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Trabalhadores cariocas – um olhar anarquista (página 2)

Rita Quaresma Avellar

1 - A CIDADE

    1. Desenvolvimento político e econômico

      Pela sua localização estratégica e, principalmente pela importância de seu porto que escoava todo o ouro das minas e abastecia o interior, o Rio de Janeiro desenvolveu-se rapidamente e tornou-se a cidade mais importante do Brasil, ainda durante o período da Colônia, resultando daí sua elevação a capital em 1763.

      Já no século XIX, o ouro entrou em decadência, porém surgiu outro produto – o café – que, espalhando-se pelo vale do Paraíba, Minas Gerais e o oeste paulista, perpetuou e até aumentou a importância do porto como exportador desse café transformando a cidade em respeitável centro de comercialização. Tudo isso colaborou para que o Rio de Janeiro se mantivesse como principal cidade no Império e, naturalmente capital, por ocasião da Proclamação da República.

      A vida da cidade sempre esteve ligada ao comércio do café, sendo diretamente influenciada pelas oscilações naturais por que normalmente passam os produtos agrícolas em geral. Ainda dentro do processo de crescimento da economia cafeeira, ocorreu a construção de estradas de ferro e desenvolveu-se a navegação de cabotagem, criando condições que levaram à urbanização e à formação de um mercado interno que proporcionou o aumento da ainda pequena produção industrial para atender às necessidades da população. As linhas de estrada de ferro ligavam o Rio de Janeiro ao Espírito Santo, ao nordeste de Minas Gerais, chegando a São Paulo e Mato Grosso. Por meio da navegação de cabotagem, o Loyd Brasileiro ligava o Rio a Montevidéu e também a Manaus.

      Durante quase todo o século XIX, o porto do Rio de Janeiro só viu as exportações de café aumentarem. Esse fato provocou o desenvolvimento de setores comerciais, bancários, agrícolas e industriais. Conforme afirma a professora Maria da Conceição Pinto de Góes, "as transformações em torno da economia cafeeira impulsionaram o processo industrial e a implantação capitalista no país."

      É, portanto, a partir do porto que a cidade cresceu e se desenvolveu. Grande massa de pessoas foi atraída para o Rio, não só porque a cidade era o centro administrativo do poder, mas também porque oferecia maiores oportunidades, principalmente para os migrantes do interior do país. Este fato levou à criação de indústrias de bens de consumo, como têxteis, calçados, móveis, vestuário, material de construção etc. Ainda no século XIX, o comércio de estivas, que estava nas mãos dos portugueses, passou a distribuir, não só produtos estrangeiros como a produção interna de gêneros alimentícios e de comércio a varejo.

      Não é difícil imaginar a importância da cidade como mercado de consumo e trabalho. Já em 1890, o Rio de Janeiro era a única cidade do Brasil com mais de 500.000 habitantes, tornando-se um pólo político, administrativo, comercial e cultural.

      Com a proclamação da República, o primeiro governo provisório estabeleceu que a cidade seria município neutro e sede provisória do Governo Federal. Em 1891, por ocasião da promulgação da primeira Constituição republicana, o Rio de Janeiro passa a Distrito Federal. Esse fato permitiu que o Poder Federal, constantemente, se sobrepusesse ao Poder Municipal. Em determinadas ocasiões isso favorece a cidade pois atrai investimentos e um cuidado especial com programas de obras públicas.

      Nesse contexto o Estado, que existia para atender às demandas da elite, investiu fortemente criando as condições necessárias ao desenvolvimento capitalista. Logo em 1892, iniciaram-se as obras que pretendiam dar uma nova cara à cidade. Abriram-se novas ruas e avenidas, modernizou-se o porto, derrubou-se os velhos casarões coloniais. Mudou-se o sistema político, era necessário que a cidade também se transformasse, deixasse de ser imperial e passasse a imagem de uma cidade republicana, moderna, pronta para receber os investimentos capitalistas.

      Foram realizadas obras de saneamento, construção de esgotos, campanhas de vacinação obrigatória que reduziram as taxas de mortalidade e favoreceram o aumento da mão-de-obra. Essas mudanças, todavia, foram realizadas de forma autoritária sobre a classe mais pobre que foi expulsa de suas casas e obrigada a vacinar-se. A utilização do aparato militar para que as ordens fossem cumpridas, acirrou os ânimos do povo que não via nenhum benefício para si nestas resoluções. A reação popular não demorou a ocorrer. O episódio, em 1904, denominado Revolta da Vacina, "foi um movimento de natureza essencialmente econômica" (SANTOS, apud BASBAUM,1976, p.224). A vacina obrigatória foi apenas "a centelha que explodiu o barril de pólvora".

      Quanto à industrialização propriamente dita, é importante notar que, por esta época, a localização das indústrias obedecia a certos critérios: próxima ao mercado consumidor, às fontes de matérias-primas e aos mercados de capital. No Brasil, a única cidade que reunia todas estas características, neste momento, era o Rio de Janeiro. A esse respeito, afirma a professora Eulália Maria L. Lobo:

      "A capital federal era um mercado consumidor de primeira grandeza em conseqüência da presença do aparelho administrativo, atraindo portanto, o estabelecimento de indústrias. Para os distintos setores industriais, o acesso às matérias-primas e às máquinas necessárias à produção ocorreu através do comércio de cabotagem ou transatlântico. Em ambos os casos o Rio de Janeiro, como cidade portuária, apresentava vantagens indiscutíveis. Finalmente se abria como o maior centro financeiro do país, como sede do Banco do Brasil e da maior parte dos grandes bancos e finalmente da maior Bolsa de Valores."

      Percebe-se, portanto, que a cidade do Rio de Janeiro apresenta um desenvolvimento singular se comparada a outras cidades do Brasil e, como afirma, ainda, a professora Eulália M. L. Lobo: "De tudo isso resulta que condições muito concretas e objetivas coexistiram no início do novo regime político capaz de alicerçar o movimento industrialista que muitos pretendem desconhecer, considerando-o fictício, especulativo e demagógico."

    2. Crescimento populacional

Com a abolição da escravidão, o Rio de Janeiro recebeu uma significativa parcela de ex-escravos que, sem ocupação nas decadentes fazendas de café do Vale do Paraíba, e, também, desejosos de esquecer seu passado escravo, romperam com qualquer tipo de laço que os lembrasse tal condição e migraram para a Capital na esperança de uma vida diferente e melhor. No Rio de janeiro, em 1890, cerca de 35% dos habitantes foram identificados como negros ou mestiços.

Por outro lado, com o fim da escravidão, os imigrantes estrangeiros também chegaram em massa através do porto do Rio. Eram, principalmente, oriundos de Portugal, Espanha e da Itália. Buscavam encontrar na América a riqueza que lhes foi negada em seus países de origem. Em 1890, os estrangeiros no Rio de Janeiro somavam 124.000 para uma população de 522.000, proporcionalmente, portanto, eles são 25% dos habitantes. Dez anos depois esse número quase dobrou, chegando a mais de 200.000 habitantes. Outro fator que muito contribuiu para o crescimento da população foi, sem dúvida, o esforço para o saneamento da cidade (controle do cólera-morbus e da febre amarela).

Esse crescimento populacional favoreceu a expansão industrial, aumentado a oferta de mão-de-obra e o mercado consumidor. Entretanto, num primeiro momento, o mercado de trabalho ainda era limitado e o aumento da população favoreceu a criação de um "exército de reserva" que buscava colocação e dificultava qualquer movimento para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores."O Rio é uma cidade que se abre em várias direções, ao trabalho, ao lazer, ao vício, ao crime. Tudo é possível e válido na ânsia de sobreviver e nessa situação só os mais capazes" e "malandros" sobrevivem"

Diz João do Rio: "O Rio é porto de mar, é cosmópolis, um caleidoscópio, é a praia com a vasa que o oceano lhe traz. Há de tudo. Vícios, horrores,gente de variados matizes, niilistas, rumaicos, professores russos na miséria, anarquistas, espanhóis, ciganos debochados... Todas as raças trazem qualidades que desabrocham numa seiva delirante. Porto de mar, meu caro." (JOÃO DO RIO, apud RODRIGUES,1981,p.11-14)

É nesse contexto que, desde cedo, surgiram, no Rio de Janeiro, os subempregados. Eram vendedores ambulantes, amoladores de facas e tesouras, empurradores de cargas, compradores de garrafas vazias, ciganos e desempregados que faziam biscates para sobreviver. Ao mesmo tempo em que a industrialização avançava na cidade, pessoas que compartilhavam experiências e condições de vida e trabalho semelhantes constituíram-se em uma nova classe. Foi neste momento que se iniciou o processo de formação da classe operária do Rio de Janeiro.

1.3 Problemas sociais

As transformações sociais e econômicas que ocorreram no Brasil na segunda metade do século XIX culminaram com a mudança do regime político em 1889. Entretanto, esta alteração, não modificou a situação das classes menos favorecidas, como afirma a professora Emília Viotti:

"O ano de 1889 não significou uma ruptura do processo histórico brasileiro. As condições de vida dos trabalhadores rurais continuaram as mesmas; predominava ainda o sistema de produção e o caráter colonial da economia, a dependência em relação aos mercados e capitais estrangeiros."

Com relação aos trabalhadores urbanos a afirmativa também se confirmou. A República brasileira foi proclamada sob o signo de uma democracia representativa liberal. Em sua primeira Constituição, os princípios liberais se destacaram. Entre os direitos garantidos aos indivíduos constavam os de liberdade de associação, de imprensa, de ir e vir, de pensamento e de fé, direito à propriedade, de livre contrato e de justiça. Todos os cargos políticos seriam preenchidos através de eleições, entretanto somente os homens maiores de 21 anos, brasileiros e alfabetizados poderiam exercer o direito de votar e ser votado.

Como a grande maioria da população era analfabeta, a participação política das classes mais baixas era mínima, ficando o Estado nas mãos das oligarquias e tornando-se um instrumento das elites. Não é, portanto, de se estranhar que, junto com a República, surgissem graves problemas para as classes mais pobres. Conforme já comentamos, logo após a proclamação da República, houve um movimento patrocinado pelo governo federal no sentido de modernizar e embelezar a cidade, acabando com os cortiços que proliferavam nas casas antigas do centro do Rio. A abertura de novas avenidas tinha o objetivo de tornar a cidade atraente ao investidor europeu, porém não houve a preocupação de oferecer, às pessoas que perderiam suas casas, uma alternativa.

A população, entretanto, crescia a cada dia e a falta de residências era um problema crônico. Com a derrubada das casas coloniais que serviam de pensão e moradia para grande parte da população e, principalmente, para os que acabavam de chegar, o problema agravou-se. Data dessa época a ocupação dos morros do centro da cidade e adjacências. A maioria dos moradores era composta por trabalhadores que desejavam manter-se próximo ao local de trabalho, como estivadores do porto, por exemplo.

Fixar residência em locais mais afastados também foi uma opção encontrada pelo operariado, entretanto, nesse caso, havia a necessidade de se pagar transporte, o que diminuía a renda, já tão escassa, da família. Abaixo transcrevo um relato da professora Eulália Maria L. Lobo, onde podemos perceber, com clareza, a gravidade da situação pelo volume de obras realizadas e o total de casas atingidas.

"A Avenida Central com 1800 m de comprimento de 33 m de largura foi construída, servindo de via de comunicação entre o novo cais no sopé do Morro de São Bento e a praia de Santa Luzia atrás do morro do Castelo. A abertura da Avenida requereu a demolição de 641 casas de comércio e renda e custou ao governo Federal 8.000:000$000, ficando pronta em 15 de novembro de 1905. A Prefeitura construiu a Avenida Beira Mar que começava na Praia de Santa Luzia e percorria o contorno da Baía, numa extensão de 5 Km e 200 m, até a Praia de Botafogo.

Cortando essas duas novas artérias foram construídas ruas transversais que atravessaram as velhas paróquias industriais e os quarteirões de cortiços habitados pelos proletários. Foram derrubados os cortiços do Centro, os armazéns e trapiches do bairro marítimo (Candelária, São José, Santana e Santa Rita) numa extensão de aproximadamente 13 Km."

Outro problema apontado pelos pesquisadores desse período é o da composição heterogênea da classe trabalhadora do Rio de Janeiro. Esse fato, aliado à disputa pelo trabalho, despertou, muitas vezes, o preconceito, ora contra os imigrantes que "roubavam" postos de trabalho dos nacionais, ora contra os negros e mestiços, considerados pelos patrões como "preguiçosos" e "vagabundos". Especialmente contra os trabalhadores portugueses, o preconceito se acentuava por várias razões, entre elas, nossa herança colonial portuguesa. Em muitas ocasiões esse problema levou a lutas violentas com massacres e mortes. Podemos ilustrar essa questão com um relato da professora Maria Conceição:

"Assim é que o espanhol Manoel Gonçalves e o brasileiro Luís Cláudio de Assis, praça do 6º. Batalhão, moradores em casa de cômodos na rua da Misericórdia, mantinham uma rixa por motivos de nacionalidade. Um dia, foram até a rua para uma desforra. O espanhol, com um facão, feriu o praça que veio a falecer. Interrogado sobre o motivo do crime, assim se expressou: Fui eu quem o feriu e assim o fiz porque um espanhol não se deixa bater por um brasileiro".

Finalmente não podemos deixar de lembrar que o trabalhador desta época, a exemplo da Revolução Industrial Inglesa, estava completamente abandonado nas mãos do patrão. Obrigado a trabalhar para sobreviver, tinha que se sujeitar às condições impostas pelo empregador. O Estado, como já foi visto, existia para servir aos donos dos meios de produção, só se preocupando com o operário quando este buscava uma melhoria nas suas condições de vida. Nesse momento todo o aparato policial era acionado para fazer o empregado voltar a cumprir com suas obrigações sem reclamar , e se fosse estrangeiro, e arruaceiro, ser devolvido para o seu país como pessoa indesejável no Brasil.

Qualquer pessoa que tenha lido a história da humanidade aprendeu que a desobediência é a virtude original do homem.O progresso é uma conseqüência da desobediência e da rebelião.

Oscar Wilde

2 - OS TRABALHADORES

    1. Cotidiano do operário carioca

Os problemas enfrentados pelos trabalhadores cariocas no início do século XX, tanto nos locais de trabalho, onde passavam a maior parte de sua existência, como na cidade e mesmo em seus lares, eram muito semelhantes aos dos trabalhadores das outras cidades brasileiras no início de sua industrialização. O grande fator responsável por este fato, certamente, foi a total inexistência de leis que, pelo menos minimamente, protegessem os trabalhadores do abuso e da ganância de seus empregadores, preocupados com o lucro exorbitante e herdeiros de uma tradição escravista. Através da imprensa este fato é sempre denunciado:

"A lei do país é muda para nós, em seu lugar mandam-nos soldados e canhões, como se fôssemos salteadores! Fecham-se as portas das oficinas, arrancam-nos o pão, dão-nos sede, ameaçam a honra de nossas esposas e filhos e a lei é muda, as autoridades do país se esquecem que os operários são seus iguais, que os vestem e lhes fornecem o pão."

(BRASIL OPERÁRIO, RJ, 2ª. Quinzena de julho de 1903 apud GÓES, p. 36)

Alguns pesquisadores compilaram, em diversas obras, documentos que nos dão uma idéia bem aproximada de como viviam os trabalhadores do início do século.

Os salários eram baixíssimos e, por isso, toda a família precisava se envolver no processo de produção. Por esta época, o trabalho das mulheres e crianças era comum e ainda mais mal remunerado do que os dos homens.

Um exemplo pode ser encontrado no jornal Brasil Operário. Em 1903, numa família de 4 pessoas, o chefe ganha 3$000 por dia, a mulher ganhava em média 2$500 por dia. O filho mais velho de 12 anos, de 1$ a 1$500 e o de 9 anos 200 a 500 réis.(BRASIL OPERÁRIO, 16/06/1903 apud GÓES,1988, p. 55)

Provavelmente, por conta disso, havia grande preferência dos empresários pelo trabalho das mulheres e das crianças.

"Já em 1908, somente a Fábrica Cruzeiro, no Andaraí, onde havia mais de mil operários, o número de homens não chegava a 500, sendo o restante de mulheres e crianças." (A VOZ DO TRABALHADOR, RJ, 22/11/1908 apud GÓES,p. 54).

As mulheres e crianças, além do esforço a que eram submetidas, cabendo a elas, muitas vezes, as tarefas mais perigosas e insalubres, também sofriam abusos e pressões dos hierarquicamente superiores, homens que se arvoravam de seus cargos para cometer atos que assustavam ou maltratavam os mais fracos. Destacamos um exemplo, entre vários, da situação vivenciada por alguns trabalhadores do Rio de Janeiro no início do século. O título do trabalho é bem sugestivo – As fábricas-cárcere no Rio de Janeiro (1906.) São relatos dos próprios operários sobre o tratamento recebido em diversas fábricas de tecidos da cidade.

Na fábrica Carioca, os abusos de um contramestre contra uma menina de 12 anos levaram o tio da mesma a ir se queixar à diretoria. Esta apenas repreendeu levemente seu subordinado. O mesmo trabalho cita o pagamento de multas que diminuem o já pequeno salário do operário, mas é prática constante em todas as fábricas. Também é comum que vários membros de uma família trabalhem em uma mesma empresa. Neste caso, se um deles fosse despedido ou mesmo resolvesse sair por vontade própria, toda a família era demitida. Há ainda denúncias contra a fábrica Cruzeiro, situada no Andaraí Grande, que nunca estipulava o valor a ser pago pelo trabalho antes que este estivesse efetivamente realizado, deixando o operário sem saber quanto ia receber pelo serviço.

Outra questão importante a ser levantada refere-se à jornada de trabalho. Nos jornais operários da época o assunto é constantemente abordado e nota-se que subsiste nos diferentes ramos profissionais. A jornada média diária de trabalho ia de 10 a 18 horas e a maioria das categorias não gozava de repouso semanal, nem de feriados. Muitas vezes as mulheres e crianças tinham seu horário maior do que o dos homens, pois a elas cabia a tarefa de limpeza e arrumação do local de trabalho. O horário de entrada e saída devia ser cumprido com extrema exatidão e qualquer deslize podia significar a perda do salário do dia ou mesmo a demissão. Como não havia legislação a respeito do horário de trabalho, cada empresa decidia o que lhe era mais conveniente, sem se importar com o trabalhador. A grande oferta de mão-de-obra obrigava os trabalhadores à sujeição ao sistema.

A questão da higiene e segurança do trabalho é matéria constante nos jornais da época. Normalmente as pessoas trabalhavam amontoadas em locais com pouca ou nenhuma ventilação, utilizando máquinas que deixavam escapar vapores, fagulhas ou pó que são obrigadas a respirar. Passavam, nestes locais, a maior parte do dia. As refeições, que traziam de casa, ficavam expostas ao calor e, muitas vezes, ao serem consumidas, já estavam azedas ou estragadas, não raro provocando problemas intestinais nos operários. Entretanto, se faltavam ao trabalho, não recebiam pelo dia e podiam até perder o emprego.

Em 1903 o jornal A Nação publicou um boletim sanitário que indicava a mortalidade média no Rio de Janeiro entre 7 e 13 de dezembro. Foram computados 361 falecimentos, sendo 212 homens e 149 mulheres. Entre as moléstias citadas estão a tuberculose com 62 vítimas, a varíola com 26 vítimas, a peste bubônica com 21 vítimas e, ainda, doenças não especificadas dos aparelhos circulatório, digestivo e nervoso, que somam 117 óbitos. (A GAZETA OPERÁRIA, RJ, 01/02/1903 apud GÓES, p. 50)

Entretanto, não era só nas fábricas que o operário estava propenso a adquirir doenças crônicas. O pequeno salário não permitia o aluguel de residências confortáveis, de sorte que o trabalhador, geralmente, morava em mínimos barracos empoleirados nos morros ou nas casas de cômodos que se espalhavam pela cidade. Para exemplificar, optei por transcrever partes de um relatório da 5ª. Delegacia de Saúde do Distrito Federal que bem ilustra as condições de vida dos moradores do Rio de Janeiro.

"Casas escuras, úmidas e velhas, acham-se repletas de moradores que aí vivem acumulados em cubículos impróprios, mal arejados e deficientemente iluminados".

... Na rua Camerino, nada também se pode ainda fazer, e nenhuma mais que ela, exige nossa atenção. É uma das piores do distrito, pelo péssimo estado das casas. Quase todas já desapropriadas pela Prefeitura, nada podemos fazer que desocupá-las, à espera da demoradíssima demolição. É um dos melhoramentos mais necessários o desaparecimento dessa rua, que em mais que nenhuma outra, a peste, a varíola encontram fortes elementos de propagação.

...Tudo aqui concorre para contrariar a higiene; parecendo que esse infeliz recanto esteve há muito condenado pelos poderes públicos que jamais procuraram atender as necessidades de seus moradores.

...o lixo é encontrado nas ruas em abundância. Nos morros, então, crescem essas condições de desasseio; ali vê-se lixo em toda a parte, nas suas mais variadas manifestações de imundície, ostentando a imperfeição dos serviços de limpeza pública, e patenteando em grau bem visível o estado de sua incúria.

Um outro elemento concernente à falta de limpeza é a escassez d’água, que distribuída em quantidade insuficiente, em nada satisfaz as exigências da população. Lugares há, principalmente nas montanhas, onde às vezes, durante dias sucessivos, não chega esse líquido, vendo-se os infelizes moradores na obrigação de transportarem-no em vasilhame apropriado para as mais indispensáveis necessidades de sua aplicação.

Por isso em todas as casa é habitual o uso de tinas, onde é depositada a água, que tem que ser aproveitada; e como bem poucos cuidam de renová-la, comumente se encontram larvas de mosquitos."

O relatório nos informa que o 5º. Distrito compreendia as ruas do centro, entre elas: Senador Pompeu, Conceição, Andradas, Saúde, Sara, Carlos Gomes, Vidal de Negreiros, Mato Grosso, Primeiro de Março, Quitanda, Ladeira do João Homem, Barão de S. Félix, Livramento, etc. Ao final, sugere a solução que, a seu ver, resolveria o problema sanitário tão grave: "É uma questão de magna importância a da construção de casas para operários, estabelecidas segundo as regras da higiene e do conforto, preparadas a receberem por módico aluguel os que dela necessitem."

Outra questão que deve ser observada para montarmos razoavelmente o quadro da vida cotidiana dos operários cariocas, diz respeito ao lazer. Interessante, porque é difícil, para nós, imaginarmos que ainda pudesse haver horário disponível para diversão numa categoria tão assoberbada de trabalho quanto esta. Entretanto, apesar dos jornais operários se referirem muito pouco a este aspecto indispensável à vida de qualquer ser humano, podemos, através das notícias, vislumbrar algumas alternativas de diversão.

A missa e as festas religiosas eram aguardadas pela população jovem com grande ansiedade. Muitas vezes os próprios patrões procuravam organizar estas festas e também jogos de futebol para atrair os empregados e dirigir sua diversão. O hábito de freqüentar tabernas e bares era comum entre os operários e o alcoolismo, naturalmente, uma doença da classe. É constante, nos jornais libertários, o apelo para que o trabalhador troque "o copo pelo livro".

Os anarquistas criticam essas formas de lazer e alertam os trabalhadores sobre as intenções dos patrões que, para eles, escondia o objetivo de impedir a organização da categoria. Buscam levar os trabalhadores a participar em Centros Sociais, onde oferecem palestras, conferências e discussões sobre assuntos que, efetivamente, são do interesse destes. Há também a encenação de peças teatrais, muitas vezes interpretadas por operários, inspiradas em sua própria vida e que tem por objetivo, conscientizar e politizar o trabalhador, deixando-o a par dos problemas econômicos, sociais e políticos do momento.

2.2 Influências Ideológicas

A proclamação da República brasileira não aconteceu acompanhada das transformações econômicas e sociais, desejadas pela população na inauguração de uma nova ordem política. Na verdade o que se constata é que, no início do regime republicano, o poder, até então definido na pessoa do Imperador, não encontrava uma representação concreta.

A convocação da Assembléia Nacional Constituinte permitiu que diversos setores da sociedade se organizassem e procurassem ocupar esse vazio. O Rio de Janeiro, nesse contexto apresentava uma situação privilegiada. Em primeiro lugar, aqui a industrialização já havia se iniciado. Em segundo lugar, era uma cidade independente da estrutura agrária do país e, finalmente, havia a facilidade de acesso e a grande mobilidade social própria das grandes cidades.

A sensação de que a sociedade estava aberta a novos e insuspeitos experimentos, da mesma maneira que o poder estava aberto a novas idéias e propostas de organização, levou determinados grupos a colocarem publicamente a possibilidade e a legitimidade de o trabalhador figurar como um ator social e político da República. Esses grupos se autodenominaram socialistas e, nos parece, foram os primeiros a influenciar politicamente os trabalhadores brasileiros.

Esse quadro singular certamente propiciou o desenvolvimento das ideologias que se difundiram entre os trabalhadores no início do século XX. A primeira questão a ser colocada é, sem dúvida, a própria questão do trabalho e sua valorização. Num país de tradição escravista, trabalhar era uma atividade considerada degradante.

Desde 1870, o jornal O Artista procurava, através de seus artigos, escritos por engenheiros e tenentes-coronéis, que se proclamavam artistas, fazer um culto ao trabalho, demonstrando que este, ao lado do capital e da terra era um dos fatores de produção de riqueza. Ao lado deste, outros discursos do período valorizavam o trabalho, ora

"... como um elemento capaz de tirar os homens da miséria e da degradação, na medida em que os ocupava, em que os afastava dos vícios. O trabalho era uma atividade positiva na justa medida em que exercia uma função de regeneração social. Ele se destinava aos que deviam ser recuperados, aos inferiores: desocupados, órfãos, asilados, enfim às classes pobres."

ou ainda como a proposta de Saddock de Sá:

"... o trabalho era o campo de ação do homem na busca pela felicidade. Ele se destinava a todos e estava alicerçado em sólidos princípios de elevação moral, conforme os ensinamentos de Comte. Não se tratava de um castigo nem de um expediente reformatório. Trabalhar era sinônimo de grandeza e glória, de uma identidade social e moral digna e respeitável."

A influência do positivismo no início da República, transformada numa verdadeira religião de Estado, inspirou os socialistas a utilizar certos elementos da doutrina e compor uma proposta de defesa e luta pela elevação social e moral do trabalhador, porém, passando pelo exercício dos direitos políticos e de representação.

Em 1890, surgia no Rio de Janeiro, um jornal que pretendia ser o porta-voz das reivindicações dos trabalhadores – A Voz do Povo. Órgão oficial do Partido Operário liderado por Gustavo Lacerda, foi saudado entusiasticamente pelo jornal oficioso do Governo Provisório – O Paiz - o que comprova o clima favorável às manifestações em prol do aumento da participação política.

O jornal se firmava em três pontos que considerava fundamental para a organização de um partido operário. Primeiramente referia-se ao significado da República já que ela anunciava "novos horizontes ao povo brasileiro", instalara-se como "uma revolução pacífica, verdadeiramente sublime". No discurso do jornal o segundo ponto era demonstrar que a República tinha o objetivo de "abrir as portas da existência ao trabalhador brasileiro", como observamos abaixo:

"O trabalho não mais poderia ostentar o sinal da desgraça e do atraso, como acontecia na escravidão. O trabalho, e em decorrência, aqueles que trabalham – o proletariado – eram forças preponderantes na sociedade, seus elementos de prosperidade, de riqueza e de progresso."

Finalmente o jornal anunciava sua proposta política.

"Ser a voz desta parcela do povo, até então simplesmente ignorada pela sociedade ou vista como um somatório de valores negativos. Era preciso construir uma identidade social para o operário e dar-lhe lugar e presença no mercado, donde as afirmações incisivas sobre seu papel essencial no movimento de industrialização. Resguardada sua identidade social e moral, era preciso em decorrência defender a legitimidade de sua participação política."

Entretanto não podemos esquecer as limitações impostas aos eleitores daquele período com a proibição do voto dos analfabetos, dos mendigos, dos menores de 21 anos, dos estrangeiros e das mulheres. A cidade do Rio de Janeiro, como Capital Federal, apresentava um dos maiores índices de alfabetização do país, entretanto somente uma pequena parcela de sua população efetivamente votaria nas primeiras eleições presidenciais de 1894.

Logo foram criados vários outros partidos operários que nasciam em virtude da disputa entre as lideranças operárias e de outros grupos sociais que buscavam organizar partidos operários, jornais e conquistar os trabalhadores, engajando-os nas eleições. "Esses partidos eram reformistas, apoiavam candidatos que julgavam defender os interesses operários e pregavam a negociação com os patrões e o Estado." Em fins do século XIX, juntamente com os imigrantes, chegaria ao Brasil a ideologia anarquista.

No Rio de Janeiro, segundo o censo de 1890, 39% dos empregados na indústria eram estrangeiros. Nas atividades artesanais esse número crescia para 40% e nos transportes chegava a 54%. Em 1907, o número de trabalhadores estrangeiros na indústria variava entre os 26 e 50%. Já em 1919, segundo o jornal A Razão, os estrangeiros tinham a predominância numérica nas principais fábricas cariocas.

Desde o final do século XIX encontramos, na Capital Federal, jornais como O Despertar (1898) e O Protesto (1898-1900) que reuniam brasileiros, espanhóis e portugueses. Os anarquistas eram contra o Estado, não apoiavam a luta político-parlamentar e rejeitavam qualquer proposta de opressão sobre o indivíduo, sendo, portanto, também contra qualquer forma de religião.

As propostas de Kropotkin e do italiano Errico Malatesta, ligadas ao anarco-comunismo foram seguidas no Brasil, juntamente com o anarco-individualismo pregado por Max Stirner e Friedrich Nietzche. Em ambas a as correntes havia os contra e os a favor da participação na luta sindical.

O professor Boris Fausto aponta, além do anarquismo e do socialismo reformista, uma outra corrente que ele opta denominar "trabalhismo", tentando assinalar a existência, nesse momento, do embrião de uma tendência que mais tarde, em outras condições, teria forte influência no movimento operário brasileiro. Ele considera que, enquanto os anarquistas e os socialistas reformistas buscavam a transformação social existente e defendiam a autonomia organizatória dos trabalhadores, o grupo dos trabalhistas pretendia somente obter a conquista de alguns direitos operários, sem questionar os fundamentos do sistema social, aceitando a dependência em relação ao Estado.

Os socialistas reformistas e os anarquistas possuíam objetivos semelhantes – a construção de uma sociedade igualitária, sem classes nem Estado – entretanto divergiam na forma de atingirem o objetivo. Para os socialistas era possível, através da ação política e do voto, tal transformação da sociedade. Já os anarquistas percebiam que o Estado brasileiro era

...excludente e marginalizador, ao mesmo tempo liberal e anti-socialista, um Estado cujas bases de sustentação política – eminentemente rurais – prescindia do apoio da reduzida classe operária de então. Sem dúvida, tentar obter ganhos políticos graduais – e mesmo conquistas econômicas mais imediatas – através da atuação que privilegiava o campo da política institucional (eleitoral, parlamentar, partidária) revelou-se, naquele momento, uma estratégia inadequada. Tentar eleger supostos representantes da classe operária ao parlamento burguês num processo eleitoral completamente manipulado e fraudado, tanto pelos coronéis rurais como por cabos eleitorais urbanos, não era tarefa das mais fáceis, nem se constituía num apelo que mobilizasse a massa trabalhadora.

O Estado brasileiro – liberal - não admite intervir na regulamentação do mercado de trabalho, deixando os patrões livres para explorar da forma que lhes convier os trabalhadores. Entretanto, este mesmo Estado, apoiado pelos

"mesmos princípios do liberalismo ortodoxo – o livre direito ao trabalho, a afirmação da propriedade privada, o livre exercício da profissão – intervém sistematicamente reprimindo o movimento operário organizado, reprimindo greves e manifestações várias, fechando sindicatos e jornais operários, prendendo e deportanto lideranças do movimento."

2.3 A força do anarquismo

À medida que os trabalhadores percebiam as artimanhas do Estado ao se esquivar de defendê-los de patrões gananciosos, o movimento anarquista ia se fortalecendo e tomando forma. Ao se organizar por categorias de trabalho e reivindicar melhores salários, condições de trabalho e, principalmente, o direito ao trabalho, os participantes, claramente, se dedicaram à luta política.

A resistência às medidas modernizadoras, normalmente implantadas pelo Estado, e que causavam problemas aos setores populares são constatadas através de manifestações espontâneas, como nos indica o texto abaixo:

"Era comum que muitas das refregas no Largo de S. Francisco começassem com uma convocação aos comerciários, trabalhadores e à população flutuante do Centro da cidade, sem que se soubesse quem estava convocando. Os estudantes desempenharam um papel importante nessas convocações. No final da tarde, começava a aglomeração, a princípio com um número reduzido e depois chegando até cinco mil pessoas. Os transeuntes iam aproximando-se. Era um clima de pilhérias e brincadeiras. Mais tarde, da multidão, gritava-se uma palavra de ordem, por exemplo, abaixo a vacina, abaixo o sorteio militar, ou não pode. Era o início do enfrentamento com a polícia que tinha o seu quartel no Largo do Rocio, hoje Praça Tiradentes, terminando com prisões, pancadarias e violências."

As já existentes sociedades de beneficência e mutualismo evoluíram para associações operárias, entretanto, devem esta mudança de rumo "ao sopro revolucionário dos operários estrangeiros". No início do século XX, no Rio de Janeiro, a maioria dos participantes na agitação, na propaganda e na vida dos sindicatos era dominada pelos imigrantes, que organizavam os sindicatos"mais poderosos e influentes na capital federal, incluindo o Sindicato dos Trabalhadores em Construção Civil, o Centro Cosmopolita e a organização dos trabalhadores em hotéis, bares e restaurantes. Esses dois sindicatos, cujos membros provinham, principalmente, de Portugal e Espanha, estavam à testa do movimento operário em sua fase mais ativa, 1917 a 1920, liderando greves e auxiliando a organizar os trabalhadores deslocados de seus sindicatos".

A grande dificuldade com que se deparam os pesquisadores quando desejam reconstruir a força do movimento anarquista nos primeiros anos da República é a falta de fontes confiáveis. Os sindicatos que possuíam um perfil anarquista não mantinham listas ou fichas de associados, uma vez que seria interessante material para a polícia repressora da época. Conforme Sheldon L. Maram, "Se dermos validade aos dados divulgados pela imprensa em 1917, 1918 e 1919, obteremos um total grosseiro de 100.000 a 125.000 membros dos sindicatos cariocas de linha sindicalista revolucionária na metade de 1919, época de seu apogeu."

Existe um consenso entre os historiadores quanto ao tempo em que o anarquismo dominou o cenário da luta sindical no Rio de Janeiro, entre 1900 a 1920, continuando após esta data, porém, perdendo as forças para outras formas de luta, entretanto também se afirma que "Os poucos êxitos alcançados pelo movimento operário foram praticamente resultado da ação dos anarquistas. Os reformistas eram uma força isolada neste meio, e uma ação estava restrita às áreas onde o sindicalismo revolucionário na podia penetrar, como os funcionários públicos, a quem o comodismo político trazia benefícios, os sindicatos brasileiros hostis aos imigrantes e os sindicatos cujas táticas eram similares às do anarcossidicalismo."

Quem vai a uma barricada precisa levar, além de uma espingarda na mão, uma idéia no cérebro. Epígrafe da revista Na Barricada (1915)

3 - A LUTA

3.1 A tendência anarquista

A falta de leis que protegessem os operários em situações de doença, acidentes ou mesmo na velhice e funerais, permitiu que surgissem, em fins do século XIX, no Rio de Janeiro, as Associações Mutualistas. Sem vínculo com os patrões e muito menos com o Estado, eram organizações de operários para operários, cuja origem remonta às corporações de ofício e entidades religiosas de fins assistenciais existentes na Europa e também entre os africanos livres e escravos. Procuravam atender o operário nas eventuais dificuldades do dia a dia.

No ano de 1864, em Londres, funda-se a Internacional Trabalhista ou Primeira Internacional. As idéias socialistas, anarquistas e reformistas fervilhavam o que permitiu a sua divulgação intensa. De todas as correntes que participaram desta Internacional, duas se destacaram: a do socialismo libertário e a do socialismo autoritário.

A primeira, liderada por Bakunin, defendia a organização espontânea dos trabalhadores. A segunda, defendida por Marx, defendia a organização política para a transformação do proletariado, tornando-o uma classe governante.

"No final do século XIX, dentro do processo de luta, surgiu no movimento anarquista uma nova forma de atuação com a criação das uniões livres de sindicatos. Nascia o anarco–sindicalismo, que preconizava a utilização dos sindicatos para a luta pela mudança da sociedade através da greve geral. Nesse sentido, os sindicatos deixavam de ser apenas instrumentos de luta por melhorias salariais, mas durante a revolução, administrariam os meios de produção e também formariam a infra-estrutura da nova sociedade."

A corrente anarco-sindicalista foi a mais influente no Rio de Janeiro. Sob sua influência, as Associações Mutualistas foram se transformando em Associações de Resistência e Ligas Operárias. Já em 1858, os tipógrafos do Rio de Janeiro fizeram uma greve liderada pela Associação Typographica Fuminense, de cunho mutualista que, neste caso, exerceu a função de sindicato e representou coletivamente os interesses dos trabalhadores, enfrentando a oposição tanto dos patrões como do governo. O autoritarismo do Estado encontrou no anarquismo, trazido pelos imigrantes europeus, um forte adversário. "A doutrina anarquista espalha a crença da possibilidade de transformação violenta e súbita da sociedade com uma confiança na racionalidade dos homens e na possibilidade de aperfeiçoamento destes".

Os libertários procuraram todos os meios de divulgar suas idéias. Não só no trabalho e nos transportes populares, mas também através da imprensa operária.

Entre o final do século XIX e os primeiros vinte anos do século XX, circularam muitos escritos anarquistas. Alguns tiveram vida mais longa, outros apenas uns poucos números. Outros ainda não saíam regularmente, entretanto, esta pequena amostra nos permite visualizar a dimensão do movimento anarquista entre os trabalhadores cariocas.

1895 – II Dirittogiornale quotidiano independente, defensore degli interesse della classe Operaia Italiana del Rio de Janeiro.

1897 - II CircolistaOrgano de Circolo Operário Italiano - "órgão da classe operária no Brasil, vai se tornando um tenaz propagandista do espírito associativo e proclamará em todos os números: Operários, associai-vos. Dirá depois às associações: Agrupai-vos em torno de um Pacto de Fraternidade!"

1898 - O Despertar, periódico comunista livre, "sai quando pode". Trazia a proposta de criação de um Centro de Estudos onde os trabalhadores tomassem conhecimento de seus direitos naturais e pudessem se unir na defesa desses direitos, "aproximando os que lutam para destruir os sistemas de tirania e atrair os que venham a simpatizar com as idéias" (libertárias).

1900 – O Protesto – Gerente: J. Suvarine

1904 - O Libertário - procura mostrar o Estado, não só como inútil, mas também nocivo à sociedade, onde funcionários parasitas dispõem do dinheiro conquistado por aqueles que realmente trabalham e efetivamente produzem.

- O Avante – apresenta-se como um jornal anticlerical. Os anarquistas consideram Estado, Igreja e Capital, partes do mesmo processo que tem como objetivo a exploração e dominação do homem pelo homem.

- Kultur – revista anarquista de propaganda revolucionária.

- Regeneração – romance anarquista de M. Curvello de Mendonça.

1907 – Terra Livre – publicado primeiramente em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Dirigido por Neno Vasco, Manuel Moscoso e Edgard Leuenroth.

1908/1909 – A Voz do Trabalhador – órgão da Confederação Operária Brasileira (COB).

1909 – Liberdade.

1911 - A Guerra Social - conclama a todos à luta para alcançar a Greve Geral e a anarquia.

1915 – Na Barricada – revista quinzenal que publicava artigos de anarquistas. Possuía apenas um redator: Orlando Correa Lopes.

1919 - Spartacus

1920 – Voz do Povo – jornal de circulação diária.

Nesse período existiu uma disputa acirrada pela liderança do movimento operário entre as diversas correntes. Entre socialistas e anarquistas, porém, havia uma diferença básica. Enquanto os primeiros acreditavam que as mudanças poderiam ocorrer através da participação política dos trabalhadores organizados em partidos operários, os anarquistas aceitavam somente a participação nos sindicatos, acreditando que as transformações sociais só poderiam ocorrer através do enfrentamento da ação direta que, na prática, se materializava na greve.

Em 1906, realizou-se no Rio de Janeiro, o Primeiro Congresso Operário. Pelas suas resoluções e temas discutidos, percebe-se claramente a influência do anarquismo. Ao se discutir a adesão do operariado aos partidos políticos, notamos que:

"O Congresso Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência econômica, agrupamento essencial, e, sem abandonar a defesa pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas, a pôr fora do sindicato a luta política especial de um partido e as rivalidades que resultariam da adoção, pela associação de resistência, de uma doutrina política ou religiosa, ou de um programa eleitoral."

Ao se discutir a atuação das associações operárias, observamos:

"O Congresso aconselha que as associações operárias passem a se chamar sindicatos, e desenvolvam sobretudo a resistência ao patronato, não perdendo tempo com a realização de obras secundárias de beneficência, mutualismo ou cooperativismo."

A questão que envolvia o pagamento de salários aos funcionários dos sindicatos foi abordada da seguinte forma:

"Considerando que a remuneração dos cargos no sindicato é suscetível de produzir rivalidades e intrigas, ambições nocivas à organização e interesses contrários à sua ação e liberdade de movimentos; que essa remuneração pode chamar às funções administrativas indivíduos unicamente desejosos de se emancipar individualmente, trabalhando com o exclusivo fim de perceber o ordenado e não com o amor que provém de um forte espírito de iniciativa e de uma larga compreensão dos interesses solidários do operariado, e da necessidade da luta; o Congresso Operário aconselha vivamente às organizações operárias a repelirem as remunerações dos cargos, salvo nos casos em que a grande acumulação de serviço exija peremptoriamente que um operário se consagre inteiramente a ele, não devendo, porém, receber ordenado superior ao salário normal da profissão a que pertença (...)"

A questão relativa á Ação Operária tem aprovada, entre suas principais resoluções, quais meios pode lançar mão o operário economicamente organizado;

"Considerando que o proletariado economicamente organizado, independente dos partidos políticos, só pode, como tal, lançar mão dos meios de ação que lhe são próprios; tendo em vista a moção votada sobre o primeiro tema discutido: O Congresso aconselha como meios de ação das sociedades de resistência ou sindicatos todos aqueles que dependem do exercício direto e imediato da sua atividade, tais como a greve parcial ou geral, a boicotagem, a sabotagem, o label, a manifestação pública, etc., variáveis segundo as circunstâncias de lugar e de momento."

Desta forma, o Congresso de 1906 é considerado um marco no fortalecimento do anarco-sindicalismo entre os trabalhadores cariocas. Entretanto, notamos uma grande contradição no anarquismo. Ao lado da pregação libertária conviviam rígidos códigos morais. O trabalhador, na visão dos anarquistas, precisava levar uma vida totalmente livre de vícios que eram considerados práticas burguesas. Condenavam a bebida, os jogos de futebol organizados pelas fábricas, jogos de qualquer espécie, qualquer forma de religião, festas como o carnaval, entre outros., enfim os possíveis momentos de diversão vividos por uma classe tão sacrificada. Para os anarquistas, esses eventos impediam que o trabalhador assumisse uma postura racional e crítica frente à realidade. Para atingir a consciência política necessária às transformações sociais que levassem a uma sociedade libertária, o trabalhador não poderia, em nenhum momento, afastar-se de seus objetivos, conforme podemos acompanhar na citação abaixo:

"Assim, o movimento libertário, que com suas propostas para o enfrentamento da luta de classes, foi capaz de atrair grandes parcelas de trabalhadores no momento de sua identificação e até alcançou a hegemonia do movimento operário, esteve distante de ganhos políticos reais e permanentes, pois não considerou o homem em sua totalidade."

    1. As práticas libertárias
    2. Entre 1890 e 1920, no Rio de Janeiro, ocorreram 274 greves. Para os anarco-sindicalistas, a greve era um movimento revolucionário, porém, no Rio de Janeiro, as manifestações ocorriam, muitas vezes, de "forma espontânea (no sentido de não convocadas por centrais sindicais)", fruto da situação de extrema violência sofrida pelos trabalhadores, implementada, não só pelos patrões como pelo Estado.

      A tentativa de organizar o movimento operário existe desde fins do século XIX. A Federação das Associações de Classe do Rio de Janeiro, criada em 1903, dá origem à Federação Operária do Rio de Janeiro, que promove o Primeiro Congresso Operário em 1906, onde se aprova a criação da Confederação Operária Brasileira (COB), concretizada em 1908. Entretanto, sua atuação se restringe à Capital Federal, confundindo-se com a Federação Regional, pois as duas organizações reúnem, basicamente, os sindicatos de tendência anarquista.

      Essas organizações não mobilizavam os operários apenas em tempo de greve. Havia o interesse em ampliar a participação operária para outras questões que não envolvessem somente o mundo do trabalho. Assim é que se posicionaram contra o sorteio militar, defendido efusivamente por Olavo Bilac, poeta com trânsito nos círculos civis, apesar de filho de militar, que declarava que, com o sorteio, "teremos o exército que devemos possuir: não uma casta militar, nem uma profissão militar, nem uma milícia assoldadada, nem um regime militarista, oprimindo o país: mas um exército nacional, democrático, livre, civil, de defesa e coesão, que seja o próprio povo e a própria essência da nacionalidade"(BILAC, 1965 apud CARVALHO,1985,p.193). Além das manifestações contra a Lei Adolfo Gordo (1907) que permitia a deportação de imigrantes indesejáveis ao governo bem como a crítica à derrubada e desapropriação das habitações populares do centro da cidade, da mesma maneira que incentivaram o repúdio às medidas sanitárias impostas sem maiores esclarecimentos, que culminou na Revolta da Vacina.

      Durante a Primeira Guerra, os anarquistas posicionaram-se contra a "guerra burguesa"; organizaram associações que lutavam contra a alta do custo de vida e o alistamento obrigatório. Enquanto o conflito ocorria, é possível acompanhar a atuação operária:

      "No dia 1º. de maio de 1915, os operários fizeram um comício no Largo de São Francisco, seguido de desfile pelas ruas do Centro, denunciando a exploração dos trabalhadores e condenando a guerra. Neste mesmo ano, em setembro, a Confederação Operária Brasileira convocava o proletariado para um Congresso Internacional da Paz a ser realizado em outubro, no Distrito Federal".

      Os anarquistas procuraram criar suportes para a ação dos trabalhadores. Em 1914 foi fundado o Centro de Estudos Sociais, onde figuras como Oiticica, crítico literário e filósofo, filho de um senador proprietário de terras em Alagoas, que se tornou anarquista através de seus próprios questionamentos sobre a sociedade e o Estado e Fábio Luz, romancista, formado em medicina e pregador da doutrina libertária, realizaram muitas palestras e conferências. As sextas-feiras, agitadas sessões transformavam-se em verdadeiros debates entre socialistas e anarquistas, sempre com o objetivo de mobilizar e conscientizar o trabalhador para a luta e para a transformação da sociedade.

      Muitas vezes periódicos operários denunciaram os desmandos do governo contra os trabalhadores e apontaram os deslizes da "imprensa burguesa", conforme pode-se observar:

      "A câmara dos deputados acaba de aprovar, sem que ninguém soubesse, uma lei para a expulsão dos estrangeiros, lei essa que constitui uma das maiores vergonhas dos nossos legisladores, e da nossa imprensa que deixou que fosse aprovada sem dar a menor nota. Se a câmara dos deputados procedeu servilmente aprovando uma lei absurda que o presidente da república mandou aprovar, pior procedeu a imprensa que não protestou nem ao menos noticiou em nota especial que essa lei ia ser discutida e aprovada. O povo, como se sabe, não acompanha as discussões do congresso nacional, porque sabe que há de muito aquilo se divorciou da opinião nacional; porém, o povo lê nossa imprensa burguesa, confia nela,(...)

      Mas, não é só por ser atentatório à liberdade dos cidadãos, garantida pela constituição, que é celerado o projeto aprovado pela Câmara. Ele é mais celerado ainda, mais monstruoso, pelo estabelecido no artigo número 2.

      Leiam e admirem:

      Art.2 – São causas bastantes para a expulsão.

      2- a insuficiência de recursos para prover a sua própria subsistência.

      Assim, com fundamento neste artigo, quando um trabalhador envelhecido no trabalho não puder mais obter recursos suficientes para prover à sua própria subsistência, o governo brasileiro o expulsará como a um animal imprestável..."

      Outras vezes ainda, conclamava os trabalhadores a realizar boicotes a empresas, não só não aceitando trabalhar nestas firmas, como também evitando consumir seus produtos. Em 1920, o jornal Voz do Povo apresenta um artigo que tem por título Casas Boicotadas.

      "Fábrica Brazil (indústria de calçados) – Rua General Câmara – Nilo Amendola e Comp. (Cachimbinho) – Esta casa está boicotada pela Aliança dos Operários em Calçados e Classes Anexas, que apela para os companheiros, a fim de que nenhum vá para ali trabalhar, prestando-se ao papel de traidor".

      Cervejaria Portugal – Rua Marechal Floriano – Este estabelecimento está boicotado pela União dos Trabalhadores em Fábricas de Bebidas, que faz um caloroso apelo às classes trabalhadoras e ao público em geral, para que não consumam produtos desta cervejaria, porque seu proprietário é um rancoroso inimigo dos trabalhadores.

      Boicote às cervejas e aos demais produtos da Companhia Brahma – Não tendo, até hoje, a Companhia Brahma, atendido às reclamações que lhe foram feitas pelo Centro Cosmopolita, e mesmo tendo esta Companhia obstado que seus empregados se associem na União dos Empregados em Fábricas de Bebidas, a Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro resolveu declarar e manter o boicote à Companhia referida e apela para as classes trabalhadoras, a fim de que se abstenham de consumir produtos daquela fábrica, como sejam as cervejas Teutonia, Brahma Porter, Brahma Fidalga e Cavaleira e de outras marcas.

      Tipografia Ideal – Rua Teófilo Ottoni – Por ter seu proprietário despedido vários companheiros que aderiram ao último movimento grevista, o Sindicato dos Trabalhadores Gráficos, declarou boicote à casa acima referida, apelando para todos os operários gráficos, a fim de não trabalharem naquela casa. Em tempo, o Sindicato avisa ao operariado consciente, que ali trabalha o Krumiro Lindopho Silva, impressor que não se acanha de trair os seus companheiros." (...)

      Entre 1917 e 1920, o movimento anarquista no Rio de Janeiro chegou ao auge. Entre outros fatores, acredita-se que estavam: o agravamento da carestia, conseqüência da Primeira Guerra Mundial, levando a especulação com os gêneros alimentícios e existência das revoluções de fevereiro de 1917 e Revolução de Outubro, na Rússia czarista. A partir da bandeira de combate à carestia, os anarquistas atacam outras questões que afligiam o operariado, como a jornada de trabalho de 8 horas, o fim do trabalho infantil, a proteção ao trabalho da mulher, melhoria da higiene nos locais de trabalho, etc.

      Em fins de 1918, finalmente, ocorreu uma tentativa de revolta anarquista que foi reprimida violentamente, com o fechamento da União Geral dos Trabalhadores, responsável pela rebelião e de diversos sindicatos que a apoiavam. Até 1920 ocorreram muitas outras greves e manifestações anarquistas, mas a campanha contra esse movimento e contra qualquer manifestação operária envolvendo trabalhadores também cresceu em violência e apoio público.

    3. A reação patronal e do Estado

No movimento operário, não é de se estranhar a reação, muitas vezes violenta, dos patrões contra empregados e associações que, através de boicotes ou greves, lutavam pela melhoria das condições de trabalho e salário dos operários. Entretanto, notamos pelos relatos da época que o Estado estava sempre ao lado dos empresários, reprimindo os movimentos reivindicatórios. Para ambos, o movimento dos trabalhadores era tratado como "questão social".

O Estado, tendo a seu favor não só a força policial como a Justiça, utilizou-se largamente desta prerrogativa e, durante os primeiros anos da República, aprovou leis que objetivavam obstruir o movimento dos trabalhadores. Os comícios, por exemplo, eram constantemente dispersados pela polícia. Durante as greves nas fábricas privadas, a entrada dos "fura-greve" era sempre garantida pela força policial que atendia prontamente ao chamado do dono da fábrica para garantir a "ordem" e o "direito do exercício ao trabalho", conforme determinava a Constituição. Nessas ocasiões a repressão era violenta. Os trabalhadores enfrentavam a polícia, eram presos, espancados, torturados e, quando estrangeiros, deportados.

Em 1903, o chefe de polícia do Distrito Federal elabora um relatório sobre as greves que deve ser enviado ao Ministro da Justiça, J. J. Seabra. Nele, o chefe de polícia atribui a responsabilidade de muitas greves a elementos estranhos aos operários, já que estes, pela humildade de suas condições ou por não terem atingido um certo grau de cultura, não sabem reconhecer pessoas infiltradas. Afirma que "o Estado não deve intervir diretamente nessa luta [para que] sua influência reguladora seja exercida com imparcialidade". Na nota final alega que se deve fazer uma distinção entre as diversas greves: "para a polícia uma parede de operários de fábricas não pode, por exemplo, ser igual a uma de cocheiros." Acreditava que, no segundo caso, o interesse da coletividade deve ser considerado no momento em que a polícia for realizar qualquer intervenção.

Ao final declara: "E a liberdade de trabalhar, inquestionavelmente mais legítima que a de não trabalhar, sofre logo as mais insólitas agressões, precisando, portanto estas de uma repressão enérgica e pronta por parte dos poderes públicos". Observemos o trecho abaixo:

"Em 1904 o projeto de lei que impedia a formação de organizações operárias, que previa a expulsão dos trabalhadores imigrantes não-naturalizados que participassem de movimentos políticos, mesmo que reivindicatórios, foi aprovado na Câmara dos Deputados, em primeira instância".

Paulo Sérgio Pinheiro nos apresenta ainda outro documento, também de 1903, e que reproduziremos em parte:

"O governo brasileiro começa a preocupar-se seriamente com as proporções que a propaganda das seitas subversivas está assumindo neste momento. Esta propaganda é favorecida pelo contínuo afluir de perigosos agitadores ao Brasil, pois as recentes leis da República Argentina e dos Estados Unidos da América do Norte os induziram a distanciar-se daqueles países, para procurar refúgio onde têm maior probabilidade de não serem molestados. (...)

Disse-me o Barão do Rio Branco que está convencido da necessidade de providências enérgicas para reprimir a audácia dos agitadores estrangeiros, os quais gozam até agora de uma excessivamente longa tolerância por parte das autoridades brasileiras. Tolerância da qual começam a ver-se os frutos na agitação das massas operárias e no caráter ameaçador das greves que se seguem nos principais centros industriais do Brasil. Desta situação tivemos um exemplo nestes recentíssimos dias com a greve dos operários de todos os cotonifícios do Rio de Janeiro, greve que não tardou a estender-se às outras indústrias e que teve, desde o começo, um aspecto de insólita violência. Sabe-se que foram distribuídos entre os grevistas alguns milhares de revólveres e que o plano dos chefes da agitação era de assaltar simultaneamente os diversos postos de polícia da capital. Foram afixados manifestos violentíssimos convidando o exército e a Marinha a fazerem frente comum com os grevistas, e, em vários pontos da cidade e dos subúrbios, deram-se choques entre os revoltosos e a força pública." (...)

Utilizamos declarações de Jorge Street, na época Presidente do Conselho Industrial do Brasil e diretor de fábricas de tecido no Rio de Janeiro e em São Paulo para conhecermos uma visão dos empresários quanto às questões que afligiam os trabalhadores.

Na questão da jornada de 8 horas, o empresário, posiciona-se contra argumentando que:

"... na Europa e na América, onde os partidos socialistas têm tamanha importância e tomam tão ativa parte no Governo, ter-se até hoje mantido o trabalho de, pelo menos, 10 horas diárias, já indica que não há graves inconvenientes nesse horário. (...)

"Eu convivo com meus operários, acompanhando-os em todas as fases dos seus trabalhos. Nunca notei neles, mesmo no fim do dia, sintomas que indicassem excesso de cansaço, nem diminuição nas suas aptidões para continuar a trabalhar; assistindo, constantemente, as suas saídas da fábrica, depois do trabalho concluído, os tenho visto sair alerta, conversando e marchando firmes e bem dispostos.

Nunca, aliás, nenhum desses numerosos operários, de ambos os sexos e de todas as idades, que trabalham 10 horas por dia, se me queixou, uma só vez, de excesso de trabalho ou de cansaço.(...)

Quanto à questão do trabalho de menores ele era totalmente a favor acrescentando que, em caso contrário, enquanto os pais estão no trabalho, os menores ficavam abandonados, pois, diferentemente dos países que possuíam uma legislação perfeita, onde a criança não trabalhava para freqüentar escolas, no Brasil, não existia essa lei e tão cedo não existiria.

"Eu tenho nas fábricas que dirijo um grande número de crianças entre 12 e 15 anos, cerca de 300, de ambos os sexos. Trabalham todos dez horas como os adultos. Na sua grande maioria são filhos, irmãos ou parentes dos meus próprios operários, que trabalham, portanto, na mesma fábrica e muitas vezes, na mesma sala. Estas crianças ocupadas todas com tarefas leves e compatíveis com suas forças, ganham, conforme a idade salários que variam entre 1$200 e 2$000 por dia".

Em relação ao trabalho feminino, Jorge Street comentava primeiro que, na Europa, existia um motivo econômico pela disputa entre homens e mulheres por trabalho, fato que não ocorria no Brasil. Afirma que aqui "há mais trabalho do que braços e, por isso, o trabalho da mulher, nas fábricas, é pago em condições perfeitamente iguais às do homem." Continuava dizendo que, em suas fábricas, famílias inteiras trabalhavam, conseguindo com isto uma renda familiar de até 600$000.

Para ele, a redução da jornada de trabalho para moças e rapazes entre 15 e 18 anos, traria a redução do ganho das famílias e o desequilíbrio das contas domésticas além de uma total desorganização do parque industrial brasileiro, já que 50% do operariado era constituído por pessoas menores de 18 anos. Ele pedia "aos que promovem leis extremas, bruscas e exageradas", que explicassem aos industriais como eles deveriam "manter o trabalho em tais condições".

Em outro momento, expressava sua opinião sobre as leis de proteção à mulher grávida.

"É indubitável que a mulher grávida deve ser protegida no fim da sua gravidez e nos primeiros tempos que se seguem ao parto.(...)

Julgo que se o patrão for obrigado a pagar meio salário, no último mês de gravidez, meio salário no mês que se seguir ao parto, não se permitindo absolutamente trabalho algum nesse lapso de tempo e tomando-se sérias medidas para que estas disposições não possam ser burladas, terá a lei conseguido o máximo que, razoavelmente, se pode esperar. No entanto, parece que há quem fale em três ou quatro meses antes do parto e em dois ou três depois, com salário completo!

É absurdo e contraproducente!

A Lei, neste caso, deve ser mero amparo à mulher grávida e não uma lei que torne a gravidez uma rendosa e cômoda profissão, fazendo o patrão como o holandês, pagar o mal, ou o bem que não fez!".

Ao final, ele ainda fez questão de frisar que esta era também a opinião da maioria de seus colegas industriais.

Entretanto, apesar da manifestação dos empresários, o presidente Hermes da Fonseca, que, "como qualquer populista, sabia combinar demagogia com repressão", procurou enfrentar o movimento operário utilizando-se de outras manobras.

Em primeiro lugar, financiou a construção de vilas operárias como a Vila Marechal Hermes, onde pretendia alojar 1350 famílias proletárias e, ainda, oferecer toda a infra-estrutura compatível como quatro escolas primárias e edifícios públicos e comerciais. Havia o projeto de outras vilas, na Gávea, Ilha do Governador e São Cristóvão, para atender aos operários.

Em outro momento, buscou criar bases no movimento operário, fundando, em outubro de 1912, a Liga do Operariado do Distrito Federal, sindicato "oficial". Neste mesmo ano, em novembro, Mário Hermes, filho do Presidente, dirigiu o 4º. Congresso Operário, chamado pelos anarquistas de Congresso Pelego, pois foi financiado, estimulado e patrocinado pelo Presidente da República. Hermes da Fonseca também

"apoiou a Organização das Caixas e Pensões e Aposentadorias, além de, sob o controle do governo, sindicalizar os operários das fábricas de pólvora e dos arsenais de guerra, o que garantiu amparo e incipiente sociabilidade às famílias".

Desta maneira, o presidente procurou deixar sob seu controle o movimento sindical e, ao contemplar os trabalhadores com algumas de suas reivindicações, enfraquecer a força do anarquismo junto à classe operária.

A intensa repressão do Estado aos movimentos anarquistas, com o fechamento de entidades e jornais sindicais, prisão e exílio de lideranças e intensa propaganda anti-sindicato, foi decisiva para a decadência do movimento anarquista a partir de 1920. Entretanto, também contribuiu para este declínio, o fortalecimento do comunismo com a criação, em 1922, do Partido Comunista do Brasil que contava em seus quadros com antigos militantes socialistas e anarquistas ainda impactados com a recente vitória da Revolução Russa.

As leis são regras feitas por pessoas que governam por meio da violência organizada que, quando não acatamos, podem fazer com que aqueles que se recusam a obedecê-las sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte.

Leon Tolstoi

Considerações Finais

Neste trabalho procuramos estudar os trabalhadores do Rio de Janeiro numa perspectiva histórica, relacionando-a diretamente com a vida política da capital brasileira, considerando as tradições culturais desenvolvidas durante sua formação. Entendemos que as idéias que influenciaram o movimento operário carioca nos tenham chegado através dos imigrantes, mas acreditamos que elas só se desenvolveram porque aqui a luta operária era acirrada e violenta. O Estado eximia-se de ocupar o papel de mediador entre os diversos segmentos da sociedade, posicionando-se sempre ao lado dos mais poderosos. Essa postura favoreceu a aceitação de tendências mais radicais pelos trabalhadores.

O operariado carioca teve, durante os primeiros anos de sua formação, a forte influência do anarquismo que, apesar de não ser a única corrente a atuar em seu seio foi, em certo momento, inegavelmente, a responsável pelos rumos tomados pelo movimento operário organizado do Rio de Janeiro.

A realização de três Congressos Operários de orientação anarco-sindicalista, em momentos diversos, como 1906, 1913 e 1920, demonstra que, pelo menos durante as duas primeiras décadas do século XX, era a corrente anarquista, na sua versão anarco-sindicalista que estava na liderança dos movimentos na capital da República.

As tentativas do Presidente Hermes da Fonseca de atuar entre os trabalhadores para enfraquecer a influência anarquista só nos confirmam como esta tendência era ameaçadora, assim como o boicote orquestrado pelo movimento operário organizado ao Congresso de 1912, patrocinado pelo governo, demonstrou a força deste movimento.

Finalmente, acredito que nada melhor que um depoimento de um contemporâneo da época para confirmar a força do anarquismo no Rio de Janeiro, naquele momento.

Assim sendo, transcrevo sua declaração sobre a impressão que teve ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1919.

"Eu estou lhe dizendo: eu cheguei e vi o dilema. Ou vai ajudar a polícia, ajudar o governo e trair a classe operária, ou adere ao anarquismo. Não há o meio-termo. Eu aderi ao anarquismo dois anos e meio."(BRANDÃO apud GOMES, p.86)

BIBLIOGRAFIA

ADDOR, Carlos Augusto. A Insurreição Anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1986.

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Monografia apresentada ao Curso de Pós-graduação (Lato-sensu) da Universidade Federal Fluminense (UFF) em História Contemporânea como requisito parcial para conclusão de curso.

Rita Quaresma Avellar

realrita51[arroba]yahoo.com.br

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Pós-graduação Lato Sensu

História Contemporânea

Orientador: Professor Carlos Augusto Addor.

NITERÓI

2002



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