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Fatores que afetam a composição e a qualidade do leite (página 2)


De acordo com Dürr (2005), leite de baixa qualidade causa grandes perdas econômicas ao setor, representa um risco à saúde pública, inviabiliza a conquista de mercados mais lucrativos e compromete a credibilidade da cadeia como um todo. A cadeia precisa se organizar para que as tecnologias adequadas sejam adotadas desde a ordenha até a gôndola do estabelecimento varejista. Conhecer os fatores que afetam a composição e a qualidade do leite torna-se de suma importância para que se possam adotar mecanismos para interferir sobre toda cadeia produtiva do leite, desde a dieta fornecida ao rebanho produtor, no sistema de resfriamento e transporte do leite até a chegada a indústria para o seu adequado processamento, garantindo assim que o produto final possa chegar ao mercado consumidor com as características físico-químicas exigidas. A padronização de critérios de monitoramento de qualidade do leite por meio da Instrução Normativa 51 torna as regras de exigências como referências no controle da qualidade.

Assim, objetivou-se, com esta revisão de literatura, mostrar a importância da ação integrada dos elos da cadeia produtiva do leite para garantir o Brasil como país referência na produção e comercialização de produtos lácteos no mundo.

Revisão de literatura

2.1. HISTÓRICO

O leite tem sido utilizado como alimento pelos humanos desde os tempos pré-históricos, sendo obtido de cabra, búfalo, ovelha, dentre outras. O leite e o mel são os únicos produtos cuja função na natureza é exclusivamente a de servir como alimento.

Há muitos séculos passados o homem primitivo aprendeu a domesticar animais, primeiramente para obtenção de carne e logo em seguida descobriu as vantagens da utilização do seu leite. Acredita-se que a domesticação de animais tenha acontecido entre 10.000 e 6.000 anos a.C na Mesopotâmia, região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates.

Quando os descobridores chegaram a América, não encontraram no Novo Continente o gado bovino. Os primeiros desta espécie foram introduzidos no Brasil em 1534, por Martin Afonso de Souza, depois nova remessa foi trazida por Tomé de Souza em 1550. O gado holandês foi introduzido no estado de São Paulo em 1889, em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, por Rafael Bratero, que em 1904 importou alguns reprodutores da Europa.

Embora no Brasil já existisse algumas fábricas de laticínios rudimentares desde o início da criação do gado bovino, é creditado ao Dr. Antônio Pereira de Sá Fortes a montagem da primeira fábrica de laticínios mecânica do país. Após este médico passar um longo período de tempo na Europa, adquiriu equipamentos e contratou técnicos, os quais mais tarde montaram suas próprias fábricas nas regiões de Palmira (hoje Santos Dumont) e Lima Duarte, no Estado das Alterosas. Em 1908, em Araras, no estado de São Paulo, surgiram as primeiras fábricas de leite condensado e em 1913, em Caxambu, e depois em Oliveira, Taubaté e Itanhandú, todas elas dando mais tarde lugar a estabelecimentos mais modernos (ABREU, 2005).

2.2. A IMPORTÃ,NCIA DA QUALIDADE

Pelo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal- RIISPOA), artigo 475, de acordo com BRASIL (1997), "entende-se por leite, sem outras especificações, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas".

O leite é um meio de cultura completo para os microrganismos (CHAPAVAL, 1999). Assim, a multiplicação dos microrganismos é muito rápida se a temperatura for ideal para o crescimento. A contaminação microbiana do leite pode ocorrer por duas vias principais: pela incorporação de microrganismos que estão presentes no úbere, diretamente para o leite, em casos de mastite; ou pelo contato do leite com os ordenhadores, utensílios e equipamentos contaminados durante as operações de ordenha, coleta, armazenamento e processamento

Segundo Chapaval (1999), as características de um leite de boa qualidade são:

  • Ser livre de todos os microrganismos;

  • Possuir baixa contagem de células somáticas;

  • Ser livre de sedimentos e matérias estranhas;

  • Possuir sabor levemente adocicado e levemente aromático;

  • Ser livre de odores e aromas estranhos;

  • Estar de acordo com os padrões legais, para o mínimo de gordura, sólidos totais e sólidos desengordurados.

Possui um perfeito balanço de nutrientes, fornecendo ao homem macro e micronutrientes indispensáveis ao crescimento, desenvolvimento e manutenção da saúde. Como fonte de proteínas, lipídeos, carboidratos, minerais e vitaminas, torna-se um dos alimentos mais vulneráveis a alterações físico-químicas e deterioração por microrganismos. Estes contaminantes podem causar modificações físico-químicas e organolépticas, que limitam a durabilidade do leite e seus derivados, além de problemas econômicos e de saúde pública (SOUZA & CERQUEIRA, 1996; LOPEZ & STAMFORD, 1997; FREITAS el al., 2002).

Sua qualidade assume destacada importância, também, sob o ponto de vista de saúde pública no Brasil (FREITAS, 2007), embora não existam estatísticas bem definidas sobre o assunto, são freqüentes os casos de doenças associadas ao consumo de leite sem tratamento térmico ou de derivados produzidos com leite contaminado com microrganismos patogênicos.

Um alerta para o problema da venda de leite clandestino no Brasil, descrevendo o potencial risco do produto sem tratamento térmico à saúde do consumidor foi relatado por Meireles (2000). Em seu trabalho mostrou que 73% das pessoas que compravam leite clandestino tinham baixa escolaridade, sendo que 94% pertenciam a classes de baixa renda familiar (C, D e E). Constatou ainda que apenas 5% dos entrevistados conseguiram associar ingestão de leite cru à ocorrência de algum problema de saúde.

Barros (2004) analisou 65 amostras de leite Ultra Alta Temperatura (UAT) de indústrias processadoras do Estado de São Paulo, sob jurisdição do Serviço de Inspeção Federal (SIF) e verificou que sete amostras (10,76%) apresentaram contagem de microrganismos aeróbios mesófilos acima dos padrões para produção de leite UAT no Brasil.

O número crescente e a gravidade das doenças transmitidas por alimentos em todo mundo têm aumentado consideravelmente o interesse do público com relação à segurança alimentar. Assim, considerando o leite como alimento básico na dieta humana, principalmente para crianças e idosos, sua qualidade torna-se primordial. O número de doenças associadas ao consumo de leite não tratado termicamente e o risco de transmissão de agentes patogênicos e seus metabólicos são fatores importantes, uma vez que mais de 40% da comercialização do leite no Brasil é de origem informal (FARIA, 1998). A higiene e o controle do leite, assim como os produtos lácteos, têm como objetivo básico assegurar a inocuidade. A presença de taxas suficientemente altas de certos microrganismos e suas toxinas, conforme Oliveira (2005), constitui as causas mais freqüentes de problemas sanitários, além de grandes perdas econômicas.

Os procedimentos higiênicos dispensados durante a obtenção e a manutenção do leite até sua entrada no estabelecimento de beneficiamento determinam o tipo e a quantidade desses contaminantes. De acordo com Ponsano et al. (1999), a saúde do rebanho leiteiro, as boas práticas durante a ordenha, a conservação do leite em baixa temperatura até o momento do processamento, são fundamentais para evitar o desenvolvimento dos microrganismos responsáveis pela sua deterioração. Estes cuidados são essenciais para fabricação de bons produtos derivados, já que o leite é utilizado como matéria-prima.

Santos (2007) atenta que a produção de alimentos sofre constantemente reflexos da percepção dos consumidores nos mercados nacional e internacional. Nesse sentido, é crescente a demanda por alimentos de alta qualidade, seguros e livres de resíduos.

Para alguns alimentos exportados, as exigências de qualidade por parte das cadeias internacionais de varejo incluem, além dos critérios usuais de composição, higiene e segurança, outros aspectos do processo produtivo, como o respeito ao ambiente, as adequadas condições de trabalho, higiene e saúde dos trabalhadores. No caso da produção animal, as atenções estão voltadas para as condições sócio-ambientais, para o bem estar animal e a sustentabilidade da atividade. Sendo assim, além da busca de aumentos de rentabilidade e ganhos de eficiência, os sistemas de produção de leite no Brasil e no mundo têm que ter responsabilidade em relação à proteção da saúde humana e animal, a garantia do bem estar animal e a sustentabilidade ambiental. Para tanto, dentro do conceito de cadeia de produção, é de suma importância para a qualidade e segurança do leite oferecido aos consumidores, adotar práticas durante a produção primária.

2.3. GARANTIA DA QUALIDADE

Ao ser extraído da vaca, o leite já contém microrganismos, mas pode, além disso, contaminar-se posteriormente, durante as operações que se seguem até o consumo (Fagundes, 2007). Uma grande variedade de organismos pode degradar os constituintes do leite, reduzindo seu valor para industrialização e consumo. A amplitude dos efeitos vai, desde a redução do tempo de prateleira, até o aumento da rancidez ou uma redução em sua estabilidade. Os custos ou perdas decorrentes destes processos têm impacto no valor final do produto.

A indústria de alimentos (TRONCO, 1997) tem grande preocupação com a qualidade, pois esta é uma exigência crescente do mercado consumidor. A qualidade na indústria de alimentos está diretamente ligada ao sistema de Análise e Perigos e Pontos Críticos de Controle – APPCC. Desde 1991 o comitê do Códex Alimentarius, que trata a higiene e segurança dos alimentos, recomenda o uso do sistema APPCC a todos os países-membros da ONU, evidenciando os benefícios oferecidos pela inocuidade e qualidade dos alimentos, assim como pela racionalização de recursos e obtenção de soluções adequadas aos problemas inerentes ao sistema. No Brasil, de acordo com as recomendações do Códex Alimentarius, o Ministério da Saúde emitiu a Portaria 1.428/93, determinando que os estabelecimentos processadores e prestadores de serviços no setor de alimentos e de vigilância sanitária deveriam adotar, em caráter obrigatório, o sistema APPCC.

Segundo Bryan (1981) citado por Raia Júnior (2001), o conceito do sistema APPCC teve origem na década de 50, em setores relacionados à indústria química da Grã-Bretanha. Nas décadas de 50,60 e 70 foi utilizado pela comissão Americana de Energia Atômica. Ao final dos anos 60, a NASA (National Aerorautics and Space Administration) sugeriu que o sistema APPCC fosse utilizado para produção de alimentos seguros, diminuindo a probabilidade de doenças de origem alimentar nos tripulantes dos vôos espaciais. Assim, utilizando conceito que analisa simultaneamente princípios de microbiologia dos alimentos, controle de qualidade e avaliação de riscos para obtenção de um alimento seguro, desenvolveu-se o Sistema APPCC aplicado à qualidade do leite.

Para atingir os requisitos de qualidade faz-se necessário, segundo Caruso e Oliveira (1984), que o controle seja exercido desde a produção até a distribuição do produto. Assim sendo, testes bacteriológicos, como a contagem de bactérias mesófilas, testes químicos e físicos, juntamente com testes sensoriais, devem ser empregados no controle de qualidade, tanto para o leite cru, como para o pasteurizado.

Souto (2006) considera que um método para se controlar a qualidade microbiológica do leite é por meio da contagem de células somáticas. Este método pode ser afetado por vários fatores, entre eles a idade do animal, raça, número de ordenhas diárias e período da lactação. A presença de infecção na glândula mamária é o que mais influencia o aumento do número de células somáticas, podendo usar este parâmetro como indicador indireto da presença da infecção. No entanto, é preciso lembrar que esta metodologia poderá estar indicando um processo inflamatório de causa não infecciosa.

Existe uma relação entre a contagem de células somáticas no tanque de expansão e a porcentagem de quartos mamários infeccionados, onde rebanhos com índices de mastite de 6,2%, 12,8%, 24,3% e 32,6% apresentam contagem de células somáticas de 200.000, 400.000, 750.000 e 1.000.000 de células/mL no tanque de expansão, ou seja, um índice aproximado de 12-13% de quartos mamários infectados. A União Européia aceita até 400.000 células/ mL no tanque de expansão, ou seja, um índice aproximado de 12-13% de quartos mamários infectados. Já os Estados Unidos aceitam até 750.000 células/mL, ou seja, aproximadamente 25% de quartos mamários infectados (uma média de um quarto mamário com mastite para cada animal em produção). Vários pesquisadores afirmam que quartos mamários que secretam leite com menos de 200.000 células/mL raramente estarão infectados por algum tipo de microrganismo (HILLERTON, 1999; SMITH & HOGAN, 1999).

Práticas empregadas dentro da fazenda leiteira devem assegurar que o leite seja produzido (SANTOS, 2007) a partir de animais saudáveis, em boas condições de higiene e dentro de condição ambiental sustentável. Tais procedimentos devem sempre enfocar a prevenção dos problemas, visto que a sua correção é, na maioria das vezes, mais cara e menos eficiente. A demanda por alimentos seguros fez surgir diversos programas para assegurar a qualidade e segurança dos alimentos. Entre as principais ferramentas usadas pelas cadeias produtivas, destacam-se: Boas Práticas Agropecuárias (BPA), Boas Práticas de Fabricação (BPF), Procedimento Padrão de Higiene Operacional (PPHO), Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), Programa Alimento Seguro (PAS), Rastreabilidade, Sistemas de Certificação e Protocolos Internacionais (ex., EurepGap).

As potenciais vantagens para os produtores que implantam esses programas são o aumento da competitividade, o oferecimento de produtos diferenciados e a maior garantia de permanência dos mercados. Para os consumidores, a principal vantagem é a garantia de alimentos seguros e de alta qualidade.

As boas práticas agropecuárias (BPA) são um conjunto de atividades desenvolvidas dentro da fazenda leiteira com objetivo de garantir a saúde, o bem estar e a segurança dos animais, do homem e do ambiente. Tais práticas estão associadas ao processamento de derivados lácteos seguros e de qualidade, à sustentabilidade ambiental e à possibilidade de agregação de valor, além de ser uma exigência dos consumidores e da legislação. As BPAs são também a base para a implantação de outros programas de garantia de segurança dos alimentos, como o APPCC (Análise de Perigo e Pontos Críticos de Controle).

Durante os últimos anos várias empresas captadoras e cooperativas em diversos países do mundo têm desenvolvido programas de qualidade (SANTOS, 2007), os quais têm como base a aplicação de medidas nas fazendas leiteiras para a garantia da segurança dos derivados lácteos. Esses programas buscam melhorias nas seguintes áreas dentro das fazendas leiteiras: a) saúde animal, b) higiene de ordenha, c) alimentação animal e fornecimento de água, d) bem estar animal, e) ambiente. Adicionalmente, os programas de boas práticas de produção requerem cuidados e necessidade de registros do uso de medicamentos veterinários e defensivos agrícolas, utilização de produtos de origem animal na alimentação dos animais e identificação animal.

Monografias.com

Figura 1. Principais componentes e objetivos das boas práticas de produção de leite.

Fonte: adaptado de Guide to good dairy farming practice (IDF/FAO, 2004).

Com a implementação do sistema APPC, conforme relataram Spexoto et al. (2005), foi possível diminuir a severidade dos casos de mastite em um rebanho de vacas leiteiras (leite tipo A), porém não se observou efeito sobre a porcentagem de animais afetados pelo processo inflamatório da glândula mamária. Este sistema de controle do processo produtivo é capaz de diminuir a quantidade de coliformes totais e fecais em leite cru armazenado no tanque de refrigeração, mas isto não ocorre com as contagens de microrganismos mesófilos e psicrotróficos.

A estruturação de um programa de treinamento para produção de leite seguro foi descrito por Brito et al. (2004). Demonstraram a importância de treinamento e utilização de metodologias como BPA e APPCC para melhoria da qualidade do leite no Brasil. Discutiram a importância e cuidados a serem tomados no manejo das bezerras na fase de recria, cuidado no armazenamento dos alimentos para evitar contaminação por fungos produtores de micotoxinas, realização de testes para tuberculose, monitoração e controle de mastite com ênfase na antissepsia de tetos e o tratamento da vaca seca, uso prudente de antibióticos, anti- helmínticos e carrapaticidas em vacas em lactação, higienização adequada dos equipamentos de ordenha e de estocagem do leite, assim como o dimensionamento adequado destes últimos.

A indústria leiteira mundial atravessa um período de intensas transformações em sua estrutura, e se podem identificar como principais tendências a diferenciação de pagamento ao produtor por entregar um leite de melhor qualidade e o aumento nas exigências de qualidade por parte das indústrias, assim como maior preocupação dos consumidores com relação à segurança alimentar (PRATA, 1998).

A qualidade do leite que chega à plataforma da indústria (DÜRR, 2006) deve ser garantida pela ordenha higiênica de animais sadios e bem alimentados, imediata refrigeração do leite na propriedade e seu transporte a granel em tanques isotérmicos até a indústria.

Obtenção de leite de boa qualidade depende de vários fatores como o estado nutricional do rebanho, as propriedades genéticas dos animais, higiene, o local, a qualidade da água utilizada na propriedade, as condições de exploração, o clima, as instalações, a alimentação, a mão de obra, as políticas comerciais e a sanidade do rebanho (AMARAL et al., 2003).

Comparando-se a produção leiteira brasileira com a mundial, em relação à quantidade e a qualidade do leite produzido por animal (VOLTOLINI et al., 2001), é fácil observar que medidas ainda devem ser tomadas para que esta atividade seja mais lucrativa e produtiva.

A melhoria da qualidade do leite é resultado de uma série de fatores, que passa pela educação e pelo treinamento dos produtores e técnicos. Há uma necessidade da conscientização do produtor rural no cumprimento das medidas higiênico-sanitárias, bem como da estocagem (CAVALCANTI, 2006); só desta forma poderá ser ofertado ao consumidor um produto compatível com a legislação vigente, no âmbito industrial e comercial.

2.4. FATORES QUE AFETAM A QUALIDADE

Cavalcanti (2006) citou que o leite, ao ser sintetizado e secretado para o lúmen alveolar, encontra-se livre de microrganismos. Porém, contamina-se durante seu percurso em direção ao exterior do úbere, com microrganismos saprófitas, componentes da microbiota normal do animal. A quantidade de microrganismos presentes no leite cru varia de acordo com a contaminação inicial, tempo e temperatura de armazenamento. O leite poderá apresentar uma variedade de microrganismos patogênicos em decorrência de processos inflamatórios do úbere ou de enfermidades no rebanho. A quantidade de microrganismo no leite cru constitui importante indicador de sua qualidade e pressupõe a saúde da vaca, a higiene de ordenha.

O aparecimento de sabores indesejáveis no leite e nos derivados pode ser resultado de resfriamento inadequado, congelamento do leite no tanque de expansão, agitação excessiva, presença de colostro, adulteração com solução de limpeza, alimentação inadequada dos animais (PHILPOT, 1998). A taxa de multiplicação dos microrganismos depende do tempo e temperatura de estocagem do leite. Sob condições ideais, muitas bactérias dobram a sua população a cada 20 minutos. Dessa forma, uma única bactéria pode teoricamente transforma-se em mais de um bilhão de microrganismos em apenas10 horas, quando as condições forem favoráveis ao seu crescimento. Portanto, o leite deve ser armazenado a menos de 5ºC o mais breve possível, após a retirada do úbere da vaca.

Um dos maiores problemas dos produtores de leite é a mastite, uma enfermidade da glândula mamária que se caracteriza por processo inflamatório, quase sempre decorrente da presença de microrganismos infecciosos, interferindo diretamente na função do órgão, uma vez que uma vaca com mastite tem sua produtividade diminuída, podendo chegar a níveis de perda entre 15 a 20% em relação à produção láctea normal (FREITAS, 2007).

Ocorrem prejuízos contabilizados pela redução na produção, descarte do leite das vacas em tratamento, custos com medicamentos, gastos com assistência técnica e reposição de vacas e do tempo extra perdido no manejo e na aplicação de medicamentos (VOLTOLINI et al., 2001). Além disso, as mastites depreciam a qualidade nutritiva do leite, com a diminuição dos teores de açúcares, proteínas e minerais como a lactose, caseína, gordura, cálcio, fósforo e aumento significativo de imunoglobulinas, cloretos e lipases, tornando o produto inapropriado para ser consumido ou utilização para fabricação de seus derivados, como iogurtes e queijos (INTERVET, 2005), sem considerar os prejuízos causados pela condenação do leite na plataforma das usinas.

2.5. INSTRUÇAO NORMATIVA 51 (IN 51)

Em 2002 foi aprovada a IN51 (Brasil, 2002) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A IN51 entrou em vigor em julho de 2005 e contém vários regulamentos técnicos. Os critérios usados internacionalmente para monitoramento da qualidade do leite foram incorporados às normas do MAPA, por meio da IN51. A contagem de bactérias totais (CBT) e a contagem de células somáticas (CCS) são os parâmetros mais utilizados para a avaliação da qualidade e higiene do leite e situação da mastite nos rebanhos leiteiros, respectivamente, conforme informa FAGUNDES (2007).

Tabela1: Requisitos microbiológicos e de CCS a serem avaliados pela Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite.

Índice medido (por propriedade rural

ou por tanque

comunitário)

Até 01.7. 2005

Regiões: S/SE/CO

Até 01.7. 2007

Regiões: N/NE

De 01.7. 2005 Até 01.7. 2008

Regiões: /SE/CO

De 01.7. 2007 até

01.7.2010 Regiões: N / NE

A partir de 01.7.

2008 Até 01.7.

2011 Regiões:S/SE/CO A partir de 01.7. 2010 até 01.7.2012

Regiões: N / NE

A partir de 01.7.2011 Regiões:S/SE/CO A partir de 01.7. 2012

Regiões: N/NE

Contagem Padrão

em Placas (CPP),

expressa em

UFC/mL

Máximo 1,0 x 106

Máximo 1,0 x 106

Máximo 7,5 x105

Máximo de

1,0 x 105

(individual) Máximo de 3,0 x 105 (leite

de conjunto)

Contagem de

Células Somáticas

(CCS), expressa

em CS/mL

Máximo 1,0 x 106

Máximo 1,0 x 106

Máximo 7,5 x 105

Máximo de 4,0 x 105

Adaptada do Anexo IV da IN 51do MAPA.

Nero et al. (2004) mostraram que 48,7% de amostras de leite cru coletadas nos Estados de Minas Gerais (Viçosa), Rio Grande do Sul (Pelotas), Paraná (Londrina) e São Paulo (Botucatu) estão em desacordo com a IN51. Relataram que amostras sem refrigeração só foram encontradas na região de Londrina, sendo que das amostras que foram armazenadas sob refrigeração, 88,24% apresentavam contagem de mesófilos aeróbios abaixo de 106 UFC/mL, enquanto 56,52% das que não eram refrigeradas apresentavam contagens acima de 106 UFC/mL, estando em desacordo com a IN51, e demonstrando assim, a importância da refrigeração para manutenção a qualidade do leite cru. Mostraram ainda, que no Estado de São Paulo, as amostras eram armazenadas sob refrigeração, mas transportadas de maneira não granelizada (permanecendo a temperatura ambiente durante o transporte), o que propiciou alta freqüência (68%) de amostras com contagens acima de 106 UFC/mL de mesófilos aeróbios. Nos Estados do Rio Grande do Sul e Minas Gerais o armazenamento era feito sob condição de refrigeração e o transporte a granel, sendo que 58% e 19,15% das amostras estavam fora do padrão estabelecido para IN51, respectivamente. A baixa freqüência de amostras fora do padrão da IN51 em Viçosa- MG pode ser atribuída, provavelmente a um programa de assistência técnica bem sucedido realizado com os produtores que tinham sua amostras analisadas. Descreveram que a adoção de refrigeração e transporte granelizado do leite cru podem contribuir para garantir a qualidade microbiológica do produto, porém, outras medidas como o desenvolvimento de programas regionais de assistência aos produtores leiteiros devem ser adotadas para que se consiga atender a bons padrões de qualidade microbiológica do leite cru.

Ao analisarem o leite cru de 19 propriedades de leite o Estado de São Paulo, Souto et al. (2005a) verificaram que cinco amostras apresentavam Contagem Padrão em Placas de microrganismos mesofilos acima de 106 UFC/mL, estando em desacordo com a IN51 (Brasil, 2002). Destas cinco amostras, quatro eram em propriedades declaradas como produtoras de leite tipo B, com contagem máxima aceitável de 5 x 105 UFC/mL.

A tecnologia utilizada na ordenha, segundo Souto et al. (2005b), não garante a boa qualidade microbiológica do leite cru, sendo o monitoramento do procedimento de higienização fundamental para se garantir um leite com baixo número de microrganismos.

2.6. AGENTES CONTAMINANTES DO LEITE

As etapas de ordenha e armazenamento do leite, até que seja entregue na indústria, para Oliveira (2005), são críticas para sua contaminação, que é extremamente variável. A grandeza e a diversidade da população contaminante variam consideravelmente e estão intimamente associadas à origem do leite (HARVEY & HILL, 1989; PELCZAR et al., 1996).

A ordenha, preferencialmente, no entender de Ajzental (1994), deve ocorrer dentro dos mais criteriosos padrões sanitários. Mesmo em condições ótimas, o leite apresentará uma carga microbiana que deve ser mantida constante, evitando sua multiplicação.

Os níveis de contaminação no ar e o volume de ar que passa no interior dos equipamentos, de acordo com Bramley & Mckinnon (1990), incorporam ao leite uma quantidade muito baixa de microrganismos, em torno de 5 UFC/mL de leite produzido e um esporo de Bacillus.

Normalmente a microbiota contaminante do leite é composta por bactérias, enquanto as leveduras e fungos são mais raros de serem encontrados (LIMA, 1998). Dentre os contaminantes estão as bactérias láticas, coliformes, Micrococcus, Staphilococcus, Enterococcus, Bacillus, esporos de Clostridium e bastonetes gram-negativos (JAY, 1996). Por outro lado, segundo (JAY, 1998), em condições adequadas de manipulação e armazenamento, predomina a flora Gram positiva.

Um ponto fundamental na qualidade do leite é a ausência de contaminantes, como por exemplo, resíduos de antimicrobianos. A presença de resíduos de antimicrobianos no leite constitui um risco específico de origem química, que deve ser monitorado por testes confiáveis, rápidos e práticos. É importante orientar o produtor, para que este produza leite de boa qualidade. O produtor deve ser informado dos procedimentos para evitar que o leite com resíduo de antibióticos chegue ao consumidor. Além disso, a fiscalização deve dispor de meios para avaliar a qualidade do leite.

Os resíduos de antissépticos podem estar presentes no leite em decorrência de medidas de antissepsia e/ou desinfecção de utensílios e recipientes ou por acidente tecnológico, ou ainda, pela adição intencional, na tentativa de prolongar e/ou assegurar o tempo de vida do produto (tempo de prateleira), como resultado de práticas fraudulentas para mascarar a má qualidade (GELLI et al, 1984). Por outro lado, a presença dos antibióticos e/ou quimioterápicos é, em geral, conseqüência do seu uso em terapêutica veterinária (COSTA et al. 1999; GALLINA et al., 1998, RAIA JUNIOR et al., 1999).

A presença de resíduos de antimicrobianos no leite representa risco à saúde do consumidor e interfere na produção de derivados (COSTA, 1999; MARTINS e VAZ, 2000), inviabilizando muitas vezes a produção deste e determinando prejuízo econômico.

Vários pesquisadores, entre eles Aurvalle (1981) relataram que os antibióticos resistem aos métodos de conservação do leite, como calor e congelamento. Assim, o aquecimento do leite ou sua pasteurização não afetam a presença de antimicrobiano, em alguns casos só modificando sua atividade.

Em relação à saúde pública, a presença de resíduo de antibiótico no leite é indesejável por várias razões, sendo as mais freqüentes a ocorrência de reações de hipersensibilidade e a seleção de microrganismos patogênicos resistentes (COSTA, 1999).

2.7. FATORES QUE AFETAM A COMPOSIÇAO E AS CARACTERÍSTICAS FÍSICO-QUÍMICAS DO LEITE

A glândula mamária é um dos órgãos mais diferenciados e metabolicamente ativos do corpo animal. Sua diferença não confere nenhuma vantagem especial ao corpo do animal, mas sim, ao contrário, é altamente demandante deste, quando está em plena atividade. O início da lactação é marcado por inúmeras alterações no metabolismo o qual se volta quase que totalmente para esta glândula. A redistribuição do suprimento de sangue é marcada pelo incremento da taxa metabólica, e também pelo aumento da demanda de nutrientes, e energia para suprimento da glândula (FONTANELI, 2001). Por outro lado, a inabilidade do animal em ajustar rapidamente seu metabolismo à lactação leva a desordens metabólicas. Tais alterações denotam a prioridade que a natureza deu a secreção de leite, em detrimento aos outros processos metabólicos. O aporte de nutrientes para o processo de síntese dos componentes do leite é de diferentes origens:

  • a) Endógeno - mobilização das reservas orgânicas;

  • b) Ração.

A ração compreende todo o alimento recebido em 24 horas e este idealmente deve fornecer todos os nutrientes em quantidade e qualidade, adequadamente compatíveis com a demanda exigida pelo organismo animal, dentro de certo sincronismo, sem comprometer seu desempenho. Como a complexidade relacionada com balanço hormonal, energético e fisiológico do animal é muito dinâmica, os nutricionistas tentam acompanhar estas variações com o adequado suprimento de nutrientes, para que as reações bioquímicas aconteçam.

2.7.1. Fatores que afetam a composição da gordura e sua manipulação

São vários os fatores que influenciam o teor de gordura no leite. A gordura por seu mecanismo de síntese e sem interferentes é o componente de maior variação, oscilando duas a três unidades percentuais. Conhecer estes fatores permite interferir ou corrigir eventuais problemas, principalmente os de ordem nutricional.

2.7.1.1. Raças (genética)

Tabela 2: Variação da gordura no leite em várias raças bovinas.

Raça

% gordura

% proteína

Relação

Proteína/gordura

Holandês

3,64

3,20

0,88

Jersey

4,73

3,78

0,80

Pardo suíço

4,02

3,56

0,89

Fonte: Carvalho (2000).

2.7.1.2. Relação volumoso: concentrado

Desde a década de 30 sabe-se que o teor de gordura diminui à medida em que o teor de concentrados se eleva na dieta. A hipótese tradicionalmente empregada para explicar a relação entre excesso de concentrado e baixa gordura centraliza-se na alteração da proporção de ácidos graxos produzidos no rúmen. O aumento de concentrado eleva a produção de ácidos, concorrendo para redução do pH ruminal. Sob pH ruminal menor do que 6,0 a degradação de fibra é bastante prejudicada, diminuindo a produção de ácido acético em contraposição ao acido propiônico, que aumenta. Sendo o acido acético o principal precursor da gordura do leite, sua redução estaria então diretamente relacionada à queda da gordura do leite.

2.7.1.3. Fibra efetiva

Fibra efetiva é aquela que estimula a ruminação e, com isto, a produção de saliva, sendo geralmente relacionada ao tamanho de partícula. Estabelece-se que cerca de 20% das partículas de fibra tenham pelo menos quatro centímetros de comprimento (FONTANELI, 2001).

Segundo Bachman (1992), a forma física em que se encontra a fibra do volumoso afeta a condição ruminal e a gordura do leite. O fornecimento de forragens finamente moídas (NORO, 2004) resulta em fermentação ruminal que produz maior proporção de ácido propiônico e, conseqüentemente, menor porcentagem de gordura no leite. Isto provavelmente ocorre devido à estimulação inadequada da ruminação, que resulta em menor produção de saliva, diminuindo o tamponamento do pH ruminal.

Cerca de 50% ou mais das vacas que estão deitadas devem estar ruminando. Estas vacas necessitam, em média, de 600 minutos de ruminação diária (FONTANELI, 2001) para manter a gordura do leite, resultando 25 minutos/hora ou 42% do tempo.

2.7.1.4. Tipo de concentrado

Assim como a efetividade da fibra, é também importante a proporção de volumosos na dieta. O tipo (composição) de concentrado é mais decisivo do que o teor deste na dieta. Concentrados com elevado teor de amido tendem a deprimir mais a gordura do leite do que concentrados com elevado teor de fibra digestível, por exemplo. Ainda em relação ao processamento FONTANELI (2001) relata que práticas como a floculação a vapor e o armazenamento na forma de silagem de grãos úmidos tendem a elevar a taxa de digestão do amido e, com isto, tendem a deprimir a gordura do leite.

2.7.1.5. Fornecimento de gordura

Carvalho (2002a) demonstra que a inclusão de lipídios ao redor de 5 a 7% na MS da dieta tende a gerar aumento na produção de leite em função da elevação no teor de energia da dieta, visto que a gordura é 2,25 vezes mais energética do que glicídios e proteínas.

O tipo e a quantidade de gordura fornecida são fatores a serem considerados. Gorduras saturadas tendem a causar leve aumento, enquanto similar quantidade de gordura insaturada causa diminuição de até um ponto percentual no conteúdo de gordura do leite (NORO, 2004).

O fornecimento de sementes de soja e algodão, apesar de conter alto teor de ácidos graxos insaturados, apresenta poucos riscos à saúde ruminal, se respeitados os limites de uso. A razão disto, de acordo com Fontaneli (2001), é que o óleo tem sua taxa de degradação reduzida por estar contido na semente. Por esta razão, recomenda-se não moer a soja em grão, apenas quebrá-la em três ou quatro partes e fornecer o caroço integralmente.

2.7.1.6. Consumo de matéria seca e produção de leite

A maior ingestão de uma dieta corretamente balanceada tende a elevar a produção de leite sem alterar a composição do mesmo (BACHMAN, 1992). Para que a produção de componentes seja mantida, é necessário que todos os precursores de gordura e proteína estejam em proporções otimizadas. Se isto não ocorrer, é provável que o teor de algum componente não se mantenha.

2.7.1.7. Aditivos

Os aditivos alimentares alcalinizantes (óxido de magnésio) e tamponantes (bicarbonato de sódio), segundo Carvalho (2002a), evitam a redução do teor da gordura do leite através da manutenção ou elevação do pH ruminal. Entretanto, Russel e Chow (1993) creditam o efeito positivo do bicarbonato de sódio e outros sais tamponantes ao aumento no fluxo de passagem dos alimentos concentrados pelo rúmen.

2.7.1.9. Estação do ano - interação com estresse térmico

Sob estresse térmico, os animais reduzem voluntariamente o consumo de fibra, especialmente aquela de qualidade inferior, cuja fermentação ruminal produz calor. A redução da porcentagem de fibra na dieta induz à diminuição da ruminação e conseqüentemente da produção de saliva que atua como importante tamponante ruminal.

Outro fator relacionado ao estresse calórico (NORO, 2004), é a maior concentração energética das dietas fornecidas aos rebanhos, tentando compensar o menor consumo de alimento e também ao consumo seletivo dos animais, ingerindo mais concentrado em detrimento da forragem.

2.7.1.9. Monitoramento a campo.

Na Tabela 3 observa-se um resumo dos aspectos que contribuem para elevação e redução dos teores de gordura no leite. De forma geral, a baixa porcentagem de gordura relaciona-se a dietas com alto teor de concentrados, que conduzem à acidose ruminal. Neste cenário, geralmente, observa-se vacas magras (apesar da alta ingestão de energia), diarréias, consumo flutuante de matéria seca, fezes com cheiro ácido, alta incidência de deslocamento de abomaso (> 3% dos partos), laminite, abscesso de fígado, articulações inchadas e edemas de úbere (FONTANELI, 2001).

Tabela3: Aspectos que determinam o teor de gordura do leite

O que aumenta o teor de gordura no leite

O que reduz o teor de gordura no leite

Alto teor de fibra na dieta (FDN>35%)

Baixo teor de FDN efetiva (< de 21%)

Perda de peso excessiva no início da lactação (>0,9kg/dia)

Alto teor de glicídios não estruturais na dieta

Fornecimento de gordura ruminalmente inerte ou saturada (resposta variável)

Alimentos muito moídos ou de rápida degradação ruminal

Baixo teor de concentrado

Subprodutos fibrosos no lugar de volumosos

Tamponantes em dietas a base de silagem de milho, incluídos entre 0,75 e 1,0% da MS)

Dietas úmidas (>50% de umidade)

Subprodutos fibrosos no lugar de concentrados ricos em amido

Fornecimento de mais de 3,0 kg de concentrado por vez (em rebanhos sem ração completa)

Fornecimento de ração totalmente misturada em comparação ao fornecimento do concentrado separado do volumoso

Alto teor de gordura insaturada na dieta (>6g/100g de FDA)

Cultura e leveduras (inconsistente)

Utilização de ionóforos

Manejo de alimentação: espaço de cocho suficiente (0,80 m/vaca), vários tratos diários

Mudanças bruscas na dieta, sem adaptação prévia

Estresse térmico

Fonte: Carvalho (2000).

2.7.2. Fatores que afetam a composição da proteína e sua manipulação

De forma geral, a estratégia que visa ao aumento das proteínas no leite tem como princípio o maior suprimento de aminoácidos na glândula mamária (BACHMAN, 1992). O potencial para um aumento é relativamente baixo, pois a variação percentual varia em apenas 0,4 a 0,6 unidades, no máximo (CARVALHO, 2002a). A vantagem é que as medidas que aumentam o teor de proteína, também eleva a produção total de leite, o que já não ocorre com a gordura.

2.7.2.1. Aminoácidos disponíveis

A síntese de proteínas pelas células da glândula mamária está relacionada com o suprimento de aminoácidos essenciais. Dentro deste aspecto o aminoácido limitante para síntese compromete toda a cadeia protéica, que deveria ser produzida (DE PETERS e CANT, 1992). Como as proteínas são compostas por inúmeros aminoácidos, dificilmente se terá uma situação na qual não haja limitação de algum aminoácido; por isso, a dificuldade da elevação do teor de proteínas do leite (FONTANELI, 2001).

2.7.2.2. Maximização da proteína microbiana

A proteína de origem microbiana proveniente da digestão ruminal é a principal fonte de aminoácidos usada pelos bovinos para crescimento e síntese de leite (BACHMAN, 1992), contribuindo com 60 a 75% da proteína absorvida pelo animal.

A ingestão de energia é o fator nutricional primário que afeta a percentagem e produção de proteína do leite, sendo dependente da ingestão de matéria seca e da densidade energética da dieta (BACHMAN, 2001). Neste sentido, quanto maior a ingestão de concentrados ou volumosos de elevada qualidade, maior é a produção microbiana e maior a produção de proteína microbiana. Há de se ter em mente que esta estratégia leva ao aumento da produção de leite também. Desta forma, o aumento da porcentagem de proteína é pequeno, porém havendo uma elevação significativa da quantidade de proteína produzida.

Estima-se que para cada 1,0 Mcal de energia líquida há um aumento de 0,015% de proteína no leite (SUTTON, 1989). Desta forma, a adição de grãos contribui para um efeito positivo na formação de ácido propiônico, que propicia maior formação de aminoácidos. Todavia, há um limite na utilização dos concentrados (grãos) em função da diminuição do pH ruminal prejudicando o desenvolvimento das bactérias celulolíticas e causa a redução da produção de proteína microbiana.

2.7.2.3. Proteína não degradável no rúmen e aminoácidos protegidos

A proteína não degradável pode ter efeito positivo desde que seja complementar à proteína microbiana. Se o perfil de aminoácidos for inferior ao necessário para a síntese de proteína no leite, o efeito pode ser negativo. O uso de aminoácidos protegidos é ainda incipiente pelo seu custo em relação ao benefício e, de uma maneira geral, não é precisa a avaliação do perfil final de aminoácidos que chegam ao intestino (FONTANELI, 2001).

2.7.2.4. Proteína bruta (PB)

Em função de que cada 1% de PB incrementado no teor de proteína na dieta (quando esta tem entre 9-17%), contribui para 0,02% na proteína do leite (50 vezes menos), pode-se dizer que a variação da PB na dieta afeta muito mais a produção de leite que sua composição. A utilização de dietas com alto teor de proteína, com grande fração de rápida degradação ruminal, sem o adequado suporte de energia, faz com que haja um aumento do nitrogênio não-protéico (NNP) no leite, o que pode ser aferido pela presença elevada de uréia no leite. Conforme relato de FONTANELI (2001), o teor de nitrogênio uréico no leite (NUL) é altamente relacionado com o de uréia no sangue que, por sua vez, reflete o excesso de proteína degradável no rúmen ou a falta de glicídios fermentescíveis no rúmen.

2.7.2.5. Gordura

A adição de gordura na dieta geralmente leva a uma redução no teor de proteína do leite em torno de 0,1 a 0,3 unidades percentuais (BACHMAN, 1992). Uma explicação encontrada para tal fato, segundo NORO (2004) é que os microrganismos do rúmen não são aptos para utilização da gordura como fonte de energia para seu desenvolvimento, afetando a síntese de proteína microbiana e conseqüentemente o fornecimento de aminoácidos para composição da proteína do leite.

2.7.2.6. Aditivos

O fornecimento de niacina tem o objetivo de melhorar o balanço energético no início da lactação, reduzindo a mobilização de gordura dos animais e diminuindo, desta forma, o teor de ácidos graxos livres na circulação. A adição de ionósforos (monensina e lasalocida, entre outros) maximiza a eficiência de produção de AGV no rúmen e aumento da proporção de propionato, favorecendo a síntese de proteína no leite. Há também a redução da disponibilidade de acetato, o que reduz a gordura do leite e indiretamente eleva a proteína do leite em termos percentuais. O fornecimento de somatotropina bovina (bST) leva a um aumento na quantidade de leite fluido produzido, como resultado da síntese de lactose, contendo teores elevados ou normais de gordura, causando, em contra partida, uma depressão na quantidade de proteína produzida em função do desbalanceamento na quantidade dos precursores (aminoácidos) em proporção correta, utilizados pela glândula mamária, em comparação a disponibilidade aumentada de compostos para síntese de lactose e gordura (FONTANELI, 2001).

2.7.2.7. Estação do ano - interação com estresse térmico

Assim como a gordura, sob estresse térmico, a proteína também tem uma tendência a estar reduzido o seu teor no leite, embora não de forma tão drástica.

2.8. CARACTERÍSTICAS QUÍMICAS DO LEITE

Alguns critérios físico-químicos são normalmente utilizados pelas indústrias de laticínios para avaliar os cuidados dispensados ao leite pelo produtor. Esses critérios são bastante úteis para controlar rendimento industrial e a qualidade do produto acabado. Entretanto, tais parâmetros são influenciados não só pelos cuidados dispensados ao leite, mas também por características individuais dos rebanhos, tipos de alimentação, época do ano, condições climáticas, formas de transporte do leite e outros.

2.8.1. Acidez do leite

Santos e Fonseca (2004) observam que quando o leite é obtido sob condições inadequadas de higiene e refrigeração deficiente, ocorre o aumento de ácidos orgânicos, em especial do acido lático, resultando na chamada acidez adquirida. A acidez pode ser medida por duas formas: pH (entre 6,6 e 6,8) ou pelo método da acidez titulável, chamada método Dornic (entre 16 e 18° D).

2.8.2. Ponto crioscópico

O ponto crioscópico indica a temperatura de congelamento do leite, cujo valor normal para o leite com 12,5% de extrato seco total (EST) é de -0,531°C. A adição de água no leite causa alteração no ponto crioscópico, ocorrendo aumento da temperatura de congelamento do leite, a qual tende a se aproximar a temperatura de congelamento da água (0°C). Ainda que seja uma característica muito usada para indicar a adulteração do leite pela adição de água, alguns estudos indicam que a crioscopia do leite pode sofrer influencia da fase de lactação, estação do ano, clima, latitude, alimentação e raça.

2.8.3. Prova de resistência ao álcool

A prova do álcool pode ser usada como um método rápido para estimar a estabilidade das proteínas do leite durante o processo térmico, uma vez que o leite com baixa qualidade higiênica durante sua produção pode apresentar redução do pH pela fermentação da lactose em ácido lático, resultando assim, em maior instabilidade da proteína. Nesta prova, o álcool atua como desidratante e simula as condições de aquecimento.

2.8.4. Síndrome do leite anormal (SILA)

A SILA caracteriza-se por um conjunto de alterações na composição do leite ou a mudança de alguma característica química que afete sua qualidade (CEBALLO, 2000).

Fontaneli (2001) mostra que os diversos estudos desenvolvidos até a atualidade permitem estabelecer com clareza as concentrações médias e a taxa de variações dos componentes lácteos na presença da SILA. A conformação do critério da SILA leva em conta as especificações mínimas da qualidade do leite, associada por um lado aos sistemas de alimentação e, por outro, com a freqüente aparição de problemas de baixo teor de sólidos e densidade no leite cru e alterações no tratamento térmico do leite.

A base hipotética mais provável da SILA está associada às limitações na quantidade e na qualidade da alimentação, agravadas por um potencial produtivo e maiores exigências nutricionais, fundamentalmente de animais da raça holandesa, o que se agrava no final da seca e no início da primavera.

Tabela5: Indicadores de alterações na composição do leite e a alteração relacionada.

Indicador de alarme

Tipo de alteração

Densidade, proteína, lactose

Depressão dos sólidos

Acidez titulável, pH

Alteração na capacidade tamponante

Prova do álcool

Alteração na estabilidade térmica

Cálcio, fósforo e magnésio

Alteração no equilíbrio mineral

Caseína, relação caseína/proteína, NNP

Alteração nos processos/ qualidade

Fonte: Fontaneli (2001).

Considerações finais

O conhecimento técnico de práticas que influenciam a composição e a qualidade do leite permite tomadas de ações preventivas de monitoramento e controle, desde o momento da ordenha e o rápido resfriamento, passando pelo transporte isotérmico, até a indústria e seu processamento adequado para que chegue ao consumidor um produto de alta qualidade, de aceitação, tanto no mercado interno, quanto no externo.

Observando-se todas as práticas inerentes à obtenção de um produto final de qualidade é possível entregar ao mercado consumidor um alimento saudável e confiável, além de livre de contaminantes. A partir do exposto constata-se que existem conhecimentos e normas para se dar segurança ao consumidor. Contudo é preciso permanente fiscalização e um trabalho de inesgotável conscientização e treinamento de todos os envolvidos na cadeia produtiva, além de contínuos incentivos à pesquisa visando a garantir o Brasil como país referência na produção e comercialização de produtos lácteos no mundo.

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Autores:

Profº MSc. César Otaviano Penna Júnior

Prof° DSc. Deolindo Stradiotti Júnior

jrstradiiotti[arroba]cca.ufes.br

Profº DSc. Antonio Carlos Cóser

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM CIÊNCIAS VETERINÁRIAS



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