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O texto jornalístico sob o olhar da enunciação (página 2)


Por fim, será feita a análise enunciativa de dois textos jornalísticos impressos com base nos estudos realizados por Émile Benveniste sobre a teoria da enunciação. Iniciaremos descrevendo sobre o que se trata a notícia, após será feita a análise, em que traremos as marcas de pessoa percebidas no texto para evidenciar o ponto de vista do jornalista, mostrando a presença do sujeito e observando a opinião do mesmo no gênero notícia.

1 – Enunciação: um recorte em Émile Benveniste.

Este capítulo apresenta alguns linguistas que como Benveniste tiveram suas pesquisas voltadas para a enunciação, pois até os dias atuais a enunciação é objeto de estudo.

O estruturalismo moderno iniciou com Saussure, a partir da clássica dicotomia langue/parole (língua/fala). Isso pode ser comprovado a partir das palavras de Flores:

"O objetivo da linguística foi concebido, na perspectiva estruturalista, como um sistema de relações internas do qual se deveria reter as leis de organização. Disso resultou o objetivo geral de investigar as regularidades do sistema, abstraindo, para tanto, toda a referência de elementos" (Flores,2005, p.29).

Para se fazer a análise linguística, os estudos linguísticos por muito tempo consideravam somente as relações internas que deveriam reter as leis da organização da língua. Desse modo eram desconsideradas as influências externas ao método.

A seguir citaremos alguns linguistas de relevância que trataram da enunciação. Registramos, desde já, que não aprofundaremos as considerações sobre os autores selecionados para este momento, pois o foco deste estudo não é listar esses pensadores e sim mostrar que além de Benveniste, outros também figuram no cenário da enunciação. Destacamos, também, que nos restringiremos a pontuar apenas, dentre tantos, dois linguistas que se dedicaram aos estudos da enunciação: Romam Jakobson e Oswald Ducrot. Nosso objetivo é trazer à cena da enunciação Émile Benveniste, num contexto de estudos da enunciação, que é a razão teórica deste trabalho.

Roman Jakobson é figura importante nos estudos da enunciação do século XX, com a divulgação de trabalhos que buscam a intersecção da linguística com a poética. Flores, 2005, afirma que

"Jakobson pode ser considerado um dos primeiros linguistas a pensar sobre as questões da enunciação, porque sua teoria das funções da linguagem e seu trabalho os shifters são algumas das primeiras sistematizações que se têm em linguística sobre o lugar do sujeito na língua." (2005, p.22).

Jakobson abre a linguística para a Antropologia. Esta relação está na sua dupla filiação à linguística européia e à norte-americana.

Aluno de Benveniste, Oswald Ducrot foi diretamente influenciado pelo seu mestre, em especial no que se refere à filosofia analítica, à vinculação do estudo da linguagem ao quadro saussuriano e à enunciação.

Para definirmos a teoria de Ducrot podemos citar o trecho abaixo:

pode-se dizer que a teoria de Ducrot é uma semântica argumentativa voltada para as questões de enunciação, na medida em que considera, na representação do sentido do enunciado, tanto a presença de diferentes vozes (polifonia) quanto a evocação de princípios argumentativos que dão a direção de como um dado enunciado deve ser interpretado numa situação x (Flores,2005,p.70).

Para Flores (2005), a enunciação é vista desde sempre com certa desconfiança devido ao forte componente contextual que era exigido para que os seus fenômenos fossem devidamente identificados. Quando Émile Benveniste[1]inicia seus trabalhos sobre a Enunciação encontra um clima adverso, pois sua proposta era incluir os estudos da enunciação e por eles os da subjetividade no objeto da linguística.

Assim como Ducrot e Jakobson, há muitos linguistas que se interessaram pelos estudos enunciativos, porém optamos por restringir nosso estudo aos estudos enunciativos de Émile Benveniste, que é considerado o linguista da enunciação e, consequentemente, o principal representante do que se convencionou chamar de teoria da enunciação.

Émile talvez seja o primeiro linguista, a partir do quadro saussuriano, a desenvolver um modelo de análise da língua especificamente voltado à enunciação. O lugar desse autor é singular no contexto histórico em que as reflexões foram produzidas: o apogeu do estruturalismo nas ciências humanas como método rigoroso da análise de fenômenos antes excluídos da investigação científica. (Flores, 2005, p. 29).

A partir dessa observação de Flores (2005), destacamos: mesmo que Benveniste não reflita sobre a noção de texto ao longo de seus Problemas de lingüística geral – ao menos não como isso é feito nos parâmetros atuais da linguística – acreditamos que é possível inferir de seus trabalhos uma noção sintonizada com essa ideia de uso e organização em dada situação. Com isso, queremos dizer que o fato de o autor não identificar uma noção com um termo técnico – "texto", neste caso – não implica a inexistência da noção, mesmo que sob outra designação.

Na próxima seção, aprofundaremos alguns conceitos presentes na Teoria da Enunciação, com base nos estudos do linguista Émile Benveniste, a fim de aplicá-los, posteriormente, no ensaio de análise que apresentamos.

1.1) A subjetividade na linguagem

O homem tem a linguagem na sua natureza, pois não foi ele quem a fabricou, mas tem ela em sua vida e podemos afirmar que é a mais preciosa ferramenta de comunicação e trabalho que o homem possui.

Ao começar seu trabalho, Benveniste lançou a proposta para incluir os estudos da enunciação e por eles o da subjetividade no objeto da linguística, tendo por base o estruturalismo saussuriano. Ele se mantém fiel ao pensamento saussuriano, quando trata, por exemplo, de estrutura, relação e signo, mas apresenta outro meio de tratar de enunciação, como ele mesmo diria, do homem na língua (Flores: 2005, p.30).

Benveniste levanta um questionamento sobre a linguagem "ela é um instrumento de comunicação, a que deve a ela essa propriedade?" (1995, p. 284). Após, Benveniste faz surgir duas respostas para sua pergunta. Uma consistiria em afirmar que o homem não encontrou maneira melhor de comunicar-se. Poderíamos também pensar em responder que a linguagem tem disposições que a tornam apta a servir de instrumento: presta-se a transmitir o que lhe confio – uma ordem uma pergunta – um anúncio e provoca no interlocutor um comportamento cada vez mais adequado.

O autor afirma que, na verdade, quando falamos da linguagem, comparando-a com um instrumento, temos que tomar cuidado para que seja um instrumento material, na medida em que nos deve encher de desconfiança, como toda noção simplista a respeito da linguagem. Além disso, afirma que falar de instrumento é pôr em oposição homem e natureza. A linguagem está na natureza do homem, não encontramos homem separado da linguagem e não vimos também ele a inventando. Encontramos um homem falando, um homem falando com outro homem. Isso nos mostra que a linguagem ensina a própria definição do homem, é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui sujeito (Flores, 1995, p. 286).

Benveniste (1995) apresenta sua visão sobre a subjetividade que aqui é "a capacidade do locutor se propor como sujeito". Para desenvolver seus estudos, o autor estabelece oposição entre dois níveis de significação: o semiótico e o semântico.

O primeiro modo de significação corresponde ao nível "intralinguístico" em que cada signo é distintivo, significativo em relação dos demais, dotado de valores opositivos e genéricos e disposto em uma organização paradigmática. A esse nível Benveniste denomina de semiótico. O segundo modo de significação resulta da atividade do locutor que coloca a língua em ação e é denominado de semântico. (Flores, 2005, p. 31)

Benveniste (1995) enfatiza a diferença percebida nos dois níveis quanto ao tratamento dado à referência. Explica que, no semiótico, ela está ausente e, no semântico, é definidora de sentido, porque este se caracteriza pela relação estabelecida entre ideias expressas sintagmaticamente na frase e na situação de discurso. Assim diz Flores (2005):

Benveniste apresenta um modelo de análise de enunciação onde os interlocutores referem e co-referem na atribuição de sentido das palavras. Essa distinção possibilita o entendimento da categoria de pessoa e dos conceitos de intersubjetividade e de enunciação básicos em sua teoria". (Flores, 2005. p. 32).

O sentido das palavras construído na enunciação nos apresenta o nível semântico. Este nível é o modo da significação que coloca a língua em ação. O critério usado é a comunicação para definir a palavra como a unidade de operações intrapragmáticas que se realizam no nível da frase. É definidora de sentido porque se caracteriza pela relação de ideias expressas sintagmaticamente na frase e na situação de discurso.

Ao propor um nível de significado que engloba referência aos interlocutores, Benveniste apresenta um modelo da análise de enunciação em que os interlocutores se referem na atribuição de sentido às palavras. Benveniste utiliza da mesma concepção de Saussure ao tratar dos signos, considerando que signo é a unidade mínima distintiva do sistema da língua (2008, p. 63). Recorre à noção de signo e afirma que está articulada à significação no estudo da língua. Cada signo é distintivo e significativo em relação aos demais, dotado de valores apositivos e genéricos e disposto a uma organização paradigmática. Flores (2008) esclarece essa questão afirmando que:

os signos da língua significam conceito, noção ampla e genérica. Ao serem agenciados, integram-se a idéia, que se materializa na frase. Ao integrar a frase, o signo, porque em conexão compatível com a idéia, se inter-relaciona com os demais signos que compõem a frase, influenciando-os e deles sofrendo influência. Nesta "troca", o signo abandona seu caráter de generalidade, de amplitude relativa a significação, e expressa, como afirma Benveniste, uma noção particular, especifica, circunstancial, relativa a eu-tu-aqui-agora. (Flores, 2008, p. 71)

A subjetividade, quer na psicologia ou na fenomenologia, não é mais uma propriedade fundamental da linguagem:

a consciência de si mesmo só é possível se experimentada por contraste. Eu não emprego eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu. Essa condição de dialogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade - que eu me torne tu na elocução daquele que por sua vez se designa por eu. (Flores, 1995, p.286)

Benveniste analisa a subjetividade na linguagem e consegue ir além, ou seja, para ele o domínio da subjetividade se amplia e ele nos mostra que as expressões de temporalidade têm relação com a instância de discurso na qual está sendo produzido. As marcas temporais só podem estar presentes no interior do discurso.

A linguagem é a possibilidade da subjetividade, pelo fato de conter sempre formas linguísticas apropriadas a sua expressão; e o discurso provoca a emergência da subjetividade pelo fato de consistir de instâncias discretas. O Dictionnaire général define o presente como "o tempo em que se está". Devemos tomar cuidado ao tomarmos esse conceito, pois não há outro critério de expressão para indicar "o tempo que se está" senão tomá-lo como "o tempo que se fala" (1995, p.289). Esse momento "presente" é definido pelo locutor na instância do discurso, não quer expressar a cronologia objetiva dos acontecimentos. A temporalidade humana com seu aparato linguístico revela a subjetividade inerente ao ato da linguagem. É evidente que quando falamos, estabelecemos uma relação com o mundo, mas Benveniste afirma que essa relação é mediada pelo sujeito. Para Benveniste, essa relação não é uma relação qualquer, ela é dependente da enunciação. Se não fosse assim teríamos que admitir que a língua é uma nomenclatura superposta à realidade. Contrariamente a isso, o uso da língua é instaurador de novos sentidos. Segundo Benveniste, (1989, p.74) o referente é o objeto particular a que a palavra corresponde no caso concreto da circunstância de uso.

Aqui - agora - espaço e tempo na e pela enunciação – estabelece coordenadas para as expressões espaciais e temporais e, como estas expressões estão vinculadas a eu-tu, é pela via da intersubjetividade que têm referência. O sujeito que se dispõe a espaço e tempo, ou seja, ao expressar-se, ele, "temporaliza" os acontecimentos e os espacializa". No uso da língua, tempo e espaço são relativos a enunciação. (2008, p. 54).

Para Flores as capacidades de reconhecimento e compreensão são relativas, pois há um paralelo entre geral e específico: a generalidade da forma, indicando que pertence à língua, e à especificidade da forma de uso da palavra, indicando um sentido à situação indicada. Segundo Flores:

significação semiótica e significação semântica, sistema interpretante e sistema interpretado, forma e sentido, significação genérica e significação especifica, reconhecimento e intersubjetividade – remetem ao caráter intersubjetivo da língua. A noção de intersubjetividade perpassa a língua, independentemente do ângulo pelo qual seja examinada. (2008, p. 74).

Para estudar a língua, deve-se considerar a enunciação, pois é pela enunciação que a intersubjetividade é constituída, através dela se desencadeia a noção de intersubjetividade, que por sua vez desencadeia uma série de noções, essas vão se juntando para construir uma semântica que dá conta da língua inteira. As palavras que constituem um enunciado apresentam certa disposição, pois são organizadas de acordo com o que se quer expressar. Nessa organização há um sentido, um sequência e as palavras se relacionam entre si.

Benveniste (1989) trabalha com a ideia de que as palavras não são colocadas no enunciado aleatoriamente, são escolhidas, construindo um significado amplo. Individualmente cada uma tem seu significado, mas ao juntá-las em enunciados vamos construídos novos significados, conforme a intencionalidade do enunciador. Trabalhando nessa linha de pensamento, podemos afirmar que cada enunciado é único e irrepetível. Trabalhamos com a seleção dos signos da língua para formar um enunciado desejado, pois o sentido de uma palavra é dado pelas relações estabelecidas em cada enunciado. Temos a sintaxe, que é a organização da palavra com outras palavras construindo um sentido que se atualiza a cada vez que isso, a sintagmatização, ocorre. Para Flores (2008, p. 72):

o agenciamento de signos na língua é comandado pela "ideia", e a seleção de um signo implica a seleção do outro, de modo que um certo "arranjo" se faça. É por isso que a língua não comporta propriamente signos: essa "sintaxe" promovida pelo sujeito que atribui referência se "molda" a "idéia", de maneira que o enunciado, singular e único, apresente um "arranjo" também singular e único.

É possível afirmar que aparecerão muitas noções na linguística, como talvez na psicologia com diferentes visões referentes ao quadro do discurso, que é a língua assumida pelo homem que fala e sob a condição de intersubjetividade, única que torna possível a comunicação linguística. Devemos, no entanto, ressaltar a importância de Benveniste, ao propor definição de enunciação como "colocar a língua em uso", através de um ato individual de apropriação. O sujeito, para Benveniste, é o homem presente na língua, já que é a enunciação que recria indefinidamente o sujeito (Flores, 2005)

Para Benveniste (1989), a enunciação é o ato de colocar a língua em uso, através de um ato individual de apropriação. O autor nos alerta para que tenhamos cuidado em não associar, de modo simplista, a enunciação à fala. A enunciação é o ato de produzir o enunciado e não simplesmente a fala. "Este ato é o fato do locutor que mobiliza a língua por sua conta" (p.82). A enunciação é um processo de apropriação: é o locutor quem se apropria do aparelho formal da língua e se enuncia. Quando o locutor, através de um ato individual de apropriação da língua, se enuncia, ele implanta o outro diante de si, pois toda enunciação supõe alguém que fala para outro alguém. Na enunciação, consideram-se os seguintes aspectos: o ato em si, as situações em que o ato se realiza e os instrumentos de sua realização. O ato introduz o locutor como condição primeira da enunciação. "Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua" (1989, p.83).

Nesse contexto de enunciação proposta por Benveniste, encontramos as categorias da enunciação que merecem nossa atenção. Na próxima seção, apresentamos sinteticamente algumas considerações a seu respeito.

1.2) As categorias da enunciação: pessoa, tempo e lugar

Um conceito fundamental na enunciação, como é vista por Benveniste (1988), é a categoria da pessoa que permitiu a proposição da subjetividade no sistema linguístico. Veremos como Benveniste define o sujeito da enunciação, a partir da definição de pessoa.

Benveniste, (1988, p.248) mostra que a linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele o mesmo eu no seu discurso. Por esse motivo, na linguagem, podemos considerar o interlocutor como um eco, a qual eu chamo de tu e que me diz tu. Para o autor, a polaridade das pessoas do discurso é na linguagem a condição essencial, deste modo afirma que não há distância entre o indivíduo e a sociedade, usa essa comparação para defender sua tese de que não há distância entre os participantes do discurso. Flores comenta:

A par da noção de referência, eu diz eu desencadeia a noção de sujeito. A tomada da palavra propõe eu, que se representa como referente, utilizando-se de uma foram da língua para referir: eu. A enunciação apresenta, então, eu como referente e eu como referido. Vê-se que a língua passa a "funcionar" pelo ato individual da utilização da própria língua, pois eu é signo que é usado para atribuir referencia àquele que como eu se propõe. (Flores, 2008, p.51)

Benveniste (1988) levanta um questionamento sobre a classificação do "eu", sobre o que ele se refere. Na linguagem, ele remete à realidade do discurso, refere-se ao locutor. É um termo que somente pode ser identificado dentro da instância do discurso, e que só tem referência atual. A linguagem está organizada de uma maneira que permite que cada locutor aproprie-se da língua identificando-se com eu. Ele afirma que "os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio para a revelação da subjetividade na linguagem" (Flores, 1995, p. 286). Os pronomes eu/tu pertencem ao nível pragmático da linguagem, pois são definidos na própria instância de discurso, referem-se a uma realidade distinta a cada vez que são enunciados. Ele considera que a diferença entre pessoa e não-pessoa reside no tipo de referência estabelecida. O "ele" pertence ao nível sintático, já que por função deve combinar com uma referência objetiva de forma independente da instância enunciativa que a contém. A diferença é, portanto, de natureza e de função.

As correlações de pessoalidade e de subjetividade permitem a percepção da disparidade semântica entre as palavras tradicionalmente classificadas como pronome e instauram a noção de dêixis ...O par eu-tu remete à instância de discurso: ele pode remeter a qualquer coisa, exceto a instância do discurso....(Flores, 2008, p. 65)

Benveniste nos mostra que a enunciação sendo centro de referência, toda a língua converge para a enunciação e que pela definição de enunciação, entende-se que a língua é colocada em funcionamento pelo ato de utilização da própria língua. Também esclarece que "nós" não é plural de "eu", pois não há junção de iguais, mas de diferentes. Nós, segundo o pesquisador, é "um eu dilatado", além da pessoa estrita" , seria o que eu que fala incluindo um não-eu, indicando valor de eu. Também nos lembra que nós, em certos empregos, é eu "amplificado" , tratado pela teoria gramatical como " mais maciça, mais solene e menos definida"; o nós de autor ou de orador " atenua a afirmação muito marcado de "eu" em uma expressão mais ampla e difusa". (Flores, 2008, p. 56)

Benveniste ressalta que temos valores diferentes atribuídos ao mesmo verbo. (1995, p.292). O verbo pode também apresentar a atitude no mesmo tempo em que fundamenta o sujeito. Temos em nossa língua um conjunto de regras fixando as funções sintáticas nas quais as formas devem normalmente aparecer, pois é através dela que temos o paradigma em que encontramos as escolhas possíveis. Émile Benveniste faz a seguinte afirmação:

as condições de emprego das formas não são, e nosso modo de entender, idênticas às condições de emprego da língua. São em realidade, dois mundos diferentes, e pode ser útil insistir nesta diferença, a qual implica uma outra maneira dever as mesmas coisas, uma outra maneira de as descrever e de as interpretar.(1989,p.81)

Quanto à categoria de tempo, podemos afirmar que o único tempo presente na enunciação é o presente, pois ele só existe para o enunciado. Portanto, o passado e o futuro não fazem parte do tempo enunciativo, pois este é atualização da língua quando em uso.

Conforme Benveniste, a enunciação é responsável por promover certos signos à existência. Eu, aqui, agora, por exemplo, são termos que só existem na e pela enunciação, fora dela são termos que não têm referência, portanto, que não têm sentido. São constituintes fundamentais da enunciação as categorias de pessoa, tempo e lugar. A categoria de pessoa é responsável pela instalação do sujeito na língua, como veremos adiante. O tempo da enunciação é o presente. A única maneira de o homem viver o agora, de torná-lo atual, é instalando-o no seu discurso. O presente só faz sentido na e pela enunciação e ele se renova a cada produção do discurso. O tempo presente é um termo vazio, mas que se torna pleno através da enunciação. É a enunciação que se torna responsável por algumas classes de signos, é ela que dá existência a uma série de palavras que só fazem sentido no discurso. A categoria de lugar define o espaço onde a enunciação ocorre, mostrando o aspecto dêitico da linguagem. Eu, aqui, agora são termos que indicam o "aqui-agora" do locutor.

A seguir apresentamos algumas consideramos sobre o Aparelho Formal da enunciação que traz elementos significativos para entendermos esse "colocar a língua em funcionamento". Destacamos que esse texto foi escrito por Benveniste em 1970 e é seu último texto escrito. Nesse texto, encontramos uma formulação sobre conceitos da teoria da enunciação que se perpetuaram pela sua importância e relevância.

1.3) O Aparelho Formal e o funcionamento da língua

Para Benveniste "a enunciação é este colocar em funcionamento a língua em um ato individual de utilização". (1989, p. 82) Nessa perspectiva, a enunciação é produto de um ato de apropriação da língua pelo locutor, ele mobiliza a língua e dela se apropria e assim estabelece uma relação com o mundo via discurso de um sujeito, o alocutário é o que instaura o outro no emprego da língua. No parâmetro formal da enunciação temos um locutor e um alocutário. O aparelho formal nada mais é do que a marcação da subjetividade da estrutura da língua, talvez por este motivo o conceito de enunciação seja "colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização".

Sob esta ótica podemos afirmar que a enunciação enquanto realização individual pode definir-se em relação à língua como um processo de apropriação. O locutor se apropria do Aparelho Formal da língua e enuncia sua posição de locutor por meio de índices específicos, de um lado, e por meio de procedimentos, de outro. (Benveniste, 1989, p.84) No momento em que o indivíduo se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Isso nos deixa claro que quando falamos ou escrevemos estamos realizando este ato para alguém, temos um "tu" em nossa frente, um alocutário.

Segundo palavras de Benveniste, é o conceito de enunciação que instaura um nível que não se reduz nem a língua nem à fala, mas constitui ambas. O Aparelho Formal pertence aos dois níveis ao mesmo tempo. Esse apagamento tem uma consequência: o mecanismo da referência é único e tem estatuto enunciativo (2005, p. 42). O Aparelho Formal da Enunciação é um tipo de dispositivo utilizado para que as línguas possam ser enunciadas.

Assim procuramos evidenciar que a língua é o instrumento de que se utiliza o locutor para se enunciar e produzir o discurso. Tal discurso, ou a enunciação, é caracterizado como um momento único, do qual participam dois protagonistas (eu/tu) que se alternam durante a enunciação. Vimos, ainda, que a linguagem é a possibilidade da subjetividade, pois é ela que contém as formas lingüísticas apropriadas à sua expressão. Além disso, vimos que a subjetividade emerge no discurso, pois supõe a categoria de pessoa, uma vez que não atingimos nunca o homem (sujeito) separado da linguagem, já que ele se constitui na e pela linguagem. Isso é percebido pelo papel do Aparelho Formal da Língua. O locutor se apropria do Aparelho Formal da Língua e produz sentido, com o mesmo enunciado ele produz diferentes referências. Esse "produz sentido" evidencia o fator da subjetividade na linguagem, pois isso ocorre na medida em que há essa apropriação do sistema da língua pelo locutor que o coloca funcionar, ou seja, é a linguagem que se coloca nas relações humanas.

A seguir, trazemos um capítulo com considerações a respeito de gênero textual, e suas implicações, principalmente, acerca do gênero jornalístico, corpus deste trabalho.

Não poderíamos falar em tipos e gêneros textuais sem antes de mais nada trazer algumas considerações sobre o que entendemos pela unidade TEXTO. Destacamos que não vamos aprofundar o assunto, pois não é nosso objetivo e, ainda, porque nossas análises serão pautadas na teoria da enunciação, segundo Benveniste e não traremos uma discussão teórica que envolva os preceitos da Linguística Textual. Mas para fins de introdução das considerações sobre gênero textual - tópico que nos interessa - não poderíamos deixar de pontuar o conceito de texto.

2.1) O conceito de texto

 

Com base nos estudos de Ingedore Villaça Koch (2003) podemos afirmar que o texto desde as origens da Linguística do Texto até os dias de hoje já foi visto de várias maneiras. Utilizaremos o conceito atual, em que o texto deixa de ser entendido como um produto e passa a ser analisado no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção. Cito abaixo uma passagem do livro de Ingedore:

produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades. Trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização de objetivos: isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal; É uma atividade interacional, visto que os interactantes, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade de produção textual. (Koch, 2003, p. 26).

Desse modo, podemos dizer que os textos são o resultado de uma atividade verbal, com finalidade social. Também que são produzidos através de uma atividade intencional onde o falante produz o texto para um destinatário, com o objetivo de dar a entender suas intenções.

A concepção de texto apresentada por Ingedore (2003) ultrapassa o conceito básico do texto, pois para ela o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no processo de interação. Também afirma que para conseguirmos extrair do texto um sentido devemos ativar vários sistemas do conhecimento, processos e estratégias cognitivas e interacionais.

Uma vez construído um - sentido e não o – sentido, adequado ao contexto, às imagens recíprocas dos parceiros da comunicação, ao tipo da atividade em curso, a manifestação verbal será considerada coerentes pelos interactantes (cf. Koch & Travaglia,1989). E é a coerência assim estabelecida que, em uma situação concreta de atividade verbal – ou, se assim quisermos, em um "jogo de linguagem" – vai levar os parceiros da comunicação a identificar um texto como texto. (Koch, 2003, p. 30).

A autora nos mostra que não podemos afirmar que um texto tem apenas um sentido, pois é estabelecido pelo contexto adotado pelos integrantes da comunicação, deve ser construído através da interação entre o emissor e o receptor.

Uma observação histórica revela que os gêneros textuais, numa primeira fase, quando os povos tinham uma cultura essencialmente oral desenvolveram um número limitado de gêneros. Após a invenção da escrita alfabética por volta do século VII a. C, multiplicaram-se os gêneros. Hoje, com o avanço da tecnologia, presenciamos o surgimento de novos gêneros e novas formas de comunicação, tanto na forma oral como na escrita.

Fruto do trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia. São entidades sociodiscursivas e formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos (Marcuschi, 2010, p.19).

É importante observar que para nos comunicarmos não é preciso usar a fala e sim utilizar uma linguagem, ou seja, verbal ou não-verbal. A linguagem mista é o uso simultâneo da linguagem verbal e da linguagem não-verbal, usando palavras escritas e figuras ao mesmo tempo. O homem sempre está se adaptando a sua forma de comunicação, conforme o que quer passar adiante utiliza diferentes códigos. A linguagem se altera de acordo com o uso que as pessoas fazem dela. As pessoas criam sinais que tem significação para o grupo ao qual fazem parte.

Michel Adam (2008, p.75) afirma que a tarefa da Linguística Textual é definir grandes categorias e marcas que permitam estabelecer essas conexões que abrem ou fecham segmentos textuais mais ou menos longos. Nos mostra que há um distanciamento entre a gramática e a linguística do texto, para isto cita Michele Prandi (2007, p.71) onde diz que ao nos referirmos à "gramática de regras" estamos falando de regras e estruturas não negociáveis, enquanto a "gramática de opções" está à disposição do falante através de um leque de opções de funcionalidade a serviço dos projetos comunicativos. Michel utiliza o conceito de Combettes (1992, p. 107) o qual alega que:

a linguística de texto deve elaborar conceitos específicos e definir classes de unidades "intermediárias entre a língua e o texto" para dar conta da própria complexidade da língua, que se manifesta a partir do nível da frase complexa.

Por exemplo, estudamos na gramática as conjunções coordenativas (mas, enquanto, nem), mas precisamos distinguir das classes dos conectores no nível textual. Ao passar de uma categoria para outra, muda-se o quadro da analise e também mudam-se as classificações ( 2008,p. 76).O nível textual nos proporciona várias possibilidades de sentido das palavras em um enunciado, diferenciando-se assim do estudo da gramática. Por este motivo o texto pode ser enriquecido com vários "acessórios" basta sabermos colocá-los nos lugares corretos.

Em um de seus estudos, a mestranda Aline Juchem (2010)[2] mostra que um tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. A rigor, pode se dizer que a coesão textual está precisamente na habilidade demonstrada em fazer essa "costura" ou tessitura das sequências tipológicas como uma armação de base, ou seja, uma malha infraestrutural do texto.

A seguir, trazemos reflexões sobre a diferença entre gêneros e tipos textuais que se realizam em diferentes superestruturas, para que possamos pontuar, especificamente, o gênero jornalístico - corpus deste trabalho.

2.2) Gêneros e Tipos textuais

Os gêneros textuais surgem e integram-se nas culturas que se desenvolvem. "Caracterizam-se muito pela suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais." (Marcuschi, 2010, p.20). A linguagem se altera de acordo com o uso que as pessoas fazem dela, o gênero textual é fruto de uma necessidade social.

No contexto histórico, a língua é tida como uma forma de ação social e histórica, que, ao dizer, também constitui a realidade, sem contudo cair num subjetivismo ou idealismo ingênuo. Fugimos também de um realismo externalista, mas não nos situamos numa visão subjetivista. Assim, como toda postura teórica aqui desenvolvida insere-se nos quadros da hipótese sociointerativa da língua. É nesse modo que os gêneros textuais se constituem como ações sociodiscursivas par agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo (Marcuschi, 2010, p. 23).

Os grandes suportes tecnológicos da comunicação, como o rádio, a televisão, o jornal, entre outros, tem uma presença importante e marcante nas atividades sociais, por isso ajudam a criar novos gêneros e na assimilação entre um e outro gerando novos. Para maior compreensão, Marcuschi (2010) expõe as definições de tipo textual e gênero textual.

Com essas definições, Marcuschi (2010) traz à discussão esses conceitos que são fundamentais para o estudo da linguagem em uso e da análise textual. Marcuschi afirma,

Gênero textual, "usamos como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, reportagem jornalística, notícia jornalística, horóscopo, bate-papo por computador, conferência, aulas virtuais e assim por diante (2010, p.24).

Marcuschi explica que um gênero pode não ter determinada propriedade e ainda continuar a ser aquele gênero. Por exemplo, uma publicidade pode ter formato de um poema ou de uma lista de produtos em oferta, o que conta é que divulgue os produtos e estimule a compra por parte dos clientes ou usuários daquele produto.

A possibilidade de operação e a maleabilidade é que dá aos gêneros uma enorme capacidade de adaptação e ausência de rigidez. Um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto na produção como na compreensão dos textos.

Os gêneros são, em ultima análise, o reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura. Por isso, em princípio, a variação cultural deve trazer consequências significativas, para a variação de gêneros, mas este é um aspecto que somente o estudo intercultural dos gêneros poderá decidir. (Marcuschi, 2010, p. 34).

Tipo textual, para Marcuschi (2010),

"usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição. (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Em geral, os tipos textuais abrangem uma cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção".

Na produção de um texto com um determinado gênero textual poderá aparecer vários tipo textuais. Por exemplo, em uma carta, poderemos encontrar sequências textuais como a narração, argumentação, descrição. Isso mostra que um gênero textual não apresenta uma única estrutura, ou seja, num mesmo texto podemos ter marcas de narração, de dissertação e de descrição.

Na próxima seção trazemos considerações sobre o gênero que será suporte para nossas análises, a fim de que possamos mostrar a subjetividade da linguagem, expressa em textos escritos.

2.3) Texto Jornalístico: o gênero em análise

 

Nesta seção, destacaremos algumas questões sobre o gênero jornalístico. Observaremos sua criação, suas funcionalidades, sua importância no contexto social. Defenderemos a idéia de que no texto sempre encontramos implícita ou explicitamente a opinião de seu criador. O autor cria seu texto não pelo simples fato de gostar de escrever, mas porque sempre tem um objetivo para escrever sobre um determinado assunto, em um determinado momento.

A partir dos estudos linguísticos sobre texto, trazemos as considerações de Fiorin (2003), que nos interessam neste estudo, que diz

Todo texto é produto de uma criação coletiva: a voz do seu produtor se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que já trataram do mesmo tema e com se põe em acordo ou desacordo. (Fiorin; Platão, 2003, p. 25)

Os textos são construídos a partir de outros textos, por isso todos são habitados, ocupados pelo discurso do outro, por consequência a linguagem é fundamentalmente heterogênea. Isso significa dizer que um texto é composto por várias posições assumidas ou não pelo locutor que produz esse texto.

Um texto remete a duas concepções diferentes: aquela que ele defende e aquela em oposição à qual ele se constrói. Nele, ressoam duas vozes, dois pontos de vista. Sob as palavras de um discurso, há outras palavras, outro discurso, outro ponto de vista social. Para construir sua concepção sobre um dado tema, o falante leva sempre em conta o de outro, que de certa forma, está, pois também presente no discurso construído. (Fiorin; Platão, 2003, p 29)

O indivíduo defende o seu ponto de vista sobre determinado assunto no seu texto, pois a sociedade é dividida em grupos sociais com interesses distintos e não há somente um modo de ver uma determinada questão. O autor defende uma ou outra posição sobre determinado acontecimento gerado na sociedade em que vive.

O discurso é sempre uma arena em que lutam esses pontos de vista em oposição. Um deles pode ser dominante, isto é, pode contar com a adesão de um número maior de pessoas. Isso, no entanto, não elimina o fato de concepções contrárias se articulam sobre o mesmo assunto. Um discurso é sempre, pois, a materialização de uma maneira social de considerar uma questão. (Fiorin; Platão, 2003, p. 30)

A linguagem não é somente constituída por palavras escritas e faladas. A linguagem é estabelecida também por gestos, imagens, expressões. Para nos comunicar não utilizamos somente a fala e a escrita, utilizamos vários recursos para aprimorar e desenvolver esta habilidade, qualificando assim o modo de nos expressar. Não vamos aprofundar essa questão aqui, pois nosso objetivo é trabalhar com o texto escrito, ou seja, daremos ênfase à produção linguística.

Quando utilizamos a palavra, ou seja, da linguagem oral ou escrita, dizemos que estamos utilizando uma linguagem verbal, pois o código usado é a palavra. Tal código está presente, quando falamos com alguém, quando lemos, quando escrevemos. A linguagem verbal é a forma de comunicação mais presente em nosso cotidiano. Mediante a palavra falada ou escrita, expomos aos outros as nossas ideias e pensamentos, comunicando-nos por meio desse código verbal imprescindível em nossas vidas. Ela está presente em textos, em propagandas, em reportagens, em obras literárias e científicas, em discursos e na comunicação entre as pessoas.

Nessa perspectiva de texto, enquanto uma produção linguística que traz a tona, pela sua organização sintático-semântica, um locutor que diz algo com algum objetivo, recortamos entre os gêneros textuais o gênero jornalístico. Uma forma de texto que está ligado diretamente à comunicação, que tem por função principal persuadir o leitor, fazendo com que ele acredite e defenda uma ideia lançada no jornal através de um texto. O texto jornalístico atualiza o nível de informação da população com uma velocidade incrível, pois hoje um fato está acontecendo no outro lado do mundo e nós temos acesso em nossas casas. O texto jornalístico deve visar à informação próxima da realidade, por este motivo o jornalista deve distinguir o que deve ser escrito do que deseja escrever.

O contato com textos jornalísticos na nossa vida social é indispensável, pois através deles nos mantemos atualizados e também trabalhamos com a opinião, pois o texto jornalístico o escritor expõe seu ponto e vista, defende-o, refere-se a várias vozes de textos lidos e ouvidos para fazer valer o seu ponto de vista.

o conceito de polifonia levou-nos a perceber que um texto não é constituído apenas pela voz do escritor; pelo contrário, é repleto de outras vozes, especialmente quando se trata de texto de opinião.Nessa tipo de texto, o produtor, para convencer seu interlocutor, tem às vezes que se reportar a outra vozes, a dizeres de outros para demonstrar a veracidade de sua voz. Assim, os textos de opinião estão sempre repletos de vozes que se cruzam, se contrapõem, concordam e discordam entre si (de Souza, 2010, p.65).

Elias Lustosa em seus estudos define o que é notícia. Ele diz que "notícia é a técnica de relatar um fato. Para sermos mais concisos, diríamos simplesmente que notícia é o relato, não o fato". (Lustosa, 1996, p.17). Explica-nos que a expressão informação já traz embutido um juízo de valor, pois trata de um fato ou acontecimento que possui um valor significativo para justificar sua publicação. A informação é transformada em notícia através de uma série de técnicas de jornalismo ou de redação jornalística. A informação escolhida deve ser do interesse de mais indivíduos, pois caso contrário não haverá leitores para comprar a notícia.

Notícia, portanto, é a informação transformada em um produto de consumo. Um veículo de comunicação de massa, não oferece informações, mas informações transformadas em notícia.Todos os textos jornalísticos contêm informação, mesmo as matérias comentadas, como um editorial, que oferece primeiro um relato de um fato sobre o qual manifesta sua posição ou opinião. (Lustosa, 1996, p. 19).

O autor afirma que a imparcialidade é um mito, que apesar do compromisso de alguns jornalistas a imparcialidade e a impessoalidade nunca estiveram presentes no jornalismo. A notícia é um modo de ver um fenômeno social, não existe uma transcrição objetiva, imparcial ou sem compromisso de um acontecimento. "Qualquer redator ou relator de um fato é parcial inclusive ao escolher o melhor ângulo para descrevê-lo, como se recomenda nas redações" (Lustosa, 1996, p.21).

A partir do momento que um meio de comunicação defende grandes causas populares, amplia seu mercado de consumidor. A neutralidade jornalística é um mito cotidianamente desfeito nas redações, a partir da elaboração da pauta que determina a forma de buscar os fatos, o conteúdo compreendido e, eventualmente, indica os propósitos da editora. Normalmente, o processo de produção de um texto jornalístico se divide em quatro fases: a pauta (escolha do assunto), a apuração (verificação dos fatos e de provas), a redação (organização das idéias transformando-as em texto) e a edição (locação desses textos no jornal, correção e revisão dos mesmos).

É importante lembrar que nem só de público vive um veículo de comunicação de massa. Ele sobrevive principalmente com o apoio de financiadores, seja por meio de publicidade direta, seja por meio de graciosas publicidades governamentais ou, ainda, pelo uso de métodos inescrupulosos, como extorsão mediante ameaça de divulgação de notícia capaz de pôr em risco negócios ou estabilidade de alguém de uma função política, bem como o falseamento da verdade para privilegiar ou prejudicar os detentores de poder econômico ou político (Lustosa, 1996, p.24).

A busca pela informação corresponde à necessidade ou ao desejo de buscar algo novo sobre alguma coisa. O veículo de comunicação de massa é comprado porque atende nossa necessidade de informação, caso contrário ele não existiria nos dias atuais, os assuntos escolhidos devem ser de interesse coletivo, despertar o interesse do receptor. Segundo Lustosa, (1996) o jornalista é um mestre das generalidades, pois é um cidadão que sabe de tudo e não conhece nada. A notícia é parte de um fenômeno social, não é uma reprodução, portanto, a narração não é um fato. Além da narração do fato, a notícia acumula ou até mesmo exige um tratamento sensacionalista para interessar quem vai comprá-la. Lustosa, afirma que:

É bom ressaltar que o sensacionalismo ou emoção ocorre no nível do receptor da mensagem. A narração é um exercício teatral e envolve o público, não o autor- ator que está representando, como os repórteres de rádio e televisão. O processo de produção do texto informativo implica, contudo, a busca aparente do distanciamento dos fatos e a neutralidade do veículo (Lustosa, 1996, p. 32).

O relato de um fato implica a construção de um discurso que emociona ou provoca algum tipo de sentimento. Além da produção de informações a que atendam o interesse do saber, a notícia descreve fatos que emocionam e despertam nosso interesse. "É preciso alertar que não somente o texto implica em construir a sensação e a emoção, mas os próprios acontecimentos narrados nas notícias são preferencialmente colhidos pelos jornalistas entre os mais sensacionais e emocionantes". (1996, p.33). A produção jornalística consegue ir mais longe que somente fornecer informações, desta forma produz o mesmo interesse proporcionado pelas obras de ficção ao espectador.

A informação apenas vai se tornar um produto de consumo após ser maquiada e devidamente elaborada pelo jornalista a partir de técnicas capazes de torná-la atraente e interessante. A informação deve assumir um caráter universal, isto é, deve ser inteligível ou passível de codificação por pessoas de diferentes níveis culturais, profissões ou repertórios. (Lustosa, 1996, p.35).

Vale lembrar que, por fim, o texto jornalístico relata um acontecimento, mas cada autor escolhe o melhor ângulo para apresentar sua opinião, o mesmo fato pode ser visto de vários modos e chegará até nosso conhecimento, como diz Lustosa após uma "maquiagem". Poderíamos dizer, ainda, que cada notícia nos chega pelo modo como seu locutor escolheu colocar a língua em funcionamento, ou seja, dependendo de como a enunciação de tal texto foi construída, o sentido se constrói de maneira distinta. Nesse sentido, o locutor se revela em sujeito pelas marcas linguísticas que escolheu ao produzir seu texto, revelando um "eu", constituindo um "tu", num determinado tempo e lugar. É a enunciação organizando e provocando o sentido construído pelo jornalista no gênero notícia.

No próximo capítulo, mostraremos isso na análise do texto jornalístico escolhido como corpus deste trabalho, a fim de exemplificar essas questões tratadas, teoricamente, até aqui.

3) Análise e Procedimentos Metodológicos

Serão analisados dois textos extraídos do Jornal Zero Hora. As análises serão feitas com base no conceito de texto, de tipo textual, do gênero notícia sob a ótica da enunciação, segundo Benveniste.

Primeiramente será feito um comentário sobre o tema, descrevendo sobre o que se trata a notícia. Após será realizada a análise enunciativa do texto, onde traremos as marcas de pessoa percebidas no texto para evidenciar o ponto de vista do jornalista.

3.1) Análise 1:

Texto 1: "Bolsa-família

Dependentes da Mesada Federal"

Mesmo com a redução dos índices de pobreza extrema no Brasil, famílias beneficiadas pelo programa ainda enfrentam dificuldades para conquistar a inclusão social e independência econômica colocadas como meta pelo governo federal

Marcelo Gonzatto*

Perto de completar oito anos de existência, o programa Bolsa-Família aliviou a penúria cotidiana dos brasileiros mais pobres, mas ainda não conseguiu levar a independência econômica.

Das famílias que conquistaram a ajuda no país, 86% seguem dependentes da muleta financeira da União para se sustentar – no Estado, o índice cai para 79%. Novas regras anunciadas há uma semana aumentaram a oferta de recursos, mas especialistas sustentam que é preciso ampliar as portas de saída do projeto.

Dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) indicam que 2.1 milhões de famílias deixaram de receber a mesada federal por terem ultrapassado o limite de renda usado como parâmetro para garantir o benefício – fixado em R$ 70 per capita para famílias sem filhos, e R$ 140 para quem tem ao menos um dependente. Outras 13,1 milhões permanecem na fila de necessitados. Isso significa que, de cada cem cadastrados em situação regular, 86 continuam dependendo do cartão magnético que libera os saques mensais, enquanto 14 o substituíram por rendimentos próprios. O cálculo de ignora cancelamentos por irregularidade.

Segunda-feira passada, o governo anunciou que, a partir deste mês, até cinco crianças serão beneficiadas por família, em vez de três, e 800 mil novos cadastros serão feitos nos próximos dois anos. Lançado pelo governo Lula no final de 2003, o sistema de transferência direta de renda cumpre dois objetivos: melhorar de imediato as condições de vida da camada mais pobre da população e, em um segundo momento, garantir a inclusão social mediante o cumprimento de obrigações como a frequência dos filhos à escola e aos serviços públicos de saúde. Um balanço parcial demonstra que a primeira missão vem sendo cumprida, mas a segunda enfrenta desafios.

Taxa de miséria profunda caiu

Em relação à primeira meta, a incidência da extrema pobreza entre os brasileiros caiu em mais da metade entre 2003 e 2008, segundo aponta o Relatório de Acompanhamento de Desenvolvimento do Milênio. A taxa de miséria profunda despencou de 12% da população para 4.8%. Outros estudos demonstram, ainda, que a desigualdade de renda retrocedeu desde a política de auxílio direto, e as famílias mais carentes passaram a se alimentar melhor.

Mas os recursos vultosos da Bolsa-Família, que, neste ano, deverão somar mais de R$ 15 bilhões, ainda não se converteram em salvo-conduto da indigência para a maior parte dos cadastrados. Um trabalho da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que compilou informações de vários levantamentos recentes, constatou o duplo efeito da transferência de renda.

- O programa reduziu a pobreza enquanto insuficiência de renda. Mas os levantamentos em geral não encontram impacto, ou encontram impacto pouco significativo, sobre as condições de educação e saúde dessas famílias. Isso acaba não fazendo muita diferença na capital humano, que é a condição para essas pessoas se emanciparem – avalia André Portela Souza, professor da Escola de Economia de São Paulo e coordenador de Centro de Microeconomia Aplicada da FGV.

*Colaborou Marielise Ferreira

ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 26 DE SETEMBRO DE 2011 ( p.04)

A notícia fala sobre o Programa Bolsa Família - um programa de benefícios para as famílias de baixa renda. Primeiramente, o autor divulga o tempo de duração e o percentual de famílias que são atendidas pelo programa do governo federal. Após informa que o número de beneficiários irá aumentar, pois o número de crianças atendidas por família aumentará. Além disso, ressalta os objetivos do Programa Bolsa Família: o primeiro é a melhora imediata das condições de vida da classe social mais pobre da população; o segundo é garantir a inclusão social através da frequência das crianças na escola e o acesso aos serviços públicos de saúde. Na sequência, divulga que somente o primeiro objetivo foi alcançado, o segundo não foi atingido, pois grande parte da população continua dependendo da Bolsa para sua manutenção não conseguiu aumentar a renda para se manter com o salário que recebem por seu trabalho.

Para iniciarmos a análise desta notícia utilizaremos o conceito de Benveniste de subjetividade que diz que subjetividade é "a capacidade do locutor se propor como sujeito" (1989). Para desenvolver seus estudos, o autor estabelece oposição entre dois níveis de significação: o semiótico e o semântico. Explica que, no semiótico, a referência está ausente e, no semântico, é definidora de sentido, porque este se caracteriza pela relação estabelecida entre ideias expressas sintagmaticamente na frase e na situação de discurso. O nível semântico é o que coloca a língua em ação. Ao propor um nível de significado que engloba referência aos interlocutores, Benveniste apresenta um modelo da análise de enunciação em que os interlocutores se referem na atribuição de sentido às palavras.

Quando o jornalista fez a seleção de palavras não as escolheu aleatoriamente. Notamos isso no título da notícia "DEPENDENTES da MESADA federal". As palavras "dependentes" e "mesada" selecionadas para o título nos passam uma impressão negativa do programa, pouco valor. Afirmamos isso, pois em DEPENDENTES podemos associar a coisas negativas, como vícios, por exemplo; e MESADA normalmente usamos a palavra mesada quando nos referimos ao valor que os pais entregam aos filhos mensalmente.

No momento em que o indivíduo se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si, qualquer seja o grau de presença que ele atribua a este outro. Isso no texto jornalístico é muito notório, pois ao narrar um fato ao leitor do jornal, o locutor/jornalista conta fatos sob sua perspectiva, ou seja, ao colocar o outro diante de si, conta a esse outro o que julga necessário e importante. Benveniste afirma que os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio para a revelação da subjetividade na linguagem, por este motivo iremos buscar no texto a categoria de pessoa e também a de tempo.

O texto está escrito em terceira pessoa, o que nos mostra que há um "eu" escrevendo para um "tu" falando de um "ele", "escondido" nessa marca linguística da terceira pessoa. Também notamos que o tempo instaurado no discurso, é o presente. Citamos um trecho da notícia para exemplificar a categoria de não-pessoa utilizada no texto "Perto de completar oito anos de existência, o programa Bolsa Família aliviou a penúria cotidiana dos brasileiros mais pobres, mas ainda não conseguiu levar a grande maioria dos beneficiários a independência financeira". Esses grifos nossos mostram quem é a não-pessoa aqui: o Programa Bolsa Família. Na medida em que o locutor diz algo sobre esse Programa ele se coloca como um "eu" (jornalista), dando informações sobre o Programa (a não-pessoa) a um "tu" (leitor) que ele institui.

O jornalista utiliza dados técnicos e pesquisas de institutos para reforçar sua opinião. O texto jornalístico tem por função persuadir o leitor. Também utiliza primeiramente um argumento positivo e em seguida ressalta um argumento negativo com maior valor.

Exemplo: "O programa reduziu a pobreza enquanto insuficiência de renda. Mas os levantamentos em geral não encontram impacto, ou encontram impacto pouco significativo, sobre as condições de educação e saúde destas famílias".

"O programa" é o ele, ou seja, a categoria de não-pessoa, pois é dele que se fala, é dele que o locutor diz algo, imprimindo nisso sua subjetividade, seu posicionamento. Isso mostra a não imparcialidade de quem se enuncia a um tu sobre o Programa Bolsa-Família.

3.2) Análise 2:

TEXTO 2: "Polícia vai permanecer na Rocinha até instalação da UPP"

Sérgio Cabral disse em coletiva que a presidente Dilma aceitou pedido de prorrogação da ocupação dos militares até junho de 2012

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, disse que as forças estaduais de segurança vão permanecer na comunidade da Rocinha, após a ocupação durante a Operação Choque de Paz, neste domingo. Segundo ele, os homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque da Polícia Militar ocuparão o local até a instalação definitiva da Unidade de Polícia Pacificadora, a 19ª do estado do Rio, em data ainda não definida. De acordo com Cabral, a ação de hoje só foi possível graças à integração das três esferas de governo, que permitiu que as tropas do exército continuassem ocupando o Complexo do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio. Cabral lembrou que a presidente Dilma Rousseff aceitou seu pedido de prorrogação da ocupação dos militares naquelas comunidades até junho de 2012 e acrescentou que logo após o controle da Rocinha ter sido anunciado hoje, ligou para agradecer a chefe de Estado. — O território foi retomado graças à unidade e à união das forças públicas que trabalharam nessa operação, para resgatar comunidades que estavam abandonadas pelo poder público e dominadas pelo poder paralelo há décadas. Dentro do nosso planejamento de formação dos policiais, não teríamos como avançar no nosso calendário se não houvesse a prorrogação, se as Forças Armadas não dessem mais uma contribuição ao Rio de Janeiro — disse Cabral, durante entrevista coletiva na manhã deste domingo, no 23º Batalhão de Polícia Militar, no Leblon, zona sul do Rio. No local, foi montado um centro de comando da Operação Choque de Paz. Cabral ressaltou que, com base em dados coletados durante as intervenções do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o número de moradores da Rocinha dobrou entre os anos de 2000 e 2010, chegando a 100 mil pessoas. Ele informou que o governo vai lançar, em breve, o Censo da Rocinha e acrescentou que na comunidade vizinha, do Vidigal, também com base nesses dados, há 20 mil moradores. — Esse Censo mostra que há uma distorção nos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que são 70 mil, mas 100 mil. São pessoas que precisavam criar seus filhos em paz. São os garçons, as cabeleireiras, as empregadas domésticas da zona sul, e pessoas com nível superior que querem ter acesso a uma vida digna e isso não ocorre sem paz — completou. Até agora, a polícia apreendeu armas, entre elas fuzis, uma granada e diversas motos roubadas na Rocinha. O balanço final da operação só será divulgado no fim da tarde de hoje.

Zero Hora - online, 13/11/2011 | 12h20

A notícia extraída do Jornal Zero Hora online trata de um tema muito comentado na semana que passou, a tomada da Favela da Rocinha pelas forças militares. A notícia divulgada pelo Jornal informa que a ocupação na Favela ocorreu de modo pacífico e que as forças estaduais de segurança vão permanecer Rocinha até a instalação da UPP. Também mostra trechos da entrevista do governador do estado do Rio de Janeiro, Celso Cabral, onde ele agradece a presidente, Dilma Rousseff, pelo apoio oferecido na operação, também faz um comentário referente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), onde afirma que o censo realizado na Rocinha está distorcido, pois residem na comunidade 100 mil pessoas e não 70 mil conforme divulgou o Instituto.

Para iniciarmos a análise enunciativa da notícia acima, podemos ressaltar o nome dado à operação "Choque de Paz". Normalmente quando nos referimos ao Batalhão de Choque associamos a algo violento, pois esses policiais geralmente são chamados para o trabalho em situações de extrema periculosidade e consequentemente violência. A ideia de relacionar o Grupo de Choque com a Paz é de uma genialidade enorme, pois os moradores das favelas precisam acreditar que a polícia irá trazer o bem para a favela e os traficantes são os responsáveis pela violência e pelo fim de muitas famílias.

Segundo Benveniste, (1989) as escolhas das palavras não são feitas de maneira aleatória, cada palavra é escolhida para fazer parte do enunciado. Individualmente cada uma tem seu significado, mas ao juntá-las em enunciados vamos construídos novos significados, conforme a intencionalidade do enunciador. Citamos um trecho da entrevista do governador, Cabral, este foi selecionado pelo jornalista. "— O território foi retomado graças à unidade e à união das forças públicas que trabalharam nessa operação, para resgatar comunidades que estavam abandonadas pelo poder público e dominadas pelo poder paralelo há décadas."

ABANDONADAS – usa uma palavra de valor semântico muito forte, pois "abandonadas" é mais carregada se significação, neste caso, do que a palavra "deixadas", por exemplo.

PODER PARALELO – ao usar "poder paralelo" o governador diminui o impacto de seu pronunciamento, pois seria muito mais forte dizer que " poder dos bandidos" .

COMUNIDADE – o jornalista não se refere à Rocinha como favela e sim como comunidade. Comparando as duas palavras podemos notar que há menos valia na palavra "favela", pois associamos que na favela é onde moram os bandidos, onde há muita violência, este conceito se formou em nossa mente no decorrer dos anos e como o jornalista está reportando um acontecimento positivo acontecido na Rocinha ele seleciona a palavra "comunidade".

Quando o indivíduo se declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si. Isso nos deixa claro que quando falamos ou escrevemos estamos realizando este ato para alguém, temos um "tu" em nossa frente, um alocutário. (Benveniste, 1989). No trecho abaixo podemos notar que há um "eu" falando para um "tu" sobre um "ele". "Cabral lembrou que a presidente Dilma Rousseff aceitou seu pedido de prorrogação da ocupação dos militares naquelas comunidades até junho de 2012 e acrescentou que logo após o controle da Rocinha ter sido anunciado hoje, ligou para agradecer a chefe de Estado." Chamamos a atenção ainda para a questão de que isso tudo ocorre num aqui e num agora delimitados pela enunciação construída neste texto de 13 de novembro de 2011, o que não se repetirá em outro momento.

A partir das observações feitas acima, podemos afirmar que não há imparcialidade na notícia, pois o jornalista dá informações a um "tu" do seu modo, ou seja, ele coloca o sistema da língua a funcionar da sua maneira, estabelecendo as relações semânticas que mais julga necessário.

4 ) Comentário final das análises:

Utilizaremos o conceito de Elias Lustosa que em seus estudos define o que é notícia. Ele diz que "notícia é a técnica de relatar um fato. Para sermos mais concisos, diríamos simplesmente que notícia é o relato, não o fato". (Lustosa, 1996, p.17). Além da narração do fato a notícia recebe uma "maquiagem" para tornar-se atrativa para a compra. A notícia é uma maneira de ver um acontecimento, um ponto de vista. E isso é discursivizado num texto, na medida em que um locutor apropria-se do sistema da língua e coloca esse sistema a funcionar, ou seja, o locutor se diz "eu" para um "tu" e diz o que lhe cabe sobre um "ele". Temos assim o Aparelho Formal da Língua, colocado em funcionamento, por um locutor que provoca uma enunciação cada vez única e irrepetível.

5 ) Considerações finais

Primeiramente, procuramos evidenciar a importância do linguista Émile Benveniste, quando tratamos da Teoria da Enunciação, ressaltando a metodologia adotada por ele. Trabalhamos com a subjetividade, as categorias de pessoa e o Aparelho Formal da língua. Percebemos como são caros esses conceitos para pensarmos a análise de textos, bem como perceber qual a opinião colocada no texto - o que nega a imparcialidade do jornalista.

Verificamos também o conceito de texto, os gêneros e tipos textuais, conceituando especificamente o gênero jornalístico, corpus deste trabalho. Após, realizamos análises de duas notícias extraídas do Jornal Zero Hora com base nos estudos realizados. Percebemos que, além da narração do fato, a notícia acumula ou até mesmo exige um tratamento sensacionalista para interessar quem vai comprá-la, por este, entre outros motivos podemos afirmar que cada enunciado é único, pois as palavras são selecionadas para causar um impacto no receptor, conforme a intenção do jornalista que está produzindo o texto. No processo de desenvolvimento deste trabalho aprendemos como é importante nos posicionar diante das notícias, como devemos ser críticos quando nos referimos à maneira que os acontecimentos nos são apresentados, além disso, precisamos buscar as marcas de subjetividade nos textos, pois cada enunciado é único e o sentido produzido é irrepetível. Esta noção deveria ser trabalhada nas escolas, pois os alunos precisam aprender se posicionar diante dos fatos, não podem repetir o que escutam sem que passem por um momento de reflexão, pois deste modo criamos uma base para a formação de um indivíduo pensante na sociedade. O término deste trabalho deixa o desejo de aprofundarmos os estudos sobre a Teoria da Enunciação em um trabalho futuro mais aprofundado para que surjam novos questionamentos e novas respostas.

Esperamos que esta monografia tenha esclarecido a importância da Enunciação no meio jornalístico, pois trata-se de um tema de total relevância para os que querem conhecer um pouco mais sobre a língua e consequentemente sobre o homem, pois a linguagem está na natureza do homem.

REFERÊNCIAS:

FLORES, Valdir do Nascimento. Notas para uma (re) leitura da teoria enunciativa de Émile Benveniste. (2010)

JUCHEM, Aline. Saussure, Benveniste e o objeto da linguística. (2010). Dissertação (mestranda no curso de Pós-Graduação strictu Sensu "Estudos da Linguagem")

KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução a análise textual dos discursos/ Jean-Michel Adam, revisão técnica Luis Passeggi, João Gomes da Silva Neto. São Paulo: Cortez, 2008.

BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In: BENVENISTE, Émile.

Problèmes de linguistique générale II. Paris, Gallimard, 1989.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. [2010]. [s.l]

[s.n.].

TOLDO, Claúdia Stump. O que significa pensar o trabalho do texto em sala de aula a partir da concepção enunciativa da língua. [s.d]. [s.l]. [s.n].

FLORES, Valdir do Nascimento. Enunciação e gramática. São Paulo: Contexto, 2008.

FLORES, Valdir do Nascimento. Introdução à linguística da enunciação/ Valdir do Nascimento Flores e Marlene Teixeira – São Paulo: Contexto, 2005

BENVENISTE, Émile. Problemas da Linguística Geral I: tradução de Maria da Glória Novak e Maria Luisa Neri; revisão do prof. Isaac Nicolau Salum – 4 ed. - Campinas, SP : Pontes, 1995. Editora Estadual de Campinas (Linguagem Crítica).

 

Autor:

Giane Quilante de Lima

gi.qlima[arroba]hotmail.com

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

Lagoa Vermelha, novembro de 2011.

Monografia apresentada ao Curso de Letras, da Universidade de Passo Fundo Campus de Lagoa Vermelha, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em Letras, sob a orientação da Prof. Dr. Claudia Stumpf Toldo.


[1]  Os estudos de Benveniste foram organizados em duas obras: Problemas de Linguística Geral I (1966) e Problemas de Linguística geral II (1974).

[2] O trabalho de Aline foi realizado para fins de avaliação de uma das disciplinas cursadas no Mestrado em Letras da UFRGS.



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