Exposição múltipla a agrotóxicos e efeitos à saúde



  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Metodologia
  4. Seleção da amostra
  5. Exame do Indicador Biológico de Exposição
  6. Avaliação clínica e neurológica
  7. Resultados e discussão
  8. Processo de trabalho
  9. Quadros de intoxicação por agrotóxicos
  10. Neuropatia tardia induzida por organofosforados
  11. Intoxicação crônica
  12. Alcoolismo como fator de confundimento
  13. Conclusões
  14. Referências

Estudo transversal em amostra de 102 trabalhadores rurais, Nova Friburgo, RJ

RESUMO

Um estudo transversal foi realizado em uma comunidade agrícola localizada em Nova Friburgo, RJ, para conhecer os aspectos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais da exposição múltipla a agrotóxicos em uma amostra representativa de 102 pequenos agricultores, de ambos os sexos. Os trabalhadores foram submetidos a um extenso protocolo que incluía aplicação de questionário ocupacional, coleta de amostras biológicas para exame toxicológico e avaliação clínica – geral e neurológica. Os resultados dos exames toxicológicos revelaram episódios leves a moderados de intoxicação aguda aos organofosforados descritos pelos agricultores ou observados durante o exame clínico. Foram também diagnosticados 13 (12,8 %) quadros de neuropatia tardia e 29 (28,5%) quadros de síndrome neurocomportamental e distúrbios neuropsiquiátricos associados ao uso crônico de agrotóxicos. Os resultados apontam para a ocorrência de episódios recorrentes de sobre-exposição múltipla, a elevadas concentrações de diversos produtos químicos, com grave prejuízo para as funções vitais desses trabalhadores, especialmente por se encontrarem em uma faixa etária jovem (média = 35 ± 11anos) e período produtivo da vida. Estes dados demonstram a importância do monitoramento da múltipla exposição a agrotóxicos, uma cadeia de eventos de grande repercussão na saúde pública e para o meio ambiente.

Palavras-chave: Intoxicação, Pesticidas, Múltipla aplicação, Neuropatia tardia, Organofosforados

Multiple exposure to pesticides and impacts on health: a cross-section study of 102 rural workers, Nova Friburgo, Rio de Janeiro State, Brazil

ABSTRACT

A cross section study was carried out in a farming community from Nova Friburgo, Rio de Janeiro state, Brazil, to examine epidemiological, clinical and laboratory aspects of multiple exposure to pesticides in a representative sample of 102 small farmers. Both males and females were submitted to an extensive protocol which included an occupation questionnaire, biological sample collection for toxicology analysis and clinical – general and neurological – evaluation. The toxicology test results showed light to moderate episodes of acute intoxication by organophosphorates either described by the farmers or observed during clinical examination. Thirteen cases of delayed neuropathies (12,8%) as well as 29 cases of neural behavioral syndromes and psychiatric disorders associated to the continued use of pesticides were diagnosed. These results indicate recurrent multiple overexposures to high concentrations of different chemicals, with serious damage to vital functions, especially considering their young age (average 35 ± 11 years old) and the productive period in their lifetime. These results show how important it is to monitor multiple exposure to pesticides – a chain of events that may have major impacts on public health and the environment.

Key words: Intoxication, Pesticides, Multiple application, Delayed-Neuropathy, Organophosphate pesticides

Introdução

A extensiva utilização de pesticidas representa um grave problema de saúde pública nos países em desenvolvimento, especialmente aqueles com economias baseadas no agronegócio, caso do Brasil. Somente nos EUA, segundo a Agência de Proteção Ambiental (EPA), existem mais de 18 mil produtos licenciados para uso, e a cada ano cerca de 1 bilhão de litros de pesticidas são aplicados na produção agrícola, residências, escolas, parques e florestas1.

No Brasil, a utilização em larga escala deu-se a partir da década de 70, quando os pesticidas foram incluídos, compulsoriamente, junto com adubos e fertilizantes químicos, nos financiamentos agrícolas. Atualmente, o termo "agrotóxico" é o mais recomendado para designar os pesticidas, pois atesta a toxicidade destas substâncias químicas, especialmente quando manipuladas sem adequados equipamentos de proteção.

As estimativas da incidência de problemas de saúde humana relacionados com a utilização de pesticidas é muito variável. Os danos para o organismo humano começaram a ser noticiados a partir dos anos sessenta, com relatos de casos de intoxicação por organoclorados entre trabalhadores rurais. Esta classe passou a ser proibida pela legislação de vários países. Atualmente, estima-se que entre 500 mil e 2,9 milhões de pessoas no mundo são envenenadas anualmente, com uma taxa de fatalidade de 1%, aproximadamente2. A maioria dos casos de doenças relacionadas a pesticidas envolve o uso de organoclorados e os organofosforados que possuem atividade neurotóxica3,4.

No Brasil, alguns casos adquiriram grande repercussão, como aqueles envolvendo unidades industriais da Shell e da Rhodia, localizadas no Estado de São Paulo ou ainda o da "Cidade dos Meninos", Duque de Caxias, RJ. Em todos estes casos, severa contaminação humana e ambiental foi observada4.

Algumas classes de pesticidas têm sofrido restrições em relação a seus usos e comercialização tanto nacional quanto internacionalmente. A Convenção de Estocolmo, por exemplo, assinada por cerca de 120 países, estabeleceu o banimento de doze substâncias cloradas, a maioria utilizada como pesticidas. No Brasil, com a entrada em vigor da Lei 7802/89 – Lei dos Agrotóxicos – os produtos contendo substâncias carcinogênicas, teratogênicas ou mutagênicas passaram a ter seus registros proibidos5.

Os organofosforados (OF), a partir da década de 70, passaram a ser os pesticidas mais utilizados no mundo. Desde então, tem aumentado, drasticamente, o relato de casos de intoxicação por OF, por efeitos tóxicos pela exposição aguda ou crônica, mesmo a baixas doses. Os registros de intoxicação humana e de contaminação ambiental estão bem documentados na literatura especializada6,7, 8.

Para atender a crescente demanda de frutas, grãos e hortaliças, os agricultores têm sido estimulados a utilizar uma grande variedade de produtos para aumentar a produtividade e reduzir as perdas das safras. Isto tem levado ao uso indiscriminado de agrotóxicos, colocando em risco a saúde dos produtores, do meio ambiente e dos consumidores.

Em comunidades rurais com pequenas propriedades, como a do Córrego São Lourenço, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, a pressão pela produção e colheita semanal regular de hortaliças para um mercado atacadista da capital, cada vez mais exigente com a aparência dos produtos, contribui para o uso abusivo de inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas. O escasso conhecimento dos riscos potenciais destes produtos e a não utilização de equipamentos de proteção durante a aplicação aumenta os riscos de contaminação dos agricultores e de suas famílias, quase todos envolvidos no processo de trabalho agrícola9.

Esta situação não é única no Brasil, onde centenas de milhares de trabalhadores estão envolvidos em atividades agrícolas. Entretanto, os riscos e a magnitude dos danos causados pela exposição aguda ou cumulativa a estes pesticidas neste grupo de trabalhadores ainda não são bem conhecidos. Evidências científicas mostram que a exposição aos pesticidas pode levar a danos à saúde, muitas vezes irreversíveis, como o caso da neuropatia tardia por sobreexposição a organofosforados. As conseqüências neurotóxicas da exposição aguda por altas concentrações de pesticidas também estão bem estabelecidas, seja os efeitos muscarínicos, nicotínicos e no sistema nervoso central e periférico. A exposição também está associada a uma larga faixa de sintomas, bem como déficits significativos da performance neurocomportamental e anormalidades na função do sistema nervoso10. Kamel & Hoppi apresentam uma revisão sobre os efeitos neurotóxicos da exposição crônica a baixos níveis de exposição em adultos com idade acima de 18 anos11. Estudo realizado nos EUA estimou o coeficiente de morbidade por exposição ocupacional a pesticidas em dezoito casos de intoxicação para cada 100 mil trabalhadores12.

Este artigo tem como foco central contribuir para o conhecimento dos riscos da aplicação múltipla e intermitente de um grande número de pesticidas à saúde de jovens agricultores, buscando conhecer o desenvolvimento de quadros de intoxicação quando são manipuladas várias substâncias químicas tóxicas conjuntamente ou em curtos intervalos de tempo. Assim, o nosso principal objetivo foi realizar o levantamento das condições de saúde, higiene e segurança no processo de trabalho envolvendo aplicação múltipla de pesticidas em uma comunidade agrícola, bem como avaliar os efeitos à saúde e quadros de intoxicação nos agricultores e familiares expostos a pesticidas (principalmente os organofosforados), fungicidas e herbicidas, entre outros grupos químicos.


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