Gênero e violência: práticas, imaginários e Políticas Públicas



  1. Resumo
  2. Introdução
  3. Objetivos e hipóteses da pesquisa
  4. Metodologia e modelos de análises
  5. Resultados
  6. Conclusões
  7. Referencias bibliográficas

RESUMO

Este artigo apresenta resultados de pesquisa e extensão acadêmica sobre violência contra a mulher em Porto Velho\RO. Identifica como fatores de violência contra a mulher à dependência econômica feminina em contexto de pobreza e os imaginários que instituem a inferioridade feminina. Fornece subsídios para Políticas Publicas de gênero. Argumenta que o modelo proposto socialmente para o exercício da sexualidade masculina é informado por dispositivo produtor de subjetividade sexual, que se fundamenta em imaginário social que é também indicador do valor negativo que a sociedade brasileira atribui a mulher. Considera a condição de área de colonização do estado, verificando dados de migração e o modo como ela incide sobre a "circulação de mulheres". Expõe dados de mobilidade social e rede social e estabelece relação entre as praticas de violência, a pobreza e o imaginário social. Conclui que a violência é social e generalizada, embora afete com maior gravidade a parcela pobre da população.

PALAVRAS-CHAVES: Gênero, Violência, Imaginário, Políticas Públicas.

  1. Introdução

Esse artigo apresenta os resultados parciais do projeto ‘Gênero, família e violência em contexto urbano (cotidiano, rede social e imaginário)’; em desenvolvimento no Centro de Estudos do Imaginário Social, CEI/UNIR, com bolsistas do Programa de Iniciação Cientifica (PIBIC-CNPq-UNIR.

Gênero, família e violência

O emprego da noção de gênero tem origem na tradição antropológica e psicanalítica feminista, e visa, como na gramática, acentuar a diferenciação entre seres e coisas designadas como da ordem do masculino e do feminino. Ou seja, a partir de uma diferenciação anatômica – pênis ou vagina – a sociedade classifica e institui os sujeitos em uma ordem social previamente instituída. Essa ordem define lugar, objeto e comportamento específicos a homens e mulheres, distribuindo a cada um funções, saberes e poder social de acordo com as características distintivas que a própria sociedade constrói como sendo pertinentes a cada um dos sexos. A exemplo de inteligência e coragem para os homens, afetividade e fragilidade para as mulheres.

Analisando o "estado da arte" sobre a produção antropológica em torno do tema de gênero, Heilborn (1982) indica que ela veio em substituição à categoria mulher que não dá conta do caráter relacional que a noção comporta. Adverte que a simples substituição de uma noção por outra não garante o estabelecimento da interdependência estrutural dos pares de oposição masculino e feminino.

Scott (1995) argumenta que a categoria de gênero pode ser tomada em duas acepções – forma de classificação e dado constitutivo da identidade dos sujeitos. Entretanto, há que se considerar o fato de que gênero é categoria construída em um solo especifico, que é a academia. Instituída portanto, pelas concepções de homens e de mulheres de classe media branca, - sujeitos das revoluções políticas e comportamentais desde o final da Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, os gêneros se instituem e se entrecruzam socialmente de vários modos: classe, etnia, religião, opção partidária, faixa etária, escolarização e profissão. Alem disso, no interior de cada pólo as diferenças também se multiplicam. Por isso não podemos conceber o feminino e o masculino como oposições estanques, mas examinar o contexto dinâmico e concreto das relações sociais, pois ali as solidariedades e os afrontamentos se mostram como arranjos plurais que desautorizam dualismos simplificados. E preciso ainda, considerar que gênero e identidade não são substancias ou unidades fixas e naturais, mas relações construídas culturalmente; tratando-se portanto, de realidades múltiplas e mutáveis (Scott, 1995; Butler,2003). De tal modo que a pós-modernidade já não indaga apenas sobre o sujeito, mas principalmente sobre "quem vem depois do sujeito", a exemplo de Haraway que anuncia a identidade cyborg, ao avaliar as conjunções entre o homem e as maquinas (2000); e Butler (2003) evidencia a construção social das demarcações de fronteiras entre os gêneros, criticando tanto o falocentrismo quanto à heterossexualidade compulsória.

Os estudos sobre família e gênero no Brasil correlacionam pobreza com família irregular, sem muita consideração sobre os aspectos políticos e ideológicos que envolvem a questão. A exemplo das impossibilidades que as famílias de baixa renda encontram frente à discrepância entre sua vida familiar e as condições da família pequeno-burguesa, e ainda as dificuldades para se oporem ao autoritarismo do sistema, que nega as diversidades étnicas que envolvem o processo de construção de identidades parentais e de gênero (Kaloustian, 1994; Donzelot,1980). A diversidade nos modelos de relacionamento desorientam as pessoas incidindo sobre o incremento de conversões religiosas seja ao catolicismo carismático ou ao protestantismo em busca de paradigmas para as relações conjugais (Machado, 1996).

Por outro lado, predomina o pressuposto de que a família existe enquanto unidade substantiva, derivada apenas de processos biológicos, sem indagação sobre a existência dos suportes de reprodução material e simbólico que lhes fundamenta a existência. Neste sentido compete indagar: a família existe? Qual a sua forma? Quais são as suas condições de sustentação? (Sluski,1997)

Em seu estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista, Gregori, analisa o modo pelo qual as mulheres vêem-se a si mesmas e aos seus parceiros, a fim de pensar como as relações de conflito conjugal se instituem e ganham permanência. A autora indica que no geral as explicações para a crise doméstica são atribuídas a "... condutas inadequadas de seus maridos: beber, ser mulherengo, ser boêmio, praticar ‘exageros’ sexuais" (Gregori, 1993:140). A autora reconhece que seu estudo deixou uma lacuna importante ao não analisar o que ela chamou o "lado dos homens". Ao mesmo tempo, que falta ao seu estudo, bem como as pesquisas nas quais ele se baseia, a etnografia das condições familiares.

No que refere a família, a violência é vista como conflito de gênero e de gerações, onde o mais fraco é "coisificado". Entendidos como permanentes, esses conflitos - manifestos ou latentes – seriam agravados ou suprimidos em função dos modelos de gestão dos mesmos. Quando o modelo é autoritário, suprime a flexibilidade necessária à superação das disputas; e quando é democrático, abre espaço para a busca e a consolidação de resolução. As condições de degradação econômica e/ou simbólica ameaçam a possibilidade de condução adequada aos conflitos inerentes ao convívio familiar (Vicente, 1994).

De acordo com Weber (1986), dado o "politeísmo de valores", não é possível eliminar a luta que surge como o fundamento de qualquer relação social. Neste sentido, a violência indica a articulação lógica em um confronto de valores. Retomando as reflexões de Weber, Maffesoli (1987) indica que a potencialidade conflitual inerente aos processos societários implica um certo grau de "ritualização da violência". Ou seja: a regulamentação das armas e dos meios de luta; o apelo aos precários direitos humanos; o consenso para provocar ou terminar uma guerra; o estabelecimento de regras do jogo. A desordem para ele tem função estrutural expressando a dialética viva do imaginário e do instituído. Nesse sentido, Foucault (1987) também critica a visão simplesmente dualista do poder como constituindo a relação dominante/dominado elucidando que o exercício do poder sempre comporta manobras e táticas pelas quais o sujeito dominado pode operar sua liberdade.

Partindo do pressuposto que a função simbólica especifica o humano como ser de cultura (Levis-Strauss, 1989), consideramos sobretudo o aspecto simbólico, ou seja, cultural da violência física. A violência em todas as suas formas de existência social é violência lógica, instituinte cognitivo pelo qual estabelecemos relações e identidades. A lógica é ser de pensamento e de práxis. Envolve relações econômicas e praticas classificatórias (Bourdieu). A violência pode ser compreendida como dispositivo para a resolução de problemas de definição da realidade, isto é, apropriação de recursos para a efetivação do real. Trata-se do poder de nominar, situar, deslocar, preservar, destruir, acumular e distribuir palavras, coisas e seres. As lógicas classificatórias e as categorias coletivas do entendimento constituem o mundo social. Ou seja, instituem as relações sociais e, entre elas, as relações de gênero (Durkheim e Mauss, 1999; Levi-Straus, 1989).

Por isso o mundo humano é, a cada vez, instituído pelo imaginário social de época, a partir das matérias já trabalhadas pela imaginação ao longo da historia do sapiens (Bachelard, 1990, 2001; Durand, 1997), ressignificando a tradição de modo histórico e criativo, através do dizer e do fazer sociais, pois o humano é uma espécie de ser que define a si mesmo de maneira inventiva, ao modo da poieses (Castoriadis, 1982). Por isso é importante criticar a forma pela qual a sociedade define o humano e o lugar que homens e mulheres devem ocupar no mundo construído e reconstruído pelas definições auto-instituídas socialmente.


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