Isaiah Berlin, Liberdade e Democratismo (versão por rever)

Enviado por André Barata


  1. Introdução
  2. A reflexão berliniana sobre o conceito positivo de liberdade
  3. Discussão da posição berliniana
  4. A pertinência da análise berliniana para o nosso contexto epocal

Introdução

            A desconfiança face aos grandes projectos de racionalidade e, sobretudo, perante o modo como estes podem justificar, mesmo a pretexto de um desígnio generoso, uma inaceitável supressão da liberdade individual - esse é o aspecto fundamental do pensamento de Isaiah Berlin. Interpretada no contexto epocal em que surge, a reflexão berliniana não pode deixar de ser entendida como uma forma de intervenção pública contra a violência indesmentível, embora sob a capa de uma retórica democratista e da liberdade, dos regimes colectivistas nos anos 50. Note-se que a sua célebre conferência "Dois conceitos de liberdade" remonta a 1958, pleno período de guerra fria. Pese embora este contexto, nem por isso seria justo rotular a reflexão berliniana como datada ou, de algum modo, inexpressiva para o nosso tempo. 

            O esforço de Berlin reveste, no campo da História das Ideias, a forma de uma severa crítica ao racionalismo dos tempos modernos, particularmente no que respeita á acção humana. Está nisto em causa tornar claro que nem sempre é desejável, sequer razoável, pelo menos no que respeita á natureza humana, opor o verdadeiro ao falso e decidir entre um e outro, sob pena de cairmos numa teia repressiva suportada por uma injustificável verdade do humano. Tal qual o verdadeiro e o falso, também a ideia de um determinismo nos assuntos humanos, e no seu palco mais amplo que é a História, não só não encontra outro fundamento além de uma demasiado problemática analogia com o conhecimento das ciências naturais, como, além disso, vem sobretudo suportar a mesma tendência para impor o monismo á acção humana, o mesmo é dizer, condicionar o pluralismo dos modos humanos de ser e a abertura do seu futuro. A este propósito, no ensaio "A inevitabilidade histórica" (de 1954), Berlin afirma - «Não pretendo afirmar que o determinismo é necessariamente falso, mas tão-só que não falamos nem pensamos como se pudesse ser verdadeiro».[1] é, pois, logo a maneira como falamos e como pensamos, pouco importando se sobre um fundamento ilusório, que estabelece a diferença de princípio entre uma história humana e a história natural, entre pluralismo e monismo, entre liberdade e repressão.

            Isto vale para a História, cuja abordagem teórica, segundo Berlin, não pode ser encarada como trazendo em si uma orientação incontornável quando, do ponto de vista prático, não a encaramos dessa forma. Mas vale igualmente para a crença humana na liberdade - «se a crença na liberdade (...) se trata de uma ilusão necessária, é tão profunda e arreigada que não é sentida como tal».[2] E vale ainda para os objectivos humanos e para os valores que lhes subjazem.

            é importante notar que a recusa de uma verdade humana, de uma natureza humana que se pudesse dizer verdadeira, se faz, em Berlin, pela assunção de uma crença humana que bem pode ser falsa. Berlin não descarta essa possibilidade; antes sobrepõe a efectividade da crença ao seu valor de verdade. No que toca ao que é o agir humano, seus valores e objectivos, importará mais a realidade das nossas crenças, e a sua eventual necessidade, como se de uma ilusão transcendental se tratasse, do que a questão da sua verdade. Noutros termos, é como quando se afirma que conseguimos ser cépticos relativamente a tais crenças, mas que não conseguimos agir de acordo com esse cepticismo. Por exemplo, posso pensar, com convicção, que a liberdade é ilusória, mas não é razoável supor que pudesse agir em conformidade com essa convicção.

            é precisamente esta anulação da importância da questão da verdade ou falsidade das nossas crenças sobre o humano que desvia Berlin de uma posição que fosse reconhecível como cepticismo. Ao céptico importará a questão da verdade das nossas crenças, designadamente da impossibilidade de a determinar; a Berlin é justamente este tipo de questão o que não lhe importará. Sobre a admissão da realidade de uma pluralidade de crenças, não importa distinguir, entre elas, as falsas e as verdadeiras. Basta a sua realidade como princípio legitimador. Daí a afirmação de um pluralismo que, demitida a questão da verdade, suscita o problema da convivência entre crenças, valores e objectivos plurais. Não servindo a verdade como critério de discriminação, como, pois, assegurar tal convivência?  Esta é a pergunta a que o pluralismo, uma vez estabelecida a sua bondade, deve procurar dar resposta.  

Que este pluralismo não é cepticismo, expõe-no uma das citações mais celebrizadas por Berlin:

"Compreender a validade relativa das nossas convicções" dizia uma admirável autor do nosso tempo [Joseph Schumpeter, 1943. Capitalism, Socialism and Democracy], "e mesmo assim lutarmos por elas inabalavelmente é o que distingue o homem civilizado do bárbaro." Pedir mais do que isto é talvez uma profunda e incurável necessidade metafísica; mas permitir que determine a nossa actuação é um sintoma de imaturidade moral e política igualmente profunda e mais perigosa.[3]

            No que respeita ao seu pensamento político, é conhecido o posicionamento de Berlin relativamente a certos usos políticos do conceito de liberdade, muito em especial usos por parte do democratismo - entendido como corrente que se filia no pensamento de Rousseau e em progressivo contraste com os pensadores liberais, sobretudo os do Séc. XIX, como Constant, Tocqueville e Mill.


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