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Nação, tecnologia e trabalho no Brasil: 1889 - 1945 (página 2)

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

A passagem para a república teve um conjunto de motivos entre os quais destacamos os que consideramos mais interessantes. Em primeiro lugar o Brasil sofria pressões crescentes da Inglaterra liberal para abolir a escravidão, conseguindo esta a extinção do tráfego negreiro em 1850. A partir daí a abolição do braço escravo era questão de tempo. Reforça este fato a pujante lavoura do café que se expande aproximadamente nas primeiras décadas do segundo império, depois de meio século de estagnação econômica, como lembra Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil (FURTADO, 1989), e dá sustentáculo ao governo de Dom Pedro II.

            Contraditoriamente, entretanto, a expansão do café, ao exigir trabalhadores em número crescente, conspirava contra a escravidão. Em todo segundo império a escravidão vai se tornando especialmente urbana mantendo-se seu caráter originário nas regiões de lavoura menos dinâmicas. No caso do café, geograficamente centrado no Rio, em São Paulo e mais tarde em Minas e no Espírito Santo, cedo se começou a substituição do escravo por braço europeu oriundo das modificações agrícolas que muitos desses países sofriam pela modernização de sua agricultura decorrente da revolução burguesa por que passavam. Ficava claro que um eixo central do governo estava se deteriorando.

            Sempre se cita alguns fatores episódicos que abalaram o período final do império e realmente eles indicam as mudanças na sociedade e na política brasileiras. O primeiro é a questão militar, decorrente do aumento de importância do exército motivado pela guerra do Paraguai, uma vez que ficou clara a necessidade de um exército profissional bem armado e bem organizado que passou a se impor á anacrônica Guarda Nacional. O segundo é a questão religiosa, quando se põe em xeque as relações tradicionais entre o trono e o altar. Muitos outros episódios de momento aprofundam a crise do império, como a propaganda abolicionista, o positivismo e a propaganda republicana. Porém, nenhum desses teria a força que teve sem o contexto de mudança de um sistema semi-colonial para relações crescentemente capitalistas nas zonas mais prósperas do país, principalmente as zonas do café e do complexo a que davam origem, como o sistema bancário, o comércio externo e interno, a urbanização e o nascimento das primeiras indústrias, nascimento este que pode ser datado em 1870.

            Como observa COSTA (1989), a partir dessa data, o desastre financeiro produzido pela guerra do Paraguai, a desorganização da sociedade agrária tradicional com o abolicionismo são reforçados por imigrantes e indivíduos que não pertenciam á classe rural e que dão início a pequenos estabelecimentos industriais e comerciais com uma mentalidade frontalmente contrária a da classe agrária.

            é também pois especialmente a partir de 1870 que surge uma nova classe urbana com um papel de relevo no setor intelectual, formada de médicos, engenheiros, advogados, militares com pendores bacharelescos e que se reuniam nos ideais positivistas ou republicanos. Sem entrar no exame dessas correntes, lembremos ainda o horror que souberam aproveitar com os incidentes do fim da monarquia, destacando-se o caráter  beato da princesa Isabel e o fato do conde D"Eu ser objeto do anedotário popular.

            Entretanto, nenhum desses segmentos teria força de mudar o regime sem o exército. Essa é uma característica permanente na sociedade brasileira. O Marechal Deodoro, como se sabe, participou da proclamação de forma indecisa, mas personagens como Floriano Peixoto, que ocupavam o posto de ajudante-general do exército, a figura mais importante das forças armadas depois do ministro da Guerra, Benjamin Constant, republicano bastante popular e mesmo o civil Rui Barbosa, liberal sem ligações com os republicanos mas com ideário próximo do ideário daqueles militares.

            Embora a proclamação da República pudesse ter sido um momento de transformação nas estruturas mais profundas da nação, na verdade representou uma continuidade do sistema neo-colonial do segundo Império. Como assinalou Aristides Lobo, lembrado por CARVALHO (1977), "o povo assistiu bestializado á Proclamação da República", uma vez que ficou á margem dos seus projetos. As classes médias que nasceram no âmbito do complexo cafeeiro capitalista dependiam dos negócios do café e não tinham como se apoderar do aparelho do Estado nem possuíam um projeto próprio para a grande nação agro-exportadora. Suas reivindicações acabaram se dirigindo para os militares, que foram os grandes responsáveis pelo nascimento do regime republicano.

            Assim, o novo regime foi uma composição dessas classes médias com uma parte mais pujante da fazenda cafeeira, particularmente a de São Paulo e Minas. A República assume a forma de um Estado Federativo bastante descentralizado, com um regime fiscal que beneficiava os grandes Estados exportadores que podiam cobrar impostos sobre a exportação. Nesse sentido, as chamadas oligarquias regionais centradas em torno do café e outros produtos menos importantes de exportação, destacando-se os negócios da carne no Rio Grande do Sul, passaram a dominar política e socialmente o país. Assim, é errôneo dar á proclamação o caráter de uma revolução burguesa no sentido tomado na Europa ou nos Estados Unidos.

            Essa coalizão de forças, dando seu beneplácito ao lucro e aos negócios, contra o aristocratismo imperial, e a boa performance do café auxiliado pela rápida industrialização americana e pelas políticas de estabilização das suas vendas pelos governos estaduais cafeicultores e pelo governo brasileiro, levou a um crescimento econômico que mudou a face do país até a década de 20. Já no primeiro governo republicano, Rui Barbosa, um homem com idéias próprias nesse contexto, procurou o desenvolvimento econômico do país elaborando uma reforma financeira substituindo o lastro-ouro das emissões bancárias pelos títulos da dívida federal. Isso deu origem a uma rápida ascensão de empresas novas e de transações dentro do contexto do Encilhamento. Embora boa parte dessas empresas tenham falido, os economistas que se ocupam de História mostraram sua importância na ampliação do parque industrial brasileiro. Para San Tiago Dantas,  Rui Barbosa desejava substituir a estrutura agrária e feudal do Império por uma estrutura de maior diversificação econômica, ampliando e estabilizando a nascente classe média. Esse momento marcou uma possibilidade frustrada de mudança, pois Rui esteve sozinho e o governo voltaria ás mão da classe agrária, que dominou até a revolução de 1930. Os governos dessas classes podiam contrair empréstimos no estrangeiro, cobrar impostos de importação, criar barreiras fiscais entre os Estados e manter suas próprias forças armadas. O exército vai para um segundo plano, mas está presente, como mostra a campanha presidencial de Rui Barbosa contra Hermes da Fonseca em 1910, a chamada campanha civilista. Já antes disso ocorrera a revolta da Armada, uma nítida manifestação de setores do Exército ligados, quase todos, ao regime deposto e, portanto, aos grandes aristocratas do passado. Também a solução federalista não se deu senão após a revolta em 1895 no Rio Grande do Sul, um Estado extremamente importante para consolidação da Republica, revolta contra o chamado sectarismo e jacobinismo dos militares em torno de Floriano e que só seria debelada no governo seguinte, já francamente oligárquico e civil.

            Seria interessante conhecer melhor a figura de Floriano, o que não temos condições de fazer aqui. Figura de proa no exército, ligado ás classes médias nascentes, distante dos quadros conservadores do Império, anti-liberal, soube consolidar a República e inclusive tentar novos rumos com a reforma financeira e fiscal. Entretanto, Lima Barreto, maximalista e fortemente irônico em Triste fim de Policarpo Quaresma transforma o romance em grande medida numa sátira contra Floriano, que segundo Lima Barreto, não enxergaria os verdadeiros problemas do país, não perceberia sua massa popular desvalida e teria um caráter autoritário e violento

            Outro aspecto que é preciso destacar é a baixa participação política e social do povo (no sentido de trabalhadores na indústria, especialmente) que embora crescendo desde 1870 nos poros do complexo cafeeiro capitalista, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, não recebeu do governo nenhum tipo de política social ou de direitos relativos ao trabalho. Paula Beiguelman, em "A formação do povo no complexo cafeeiro", descreve essa população concentrada nas grandes empresas têxteis e alimentares, lutando inclusive com greves pela redução da imensa jornada de trabalho e pela correção dos seus salários corroídos pela carestia e as desvalorizações cambiais. Esse povo chegaria em 1930 á cifra de 300 mil pessoas, número muito pequeno mostrando o lento desenvolvimento da indústria. Ao mesmo tempo, com a passagem do Império para a República, trocara-se o critério para tornar-se eleitor de um critério censitário para o critério alfabetização. Aparentemente mais democrático, esse último critério fora adotado sabendo-se que cerca de um por cento  da população brasileira sabia ler e escrever, virtudes desnecessárias num país que vivia basicamente no atraso rural. Tudo isso pode ser resumido denominando a primeira República pelo seu caráter neocolonial: país assentado em exportação de produtos primários, grandes distâncias sociais, atraso rural, mandonismo das oligarquias rurais e mesmo o trato violento dos empresários industriais com a nascente classe operária. As tentativas de romper esse quadro limitam-se a poucos homens, em geral mal compreendidos, como Rui, no dizer de COSTA (1989), fechado em uma ampla biblioteca, fazendo sucesso em Haia  diante de um povo analfabeto que mal o compreendia.

            Os anos 20 mostraram um Brasil invulgar. Por parte dos intelectuais, tanto no Nordeste quanto em São Paulo e Rio, houve uma procura por conhecer e retratar melhor a realidade do povo brasileiro e de suas elites. O melhor exemplo disso são os modernistas de São Paulo que procuram novas formas de linguagem capazes de expressar a realidade nacional sem o uso das fôrmas tradicionais do romance e da poesia. Esse movimento vai atingir também a pintura, a escultura, a música e a compreensão do folclore e usos e costumes em prática no Brasil. Essa geração dita modernista abriu caminho para novas gerações a partir de 1930, quando o Brasil envereda por outros caminhos.

            Merece destaque o chamado tenentismo, movimento bastante discutido e que, na sua melhor interpretação, a de Virgínio Santa Rosa, agrupa militares jovens á classe média e que querem conhecer mais de perto o Brasil para transformá-lo, embora sem uma ideologia unívoca e sem um projeto completamente definido. Os tenentes permaneceram também na cena política com Vargas ou na sua oposição comunista com Luís Carlos Prestes. Os tenentes movimentaram vivamente a cena brasileira, tanto em revoltas militares como a do Forte de Copacabana e também com a grande marcha pelo interior do Brasil buscando conhecê-lo em profundidade.

            As classes populares também ganham importância política não apenas com o anarquismo do início do século, que tanto ajudou a formar uma consciência política popular, mas também com o comunismo que se consolida em 1922 com o PCB. Bastante ortodoxo, fiel ás diretrizes da Terceira Internacional, de hábitos austeros, como mostra Jorge Amado em seus romances, teve em Luís Carlos Prestes o seu "cavaleiro da esperança", figura mítica que até morrer manteria suas convicções. Outra figura importante mais tarde é a de Olga Benário, cujo drama hoje conhecemos pelo belo livro de Fernando de Moraes.

            Por baixo dessas insatisfações está o fato do café sofrer crescentemente limites á sua expansão, pois como disse, entre outros, Wilson Cano, é um produto de sobremesa com baixa elasticidade-renda da demanda. Nesse sentido, a sua superprodução era inevitável, e na ausência de bons substitutos só restava primeiramente aos governos regionais, depois ao governo central, senão amparar o produto, provocando nova superprodução. Mesmo assim, o complexo se agigantara, formara uma indústria de bens de consumo corrente apreciável, e um embrião de indústria de bens de capital e de bens intermediários. Criara também um mercado de boas dimensões e é essa acumulação de capital fixo e de rendas que permitiria ao país uma alternativa diante da crise de 29.

            Seja do ponto econômico, seja do ponto de vista social ou político com os novos atores e novas consciências do que era e do que poderia ser o país, a República velha esgotou-se em 1930 mas legando personagens e pistas para o recomeço da problemática história nacional. Nas eleições presidenciais de 1930, feitas sob a comoção da crise da economia americana e seus reflexos sobre o complexo cafeeiro, a oligarquia paulista que representava este venceu como sempre fraudulentamente com o candidato Júlio Prestes. Todavia, tem início aí uma movimentação política marcada por diversos atores regionais, destacando-se os tenentes, as forças políticas de Estados importantes como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o partido democrático de São Paulo, aliados sob a bandeira do candidato derrotado Getúlio Vargas, político influente no seu Estado que tinha o mérito de haver pacificado a antiga luta entre chimangos e maragatos e posto fim ao eterno suceder de governos de Borges de Medeiros. Também no norte lançou-se uma coluna revolucionária partindo da Paraíba sob o comando do major Joarez Távora. Em outubro de 1930, essa ampla frente com uma unidade problemática, mas lutando pelo fim da situação vigente, instala-se com Vargas no governo provisório no Rio de Janeiro.

            Procurando ser sucinto, destacamos os dados fundamentais em torno do novo governo. Em primeiro lugar, era o que o historiador Bóris Fausto apontou como um governo e um movimento formado por muitos segmentos sociais, articulados pelo talento político de Vargas e de seus assessores mais próximos como Osvaldo Aranha e Juarez Távora, e sempre observado de perto pelo exército na figura do general Góes Monteiro. Esse governo iria passar a partir de 1934 a governo constitucional e em 1937 a uma ditadura, o Estado Novo. Essas mudanças na forma de governo reforçaram os dons políticos de Vargas, e fez muito provavelmente com que suas idéias políticas ganhassem maior expressão.

            Desprezando ativamente a extrema direita representada no integralismo e a esquerda representada no PCB, Vargas desde 1930 constrói um programa de governo com amplo arco social que inclui a oligarquia cafeeira que é beneficiada por um inusitado programa de manutenção de sua renda em mil réis e, através dela, da renda nacional. O país pode assim sair da forte crise entre 1930 e 1932 já no ano seguinte, 1933, crescendo progressivamente em torno de atividades industriais e atividades primárias diversas da monocultura do café. Vargas cria um amplo aparelho administrativo que é, na verdade, o moderno Estado de que o país carecia, envolvendo-se em cada questão nacional e procurando diversificar as fontes de renda amparando todas as atividades das células exportadoras regionais reservando o mercado nacional para a crescente indústria manufatureira, na verdade criando e unificando um espaço econômico nacional. Esse momento foi o que o professor Wilson Cano denominou de integração econômica por intercâmbio de mercadorias.

            Getúlio cria também uma legislação previdenciária e trabalhista que beneficia a pequena mas fundamental classe operária, provavelmente retirando parte de seu ardor reivindicativo mas amparando de fato uma classe pequena num país de potentados rurais e urbanos. Todavia, note-se que Getúlio Vargas não cria uma legislação semelhante para o campo, resguardando o mandonismo dos senhores rurais, exceto no que diz respeito á capacidade de dirigir o Estado nacional.

            Lembremos que essa cautela ou cuidado característicos do grande líder têm, no cenário internacional, um ambiente conturbado de crise, ascensão do fascismo e do nazismo e logo a deflagração da segunda guerra mundial. Há problemas também na América do Sul, por exemplo, com a vizinha Argentina. Sabe-se que Hitler tinha intenções de formar uma nação no sul do país ligando-a á Argentina. Nos anos 30, em São Paulo e em outras regiões, reuniões de forças brasileiras eram assistidas por partidários do nazi-fascismo. Getúlio dá o golpe de 1937, criando o Estado Novo, utilizando-se de artifícios como o plano Cohen, para centralizar seu poder e livrar-se dessas forças internas articuladas com fortes componentes externos. Todavia, o próprio Getúlio manteve uma atitude precavida ante os Estados Unidos e a Alemanha. Sua intenção era utilizar a presença do Brasil na América do Sul em troca de dividendos econômicos que reforçassem sua estratégia econômica industrializante. Em 1942 os Estados Unidos literalmente impõem a aliança do Brasil áquele país em troca da Siderúrgica de Volta Redonda, um marco extremamente importante na industrialização brasileira, a rigor o primeiro marco de uma industrialização pesada, cujo momento essencial seria a segunda metade dos anos 50. Tudo isto fez o professor COSTA (1989)  assinalar que o Estado Novo podia ser visto como uma revolução burguesa específica nas condições brasileiras.

            No final da Segunda guerra, abre-se um clima de agitação política em torno de uma eventual sucessão. Todos os seus antigos desafetos buscam um lugar ao sol, e mesmo partidos democráticos e de esquerda buscavam um espaço político. Não conseguindo ir contra a onda em sua maior parte de oportunistas e conservadores, Getúlio procura criar um partido, o PTB, de inspiração sindicalista para congregar os trabalhadores e neutralizar o PCB, mas de fato reunindo muitas outras figuras, líderes sindicais ligados ao governo  e agindo sempre segundo seus desejos. Esse partido, juntamente com o PSB, representando essencialmente as camadas burguesas urbanas, sustentam o líder neste momento de ocaso do qual sairá no início de 1950 para a sua última grande atuação.

            Até aqui procurou-se fazer um esboço da política e da sociedade brasileira em alguns momentos de inflexão, como a independência, a formação do segundo império, a república velha e a revolução de 30, com seu desdobramento no Estado Novo. Vimos que tanto pela matriz econômica como pela estrutura social, o Brasil que nasce com a independência permanece até 1930 num estatuto neocolonial, embora a década de 20 já mostrasse os limites desse estatuto numa sociedade que se diferenciava econômica e socialmente. A partir de 1930 o Brasil envereda por outros caminhos, passando a ser uma sociedade que se industrializava e diferenciava muito mais fortemente. Esse processo foi controlado por Vargas e seu círculo de poder, especialmente pelo Exército que o apoiava. Trata-se, portanto, de uma modernização conservadora, para usar uma expressão antiga, mas que não deixou de representar um acordo de forças políticas bastante diferentes inclusive em seu poder de ação, trazendo o Brasil em tempos difíceis na economia mundial para uma modernidade que estava estrangulada pela grande fazenda que tinha sido o segundo império, e em boa medida continuou a ser a república velha.

            Do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, entendendo tecnologia como aplicação da ciência nas práticas econômicas e culturais, cuja aquisição ocorre, segundo Milton Vargas, pela inserção de todo sistema sócio-cultural do país no mundo moderno, podemos dizer que há uma inflexão entre a colônia e o Brasil independente. Para os autores de História da Técnica e da Tecnologia no Brasil, organizado por Milton Vargas, a ciência moderna só atinge o Brasil com a chegada da Corte portuguesa no Rio de Janeiro e a criação das primeiras academias profissionais de medicina, engenharia, direito, além das militares. Merece destaque nesse período o grande José Bonifácio, mineralogista famoso na Europa e um dos precursores da geologia. As academias de direito de Rio e São Paulo também lecionavam as filosofias e ciências humanas e notáveis centros de cultura científica foram criados por Dom João VI como o Jardim Botânico, o Museu Real e o Observatório Astronômico.

            Com esse aprendizado científico surge a possibilidade de resolver problemas técnicos como se percebe na instituição do ensino de engenharia civil na Escola Central separado da Academia Militar, que se distinguiram  pela construção das estradas de ferro e dos estudos de obras portuárias na segunda metade do século. Estudava-se matemática, astronomia de posição, nos levantamentos topográficos, geologia na implantação de estradas e barragens. Progressivamente, as Ciências são seguidas por disciplinas técnicas para cada modalidade de engenharia civil, mecânica, industrial e de minas, como a Tecnologia das profissões elementares, ligado á construção, isto é, fabrico ou preparo de materiais de construção.

            No último quarto do século XIX, as principais atividades ligadas á engenharia politécnica eram a construção de edifícios, os estudos e projetos de porto e o projeto e construção de estradas de ferro. Podemos perceber que esse desenvolvimento científico e tecnológico esteve ligado fortemente á construção, mantendo-se a atividade industrial bastante restrita do ponto de vista tecnológico. Na nascente indústria no final do século XIX praticava-se a mera importação de máquinas e contratação de mestre de obras e técnicos especializados estrangeiros, mas a rigor nem mesmo o historiador da indústria nesse período, Roberto Simonsen constata a evolução na indústria de bens de consumo sem nada dizer sobre a sua tecnologia. Também nessa época começa a geração elétrica, sob o domínio de companhias estrangeiras e o telégrafo e o cabo submarino patrocinados por Dom Pedro II. Esse quadro tecnológico amolda-se a uma sociedade com algumas grandes aglomerações industriais, necessidade de transportes para seus produtos primários e para os seus portos sem nenhum destaque para investigação tecnológica relativa á indústria. Isso se casa bem com os limites de uma fazenda escravocrata que se tornara o Império.

            A engenharia civil e militar vão ser responsáveis por grande parte de atividades tecnológicas a partir dos anos 20 já na República Velha, como a construção das Docas, do mercado e da alfândega no Rio de Janeiro. Entretanto, também são dessa época obras de saneamento como as de Santos, a construção de estradas de rodagem, as obras contra a seca e as primeiras hidroelétricas de grande porte, embora de iniciativa estrangeira, com os empreendimentos nacionais assumindo as usinas de pequeno porte. Como obras de destaque menciona-se o desmonte do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro, e o projeto e construção de Belo Horizonte.

            A partir dos anos 20 surgem as primeiras companhias empreiteiras de construção civil e moldes industriais, surgindo os primeiros edifícios altos do Rio de Janeiro e de São Paulo, com tecnologia inteiramente nacional. São também dessa época as primeiras pontes rodoviárias e viadutos de concreto armado de grande porte. Os cálculos estruturais envolvidos nessas obras já possuíam grande perfeição matemática. Note-se que muitas dessas obras eram realizadas por departamentos oficiais com projetos e cálculos elaborados por seus engenheiros, e as construções realizadas por empreiteiros ou tarefeiros. Havia uma pressão no sentido de reserva de mercado para empresas nacionais nesses setores.

            O desenvolvimento da Engenharia Civil obrigou o estabelecimento da pesquisa tecnológica no país, surgindo com Paula Souza uma visão tecnológica da engenharia. Mas o grande fator do desenvolvimento da tecnologia civil a partir dos anos 30 foi o aparecimento do concreto armado, exigindo o conhecimento tecnológico tanto do concreto como das barras de aço doce que o constituíam. Inúmeras personalidades estão envolvidas nessa pesquisa e instituições como a estação experimental de combustíveis e minérios, transformada em 1933 no Instituto Nacional de Tecnologia. Percebe-se, portanto, que a engenharia civil, já avançada a República Velha, continua a se manter como a grande fonte estimuladora de estudos teóricos e tecnológicos dentro das instituições públicas e privadas brasileiras.

            Já a partir de 1930, desenvolvem-se novos setores como o da eletricidade, com a capacitação nacional por engenheiros eletricistas formados nas escolas politécnicas e no instituto eletrotécnico de Itajubá, bem como no laboratório de eletrotécnica, precursor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE). A geração de energia elétrica estabeleceu-se com o controle da Light e da American Foreign Power Company (Amforp). Mas o desenvolvimento industrial posterior veio a exigir um investimento de grande porte em energia elétrica, o que obrigou ao desenvolvimento de uma tecnologia nacional, processo que só está maduro na década de 1950.

            Os projetos de mineração e siderurgia avançam bastante até 1945, iniciando-se em Minas Gerais a produção siderúrgica nacional a base de carvão de madeira. Mesmo assim o desenvolvimento siderúrgico brasileiro exige uma planificação a partir da década de 1940 do qual resulta a construção da usina de volta redonda, importando-se coque metalúrgico e exportando-se minério de ferro. A tecnologia desse desenvolvimento siderúrgico e mineiro foi transferida para o Brasil pela Escola Técnica do Exército e pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), que foram centros formadores dos nossos metalurgistas responsáveis pela maior parte da produção nacional de aço e ferro.

            Desde o nascimento da República e a ação industrializadora de Ruy Barbosa desenvolve-se uma política de substituição de importações, mas até o final da segunda guerra quase nenhuma tecnologia foi enpregada na indústria. A utilização de tecnologias por parte da indústria de consumo, segundo Roberto Simonsen, existe especialmente na siderurgia a base de carvão de madeira desenvolvida em Minas Gerais, o que fez com que durante a década de 20 o consumo de ferro no Brasil quase dobrasse com a utilização de barras de aço doce na construção de concreto armado, a partir de altos-fornos e carvão de madeira.

            A partir de 30 elabora-se um Projeto Siderúrgico de onde surge o projeto e a construção da usina de Volta Redonda e a constituição da Companhia Siderúrgica Nacional, com engenharia civil inteiramente nacional e com o mínimo de consultoria americana quanto ao projeto siderúrgico. Isso mostra a grande maturidade brasileira no setor e que é errôneo pensar que Volta Redonda foi doada pelos Estados Unidos em troca da participação do Brasil ao lado dos Aliados.

            Finalmente, desde a República Velha, a química aparece como um setor industrial importante, a princípio com a super, demandando pouca tecnologia mas, mais tarde, com cimento, vidros, aço sulfúrico utilizado na produção de refrigerantes gasosos e cerveja e uma fábrica de adubos químicos. Na década de 20 são fortes na química os produtos farmacêuticos, destacando o Instituto de Medicamentos Fontoura, os produtos alimentícios, com destaque para as indústrias Matarazzo produzindo óleos de cozinha, sabões, banha, açúcar, velas e outros produtos, e produtos químicos propriamente dito, dominando o setor a L. Queiroz e a Rhodia, produzindo aço sulfúrico e cloreto de sódio, silicato de sódio, ácido clorídrico e tiosulfato de sódio.

            Dos anos 30 em diante surgem as grandes indústrias químicas nacionais como a Lever (sabonete), a Duperial (papel, tecidos, couros e explosivos) a Union Carbide, a Rhone Poulenc (rayon), além da empresa nacional Nitroquímica Brasileira para fibras sintéticas.

            Fica claro que o crescimento industrial a partir do complexo cafeeiro, desdobrando-se sobre a política de Vargas numa industrialização leve, fez-se com grande empenho de técnicos e cientistas brasileiros, beneficiando-se, entretanto, na indústria manufatureira de uma tecnologia já bastante difundida. O grande espaço em que a tecnologia brasileira aparece é o da construção e o da mineração, mas na atividade central da siderurgia tínhamos a grande medida, graças ao estado, uma massa crítica suficiente para empreender Volta Redonda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SODRÉ, N. V. As razões da independência. Ed. Civilização Brasileira Rio de Janeiro:1979

 

 

 

Autor:

Igor Zanoni Constant Carneiro Leão

igorzaleao[arroba]yahoo.com.br

Professor da Universidade Federal do Paraná, Doutor em Economia pela Universidade de Campinas.

Anna Luisa Barbosa Dias de Carvalho

Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná



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