O papel da mulher na luta pela terra. Uma questão de gênero e/ou classe?



  1. Resumo
  2. Processo de luta pela terra no Brasil
  3. A luta pela terra no Pontal do Paranapanema
  4. Discutindo Gênero no MST: A participação da mulher no processo de luta
  5. A origem do Coletivo de Gênero na Região do Pontal
  6. Organização do Coletivo de Gênero no Pontal do Paranapanema
  7. De Coletivo para Setor de Gênero: o que muda?
  8. Considerações finais
  9. Bibliografia

Resumo

Pretendemos neste projeto de pesquisa, compreender a inserção e ação da mulher na luta pela terra, e priorizar a especificidade do embate existente entre as três dimensões que a mulher internaliza: enquanto provedora da força de trabalho e da família. Enquanto trabalhadora, no cotidiano da lavra, e na militância política. Mais especificamente põe-se a apreender as manifestações específicas que as mulheres estão apresentando, no raio organizativo do MST, através dos Coletivos de Gênero, das decisões e propostas de trabalho deliberadas, bem como seus desdobramentos, sendo que os Coletivos de Gênero ganham em abrangência e magnitude, tendo em vista privilegiar nas pautas de discussões, não somente a questão da exploração da mulher trabalhadora, os preconceitos, a violência, mas, sobretudo a emancipação de classe.

Palavras –chave: Trabalhadora Rural, Luta pela Terra, Gênero, Classe

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Pretendemos neste texto apresentar algumas reflexões preliminares a respeito da participação e do papel da mulher na estrutura organizativa do MST (Movimento Sem Terra), sendo que neste exercício, privilegiaremos entender a vinculação da mulher ao trabalho, à esfera doméstica e à luta política e organizativa, particularmente as implicações que rebatem sobre a temática de G6enero. Portanto, estamos focando a mulher que desempenha uma dupla jornada de trabalho: a lida no campo e o trabalho doméstico (tido como função natural e própria da mulher), somando-se a isso, quando se torna uma militante, assume uma tripla jornada de trabalho. Os aspectos desse quadro pretendemos estudar mediante o que se denomina Coletivos de Gênero, no âmbito do MST, e que vêm através da inserção da mulher na luta política, desencadeando uma série de transformações que cooperam para a busca da "emancipação" dessa mulher.

Algo que nos parece muito claro, é que quando a mulher se insere na luta política, passa a possuir uma consciência de classe e assume uma "identidade", ou seja, a idéia de pertencimento a um grupo, que compartilha dos mesmos valores, símbolos, discursos, etc. Essa nova conformação traz ao estudo dessas mulheres novos elementos, visto que em face da subjetividade intrínseca nessas relações, teremos uma série de transformações que buscam em certa medida, superar a concepção arcaica do que é ser mulher, e aquilo que a ela é atribuído. Esses sujeitos sofrem diariamente a influência do discurso, de práticas e valores que vão construindo suas identidades, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, sua forma de ser, de pensar, de agir na sociedade, enfim sua sociabilidade.

Algo que comparece nesse processo e nos parece fundamental estabelecer uma relação, são as relações de classe e gênero que norteiam as ações praticadas por essas mulheres. Podemos, entremeio a esse quadro, apreender a "luta por dentro da luta" realizada por essas mulheres. Quando da inserção da mulher no MST, e conseqüentemente da sua participação nas ações promovidas por essa organização, entendemos ser através desses embates a forma como se apresenta a busca pela emancipação do gênero humano, ou seja, a emancipação dos trabalhadores. Paralelamente, ou por dentro desse processo, as mulheres criaram espaços de socialização e manifestação que possuem como objetivo a busca pela emancipação da mulher, ou seja, a transformação social almejada pelo MST, na qual a emancipação da classe trabalhadora é o objetivo central. E como extensão desse objetivo, comparece por dentro desse processo a transformação das relações sociais de gênero.

Quando nos propomos a realizar um estudo sobre mulheres, nos deparamos com uma série de teorias que possuem como ponto de partida, a tentativa de explicar a inserção da mulher na sociedade sempre partindo da história de "opressão" que este sujeito sofreu ao longo da história do ponto de vista do trabalho, do sexo, da família, etc. Para justificar a desigualdade social entre homens e mulheres se recorria a biologia como a referência que marcava a naturalidade da diferença entre homens e mulheres, que possuíam, portanto, papéis diferentes a desempenhar. Não precisamos argumentar muito para afirmar a limitação dessa colocação. Como salienta Louro (1997,21):

É imperativo, então, contrapor-se a esse tipo de argumentação. É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico.

Nesse sentido, gênero, ou estudos de gênero, que emergiram a partir da década de 80, apresenta-se como uma ferramenta analítica que supera essas teorias, já que além da biologia, é enfatizado demasiadamente o que socialmente se construiu sobre estes sexos, de forma que: "não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas" (LOURO, 1997, 22).

Sendo a Geografia uma ciência cujo objeto é a sociedade vista através de sua face espacial, devemos considerar que o conhecimento deste espaço geográfico passa pela apreensão de uma realidade que se modifica constantemente e, sendo que para conhecê-la precisamos fazer recortes e mediações.

Fazer uma "leitura" geográfica do tecido social relacionando com os estudos de gênero é o nosso maior desafio. Considerando que o gênero "é uma das relações estruturantes que situa o indivíduo no mundo" (LAVINAS, 1997, 16), entendemos que estas dimensões do homem são permeadas por relações de gênero que atravessam o conjunto da sociedade e articulando-se com outras relações sociais, tais como classe e etnia, constroem diferentes espaços geográficos. Através da Geografia poderemos desvendar as manifestações territoriais desse processo, as marcas e os registros impressos através da sociabilidade do trabalho, o qual:

...sob o enfoque geográfico, é compreendido por nós, pois, como expressão de uma relação metabólica entre o ser social e a natureza, sendo que nesse seu ir sendo ou em seu vir a ser está inscrita a intenção ontologicamente ligada ao processo de humanização do homem. (THOMAZ, 2000:3)

Não se trata aqui de fazer um estudo que mostre, por exemplo, as diferenças existentes no acesso das mulheres ao trabalho, etc. As categorias homem e mulher são socialmente construídas e não têm nada a ver com as diferenças biológicas. De modo que a Geografia do Gênero tem alcançado uma maturidade e um desenvolvimento teórico muito importante. Esse novo cenário vem contribuindo de forma muito importante para o enriquecimento conceitual e ao debate ideológico, pois pela primeira vez na Geografia se levará em consideração o gênero como uma variável dos processos espaciais que regem nossa sociedade ao identificar a transcendência que tem essas estruturas espaciais na produção e na reprodução do espaço. Não se trata de uma Geografia de mulheres, ou feita somente por mulheres, simplesmente porque não se pode estudar a mulher sem levar em conta o homem, as relações de gênero (que variam no espaço e no tempo), a emancipação do gênero humano. Desta visão surge uma Geografia que assume em boa parte a teoria desenvolvida por outras ciências e que querem incluir a outra metade da humanidade que até então permanecia fora dos estudos. Em todo caso o que se pretende concluir é que as relações sociais são um importante elemento constitutivo na estruturação do espaço, estando intimamente conectadas com as de gênero e classe.


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