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Macabéa, ou Pedro, ou João, ou Maria, ou Graziela, não interessa (página 2)

Graziela Alves

           É mister, deixarmos claro, que Macabéa, não tinha a oportunidade de ter uma outra perspectiva, tinha que agir assim mesmo, porque ela era um ser excluído da sociedade, e esta, não dava margem para que ela fosse alguém na vida. No entanto, as vezes, Macabéa dava-nos a entender que tinha um pouco, mesmo que muito raramente, consciência de sua inutilidade, quando por exemplo, Olímpico pergunta á ela sobre seu nome, e ela diz que não tem importância, que ela não é importante, ou quando acordava pela manhã e imagina, quem sou eu? E respondia: sou virgem, datilógrafa e gosto de coca-cola, (ela, sempre procurava lembrar quem era, já que os outros não percebiam, até mesmo para ela própria não se esquecer). Mas a percepção concreta dessa sua inutilidade ela não tinha, aliás, ela nunca aprendeu a pensar, só repetia o que ouvia dos outros, principalmente da rádio relógio, que ensinava uma "cultura" inútil.

            Maca era ingênua, a tal ponto que chegava a agradecer e pedir desculpas quando os outros a ofendiam, ela era apenas mais uma, ia a lugares comuns e sonhava em ser uma estrela de cinema, apesar, é importante deixar claro, de ela estar (demonstrar) satisfeita com sua situação. Temos esse ponto em comum com a personagem, de querermos ser uma "estrela de cinema", também nós sempre temos o desejo de ser alguém, nunca estamos satisfeitos com o que somos. Apesar de, vou reforçar mais uma vez, que Macabéa, não tinha essa consciência, ela desejava e pronto, do mesmo modo que comia, trabalhava e ouvia rádio, era apenas, mais uma atitude e não um desejo obsessivo, um objetivo de vida.

            Aliás, objetivos, perspectiva, ambição, eram sentimentos que Macabéa nunca teve, ela, sempre foi construída como a ausência de tudo, ou seja, a que não tem. Ela é um não, idéia de nada, ela não tem família, não tem namorado, não tem dinheiro, não tem sensualidade (ela só se descobre sensual depois das palavras da cartomante). Olímpico, o namorado de Maca, era também um nordestino que havia vindo tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro, mas diferente de Macabéa, ele queria crescer na vida, mesmo por meios ilícitos, e ela nem isso queria. Na verdade Maca, só ao entrar em contato com a cartomante é que começa a refletir, se é que se pode dizer isso, sobre sua existência, Madama Carlota foi a única que achou seu nome bonito, que a chamou de florzinha, foi a primeira vez que foi reconhecida como gente, apesar de percebermos que Carlota fazia isso, porque era seu papel iludir as pessoas, encher "os miseráveis" de esperança.

            Ao ouvir a cartomante, Macabéa se sente grávida do futuro, é a primeira vez que lhe vem a mente, uma certa perspectiva, um destino, que como sabemos é trágico. Justamente  quando ela imagina que vai começar a viver é que a morte lhe toma a vida. Mesmo assim, é relevante deixarmos claro, que mesmo acidentada, atropelada,  Macabéa em sua ingenuidade se senti feliz e acredita que sua vida está mudando para melhor, pobre sabe ela que sua vida está terminando, aliás, podemos tirar a conclusão de que de certo modo ela estava correta, quem sabe com a morte física ela não poderia viver, já que enquanto estava viva ela simplesmente vegetava, era apenas " o cabelo na sopa".

            A idéia conclusiva que podemos chegar é que a única saída para Macabéa, era nada mais, nada menos que a morte, esse é o destino de todos (morte física), apesar de muitos já estarem mortos antes mesmo de morrem literalmente, principalmente essas pessoas excluídas, Macabéa só foi alguém, só foi percebida no mundo, quando foi atropelada, atrapalhando o tráfego, como já dizia Chico Buarque, em sua música Construção. Na verdade somos o nada, como Macabéa, só somos percebidos por um instante, quando a vida nos coloca nessa situação que é a morte, enfim, nesse momento encontramos nosso lugar, mesmo que na calçada (que não é a da fama, mais uma comum), que por um instante se torna o palco, o picadeiro, o cenário de um estrelato. Macabéa enfim, consegue ser vista, sentir-se gente, uma verdadeira estrela.

            No próprio momento de sua morte física, é que Maca se sente mulher, sente um gozo por si, é a primeira vez que se toca e se abraça como sentindo uma estima por si mesma, é o ápice, o clímax da narrativa. Aliás, a morte se torna a personagem principal desse metarromance. A morte é a única figura que consegue dar um fim a essa história, se não terminasse assim, não teria fim, pois a todo momento Rodrigo já nos deixa claro e nós também já, de certa forma, imaginamos que não resta a  Maca um outro destino senão esse, e que é o final de todos nós. De repente só morrendo é que podemos sentir e descobrir quem somos (éramos).

Muitos filósofos, já desde a antigüidade, vem tentando descobrir quem somos, e na verdade nunca se chegou a uma conclusão, essa é uma pergunta que nunca terá uma resposta, somos o que vivemos e pronto, e se isso está correto ou errado, não sabemos, talvez um dia possamos descobrir, como Macabéa, mas isso ninguém sabe. Apenas vamos vivendo, e afinal, o que é a vida senão uma busca constante?

            Constatamos, também, que como Macabéa, muitas vezes, estamos vegetando, já estamos mortos, mesmo estando vivos, pois como já dizia Charlie Chaplin "O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar". Toda essa narrativa também nos remete, com toda certeza, a própria história de vida de Clarice Lispector, desde cedo perde a mãe, assim como Macabéa que não lembrava dos pais, também veio do nordeste para tentar a vida no Rio de Janeiro, e por fim Clarice também, principalmente após sua separação, seu acidente com o cigarro (apartamento pegando fogo) e com sua doença (câncer no útero), não tem mais um objetivo na vida, uma meta, uma perspectiva, apenas espera sua morte física, porque sua morte interna já havia ocorrido a muito tempo. 

            Macabéa, Rodrigo, Clarice, representam todos nós, um nada, que vivemos em busca de entender o que somos, e quando descobrimos é tarde demais, como sempre, descobrimos tudo tarde demais. Somos pó e ao pó iremos voltar. Na verdade, cada um constrói a sua história, boa ou ruim, mas constrói, quem somos nós para julgarmos Clarice,  Rodrigo ou Macabéa? Se somos como eles, simples mortais que temos que lutar diariamente, para sobrevivermos nessa labuta constante que é a vida em sociedade. Quantos de nós também não queríamos uma cartomante, mesmo que charlatona, para nos dá uma esperança, para nos transformar em alguém, para também como Macabéa, deixarmos de ser ausências apenas. Será que somos o que queremos, ou simplesmente queremos ser.

            Quantas vezes, quando estressados, não gostaríamos de ser como Maca simplesmente, não pensar em nada e achar que tudo está muito bom? Mas não, temos essa tendência a complicar as coisas, a reflexão, ao estresse.

            São essas reflexões que todo o tempo Clarice quer nos repassar, que são também, como já havia citado, suas próprias reflexões, e acho que muito mais do que retratar a realidade, ela conseguiu levar-nos a uma introspeção, a um estudo sobre nós, nossa vida e a sociedade. Clarice foi mestre, conseguiu escrever de forma diferente, nova, sem ser rebuscada, até mesmo porque o narrador-personagem Rodrigo, não podia escrever de forma erudita para poder se aproximar da personagem Maca. Esse não é um livro comum, e não foi escrito para qualquer um ler, na verdade, o "romance", não tem público, como alguns críticos e o próprio Rodrigo nos deixa entender.

            A própria sugestão de vários títulos foi inovador, tudo nesse livro nos remete a algo novo, segundo Gotlib, o livro se divide em cinco histórias, sendo que a última só quem lê o "romance", descobrirá, Gotlib nos remete novamente aos títulos, que se formos ler o livro sob a perspectiva de determinado título, teremos uma história nova, aliás, sempre que lemos novamente uma obra, independente de mudarmos ou não o nome dela, temos uma nova visão, pois como já dizia, se eu não me engano, Heráclito, "Não nos banhamos duas vezes no mesmo rio". A cada leitura é um nova descoberta, e a autora quer justamente deixar ao leitor esse trabalho de reflexão, de construção. Nós leitores temos que tirar nossas  próprias conclusões.

E é justamente por isso, que a história se torna interessante, até mesmo porque, como já citei várias vezes, nós mesmos nos identificamos muito com os personagens desse metarromance. Estamos constantemente buscando essa "Hora da Estrela", muitas vezes também não nos encaixamos em lugar nenhum, a autora quer deixar isso bem claro, que não existe no mundo lugar para pessoas como Macabéa.

 

 

Autor:

Graziela Alves

grazialves[arroba]ibest.com.br

Licenciada em Letras (Português/Inglês) pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI e Pós-Graduada em Práticas Pedagógicas Inovadoras com Enfoques Multidisciplinares no Ensino Fundamental e Médio pela Faculdade de Educação de Joinville - FEJ e Secretária Administrativa da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte de São João Batista.



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