A universidade e a sociedade



Cuida-se de delicada tarefa, a de abordar o tema suscitado à discussão, eis que se trata de analisar (e opto por encetar o método analítico, separando os termos de forma isolada para depois concluir sobre seu conjunto) dois fenômenos poliédricos (figura de linguagem que empresto da geometria para exprimir fenômenos complexos que apresentem mais de uma face, permitindo que se cheguem a variadas conclusões, dependendo do ângulo que se enfoque a questão).

Com efeito, e nisso residiria o caráter poliédrico apontado, cuida-se de duas realidades complexas, que podem (e isso é expresso na obra "A Universidade Desafiada", do Prof. J. F. Régis de Moraes, no que se refere às universidades) ser abordadas sob variados enfoques (e, neste texto, pretende-se dar maior enfoque às considerações traçadas pelo aludido sociólogo, e sempre lembrado professor, na sua festejada obra).

Acresça-se a isso o aspecto da delimitação espácio-temporal, vez que o presente trabalho não tem foro de universalidade e atemporalidade, mas, ao contrário, pretende-se tecer comentários a respeito do relacionamento entre sociedade e universidade, nos tempos hodiernos, no Brasil.

Não é objeto do presente estudo o esgotamento do tema referente às relações entre a Universidade e a Sociedade, mas, seria conveniente, ao menos em sede de se situar a questão, traçar breves linhas a respeito dos limites conceituais de cada um dos termos componentes do trabalho.

Nestes termos, a sociedade deveria ser entendida numa acepção mais ampla, envolvendo o conjunto complexo de classes sociais, as mais das vezes heterogêneas, que interage, sob a forma de sistema, de modo participativo, em nosso país.

Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Parsons, mencionada por Sílvio de Macedo, para quem, a sociedade seria "um tipo especial de sistema social, situado num universo de sistemas sociais e que atinge o mais elevado nível de auto-suficiência, como um sistema, com relação aos seus ambientes, cuja exigência fundamental com relação às personalidades de seus membros é a motivação de sua participação, onde se inclui a obediência às exigências de sua ordem normativa"[1].

Ora, malgrado se possa tratar de um conceito abordando a faceta mais jurídica do poliédrico conceito sociedade, o mesmo já deixa transparecer uma preocupação maior com o aspecto participativo, o que se revelará dado importante no seu relacionamento com a outra realidade conceitual poliédrica a ser abordada, qual seja, a Universidade.

Essa, por sua vez, surgida em meados do século XIII (embora alguns autores como João Gualberto de Carvalho Meneses[2]já identificassem escolas de grande renome na Europa dos séculos XI e XII, como o Mosteiro de Salermo, dedicado ao estudo e à prática da medicina, mas, ainda, de forma assistemática), através das bem sucedidas experiências de Bolonha, Paris, Oxford e Cambridge, surgiu de corporações que obtinham do Papa e do Imperador, cartas de privilégio para a propagação de estudos e pesquisas (deve-se atentar para a dificuldade óbvia de se desenvolver tais atividades naquele contexto histórico).

Etimologicamente, o termo universidade deriva de universitas magistrorum et scholarium, que designava a corporação autorizada pelos órgãos constituídos ao exercício daquela atividade.

E, muito embora, tal experiência seja multisecular na Europa, no Brasil, malgrado já se dispusesse de Escolas Superiores desde meados de 1.808 (Escolas de Medicina do Salvador e do Rio de Janeiro – surgindo os cursos jurídicos, logo após, em 1.827, através da chamada Lei da Boa Razão baixada pelo Visconde de Cachoeira), a primeira Universidade somente veio a ser instalada em 1.934 (São Paulo), inobstante já criada legislativamente desde 1.931 (pelo Decreto n. 19.851 de 11.04.1931).

Verifica-se, portanto, a partir daí, um certo descompasso entre as aspirações sociais e a experiência latente, relativamente recente, da vida universitária no Brasil.

E, quanto a esse aspecto, peço vênia, novamente, para recorrer às idéias lançadas por Régis de Moraes na obra retrocitada, quando menciona tratar-se de relacionamento conturbado o traçado entre a sociedade e a universidade no Brasil, neste final de século, em decorrência de vários hiatos e desníveis dentro das próprias universidades pátrias (a começar pelo par conceitual estabelecido por Philip G. Altbach, que já diferenciava as universidades centrais e as periféricas – no que tange ao papel de desenvolvimento científico das primeiras, relegando às segundas, em maior número que as primeiras, a função distribuidora do saber).

Por esta primeira dicotomia conceitual já se pode perceber que, em relação ao papel desempenhado por cada instituição, se poderá aferir um número maior ou menor de expectativas da sociedade (grupo complexo e mutifacetado, no qual, aliás, muito dificilmente haverá qualquer consenso a respeito de qualquer coisa), o que, por razões óbvias, refletirá na qualidade do relacionamento mantido entre ambas.

Assim, tender-se-ia a entender conveniente o acompanhamento das instituições centrais, malgrado as mais das vezes voltadas para outras realidades (geralmente situadas fora do país, recebendo grandes somas de dinheiro para pesquisas, laboratórios e bibliotecas – embora não se desconheça ou desmereça a existência de instituições centrais no território nacional, vivendo, muitas vezes, da dedicação dos professores desestimulados pela baixa remuneração e dificuldades orçamentárias para pesquisa), limitando-nos a tecer críticas à massa de instituições periféricas que, muitas vezes, de forma acrítica, transformaram-se em distribuidoras de saber, repetindo os mesmos modelos.


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