bem ponderado por Carvalho Filho (2006, p. 114):

....é a própria lei que autoriza o agente a proceder a uma avaliação de conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato. A valoração incidirá sobre o motivo e o objeto do ato, de modo que este, na atividade discricionária, resulta essencialmente da liberdade de escolha entre alternativas igualmente justas [...].

Na mesma linha, Mello (2004, p. 426) ainda nos ensina que a discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade: "Ao agir arbitrariamente, o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente".

Na vinculação, a margem de atuação conferida pela lei ao Administrador Público deixa de existir. Deste modo, um ato administrativo será vinculado quando a legislação não possibilita qualquer outra alternativa ao agente, a não ser aquela que já está presente na lei. Nestes termos, de acordo com a lição de Medauar (2008, p. 111): "Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica".

Tecidas estas breves considerações sobre discricionariedade e vinculação no ordenamento jurídico brasileiro, a autorização clássica pode ser definida como o:

Ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso de bem público (autorização de uso), ou a prestação de serviço (autorização de serviço público), ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos (autorização como ato de polícia) (DI PIETRO, 2006, p. 237).

Deste modo, no ordenamento jurídico brasileiro, a autorização assumiria características de ato administrativo discricionário e precário Justen Filho (2009, p. 314), e Medauar (2008, p. 348), o que significa que, para a outorga da autorização, o poder público tem um espaço de atuação para outorgá-la ou não por motivos de conveniência e oportunidade. Ademais, também em razão de discricionariedade, o administrador público poderá revogar a autorização.

Ainda cumpre ressaltar que as autorizações podem ser concedidas por prazo indeterminado, de forma similar às "perpetual franchise" nos Estados Unidos e Inglaterra, embora as outorgas de lá não sejam precárias. Mas, em razão da precariedade, a Administração Pública poderá revogá-las a qualquer tempo (JUSTEN FILHO, 2009, p. 314). Importante anotar, no ponto, também é oportuno ressaltar que a autorização, mesmo em face de sua condição de precariedade, tem sua revogação atrelada a um motivo específico para tanto, ou seja, somente pode ser revogada quando presentes as razões de conveniência e oportunidade para fazê-lo. Em outras palavras, a autorização, precária que é, tem permanência instável, podendo ser revogada a qualquer momento pela Administração Pública, desde que exista, efetivamente, a conveniência e a oportunidade. Não demonstradas essas duas condições (conveniência e oportunidade), torna-se inadmissível a revogação da autorização.

Mesmo diante da clara necessidade de se demonstrar a conveniência do ato revogador, a autorização permanece um modo de outorga de serviço público bastante instável, dotado de baixo grau de segurança jurídica. Daí pensar-se na estruturação de uma nova espécie de autorização denominada autorização vinculada.

Com a edição da Lei n° 9.472/1997 (BRASIL, 1997), que regulamenta os serviços de telecomunicações, a autorização para a prestação de serviço público neste setor passou a ter um caráter vinculado, o que a doutrina passou a denominar de "autorização vinculada". Deste modo, preenchidos os requisitos legais, o administrador público deixou de ter a opção de outorgar (ou não) a autorização, nos termos do § 1° do art. 131, do texto legal: "Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias." (BRASIL, 1997).

Consequentemente, caso o interessado comprove que preenche as condições objetivas e subjetivas para a prestação do serviço público de telecomunicações, a Administração Pública deverá outorgar a autorização. A consequência dessa previsão é a de que, no setor de telecomunicações, a autorização passa a assumir uma feição de ato vinculado, deixando para trás a característica da precariedade, que reveste a noção clássica do instituto da autorização. Por conseguinte, o Administrador Público só poderá anular tal ato se o agente autorizatário deixar de preencher os requisitos legais para o exercício da atividade.

Esta mudança no tocante ao regime jurídico da autorização no setor de telecomunicações ocorreu ante a necessidade do Estado Brasileiro de atrair investimentos privados, em razão do processo de Reforma do Estado, como já delineado em item anterior. A necessidade de pautar as ações estatais, a partir do princípio da segurança jurídica, tornou a autorização um ato administrativo vinculado.

Já no caso sob análise, isto é, no tocante ao setor do serviço público aeroportuário, não há qualquer dispositivo legal que retire a característica de precariedade da autorização. Portanto, neste setor, ante a veemente ausência de previsão legal, prevalece o regime jurídico clássico que preconiza a discricionariedade e a precariedade do instituto.

Percebe-se, assim, ser possível a outorga do serviço público de construção e exploração de infraestrutura aeroportuária por via de autorização. Esta autorização, porém, segue o regime clássico, não existindo embasamento legal para classificá-la como autorização vinculada, constatado que o Código Brasileiro de Aeronáutica não evidencia dispositivo legal que assim a classifique, na forma como ocorreu na legislação das telecomunicações. Cumpre investigar se e como a autorização, para a hipótese de exploração de infraestrutura aeroportuária, em regime privado, pode oferecer a necessária e suficiente segurança jurídica, o que se examinará a seguir.

2.3 Segurança jurídica na autorização de exploração de aeroportos em regime privado

Como já demonstrado neste trabalho, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), cabe à União explorar diretamente ou mediante autorização ou concessão, serviços e instalações aeroportuários. Em vista da previsão constitucional do instituto da autorização para exploração de infraestrutura aeroportuária, é preciso analisar a viabilidade do uso deste instituto, em se tratando dos aspectos de sua segurança jurídica dos investimentos.

Na definição de Meirelles (1991, p. 349), os serviços autorizados são aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular, para atender interesses coletivos instáveis ou emergência transitória. Acrescenta que são serviços, normalmente, sem regulamentação específica, e sujeitos, por índole, a constantes modificações no modo de sua prestação ao público e à supressão a qualquer momento. Exemplifica, ainda, para tal modalidade, serviços que não exigem execução pela própria Administração. Sendo a contratação desses serviços pelo usuário uma relação de direito privado, sem participação ou responsabilidade do Poder Público.

Meirelles (1991) aponta os serviços autorizados como serviços geralmente sem regulamentação específica. Constata-se que os serviços aeroportuários, a despeito da previsão legal e constitucional da possibilidade de sua autorização não são contemplados com regulamentação em lei ou em norma específica. Decorre daí a necessidade da elaboração e aprovação de Planos de Outorgas contemplando esta carência ou insuficiência de regulamentação.

Também concorda-se, neste trabalho, com a posição do autor ao esclarecer que serviços autorizados são aqueles que não exigem execução pela própria Administração e que sua contratação pelo usuário consiste numa relação de direito privado. Certamente este trabalho segue a mesma linha de defesa do autor, neste ponto, ao apresentar a exploração de infraestrutura aeroportuária mediante autorização como modalidade de prestação do serviço aeroportuário pela iniciativa privada sem participação ou responsabilidade do Poder Público. Daí defende-se que o serviço aeroportuário, outorgado a particulares por meio de autorização, é prestado em regime privado, e não em regime público, posto que não há garantias ou participação do Poder Concedente na sua exploração.

Porém, neste trabalho, não é adotada a tese do autor ao se tratar de exploração de aeroportos, de que os serviços autorizados venham a ser considerados de interesses coletivos instáveis ou de emergência transitória. Porque tais atividades, mesmo em situações em que é praticada por particulares, incorporam os princípios da continuidade, da qualidade e da universalidade, absolutamente contraditórios com instabilidade e transitoriedade de serviços (BARRETO; PARENTE, 2006). Em vista do fato de a Constituição Federal, no seu já citado art. 21, e a lei que criou a ANAC contemplarem a figura da autorização para serviços e instalações aeroportuários, não parece razoável admitir que atividades de exploração de aeroportos sejam exercidas mediante outorga de caráter precário e discricionário. Por conseguinte, o atendimento do interesse público por particular, no setor aeroportuário, precisa oferecer a sua contraparte: garantia mínima para o retorno do investimento. Ou seja, o princípio da precariedade implícito no instituto da autorização não pode ser aplicado, sem reservas, nas atividades de exploração de infraestrutura aeroportuária. É essa característica, decorrente da maior relevância do serviço que distingue, por exemplo, a autorização para exploração de um quiosque num parque público daquela para a exploração de um aeroporto regional.

O explorador de aeroporto, sujeito às regras de comercialização livre de serviços aeroportuários, desde que devidamente regulamentado o assunto, poderia ser uma figura jurídica que se aproximaria das necessidades de flexibilização desse serviço para a realidade brasileira, em que a carência de infraestrutura nota-se em todos os segmentos da aviação civil.

De acordo com Barreto e Parente (2006), a autorização prescinde de um contrato entre o Poder Público e o agente privado disposto a prestar o serviço aeroportuário. Ainda na visão dos autores muitas são as vantagens da adoção para o poder público deste instituto para casos extraordinários da prestação do serviço, a exemplo da redução dos custos de transação decorrentes da inexistência da concessão ou permissão, tais como:

  • Formação da tarifa e condições para seu reajuste e revisão para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato;

  • Condições estritas de manutenção da qualidade do serviço; e

  • Condições de fiscalização conforme exigido pela legislação em vigor.

Defende-se a regulamentação da autorização para exploração de aeroportos em regime privado como uma forma de atrair adicionais investimentos para a provisão de infraestrutura aeroportuária, e a prestação de serviços diferenciados, com relação aos atuais serviços prestados em regime público. A universalização do serviço passa pela ampliação da infraestrutura atual e pela construção de outras novas, uma vez que os serviços prestados em regime privado, para aqueles dispostos a pagar adicionalmente por eles, além de promover o desenvolvimento da aviação, aliviaria, em parte, a pressão sobre as atuais e futuras infraestruturas exploradas em regime público.

Assim, pode-se interpretar que a possibilidade de o poder concedente lançar mão da autorização para prestação de serviços públicos nas circunstâncias aqui referidas apenas resguarda ao Estado o Poder de delegar a particulares o serviço aeroportuário por meio de outro instituto, previsto constitucionalmente e precisamente definido pelo Direito Administrativo, em casos nos quais não é possível aplicar os institutos da concessão ou da permissão.

Embora, na atualidade, a autorização não seja instrumento usual para a exploração de infraestrutura aeroportuária, está em conformidade com a competência da União de explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão serviços decorrentes da exploração de infraestrutura aeroportuária. Entretanto, há ainda que se considerar o seguinte dilema para o caso de se utilizar o instrumento da autorização para exploração de serviço aeroportuário em condições especiais: o caráter precário do ato deve ser contrabalançado com alguma garantia para a recuperação do investimento pelo agente privado.

Admitindo-se a figura da autorização na hipótese de outorga do serviço público de construção e exploração de infraestrutura aeroportuária, pode-se constatar a sua viabilidade. Todavia, a problemática que se coloca aqui diz respeito à segurança jurídica envolvida, haja vista o vulto do investimento necessário à consecução da obra, em contraste com o caráter de absoluta precariedade experimentado pelo ato administrativo autorizador, que pode ser objeto de revogação a qualquer tempo.

De fato, colocado em perspectiva, o investimento necessário à obra e a disponibilidade do particular em realizá-la, compreende-se a preocupação centrada na questão da segurança jurídica. A despeito de ser a autorização ato administrativo moldado segundo requisitos jurídico-constitucionais, é fundamental não se afastar a visão negocial, e que é, fundamentalmente, o olhar que o particular lançará sobre a prestação do serviço público objeto de outorga. Do ponto de vista do particular, tal outorga representa uma oportunidade de investimento, e toda oportunidade de investimento, por evidente, envolve algum risco.

O risco, no entanto, presente em qualquer negócio, precisa ser calculado. É absolutamente imprescindível que o investidor particular possa perceber o grau de risco a ser enfrentado. E, voltando à esfera jurídica, ao se constatar a autorização como um ato administrativo precário, eleva-se o risco a uma esfera tal que o investimento, de arriscado ou improvável, passa a ser impossível. É exatamente esse quadro que se deve evitar, conferindo ao ato autorizado a segurança jurídica necessária e suficiente, permitindo ao particular efetuar uma análise de risco em outra base, sem ser afastado da possibilidade de investimento imediato em razão da absoluta impossibilidade de obtenção de um mínimo de segurança.

Nesse diapasão, em primeiro lugar, e para evitar uma primeira impressão de que a insegurança na continuidade da relação jurídica é absoluta, cabe, desde logo, anotar que a revogação do ato autorizador somente pode ser feita nas situações em que ocorrerem condições muito específicas, quais sejam, conveniência e oportunidade.

Esse par de razões, por mais fluido que possa se apresentar aos olhos do intérprete, não é absoluto, não é destituído, por completo, de um núcleo fundamental incontornável. Assim, nem a conveniência e nem a oportunidade se apresentam como um cheque em branco para o administrador público, e sua mera menção, sem a existência de razões de fato adequadas, jamais pode levar à revogação da autorização.

Ocorre que o ato administrativo, em sua decomposição mais profunda, só pode ter existência se houver motivo. Juridicamente, o motivo do ato administrativo pode ser traduzido pelas razões legais ou de fato que levaram a Administração Pública a emitir o ato. Tais razões, portanto, precisam, efetivamente, existir, não podem ser meras fantasias desapegadas da realidade fático-jurídica experimentada pelos administrados.

Ora, a revogação da autorização é, por si só, outro ato administrativo, e, para tanto, precisa veicular o motivo da sua existência. E o motivo do ato revogador é exatamente a inconveniência e a inoportunidade da permanência daquele outro ato, o revogado, no universo jurídico[2]Portanto, há que se evidenciar a inconveniência e inoportunidade do ato autorizador, único parâmetro suficiente à sua revogação.

Porém, mesmo que motivado o ato revogador (i.e., demonstradas a inconveniência e inoportunidade do ato autorizador), a necessária segurança jurídica ainda não resta atendida.

Efetivamente, segurança jurídica, enquanto princípio, é muito mais que qualquer demonstração fática ou legal de conveniência e oportunidade. É princípio jurídico decorrente da leitura sistemática da Constituição da República. Compreender o princípio da segurança jurídica significa incursionar em exegese constitucional completa, confrontando princípios espalhados no texto constitucional sem jamais deixar de ter em mira a própria estrutura do Estado Democrático de Direito.

Nessa linha, e de acordo com Mello (2008), o princípio da segurança jurídica não está expressamente previsto no texto constitucional. Porém, o autor o compreende como um princípio geral do Direito, constituindo-se em um dos pilares do Estado Democrático de Direito, "de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo" (MELLO, 2004, p. 123).

Portanto, a segurança jurídica, valor constitucional e princípio geral do Direito, deve prevalecer sobre situações precárias, mormente no que concerne à prestação de serviços públicos, como é aqui o caso dos serviços aeroportuários, ainda que em regime privado. É incoerente, e mesmo inconstitucional, manter-se um entendimento segundo o qual a autorização de serviço público é precária e revogável a qualquer tempo sem nenhuma outra possibilidade de segurança jurídica. A revogação impensada de atos administrativos, mesmo que fundados na conveniência e oportunidade, gera danos irreparáveis, e não pode ser admitida sem ressalvas no Ordenamento Jurídico pátrio, sob pena de se preservar comportamentos administrativos tendentes à arbitrariedade. Os prejuízos devem, ao menos, ser reparados.

É impensável a manutenção de um verdadeiro Estado de Direito se a revogação de atos administrativos, a qualquer tempo, for admitida, especialmente sem qualquer indenização para o particular que investiu tempo e recursos na atividade autorizada, confiando na Administração Pública. Aqui, dois problemas se apresentam:

  • 1) O primeiro, relacionado à segurança jurídica; e

  • 2) O segundo, relacionado à boa-fé do Estado em suas relações com o administrado.

Tratando-se do primeiro ponto, o da segurança jurídica, observa Juarez Freitas haver, "com efeito, enormes desvantagens na reinante precariedade exacerbada nas relações de administração, ecos da cultura associada ao paradigma do direito administrativo "governativo" e patrimonialista, típico de outros séculos" (FREITAS, 2009, p. 138). Para o autor, as autorizações de serviço público "não podem mais ser vistas fora dos parâmetros exigidos pelo princípio da segurança jurídica, que implica a menor precariedade possível e o reconhecimento de efeitos constitutivos" (FREITAS, 2009, p. 138).

Nesta mesma linha de entendimento, é a tese de Aragão (2007), para o qual a limitação conceitual das autorizações a atos discricionários seria, assim:

...meio inadequado ao alcance dos objetivos do marco regulatório da maior parte dos setores da economia em que é utilizada, qual seja, a atração de capitais, para o que é imprescindível um nível satisfatório de segurança jurídica, ainda mais se considerarmos os elevados investimentos que esses setores demandam (ARAGAO, 2007, p. 220).

É o que, efetivamente, ocorre no caso da construção e exploração de aeroportos via autorização da União. Não há que se imaginar que a atividade citada possa remanescer tão-só submetida à vontade discricionária do Poder Concedente. É preciso mais do que apenas a manifestação da possibilidade revocatória do ato autorizativo, fundada na conveniência e oportunidade: mister garantir a adequada indenização ao particular que vir sua atividade interrompida por qualquer motivo.

De fato, a segunda barreira imposta à revogação da autorização é exatamente o comportamento de boa-fé que deve pautar a conduta administrativa. A Administração Pública não pode revogar um ato administrativo de autorização sem motivo adequado e, mais que isso, sem proceder à devida indenização ao particular. Se o fizer, estará agredindo de maneira frontal o princípio da boa-fé ou da confiança nas relações entre o particular e a Administração Pública.

Evidentemente, se a Administração autoriza um empreendimento, mormente tendo em vista os investimentos pretendidos pela autorizatária para a construção de toda a infraestrutura necessária à operação do aeroporto, está incentivando o comportamento do administrador-investidor, de modo que a revogação importará em imediata quebra da confiança estabelecida entre Estado e particular. A revogação posterior do ato autorizativo desprovida de razões e de indenização é comportamento do Estado ensejador de quebra de confiança e, portanto, violador da boa-fé.

Portanto, em razão não apenas do princípio da segurança jurídica, mas também da boa-fé ou confiança da Administração Pública e porque os atos autorizadores da prestação de serviço público são constitutivos de relações jurídicas novas, devem ser indenizáveis quando revogados. Demais disso, seus efeitos, a toda evidência, só podem ser produzidos ex nunc.

Assim, a modelagem de um ato autorizador de serviço público ligado à infraestrutura aeroportuária deve veicular, em seu bojo, previsão expressa indicando a indenização em caso de sua revogação abrupta[3]Tal manifestação atende, como explanado, não apenas a segurança jurídica, mas também a boa-fé nas relações com a Administração Pública.

Concluindo a revisão bibliográfica e finalizando a análise do estado-da-arte sobre a exploração de aeroporto por meio de autorização, constata-se a possibilidade em lei e também na Constituição Federal de empresas privadas explorarem aeroportos por meio desse instituto. Classicamente, a autorização é ato administrativo que pode ser revogado a qualquer tempo, desde que presentes os requisitos de conveniência e oportunidade. A chamada autorização vinculada é uma autorização outorgada apenas quando previamente cumpridos certos requisitos, e está prevista apenas nas legislações regentes do setor de telefonia. Assim, as autorizações para os serviços ligados à infraestrutura aeroportuária não são ainda caracterizadas como autorizações vinculadas em virtude de não haver lei assim as classificando. Por esta razão, no caso de autorizações para exploração de aeroportos, estas seriam regulamentadas em normas infralegais e o seu o regime jurídico seria o das autorizações como classicamente compreendidas, mas não precárias.

Contudo, em face dos princípios da segurança e da boa-fé ou confiança nos comportamentos da Administração Pública, a possibilidade indenizatória não apenas existe, como é a forma mais adequada para se compreender a autorização no atual quadro jurídico. Isso porque uma autorização que não leve em conta a possibilidade de indenização quando de sua revogação devido à interesse público devidamente justificado, estaria desalinhada com a moderna exegese constitucional dos princípios veiculadores do Estado de Direito. Desse modo, a exemplo do já feito no setor de portos, é possível, inclusive, veicular cláusula expressa determinando a indenização quando da revogação, no mesmo modelo já aplicado em caso anterior pela ANTAQ.

3 A ESTRUTURA DO SISTEMA AEROPORTUÁRIO CIVIL BRASILEIRO

Neste capítulo, será apresentada a estrutura do sistema aeroportuário abordando o conjunto de aeródromos quanto a sua finalidade, sua quantidade e seu tipo de administração.

Os aeródromos, como previsto em lei, são classificados em dois grupos:

  • aeródromos públicos;

  • aeródromos privados.

Tomando por referência as disposições do Código Brasileiro de Aeronáutica (BRASIL, 1986) e Pacheco (2006), a classificação "público" ou "privado" repousa no critério da destinação, ou seja, da finalidade, e não no critério da propriedade, se estatal ou particular. Assim, a tese do autor sustenta que um aeródromo privado (de uso privado/exclusivo), se atender às exigências técnicas e operacionais para o uso público regular, e obtiver a aprovação da Autoridade de Aviação Civil, hoje a ANAC, poderá este "destinar-se ao uso público, deixando, neste caso, de ser privado, embora continue a ser propriedade privada" (PACHECO, 2006, p. 81).

Além disso, segundo Pacheco (2006) e Soutelino (2008), os aeródromos públicos e privados podem ser assim conceituados:

Aeródromo público: é a infraestrutura destinada ao uso geral, podendo ser utilizada por quaisquer aeronaves, mediante o ônus da utilização, observadas suas condições de segurança e capacidade;

Aeródromo privado: é a infraestrutura aeroportuária destinada ao uso privativo de seu proprietário, ou quem dele obtiver permissão para o seu uso.

Observa-se que o critério da finalidade é o que distingue essencialmente os dois grupos de aeródromos, por esta razão, neste trabalho, optou-se pelo emprego das expressões "aeródromos de uso público" e "aeródromos de uso privado", para melhor entendimento. Com frequência, mesmo no setor aeronáutico, tende-se a relacionar erroneamente aeródromo privado com aeródromo de propriedade de particulares, e aeródromo público com aeródromo de propriedade estatal. Como o adjetivo "público" ou "privado" tem a ver com a finalidade e não com a propriedade, logo, depreende-se que a qualificação diz respeito à destinação dada à infraestrutura, não guardando nenhuma relação com o fato de o aeroporto ser de propriedade estatal ou particular.

O processo de abertura ao tráfego de aeródromos públicos e privados possuem uma diferente sistemática processual, ou seja, seguem orientações distintas, de acordo com a finalidade do aeródromo. Se destinado ao tráfego público, é necessária a obtenção de uma outorga e, em seguida, a homologação da infraestrutura para o uso público. No caso de uso privado, basta o registro da infraestrutura no cadastro da ANAC, e sua abertura ao tráfego é formalizada mediante portaria de registro, conforme demonstrado a seguir:

Quadro 2 – Processo de outorgas de aeroportos e sua abertura ao tráfego

Processos de Análise

Aeródromo Privado

Aeródromo Público

Técnica

Portaria de Registro

Portaria de Homologação

Jurídica e Econômica

Não se aplica

Concessão ou Autorização (no caso do setor privado);

Convênio (no caso de Estados e Municípios), e

Portarias de Delegação (que atribui aeroportos à operação da INFRAERO).

Fonte: Art. 30 e Art. 36 – Código Brasileiro de Aeronáutica (BRASIL, 1986).

A destinação ao uso público e à exploração comercial é o atributo que traduz em termos práticos a diferenciação de uma infraestrutura de uso público daquele de uso privativo. Decorre daí a diferença dos processos relacionados às diferentes infraestruturas. Os aeródromos de uso público passam por uma análise jurídica e econômica para a obtenção da outorga da União para poderem ser explorados comercialmente, que pode ser uma concessão ou uma autorização. São submetidos à análise técnica para obter a homologação da sua infraestrutura. Concluídos os dois processos, são abertos ao tráfego público, isto é, ao uso geral. Em se tratando de aeródromos de uso privado, estes se submetem apenas à análise técnica, sua infraestrutura não é homologada pela ANAC, já que não é destinada ao uso público. E por não serem de uso público, logo, não há que se falar em outorga para este tipo de infraestrutura, uma vez que essa não foi desenvolvida para a exploração comercial, mas sim, para o uso privativo do proprietário.

Adicionalmente, os aeródromos de uso público, na medida em que são dotados de instalações e facilidades para o apoio de operações de aeronaves, embarque e desembarque de pessoas e cargas, passam a ser denominados aeroportos (MAGRI JÚNIOR, 2003). Portanto, daí pode se afirmar que, todo aeroporto está compreendido no conjunto dos aeródromos públicos, mas nem todo aeródromo de uso público é um aeroporto. A diferença reside no nível de desenvolvimento da infraestrutura mínima para o processamento de passageiros e carga, componente essencial para se empreender a exploração comercial aeroportuária.

3.1 A estrutura administrativa dos aeroportos no Brasil

No Brasil, os aeródromos encontram-se estruturados conforme sua finalidade. Quase a totalidade dos aeródromos de uso público é de propriedade estatal, ao passo que a maioria dos aeródromos de uso privado é de propriedade de particulares. Atualmente, em termos quantitativos, com base nos dados disponibilizados pela ANAC, o sistema aeroportuário brasileiro encontra-se estruturado da seguinte forma:

Figura 2 – Classificação dos aeródromos brasileiros por utilidade

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Fonte: Agência Nacional de Aviação Civil (2011).

Os 3.897 aeródromos incluem os helipontos e heliportos. Os números referentes a aeródromos públicos e privados são relativos a pistas de pouso e decolagem de aeronaves de asa fixa.

3.2 A administração e a exploração comercial de aeroportos

Com base na legislação vigente (BRASIL, 1986), os aeroportos e suas instalações podem ser projetados, construídos, mantidos, operados e explorados:

I – diretamente pela União;

II – por entidade da Administração Federal Indireta, especialmente constituída para essas finalidades, como é o caso da INFRAERO, ou, ainda;

III – por Estados e Municípios, mediante convênios firmados com a União; e

IV – mediante concessão ou autorização.

As outorgas a entes estatais previstas nos itens I, II e III são da responsabilidade da Secretaria de Aviação Civil (BRASIL, 2011). As outorgas à iniciativa privada, no item IV, ficam sob a responsabilidade da ANAC (BRASIL, 2005):

Quadro 3 – Responsabilidades da Secretaria de Aviação Civil e ANAC sobre outorgas de aeroportos

OUTORGAS PARA EXPLORAÇAO DE AEROPORTOS

SECRETARIA DE AVIAÇAO CIVIL

ANAC

Outorgar exploração de aeroportos à INFRAERO.

Outorgar a exploração de aeroportos a empresas privadas por meio de concessão.

Outorgar a Estados, Distrito Federal e Municípios a exploração comercial de aeroportos.

Outorgar a exploração de aeroportos à iniciativa privada mediante autorização

Fonte: Elaboração do autor.

Com relação ao papel da ANAC de aprovar outorgas de concessões e autorizações, em especial com relação a esta última, faltam diretrizes da Secretaria de Aviação Civil a serem estabelecidas no Plano de Outorgas, definindo, entre outros aspectos, como procederá a ANAC com relação a que tipos de aeroportos autorizar e a que tipos conceder a exploração comercial.

Atualmente, os aeroportos em que se operam voos comerciais regulares são, predominantemente, geridos por entes estatais - uma minoria encontra-se na administração privada. A estrutura administrativa destes aeroportos brasileiros encontra-se definida e pode ser vista na tabela 1 a seguir:

Tabela 1 – Estrutura administrativa dos aeroportos brasileiros

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Fonte: ANAC (2011).

A estrutura administrativa atualmente vigente comporta o setor privado explorando aeroportos. Todos os aeroportos até esta data concedidos, autorizados e permissionados no Brasil são aeroportos estaduais e municipais. Não foram ainda, até a presente data, concedidos aeroportos federais, embora o assunto esteja em discussão por autoridades e técnicos. A atuação do setor privado requer uma regulamentação mais atualizada desta participação de forma a conferir maior segurança jurídica aos investimentos. Neste contexto, surge a demanda da regulamentação da autorização como instrumento de outorga para a exploração de aeroportos em regime privado, além da concessão, tradicionalmente empregada como outorga para exploração em regime público.

3.3 A exploração de aeroportos em regime público e regime privado

O regime de exploração dos aeroportos brasileiros pode ocorrer sob duas formas juridicamente distintas, em regime público e em regime privado.

De acordo com Soutelino (2009), encontram-se sujeitos ao regime público de exploração comercial os aeroportos explorados diretamente pela União, por empresa pública ou autarquias, aqueles explorados diretamente pelos Estados e Municípios, e os aeroportos explorados pela iniciativa privada por meio de concessão.

Completando, encontram-se sujeitos ao regime privado de exploração comercial os aeroportos delegados à iniciativa privada mediante autorização.

Trata-se de regimes diferenciados e cujas diversidades refletem a intensidade da intervenção regulatória do Estado, a maior ou a menor, numa escala a exemplo da apresentada a seguir:

Figura 3 – Nível de intervenção regulatória X interesses predominantes

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Fonte: Binger (1999) Adaptado.

Na escala apresentada, a concessão é a modalidade de exploração em regime público. Nesta forma de outorga, em geral, o particular constrói, explora e reverte o bem no fim do contrato de concessão para o Poder Concedente (KAPUR, 1995). Na concessão, a propriedade dos ativos, ainda que financiada com capital privado, passa para o Estado, ou seja, o particular constrói e explora a infraestrutura ao ponto de recuperar o investimento, mas não é o titular do patrimônio aeroportuário (POOLE, 2004). O nível de intervenção regulatória da concessão situa-se numa posição intermediária entre os dois extremos: interesse do setor público-interesse do setor privado. Próximo do extremo oposto (setor privado) encontra-se a autorização. Esta modalidade de outorga encontra-se numa posição na escala em que a intervenção do Estado é bem menor do que na concessão. Na concessão o particular presta o serviço público (no caso, serviços aeroportuários) em nome do Estado e conforme o interesse predominantemente coletivo. Desta forma, com a finalidade de garantir o interesse público, o nível de intervenção estatal ser muito maior na concessão do que na autorização.

Ao explorar aeroportos em regime público, o concessionário assume perante o Poder Concedente obrigações quanto à prestação de serviço adequado, sendo aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas (BRASIL, 1995).

Na exploração em regime privado, a intervenção do Poder Concedente é bem menor (PAYSON; STECKLER, 1992). Basicamente, o Poder Público enrijece sua atuação regulando os aspectos de segurança e ambientais relacionados à prestação do serviço e, em alguns casos, regula determinados preços, mas não com a intensidade comum de uma concessão.

Na estrutura administrativa dos aeroportos brasileiros, ainda verifica-se um número bem pequeno de aeroportos explorados pela iniciativa privada. E o menor número de todos são daqueles explorados em regime privado. A ausência de regulamentos, normas infralegais, sobre autorização da exploração de infraestrutura aeroportuária tem sido um dificultador da expansão de investimentos, uma vez que a segurança jurídica requer regulamentação que estabeleça regras claras para a atuação da iniciativa privada ao realizar investimentos de longo prazo, a exemplo da construção e exploração de aeroportos.

4 O REGIME DE EXPLORAÇAO DOS AEROPORTOS BRASILEIROS

Em se tratando dos aeroportos brasileiros, o seu regime de exploração é inerente não à atividade em si, mas à forma de exploração dessa atividade. Em situações nas quais os aeroportos são localizados em uma região na qual não há mercado de serviços aéreos estabelecido e em desenvolvimento, ou seja, segmentos em que o mercado não alcançou a sua maturidade, geralmente, os aeroportos têm sido outorgados mediante o regime público a fim de garantir o fornecimento dos serviços aeroportuários aos seus usuários locais. Por outro lado, quando se tem aeroportos localizados em uma região que já se encontre abastecida por outras infraestruturas que operam em regime público, um novo aeroporto poderá receber uma outorga em regime privado, a critério do poder concedente.

A exploração de aeroportos, por ser um serviço público, ocorre mediante delegação do Poder Concedente, no caso a União. Em se tratando de delegação de serviços públicos, há a delegação legal e a delegação contratual. Na primeira, cria-se uma lei, na qual consta a previsão de uma empresa pública ou sociedade de economia mista para prestar o serviço público. Na segunda, há um contrato de concessão com uma empresa, a qual prestará o serviço público. Com a evolução das diversas formas de delegação, legal e contratual, cabe formular a seguinte questão: além de concessão, haveria também uma autorização para a delegação de serviços públicos? Esse novo tipo de instituto, uma "autorização para a prestação de serviços públicos" é um tema emblemático e novo no direito administrativo, o qual tem sido recentemente bastante discutido.

O Estado possui, expressamente, a titularidade das atividades arroladas como serviços públicos delegáveis, entre eles, a exploração de aeroportos. Assim, a possibilidade da utilização da autorização, assim como da permissão e da concessão como forma de delegação dos serviços públicos previstos no artigo 21, XI, da Constituição, é uma forma de realçar o caráter de discricionariedade legislativa na criação de políticas públicas com a finalidade de fomentar a prestação de serviços aeroportuários sob diversas formas de outorgas.

A previsão constitucional de que a delegação de serviços públicos de exploração de infraestrutura aeroportuária pode se dar mediante autorização ou concessão significa que os serviços públicos referidos podem ser prestados tanto em regime privado (autorização) quanto em regime público (concessão)[4].

O regime de autorização é indicado para atividades que se encontram em posição intermediária entre a livre iniciativa e o serviço prestado em regime público, no qual vigoraria o direito privado (FARIAS, 2005). A necessidade atual de acelerar a ampliação da infraestrutura aeroportuária nas regiões mais movimentadas do Brasil, ou mesmo em localidades de influência regional e comunitária, é um cenário em que se requer a análise mais cuidadosa da aplicação do regime de autorização, de forma que empresas privadas possam explorar a atividade. A autorização dispensa a realização de licitação e viabiliza preço livre, liberdade em relação às determinações da política oficial para o setor – o que é bem diferente da concessão. A despeito das diferenças, o surgimento desse novo instituto é intimamente ligado à segurança jurídica, até mesmo por que essas previsões que o ordenamento jurídico faz são essenciais para se atrair investimento, captar recursos, tudo em prol de maior desenvolvimento nacional e, mediatamente, da dignidade da pessoa humana e dos direitos do cidadão consagrados na Constituição.

Para Coelho, Santiago e Moreira. (2006), a Constituição Federal reconhece a possibilidade de que determinados serviços e instalações aeroportuários possam ser desenvolvidos mediante a utilização de instrumentos de direito privado; e não necessariamente apenas sob o influxo do regime público, o que também é defendido por Aragão (2007). Segundo este último autor, foi eliminada a exclusividade da prestação de serviços públicos delegáveis apenas por empresas estatais, de forma que empresas privadas, após esta modificação, podem explorar serviços públicos por meio de concessão ou autorização da União.

Face ao ocorrido, pretende-se, neste capítulo, apresentar a mais recente interpretação do texto e do contexto constitucional no que tange ao regime de exploração dos aeroportos no Brasil.

Sustenta-se que os aeroportos podem ser operados não apenas em regime público, como ocorre atualmente. Defende-se também a sua exploração em regime privado. A previsão da outorga via autorização, na Constituição Federal, ao lado das concessões, e mesmo em leis ordinárias, sugere a possibilidade de que determinados tipos de aeroportos, sem prejuízo de sua caracterização como competências prestacionais públicas em matéria econômica, possam ser desenvolvidos ou explorados mediante instrumental de outorga preponderantemente de direito privado. Isso é defendido por Melhado (2007, p. 6), que declara que os "serviços públicos delegáveis, como é o caso dos serviços aeroportuários, poderão ser prestados exclusivamente no regime público, no regime privado ou, concomitantemente, em ambos os regimes, sem qualquer exclusão". Em sua visão, há o interesse público no sentido de que determinado serviço possa ser, ao mesmo tempo, prestado em regime público e também privado – forma pela qual poderá ser financiado – e aberto ao público, não havendo nenhuma inconstitucionalidade em relação à concomitância. À luz do entendimento da autora, o serviço aeroportuário "por ser de interesse coletivo, pode ser prestado em regime público, como está na lei, e, concomitantemente, em regime privado." (MELHADO, 2007, p. 6).

Partes: 1, 2, 3


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