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Os interesses por detrás do IASC (página 2)


Ou seja, a primeira harmonização que se tem notícia é essa que envolveu organismos e governos de diversos países e que, surpreendentemente, se consolidou num piscar de olhos. Em pouco menos de quatro anos (1953) as informações econômicas dos países já estavam sendo fechadas de acordo com o padrão harmônico das contas nacionais. O momento do pós-guerra parecia propício à convergência dos interesses políticos, econômicos e sociais, especialmente por parte dos governos.

Certamente, o processo de harmonização das contas nacionais, nesse caso, não envolveu tantas discussões infindáveis acerca dos conceitos das contas, tão pouco buscou a criação de uma estrutura conceitual contábil; mas, limitou-se à formação de grupamentos de contas, que mantêm certa lógica econômica, coerentemente compreensível do ponto de vista contábil e, que foram denominados de sistema de contas nacionais.

Cabe aqui, o seguinte questionamento: se no pós-Guerra a harmonização das contas nacionais foi tão rápida e tão eficaz, por que a harmonização da contabilidade financeira não consegue a mesma rapidez e eficácia? A resposta mais imediata é porque a contabilidade financeira, em grande medida, pertence às corporações, às entidades privadas, cujo resultado financeiro está encharcado de interesses de toda ordem. O jogo de interesses particulares, além das razões culturais, está acima das possibilidades de acordos comuns em torno de normas contábeis. E o incrível é que esse jogo não é feito pelas corporações, mas, pelas organizações de contadores, que ditam como a informação contábil deve ser escrita para atender os interesses dos investidores e as conveniências políticas das corporações[2]As organizações contábeis sabem o que devem fazer para preservar os seus interesses e os interesses das corporações[3]

Nesse cenário, a tentativa de convergência das normas internacionais de contabilidade passou a ser o exercício explícito do poder de determinar interesses corporativos. É notória, entretanto, a importância dada às informações contábeis consolidadas de uma determinada corporação, especialmente num cenário robusto do mercado de capitais.

Por isso, se por um lado, os interesses financeiros estão acima de qualquer norma contábil internacional, por outro lado, é sumamente importante fazer com que essas normas internacionais alcancem algum resultado prático, visto que isso significa ganhos de toda ordem (custos menores na consolidação dos balanços, maior visibilidade, perpetuidade da estrutura corporativa, etc).

Mas, a construção de normas contábeis internacionais depende de articulações políticas e organismos preparados para tal fim. E é sobre o processo de criação desses organismos a razão deste trabalho. Vejamos as primeiras iniciativas tomadas no sentido de se criar estruturas organizativas para comandarem o processo de elaboração das normas internacionais de contabilidade. O marco desse processo foi a criação do IASC (organismo internacional responsável pela elaboração das normas contábeis internacionais).

Os antecedentes à criação do IASC – International Accounting Standards Committee (Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade)[4]

Para que se possa perceber mais facilmente a criação do IASC é preciso ter em mente o jogo político e econômico travado entre as nações, particularmente, entre a Europa e os Estados Unidos. Esse jogo se dá, sobretudo, com a criação de zonas de proteção dos seus mercados.

Essas zonas de proteção, como, Mercado Comum Europeu, que se transformou mais tarde na União Européia, NAFTA (North American Free Trade Agreement), além de outras, tiveram um papel relevante na transformação e adaptação das corporações transnacionais. Certamente, essas transformações impactaram também os procedimentos contábeis.

De 1966 até 1973, as organizações de representação dos contadores, em vários países, estavam passando por dificuldades e mudanças. O Comitê de Princípios Contábeis (Accounting Principles Board-APB) estava sob o alvo de críticas por manter os empregados das empresas de auditoria em seus quadros, criando conflitos de interesses. Em 1970, o Instituto de Contadores Certificados da Inglaterra e Escócia ICAEW criou o Comitê Diretor dos Padrões Contábeis (ASSC); no final de 1970, os Institutos da Escócia e Irlanda se juntam ao Comitê diretor de Padrões Contábeis. E, em 1973, no Canadá, o Comitê de Pesquisa Contábil e Auditoria se divide em Comitê de Padrões de Auditoria e Comitê de Pesquisa Contábil (Robert Kirsch, 2006, p.12).

Nos anos de 1960/70, havia uma crescente preocupação de inúmeros pesquisadores contábeis no sentido de tentar uma convergência das normais contábeis para um padrão internacional que pudesse facilitar o manejo das informações contábeis de maneira consolidada. E, certamente, as representações contábeis desses países já criavam mecanismos e órgãos que pudessem, especificamente, tratar da harmonização contábil internacional.

Nos EUA, havia um esforço no sentido de consolidar a Estrutura Conceitual Contábil, em andamento pelo FASB (Financial Accounting Standards Board), mas, internamente, também havia problemas na definição dos rumos dessa Estrutura. As posições da SEC (Securities and Exchange Commission, equivalente à CVM, no Brasil) eram muito divergentes daquelas do AICPA (American Institute of Certified Public Accountants, equivalente ao IBRACON, no Brasil), sobretudo, no que se refere à adoção de determinados instrumentos de correção do poder de compra da moeda. A SEC, desde a sua criação até os anos de 1970, jamais admitiu a adoção de instrumentos de correção dos valores registrados no balanço patrimonial. Nesse sentido, as posições da SEC e AICPA eram completamente divergentes. SEC não admitia outro registro contábil senão aquele pelo custo histórico, enquanto que o AICPA defendia a adoção do valor corrente.

Por outro lado, observa-se que, não foi por acaso, que o FASB e o IASC foram criados na mesma época. O IASC foi criado em junho de 1973 e FASB foi criado no mês seguinte, em julho de 1973[5]Embora o IASC tenha sido criado primeiro, há de se considerar que o FASB já era o terceiro órgão criado com a mesma finalidade de estabelecer padrões contábeis nos EUA. Em maio de 1972, nos EUA, o AICPA endossava a criação do FASB para substituir o APB (Comitê de Pronunciamentos Contábeis). Nesse mesmo clima, o inglês Henri Benson encarava a criação de uma entidade similar para padronização da contabilidade em nível internacional. A preocupação da Europa, naquele momento, era demonstrar a sua capacidade de organização em torno do tema. Sobretudo, porque em muitos países os USGAAP (Princípios de Contabilidade Geralmente Aceitos) poderiam facilmente ter se tornado de fato o padrão para as grandes empresas, por causa do atrativo irresistível do mercado de capitais norte-americano. E isso seria uma ameaça à soberania intelectual e técnica dos países da Europa.

Mas, a iniciativa de internacionalização das normas contábeis já tomava proporções robustas, tanto nos EUA quanto na Europa, o suficiente para despertar a atenção das organizações de contadores. Elas, rapidamente, ocuparam o centro de todo o processo. Zeff e Camfferman (2006) afirmam que:

A internacionalização se vale da profissão contábil ou, pelo menos, de seus líderes numa infinidade de países durante os anos de 1960. A prática contábil diferia significativamente em torno do mundo, e os lideres da profissão começavam a expressar a visão de que aumentar a cooperação entre os organismos da classe contábil era o primeiro passo para estreitar as diferenças internacionais na prática contábil. A necessidade desse estreitamento das diferenças foi demonstrada pelas referências ao crescimento do comércio e investimentos internacionais no período do pós-guerra, e as conseqüentes necessidades dos investidores e outros usuários de comparar as informações financeiras [...] Foi principalmente por meio da profissão contábil que várias tentativas de cooperação internacional foram feitas (p. 4).

A expressão "internacionalização se vale da profissão contábil" nos parece substantivar algo inapropriado. A internacionalização não se "vale" do contador, mas, ao contrário, ela é conseqüência da provocação do profissional da contabilidade, que buscava solucionar um problema interno das corporações.

Criação de Grupos de trabalho

De acordo com os relatos de Zeff e Camfferman, o precursor direto do IASC foi o Grupo de Estudo Internacional de Contadores (Accountants International Study Group – AISG), criado em 1966, para confrontar as informações sobre as práticas contábeis em três países – Canadá, Reino Unido e EUA. O responsável pela criação desse grupo de trabalho foi Henri Benson, que era o presidente do ICAEW – Institute of Chartered Accountants in England and Wales (Instituto de Contadores Públicos da Inglaterra e País de Gales). Esse grupo de trabalho fez algumas publicações (1968-78), mas sem muito impacto. Choi & Muller (1991, p. 13.2) fazem referência à criação desse Grupo de Estudo, como sendo a primeira iniciativa de estudos das diferenças contábeis, mas não o relaciona com a criação do IASC. Também Thomas G. Evans (1999, p.73) e outros fazem referência à formação desse grupo de estudo.

No IX Congresso Internacional de Contadores, em 1967, em Paris, inúmeras propostas foram feitas para a criação de uma secretaria internacional de contabilidade, mas houve oposição dos EUA, do Reino Unido e da Holanda. Benson, entretanto, conseguiu com os delegados dos países participantes criar um grupo de trabalho internacional, o International Working Party–IWP, para estudar uma proposta de criação de uma secretaria internacional, a ser apresentada no próximo congresso em Sidney, em 1972.

O IWP era formado pelos representantes dos institutos que haviam hospedado o congresso no pós-guerra. Ou seja, ICAW do Reino Unido, ICAS da Escócia, o ICAI da Irlanda, o NIVRA da Holanda, o AICPA dos EUA e Ordre de Experts Comptables (Ordem dos Contadores), da França, além da Austrália, que sediaria o próximo evento.

Na posse do IWP, entretanto, o AICPA mudou de posição. Em 1969, Robert L. May (apud Zeff e Camfferman, 2006, p. 38), do Comitê de Relações Externas do AICPA aconselhou o seguinte:

Nós, do Instituto Americano temos boas razões para resistir ao desenvolvimento de uma secretaria internacional ou equivalente. É tempo, entretanto, para que paremos simplesmente de opor aos conceitos, mas sim, comecemos a desenvolver uma proposta específica que resultará numa forma significativa de cooperação contábil internacional. Em minha opinião, nós não temos escolha. Devemos sim desenvolver uma forma de participação apropriada para os nossos interesses, ou seremos excluídos de uma organização que, indubitavelmente, será inimiga dos nossos interesses.

Certamente, essa posição favoreceu os interesses de Henri Benson no sentido de criar uma instituição internacional voltada exclusivamente para o estudo e regulação das normas contábeis. O grupo de trabalho IWP mudou de nome, passando a se chamar International Co-ordination Committee for the Accountancy Professional (ICCAP), incluindo dentre seus membros o Canadá, a Alemanha, e as Filipinas. Mas, independentemente da tentativa de internacionalização das normas contábeis, a Europa já propunha soluções internas para os seus problemas de consolidação das demonstrações financeiras. Ressalte-se, contudo, que a proposta de internacionalização das normas contábeis é uma idéia européia. Os norte-americanos, até então, consideravam seus USGAAP de "alta qualidade" – o suficiente para serem implantados em todo o mundo. Essa era a idéia.

As Diretivas Européias: primeiro projeto de normatização contábil da Europa

Diretiva Européia foi nome dado ao estudo e consolidação das normas contábeis na Europa. Na metade de 1960, a Comissão Européia lançou uma proposta para harmonizar as normas contábeis no sentido da comparabilidade das demonstrações financeiras. Uma Comissão de especialistas, sob a liderança da Alemanha, produziu o assim chamado Elmendorff Report, que se tornou a base para a 4ª Diretiva, em 1971 (adotada em 1978). Ao todo, a União Européia de Contadores baixou 13 Diretivas, sendo a 1ª baixada em 1964 (adotada em 1968) e a 15ª baixada em 1989 (sem data de adoção). (Iqbal, Melcher e Elmallah, 1997, p. 45; Radebaugh e Gray, 1993, p. 148-159). A 7ª Diretiva, sobre as contas consolidadas, foi adotada, após exaustivas negociações (1983). Nela foram determinadas a identificação de grupos de contas, objetivo dos grupos de contas e a obrigação de preparar, auditar e publicar as demonstrações financeiras, igualmente os métodos relacionados à consolidação. Mas, os conflitos de interesses dos diferentes países europeus criavam obstáculos quase intransponíveis. De acordo com Botzem e Quack (2005):

Depois de 1980 a exigência do Conselho Europeu para alcançar decisões unânimes impediu um ambiente coerente às normas contábeis na Comunidade Européia. O problema não foi somente aquele ambiente normativo que estava carregado de conflitos, mas também as instituições políticas da EEC que não eram capazes de fornecer mecanismos que pudessem, produtivamente, transformar as visões de conflito dos atores envolvidos em padrões geralmente aceitos (p. 7).

Se, por um lado, Benson manipulava o caminho para que o organismo de representação da profissão contábil fosse criado e governado pelos europeus, com tendência clara para o modo anglo-saxão de contabilidade[6]e não pelos norte-americanos; por outro lado, a Europa se apressava na consolidação da Comunidade Econômica Européia (mais tarde União Européia). Juntamente com essa consolidação apressam-se os contadores na formação da União Européia de Contadores Econômicos e Financeiros, Union Européenne des Experts Comptables Économiques et Financiers – UEC.

Certamente, o desenvolvimento dessas Diretivas não foi sem negociações duras, particularmente, com a entrada dos britânicos, escandinavos e holandeses, em 1973, que tentavam dar uma abordagem mais pragmática à contabilidade favorecendo os países anglo-americanos.

A criação do IASC

Como havia sido programado, no Congresso em Sidney, Austrália (1972), de fato nasceram, em vez de um, dois comitês internacionais, que mantiveram relações conflituosas durante trinta anos. O primeiro Comitê a ser criado foi o ICCAP (que em 1977 se transformou no IFAC – International Federation of Accountants), assumindo formalmente a posição de Comitê Internacional de Coordenação. Zeff e Camfferman afirmam que a formação do ICCAP era o passo decisivo e anunciado para a criação da secretaria internacional para a profissão contábil.

Entretanto, a formação de outro comitê, o IASC – International Accounting Standards Committee, foi discutida discretamente num encontro informal com representantes de alto nível dos quatro institutos, que, desde 1966, participavam do AISG – Accountants International Study Group. Dessa forma, Henri Benson se antecipou aos fatos e acertou com esse pequeno grupo de institutos a criação do IASC. Certamente, isso demonstra a força política de Benson junto aos outros colegas. Zeff e Camfferman, em seus estudos sobre a história do IASC, revelam que:

Desse encontro participaram os presidentes, secretários e dois ex-presidentes dos institutos ingleses, escoceses, canadenses e norte-americanos, além de Scots representando o ICAI (Instituto de Contadores Certificados da Irlanda) [...] O encontro tinha sido acertado antes por Sir Henri Benson no interesse do ICAEW. Pretendia ser um encontro confidencial, e nenhuma publicidade seria dada durante o congresso [...] Em suma, o curso dos eventos nos próximos meses foi o seguinte. Os participantes do encontro em Sidney mantiveram um segundo encontro em Londres, em dezembro de 1972. Isso resultou numa proposta concreta a ser colocada antes aos conselhos dos institutos participantes do Grupo de Estudo. Naquele momento, foi proposta a organização de um novo órgão, com o nome de IASC, ao lado do Grupo de Estudo já existente. Os conselhos desses institutos deram suas aprovações no final de janeiro de 1972 (sic)[7]. Assim, no final de fevereiro, foram feitos os convites aos seguintes institutos selecionados; Austrália, França, Alemanha, Japão, México e Holanda [...] Esses institutos foram convidados para um encontro em Londres, com os representantes dos institutos dos EUA e Canadá e mais seis do Reino Unido e Irlanda, no dia 19 de março de 1973. Isso pavimentou o caminho para um encontro final, em Londres, no dia 28 de junho de 1973, quando, então, foi assinado o "Acordo para estabelecer o International Accounting Standards Committee". O Acordo, consistindo de fato de um Acordo e Constituição, foi assinado numa cerimônia no Chartered Accountants´Hall. Após a publicação da conferência, o recém estabelecido IASC fez o seu primeiro encontro na tarde do mesmo dia (p. 43-44).

Estava assim criado o IASC. E, de outra parte, havia sido criada também uma pretensa secretaria que contava com o apoio de outros institutos, como a França, Alemanha.

Botzem e Quack (2005, p. 8) afirmam ainda que o estabelecimento do IASC, naquele momento particular, estaria ligado à ascensão da Inglaterra e da Irlanda à Comunidade Econômica Européia-EEC e, além disso, fez prevalecer o papel dos profissionais da contabilidade britânica de oposição às Diretivas européias de contabilidade.

Do ponto de vista histórico, Antony Hopwood (apud Botzem e Quack, 2005, p. 8), declara que:

...as corporações britânicas de contabilidade estavam preocupadas com as conseqüências potenciais do que eles percebiam com a imposição estatutária da Europa continental e o controle do estado sobre o relacionamento muito mais discricionário entre a gerência da corporação e a auditoria no Reino Unido [...] O IASC foi estabelecido esperando-se ter uma manifestação mais institucionalizada de compromisso britânico com um modo de contabilidade muito mais transnacional e consuetudinário. Sua criação pretendia dar um sinal forte do papel britânico em relação à comunidade contábil global em vez de uma circunscrição mais restrita à Europa.

IASC e os direitos autorais sobre os IAS

Dois professores australianos, Jayne M. Godfrey e Ian A. Langfield-Smith (2008) manifestaram a possibilidade de o IASC cobrar royalties dos países pela utilização dos IAS. Afirmam eles:

Na mesma medida das preocupações voltadas à dominação do anglo sobre o IASC, tem sido a mudança de atitude em relação à distribuição e uso das Normas Internacionais. No velho regime de elaboradores de normas era livre adotar e adaptar as normas IAS sem custo. Entretanto, o IASB está agora rigoroso na proteção de seus direitos autorais e insiste no pagamento de royalties. Isso tem causado problemas em países como a Austrália onde as normas têm força de lei e, por razões de política pública, devem estar disponíveis sem custos de royalties ou outra exploração comercial [...] A despeito do aumento rigoroso na proteção de seus direitos autorais, o IASB não usa seus direitos para restringir a habilidade dos elaboradores de mudar o conteúdo das normas. Entretanto, tais mudanças podem resultar numa estrutura doméstica de relatório não sendo mais de submissa àquela do IASB (p. 13).

A cobrança de royalties é realmente uma novidade que poderá trazer chateações futuras, principalmente, aos países em desenvolvimento, como o Brasil, que copiaram, ipsis verbis, as normas exaradas pelo IASB.

Relações conflituosas entre ICCAP (IFAC) e IASC

Já dissemos que o ICCAP era um grupo de cooperação internacional, criado no Congresso de Sidney, em setembro de 1972, com a recomendação do IWP (grupo de trabalho, conduzido por Henry Benson). O AICPA, dentro do IWP, tinha argumentado em favor da criação imediata de uma secretaria internacional, mas Benson, no interesse da profissão do Reino Unido se opôs à idéia. A idéia de Benson era manter o compromisso de criação da tal secretaria em banho-maria para possibilitar a criação do IASC. Zeff e Camfferman fazem o seguinte relato:

Quando, no congresso de Sidney, Benson propôs ampliar o Grupo de Estudo IWP, era compreensível que o AICPA desejasse garantir que o ICCAP, embrião da secretaria internacional, não fosse decisivamente fragilizado, antes mesmo de nascesse, pela criação de organismo semelhante, mas, por uma organização independente. Leroy Layton e Wallace Olson insistiram que a proposta de um corpo de elaboradores das normas fosse estabelecida como parte do ICCAP. Benson, por outro lado, não tinha a intenção de fazer o ICAAP mais importante do que era, nem de envolver mais do que um grupo compacto de países no IASC. O principal argumento que ele usou foi o ainda instável estado do ICCAP. Apoiado na sua experiência frente à União Européia de Contadores UEC, ele disse: "[deixar o ICCAP assumir a responsabilidade de padrão contábil internacional] seria expor [essa] iniciativa às ambições políticas e aos problemas de participação dos países que pouco ou nada poderiam contribuir [...] O AICPA, apoiado pelo Canadá, replicou ao pressionar por maiores progressos no ICCAP. Em janeiro e fevereiro de 1973, antes do primeiro encontro do ICCAP, em abril de 1973, o AICPA circulou uma proposta entre seus companheiros e membros do ICCAP para transformar rapidamente o ICCAP em um "Instituto Internacional de Contabilidade Pública". Uma das metas desse instituto seria "estabelecer os padrões internacionais de contabilidade e de auditoria e promover sua adoção por todas as corporações nacionais quando se tratasse de relatório de operações internacionais" (p. 50).

A idéia de Benson, no entanto, era ganhar tempo para articular a criação do IASC. O argumento apresentado aos seus pares foi de que deveria haver melhor momento para a criação dessa secretaria, porque, naquele momento, isso despertaria a atenção de "países que pouco ou nada poderiam contribuir..." Ou seja, deter o poder de estabelecer normas internacionais de contabilidade era tarefa para poucos países.

No entanto, a confusão se instalou quando algumas organizações contábeis de países, como Alemanha, França e EUA, apoiaram a idéia de vinculação do IASC ao ICCAP. Benson, obviamente, era totalmente contra. Mesmo depois de criado o IASC, diversos organismos contábeis ainda continuaram a insistir na transformação do ICCAP num órgão de representação internacional dos contadores.

A criação do IFAC (Federação Internacional de Contadores)

Sabe-se que o relacionamento IASC-IFAC foi uma das questões mais complexas confrontadas pelo IASC nos anos de 1980. Na verdade, Henri Benson administrou essa crise entre os dois órgãos de 1977, quando foi criado o IFAC, até 2000, quando, então, o IFAC (antigo ICCAP), resolveu cindir definitivamente com o IASC.

O acordo promovido por Benson para a criação do IASC reconhecia, com razoável tom de ambigüidade, que o IASC era "parte do ICCAP", mas, autônomo na questão das minutas e das padronizações contábeis (parágrafo 2). Zeff e Camfferman salientam ainda que:

Dentro do ICCAP, negociações incômodas tomaram lugar entre o início de 1973 e a metade de 1975, próximo da criação de uma organização permanente que, nesse estágio avançado, foi acertado que seria uma "Federação Internacional" em vez de uma "Secretaria Internacional". Douglas Morpeth, representando o ICAEW era fortemente contra tal movimento, portanto, em linha com a posição tomada por Henri Benson, desde o congresso de Paris em 1967. Os outros membros do ICCAP, em particular Wallace Olson, chefe do escritório do AICPA era favorável [...] Para Benson, a integração de "seu" IASC com o IFAC, cuja fundação ele tinha se oposto fortemente, era uma maldição. Ele agarrou-se tenazmente ao aparente direito de o IASC exercer um veto à sua própria Constituição. Ele obteve um acordo do IASC no sentido de que o relacionamento entre o IASC e IFAC deveria ser mantido sob as mesmas bases gerais que sempre existiram entre os dois órgãos, e o Comitê o autorizou negociar com o ICCAP sob essas bases [...] O resultado final foi que o relatório de março de 1976 do ICCAP e o Relatório Final, de março de 1977, declarou que "o relacionamento [do ICCAP] com o IASC deveria seguir no sentido do IFAC, e sobre as mesmas bases gerais" (p. 196).

Criou-se então o IFAC e a confusão sobre os limites de cada órgão, de um lado o próprio IFAC e do outro o IASC, permanecia insolúvel. Benson continuava fazendo gestões no sentido de manter o IASC fora do alcance do IFAC, sobretudo, porque esse órgão era formado por representações de organismos contábeis de países em desenvolvimento, como o Brasil e tantos outros da América do Sul. Pode-se presumir que Benson já tinha expressado, indiretamente, que esses "países pouco ou nada poderiam contribuir" para a formulação das normas internacionais de contabilidade. Ele já tinha manifestado o desejo de constituir um organismo com poucas e fortes representações.

Outras tentativas foram feitas para aproximar os dois organismos, mas todas malogradas. Até que, em 2000, a ligação do IASC com o IFAC foi rompida definitivamente, quando os membros do IFAC aprovaram uma reestruturação do IASC para torná-lo um órgão independente da profissão contábil.

Coincidentemente, terminada a disputa do IASC pela sua independência, paralelamente, outra dificuldade havia surgido: a formação do G4+1 (EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá + um representante do IASC), que tentava impor as suas estruturas conceituais contábeis.

A pressão dos países do G4+1

Os países anglofônicos (EUA, Reio Unido, Austrália, Canadá), preocupados com o fortalecimento do IASC, em 1990, começaram a se organizar melhor em relação à elaboração de uma Estrutura Conceitual comum. E não é exagero afirmar que esses elaboradores das normas contábeis se sentiam ameaçados pelo IASC, que era visto como um elaborador potencial de normas contábeis para a IOSCO (International Organization of Securities Commission).

Todos esses países do G4 tinham estruturas conceituais contábeis muito parecidas por causa de suas proximidades idiomáticas e culturais[8]O grupo produziu sete trabalhos de pesquisa, quatro artigos publicados, além de discussões, na maioria cobrindo tópicos relacionados à agenda do IASC. Possivelmente, as deliberações e iniciativas do G4+1 podem ter servido para provocar o IASC no sentido de mover-se mais firmemente acerca dos inúmeros projetos comuns, o que permitiu ao representante da Austrália, Warren McGregor (apud Zeff Camfferman, 2006, p. 444) escrever, em 1999, que:

Recentemente [G4+1] tem agido mais e mais como, de facto, uma entidade de elaboração de normas contábeis internacionais. Isso é refletido em seu establishment, numa conjunção com o IASC, a partir de um Grupo de Trabalho para desenvolver um padrão contábil sobre os instrumentos financeiros, além de convites para comentar sobre combinações de negócios, contabilidade para joint ventures e o desempenho do relatório financeiro.

O G4+1 expressava claramente o seu interesse em deter o processo de elaboração das normas contábeis internacionais. Evidentemente que outros atores, com os mesmos interesses, também espichavam a corda em sentido contrário[9]

Não faltava, na Europa, os detratores do G4+1, particularmente, aqueles representativos do Continente Europeu, que julgam esse grupo detentores de "poderes" infundados. Como contraponto, os europeus criaram o Grupo de Estudo Europeu de Contabilidade (Euroupean Accounting Study Group), conhecido como E5+2.

O papel da IOSCO na consolidação do IASC

IOSCO é uma Comissão inter-americana, criada em 1974, com o objetivo de supervisionar todas as CVMs do mundo, além de mantê-las de forma eficiente. Não há dúvida de que essa Comissão tinha grande influência sob os mercados de capitais do mundo todo. Sua posição em relação às normas internacionais de contabilidade poderia determinar os rumos de qualquer organismo.

Nesse sentido, a SEC, por meio de posições amplamente dominantes, foi capaz de influenciar a IOSCO. Como o FASB e a SEC, a IOSCO criticou as normas do IASC, as IAS (International Accounting Standard) por causa de suas incoerências e falta de transparência. Certamente, as alegações da referida Comissão tinham gestões políticas por trás, que exigiam alterações dos padrões contábeis de maneira que atendessem as demandas, por exemplo, da SEC[10]As afirmações de Botzem e Quack (2005) são nesse sentido:

Do começo ao fim do processo, a IOSCO permanecia vetando as normas do IASC. Embora mantivesse o Projeto de Aperfeiçoamento e Comparabilidade, não estava ainda pronta para endossar os padrões revisados em 1993. A decisão de não aprovar as IAS pode ter sido à luz de rixas internas entre os membros diferentes da IOSCO e os pontos de predominância dos EUA. Enquanto muitos membros europeus eram a favor de endossar as 14 normas consideradas aceitáveis em 1993, a posição da SEC foi de reconhecer e endossar as IAS somente após o desenvolvimento de um completo conjunto de padrões nucleares (p. 13).

A partir de 2000, a IOSCO, depois de novas rodadas de negociações e ajustes em torno de padrões mínimos, recomendou o uso dos IAS aos seus membros. Isso teve uma repercussão extraordinária para o IASC, visto que muitos países passaram a adotar os padrões internacionais, ou no sentido da convergência desses padrões. Coincidência ou não, a IOSCO só endossou as normas internacionais depois de o IASC ter decidido alterar a sua estrutura (IASB), e que beneficiou o FASB diretamente.

As interferências do FASB no IASC

A preocupação dos europeus sempre foi perder o controle sobre o processo de normatização contábil internacional, o que era plenamente justificável, segundo a estudiosa Rachel Carnachan (2003), da Universidade de Aucklan[11]Nova Zelândia, quando ela afirma que:

Dada a posição comercial fortemente vantajosa dos EUA, com o maior mercado de capitais do mundo, e internamente possui as principais bolsas de valores que não aceitam IFRS irrenconciliado, não é implausível prever que a globalização de padrões contábeis possa ser um eufemismo à sua "americanização". Embora os USGAAP sejam considerados pela qualidade geral de seus padrões, não está claro que uma tendência no sentido dos USGAAP, na convergência do GlobalGAAP seria um ótimo resultado para os mercados e investidores financeiros internacionais [...] Essa preocupação entorno da potencial hegemonia dos EUA sobre o processo de padronização contábil internacional não é sem fundamento. Já há evidências de uma crescente influência norte-americana sobre o IFRS, a despeito do "devido processo" que salvaguarda a elaboração dos procedimentos de padronização. Por exemplo, a reestruturação do IASC em IASB, em 2000, refletindo expressamente o pensamento da SEC e que tem resultado numa forma organizacional tradicionalmente oposta aos países da Europa continental. O FASB agora joga um papel ativo nas atividades do IASB: cinco dos doze membros com dedicação exclusiva e dois com período parcial no Comitê são americanos. Dois daqueles com dedicação exclusiva eram membros do FASB até recentemente (p. 39-40).

Essa interferência do FASB e também da SEC teve o objetivo claro de determinar o curso do processo de reconciliação das normas entre FASB e IASC. Essa mudança na estrutura do IASC permitiu a entrada do FASB para o Comitê, além estabelecer uma agenda de tentativa de convergência dos dois padrões. Há sinais, por parte do FASB, de que essas convergências (ou reconciliação) não se completarão antes de 2015.

Por outro lado, não houve alternativa à SEC senão se juntar ao IASB e tentar aproximar os dois padrões. Críticas sobre a tentativa de convergência de suas normas têm sido feitas tanto do lado europeu quanto do lado norte-americano. Dentre elas a impossibilidade de se ter uma norma contábil internacional a partir da fusão dos dois padrões USGAAP e IFRS. Vejamos as afirmações de Nobes e de Carnachan:

O uso obrigatório do IFRS nas demonstrações contábeis consolidadas, de empresas listadas em bolsas, na União Européia e outras partes, e a convergência do IFRS com USGAAP, poderia implicar o fim da "contabilidade internacional" como um importante campo de estudo (Christopher Nobes, 2006, abstract).

Se essa influência crescer de maneira incontrolada, os IFRS podem, naturalmente, se inclinar a favor dos mercados norte-americanos e, conseqüentemente, reduzir os benefícios globais da convergência continuada (Rachel Carnachan, 2003, p. 40).

E a SEC, depois dos escândalos financeiros protagonizados pela Enron, WorldCom, Tyco, Xerox, e tantas outras corporações, não tem medido esforços para que essa convergência ocorra, desde que de acordo com os interesses norte-americanos.

Perda de espaço para o IASC e as novas obrigações da SEC

Como vimos anteriormente, a SEC, que é um organismo do governo e responsável pela normatização contábil norte-americana, delegou poderes ao FASB, organismo privado formado por profissionais contábeis, para que este produzisse as normas contábeis dos EUA. Portanto, cabia à SEC apenas aprovar as normas elaboradas pelos profissionais da contabilidade.

Na medida em que os IFRS começaram a ser adotados pelos países, os norte-americanos se viram frente ao problema de adesão, ou não, às normas desenhadas pelo IASC, que já se expandiam por vários continentes.

No início, a SEC se recusou firmemente a aceitar os IFRS como um substituto do USGAAP porque entendia que esses padrões eram "frouxos" e que isso diluiria a alta qualidade dos padrões norte-americanos, permitindo a manipulação dos ganhos pelos gerentes (Carnachan, p. 11).

Mas, com a ameaça da União Européia de criar um supra Mercado de Capitais Europeu e sob o risco de perder a supremacia do mercado de capitais, a SEC é pressionada para reduzir as barreiras às empresas estrangeiras que aplicassem nas bolsas norte-americanas, relaxando, inclusive, a exigência de reconciliação entre os USGAAP e os IFRS. Certamente, dois outros fatores pesaram muito para que a SEC relaxasse essas medidas de proteção aos US GAAPs:

1) os escândalos contábeis e financeiros da Enron, WorldCom e outras, que tornaram os USGAAP complemente vulneráveis ("frouxos", para repetir a mesma expressão lançada pela SEC contra os IFRSs);

2) a Lei Sarbanes-Oxley-SOX (2002) que obrigou a SEC a mudar os fundamentos dos USGAAP do regime baseado em regras (rules-based) para o regime baseado em princípios (principles-based, que é o regime utilizado pelo IFRS). Ou seja, a Lei determinava o abandono dos USGAAP estruturados sob a forma de regras para se aproximar do sistema baseado em princípios.

De acordo com Rachel Carnachan (2003), a SOX determinou que a SEC elaborasse os seguintes estudos:

  • 1. Detectar em que medida a contabilidade e os relatórios financeiros baseados em princípios existem nos EUA;

  • 2. Verificar o tempo necessário para mudar o sistema de normas, baseado em regras, para aquele baseado em princípios;

  • 3. Estudar a exeqüibilidade do sistema baseado em princípios, por meio do qual os métodos propostos possam ser implementados;

  • 4. Uma análise econômica ampla das implicações do sistema baseado em princípios. (p. 13).

Essa foi uma determinação do Congresso norte-americano que expressou seu desejo, por meio da Lei, de fazer com que o sistema de normas contábeis norte-americanos se aproximasse daquele elaborado pelo IASB. Era um momento difícil para os institutos contábeis norte-americanos, inclusive, para as grandes corporações de auditoria, que, naquele momento, sofriam todo tipo de ataque da mídia internacional.

Os escândalos financeiros protagonizaram as manchetes do mundo todo e fizeram desabar o conceito de "alta qualidade" das normas norte-americanas. Não mais do que alguns anos, nova crise se abate sobre a economia norte-americana, denominada de subprime (crise das hipotecas) e, novamente, os seus padrões contábeis são criticados por causa da porosidade, permissividade, na utilização de instrumentos financeiros ainda pouco, ou nada, regulamentados, em algumas praças financeiras[12]

A SEC, então, foi obrigada a refazer a sua agenda de normatização contábil, cujo objetivo, antes dos escândalos contábil-financeiros, era tentar implementar as normas norte-americanas no âmbito internacional.

O IASB expande a sua área de atuação e ganha mais credibilidade às custas dos escândalos provocados pela exacerbada ganância das corporações norte-americanas.

13. Torre de Babel das normas criadas pelas entidades de classe contábeis

Todos os organismos contábeis nacionais, historicamente criados para atender as demandas e regulamentações da profissão (fiscalização, orientação), se transformaram, direta ou indiretamente, em entidades reguladoras das normas contábeis. Por orientação do IASC, essas entidades de classe passaram a editar as normas de contabilidade. Cada entidade produziu normas, a seu modo, ainda que sob a designação de "convergência", "harmonização" em relação às normas editadas pelo IASB. O que se constata é uma infinidade de normas contábeis, cada uma adotando, convenientemente, critérios, muitas vezes, completamente diferentes daqueles expedidos pelo IASB.

Para que se tenha uma idéia da complexidade do assunto, considerar se uma dessas entidades adotou, ou não, as IFRS, é um processo desgastante e pouco produtivo. Nesse sentido, discussões importantes foram levantadas por Zeff e Nobes (2010) ao tratarem, por exemplo, se a Austrália adotou ou não as IFRS: "Ao contrário, como observado anteriormente, a Austrália muda a designação do padrão, faz várias mudanças textuais, adiciona um pouco de exigências de evidenciação [...] Em nossa visão, por essa razão, é enganoso dizer que a Austrália adotou o IFRS. (p. 182)".

Embora o órgão de classe contábil na Austrália, afirme que adota as IFRS diretamente do IASB, na verdade, o processo de adoção das normas não reflete bem isso, deturpando o seu resultado final. Os estudos feitos por Zeff e Nobes são bastante ilustrativos e revelam, novamente, a difícil (quase impossível) tarefa de adoção das normas contábeis internacionais.

Conclusão

O jogo político travado pelos organismos de representação dos contadores, tanto na sua formação representativa quanto na condução do processo de elaboração das normas internacionais, permite visualizar a sua condição de interferência incisiva por meio do poder econômico. A formação de entidades contábeis para "organizar" normas internacionais, fartamente documentada pela história recente, está vinculada aos interesses regionais dos países desenvolvidos, nada tendo a ver com quaisquer condições de trato científico como instrumento balizador. A fundamentação científica, nesse caso, não é, objetivamente, o que determina a conduta desses comitês organizadores, responsáveis pela produção dos padrões contábeis internacionais. No entanto, eles travestem-se de tal espírito ao definir, para efeito da ação pragmática, um sistema estrutural de conceitos, sustentado pelo imponderável paradigma da relevância.

A história da formação do IASC dá a medida desse jogo de poder que se faz valer à frente de tantas nações menos afortunadas, ou, à revelia dessas. Nessa história, em que as peças do jogo de articulação dos interesses em favor de normas contábeis mais dóceis, ou menos rigorosas, ou mesmo mais paroquiais, não há, ressalte-se, cenas fundados em princípios filosóficos ou científicos, mas sim, em casuísmos e decisões truculentas e pouco ortodoxas. E essa é a tônica empreendida pelos organismos contábeis, como se fosse a regra do jogo; e que, de fato, o é, sem espaços para discussões acerca do processo de condução. Não há tempo para aporias.

Portanto, a história do IASC permite a inferência no sentido de que as normas internacionais de contabilidade podem ser, assim, a conseqüência clara de conluios políticos e negociações de interesses estritamente particulares. Por conseqüência, não há um conjunto de normas contábeis internacionais, mas, a costura política no sentido de fazer presente a conduta contábil de interesse particular de alguma nação privilegiada. Alguns países serão mais prejudicados do que outros, sobretudo aqueles que estão distante desse jogo de armações, porque terão que engolir estranhos procedimentos, interpretações e orientações, alardeados como de "alta qualidade" e em favor da boa política de vizinha (ou globalização).

Bibliografia

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Autor:

Valério Nepomuceno

valerionepomuceno[arroba]terra.com.br


[1] As contas nacionais ou mesmo sistema de contas nacionais são a implementação de técnicas contábeis completas e consistentes para mensurar a atividade econômica de uma nação. Isso inclui mensurações essenciais que se fiam na contabilidade por partidas dobradas.

[2] Nessas circunstâncias a ciência da Contabilidade perde o seu conteúdo científico-positivo, revogando-se todos os seus princípios e fundamentos para se transformar num sistema de informação cujo elemento estruturante é o conceito.

[3] Em meu livro Teoria da Contabilidade: uma abordagem histórico-cultural, afirmo que esses interesses são defendidos por uma tríplice aliança entre corporações x auditores x organizações contábeis. é uma comunhão de interesses, dominante em todo o século XX, e jamais vista na história do capitalismo ocidental (p. 360).

[4] Os fundamentos históricos aqui abordados foram, basicamente, extraídos da importante obra de Stephen Zeff e Kees Camfferman, Financial Reporting and Global Capital markets: a history of the International Accounting Standards Committee, 1973-2000, Oxford University Press, 2006. Esta é a primeira obra a tratar da história do IASC, portanto, praticamente, nada há sobre o tema senão este livro. Em abril de 2007, outra obra, de cunho histórico, também foi escrita por Robert Kirsch, com o título The International Accounting Standards Committee: a political history, mas, não possui a mesma densidade histórica, sobretudo, em relação aos fatos anteriores á criação do IASC.

[5] O primeiro presidente do FASB foi Marshall S. Armstrong (sócio-gerente da Geo S. Olive & Co.) e o primeiro presidente do IASC foi o auditor Henri Benson (Coopers & Lybrand, do Reino Unido).

[6] Seu trabalho refletia claramente a influência dos profissionais anglo-saxões e a tradição liberal de auto-regulação. Esse modo privado de normatização era também no interesse das firmas de auditoria anglo-saxônicas, que tentavam abrir novos mercados na Europa continental (Botzem e Quack, p. 8)

[7] Embora no livro conste a data "1972", é possível que essa data seja 1973, por causa da seqüência das datas seguintes.

[8] Os profs. Jayne M. Godfrey & Ian A. Langfield-Smith (2008) afirmam que; "enquanto eles todos [G4] representam a chamada abordagem "anglo-saxônica" para os relatórios financeiros [embora haja um debate na literatura se esse grupo, de fato, existiu], o contexto dentro do qual o FASB desenvolve seus padrões é muito diferente; ele está sujeito á interferência política que não seria tolerada de forma alguma, e está também sujeito ao poder da regra da SEC.

[9] "No encontro em Londres, no dia 30/01/2001, o G4+1 acordou que, porque o novo IASC (agora IASB) estava pronto para assumir suas atividades, o Grupo resolveu encerrar seus projetos e cancelar seus planos para o future. O G4+1 não planeja fazer qualquer publicação adicional. O encontro de Londres foi declarado o último encontro do Grupo" (IAS PLUS, Deloitte (http://www.iasplus.com/agenda/g4.htm, acesso em 29/03/2011, 12:50hs).

[10] Dentro da IOSCO, a poderosa SEC mantinha uma posição dominante por causa da importância do mercado de capitais norte-americano e do tamanho e reputação da SEC (Zeff and Camfferman, p. 10).

[11] Racheal Carnachan recebeu o prêmio Ethel Benjamin (homenagem dedicada ás mulheres advogadas), em 2002, e recebeu uma bolsa de estudo que lhe permitiu produzir o importante trabalho acadêmico com o título A Third way: the case for competition between USGAAP and IFRS in US capital markets.

[12] O filme "Inside Job", do diretor Charles Ferguson, que foi vencedor do Oscar (2010), na categoria de melhor documentário, revela os bastidores da crise do Subprime e a profunda influência política do poder econômico sobre a condução das informações contábeis (insiderholders).



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