Reflexões acerca do alcance do tempo razoável de duração do processo – alguns aspectos práticos da questão no projeto do código de processo civil



O mundo jurídico tem observado a discussão de um Projeto de Código de Processo Civil que não esconde a sua nítida opção pela efetividade dos direitos materiais previstos no ordenamento, o que faz com que a questão da tempestividade da jurisdição se torne extremamente atual para os operadores do direito.

E preocupação com os fatores atinentes à questão da morosidade da justiça, como assevera José Rogério Cruz e Tucci, é discutida internacionalmente, desde há muito como se pode depreender do artigo 6º, 1, da Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita no dia 4 de Novembro de 1950, em Roma, que consigna, de modo expresso:

Art. 6º, 1. Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida. [1]

No entanto não parece que se deva, apenas e tão somente repetir expressões vazias, eis que o texto (seja o adotado na Convenção Européia, seja o adotado na Constituição Federal) alude a uma razoabilidade não determinada o que faz com que o intérprete da norma deva se valer de recursos interdisciplinares para a solução da questão posta em exame.

Como se tem tido a oportunidade de apontar em outros artigos, não é desconhecido dos operadores do direito, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito – o chamado paradigma do direito natural) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente de avanços tecnológicos, não podendo o ordenamento jurídico permanecer alheio a essa realidade, ainda mais sob uma perspectiva de que o direito seria uma técnica de controle social.

Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam para a solução do hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[2](o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um "pensar" menos dogmático, mais aberto ao "perquerir", tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo, mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[3] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).

E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual "o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia"[4], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[5]reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica, como apontado acima, numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[6].

Tal concepção não passou despercebida no ciclo histórico, eis que, como apontado por Montesquieu[7]os romanos já tinham essa idéia, qual seja a de que o maior poder dentro de um Estado seria o de dizer o que é certo ou o que é errado, nada mais, portanto, do que o exercício do júris dicere, ou poder de dizer o direito, sendo essa, no entanto, uma atividade politicamente desgastante (como sabido, quem perde a demanda normalmente tem uma sensação negativa em relação a isso, sentindo-se desconfortável em relação a quem proferiu a decisão, para dizer o mínimo), vindo daí, a idéia de se atribuir a um burocrata (enquanto técnico especializado) o peso de suportar este desgaste, o que não deixa de evidenciar esse aspecto do exercício do direito enquanto técnica de controle social (por qual outra razão imperadores abririam mão do poder de dizer o certo e o errado, senão para se verem livres de tal desgaste ?).

E esse abrir mão, obviamente, pode se tornar simbólico na medida em que o imperador poderia nomear para a função quem dissesse o certo e o errado de acordo com as suas convicções, vindo daí a tradição histórica de nomeação de magistrados que nosso direito constitucional contempla até nossos dias, ao menos para os órgãos de cúpula do Poder Judiciário.

Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo.


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