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A constituição federal, o supremo tribunal federal e os tratados internacionais (estudo sobre o dire (página 2)

Luciano Nascimento Silva
Partes: 1, 2, 3

Sobre os indivíduos como sujeitos do direito internacional KELSEN vai dizer que esta declaración expresa uma regla que no deja de tener excepciones. En modo alguno queda excluído en principio que se obligue y autorice directamente a individuos. En efecto, existen tanto normas de Derecho internacional general consuetudinario como normas de Derecho particular estabelecido por tratados en los cuales aparecen individuos como obligados y como autorizados de manera directa. Hay normas de Derecho internacional en que se designa directamente a aquel individuo cuya conducta constituye la materia de la facultad o del deber, que el Derecho internacional establece. Hay casos en que el Derecho internacional no confiere al nacional la designación del elemento personal, sino que él mismo la hace. Estas normas del Derecho internacional son normas completas, que no necesitan complemento.[5]

1.2 A transformação do direito internacional em nacional

            é sabedor que a ordem constitucional de cada país é quem dispõe sobre a negociação, assinatura e conclusão dos tratados internacionais, bem como a admissibilidade da ordem internacional no direito interno. A figura dos chamados tratados de devida forma ou tratados legislativos[6] sempre esteve presente como uma das principais, senão a principal, fonte do Direito Internacional Público.

FLÁVIA PIOVESAN vai dizer que "os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituem a principal fonte de obrigação do Direito Internacional. O termo "tratado" é um termo genérico, usado para incluir as Convenções, os Pactos, as Cartas e demais acordos internacionais".[7]

            é forçoso identificar que o direito internacional impõe obrigações e deveres aos Estados no que concerne a determinadas condutas. Diante destas condutas ficando de fora os indivíduos. O que quer significar que o direito internacional atribui ao direito interno - referente a conduta dos indivíduos -, uma determinação de dever, sendo necessário fazer uma distinção entre os casos.

Daí KELSEN lecionar no seguinte sentido "hasta ahora se había supuesto que en el momento en que se actualiza la obligación internacional de un Estado, la constitución de este Estado ya contiene la designación de los órganos que han de cumplir con la obligación internacional. Pero también es posible que el ordem jurídico del Estado no contenga todavia una norma que designe el individuo que, como órgano del Estado, ha de cumplir con la obligación internacional. En tal caso, ha de crearse esa norma. La situación es la misma si la norma de Derecho internacional obliga al Estado a cierta conducta pero la designa tan sólo en términos generales, de tal manera que sea necesario hacer outras determinaciones para ilevar a cumplimiento esta norma del Derecho internacional. En este caso, se debe dictar una norma nacional para ampliar o completar la norma de Derecho internacional, porque la conducta de los órganos del Estado que deben cumplir los deberes internacionales de este tiene que estar determinada de modo adectuado. También se debe dictar una norma de Derecho nacional para la ejecución de una norma de Derecho internacional cuando los órganos del Estado, que deben cumplir los deberes internacionales de éste, pueden, según la constitución, ejecutar únicamente normas de Derecho nacional ... ".[8]

            A questão envolvendo a transformação do direito internacional em direito interno faz surgir duas teorias que apresentam soluções divergentes, quais sejam: a teoria monista e a teoria dualista. Que analisaremos a seguir.

2. AS TEORIAS MONISTA E DUALISTA

            A problemática envolvendo as teorias monista e dualista reside no ponto da incorporação dos tratados internacionais ao direito interno. Para a teoria monista a questão resume-se a uma unidade de ordenamentos, as ordens internacional e interna seriam uma. Argumentando que, no caso do Estado obrigar-se na ordem internacional, estaria utilizando-se de sua soberania, soberania esta reconhecida pela ordem internacional. E que tal obrigação pelo Estado estender-se-ia aos indivíduos subordinados a este Estado, passando os mesmos a sujeitos de direitos e obrigações internacionais.

            Já para a teoria dualista o que existe é uma inegável separação entre a ordem internacional e a ordem interna. Pautando tal argumento em algumas premissas, dentre elas, a de que a ordem internacional regula as relações entre os Estados, enquanto a ordem interna regula a convivência civil entre os indivíduos de um determinado Estado

2.1 O falecimento das teorias monista e dualista

            Numa síntese da interpretação da doutrina monista, o que podemos dizer é que para esta existe tão só uma espécie de única ordem jurídica envolvendo a ordem interna e a ordem internacional. O que quer dizer, que para alguns, a prevalência é do direito interno - o que se convencionou chamar de monismo com primazia do direito interno -, o que vem caracterizar a absoluta soberania do Estado. Para outros tantos, deve ocorrer a prevalência do direito internacional - o que se denominou chamar de monismo com primazia do direito internacional -, já que a ratificação de um tratado internacional produz a sua vigência nos direitos internacional e interno, ocasionando uma produção de direito e obrigações, tanto para o Estado, como para os indivíduos.

Ensina ALBUQUERQUE  MELLO que o monismo sustenta de um modo geral, a existência de uma única ordem jurídica. Esta concepção tem duas posições, quais sejam, a primazia do direito interno, e outra, a primazia do direito internacional. Diz o mestre:

a) O monismo com primazia do direito interno tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do DI é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por JELLINEK. O DI tira a sua obrigatoriedade do Direito Interno. O DI é reduzido a um simples "direito estatal externo". Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O DI é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional. Esta concepção foi seguida por WENZEL, os irmãos ZORN, DECENCIÈRE-FERRANDIÈRE, VERDROSS (inicialmente). Os autores soviéticos (KOROVIN) sustentaram que o direito internacional só é válido para o Estado, como parte do seu direito nacional, filiando-se a esta concepção da soberania absoluta do Estado. Seguiram a esta tese ainda os juristas nazistas e mais recentemente ela foi adotada por GEORGES BURDEAU, que considera o DIP "um direito nacional para uso externo".

b) O monismo com primazia do Direito Internacional foi desenvolvido principalmente pela escola de VIENA (KELSEN, VERDROSS, KUNZ, etc). Kelsen, ao formular a teoria pura do direito, enunciou a célebre pirâmide de normas. Uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da que lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide estava a norma fundamental, a norma base ("GRUNDNORM"), que era uma hipótese, e cada jurista podia escolher qual seria ela. Diante disso, a concepção kelseniana foi denominada na sua primeira fase de teoria da livre escolha; posteriormente, por influência de VERDROSS, KELSEN  sai do seu "indiferentismo" e passa a considerar a "GRUNDNORM" como sendo uma norma de DI: a norma costumeira "pacta sunt servanda". Em 1927, DUGUIT e POLITIS defendem o primado do DI e com eles toda a escola realista francesa, que apresenta em seu favor argumentos sociológicos. A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional.[9]

            A teoria dualista, por sua vez preceitua a existência de duas ordens jurídicas distintas, sendo uma nacional e outra internacional. O que faz surgir a necessidade de emissão de uma norma de caráter especial que produza no direito interno o disposto na norma internacional. Ficando claro que para esta teoria as duas ordens jurídicas distintas não podem sofrer conflito, já que inexistente quaisquer espécies de relação entre ambas.

            Porém, a exemplo da corrente monista, esta sofreu modificações no que concerne a realidade prática da doutrina - quanto a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento interno -, já que alguns sistemas jurídicos optaram pela técnica da INCORPORAÇÃO LEGISLATIVA, enquanto outros optaram pela SIMPLES RATIFICAÇÃO do tratado internacional, para sua aplicação no direito interno.[10]

Fazendo uso mais uma vez do magistério de ALBUQUERQUE MELLO, que leciona no sentido de informar que o primeiro estudo sistemático da matéria teria sido feito por HEINRICH TRIEPEL, em 1899, na obra "Volkerrecht und Landesrecht". Parte o jurista da concepção de que o Direito Internacional e o Direito Interno são "noções diferentes" e, em conseqüência, as duas ordens jurídicas podem ser tangentes, mas não secantes, isto é, são independentes, não possuindo qualquer área em comum. O pensador pátrio vai dizer que esta oposição é resultante de três diferenças que existem nas duas ordens jurídicas: a primeira diferença é de "relações sociais": na ordem internacional o Estado é o único sujeito de direito enquanto na ordem interna aparece o homem também como sujeito de direito; a segunda diferença é das fontes nas duas ordens jurídicas: o Direito Interno é o resultado da vontade de um Estado, enquanto o DI tem como fonte a vontade coletiva dos Estados, que se manifesta expressamente nos tratados-leis e tacitamente no costume internacional. TRIEPEL, neste aspecto, se baseara em trabalhos de BERGBOHM e BINDING, sendo que este último já utilizara a expressão "Vereinbarung" (convenção, ato-união) em tratabalho publicado um decênio antes. A "Vereinbarung" é, na definição de BINDING, "a fusão de vontades diferentes com um mesmo conteúdo". Ela se manifestaria nas decisões do Congresso, etc. A "Vereinbarrung" se diferenciaria do "Vertrag" (contrato), em que as vontades têm conteúdo diferente; a terceira diferença é relativa a estrutura das duas ordens jurídicas: a interna está baseada em um sistema de subordinação e a internacional na coordenação. é a comunidade internacional uma sociedade paritária.[11]  

            é importante mencionar que nos dias atuais a discussão sobre ambas as doutrinas perdeu o sentido, por diversos motivos, dentre eles, a dinâmica que envolve as relações internacionais neste final de século e começo de novo milênio. O que ocorre na verdade é um falecimento, senão das doutrinas, mas pelos menos, das discussões que as envolve. Pois, é bem claro para todos - pode-se até afirmar numa existente unanimidade -, que é a Constituição de cada Estado que vai determinar as regras para incorporação dos tratados internacionais ao direito interno.

Corroborando nossa posição MAGALHÃES vai dizer que, é por isso que perdeu sentido a antiga polêmica sobre dualismo e monismo ... Tal polêmica, na verdade, pode-se considerar ultrapassada, uma vez que a questão se cinge ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados. Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna.

Mas não basta verificar a constitucionalidade de um tratado, pois há também que se ter em conta a compatibilidade da própria Constituição com as normas cogentes de Direito Internacional, de aplicação geral e obediência compulsória por todos os Estados, por expressarem valores permanentes da comunidade internacional. Dentre estes estão os que dizem respeito aos Direitos Humanos que prevalecem sobre eventuais valores de comunidades nacionais com eles contrastantes, como adiante se verá.[12]

2.2 O posicionamento da doutrina nacional

            Na constituição Federal de 1988 tivemos o surgimento de dois dispositivos - relacionados com o poder de celebrar tratados e incorporação dos mesmos no direito interno -, que causam até os dias de hoje enormes insatisfações entre os constitucionalistas pátrios, que são os artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII.

            Daí FLÁVIA PIOVESAN dizer que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados internacionais, que não se aperfeiçoa enquanto a vontade do Poder Executivo, manifestada pelo Presidente da República, não se somar á vontade do Congresso Nacional. Logo, os tratados internacionais demandam, para seu aperfeiçoamento, um ato complexo, onde se integram a vontade do Presidente da República, que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova, mediante decreto legislativo. Ressalte-se que, considerando o histórico das Constituições anteriores, constata-se que, no Direito brasileiro, a conjugação de vontades entre Executivo e Legislativo sempre se fez necessário para a conclusão de tratados internacionais.[13]

            No entanto, a discussão não reside apenas nos preceitos trazidos pelos dispositivos constitucionais acima citados - que trataremos em capítulo específico, mais adiante -, mas também, na questão da aplicabilidade dos tratados internacionais. Principalmente, os tratados que versam sobre direitos e garantias fundamentais e direitos humanos. Cabendo, por assim dizer, uma análise dos (art. 4º, inciso II, e art. 5º, §1º e §2º) dispositivos constitucionais referentes.

            é importante lembrar que na Constituição Federal, não há menção expressa a qualquer das correntes, seja á monista, seja á dualista. Por isso, controvertida é a resposta á sistemática de incorporação dos tratados - se a Carta de 1988 adotou a incorporação automática ou não-automática... . "A doutrina predominante tem entendido que, em face do vazio e silêncio constitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens jurídicas diversas: a ordem interna e a ordem internacional. Para que o tratado ratificado produza efeitos no ordenamento jurídico interno, faz-se necessária a edição de um ato normativo nacional. No caso brasileiro, este ato tem sido um decreto de execução, expedido pelo Presidente da República, com a finalidade de conferir execução e cumprimento ao tratado ratificado no âmbito interno".[14] 

O magistério de SILVIA STEINER é no sentido de um sistema monista, o que quer dizer que o tratado ingressa no ordenamento jurídico interno sem necessidade de lei no sentido formal, "em verdade, pelo nosso sistema, é de competência exclusiva do Executivo a celebração de tratados (art. 84, VIII, da CF). Ao Congresso é enviada cópia do texto, a qual, se aprovada, gera a publicação de um decreto legislativo, cuja função é apenas a de dar ciência da aprovação do texto apreciado, das reservas eventualmente impostas, das cláusulas facultativas aceitas etc. Somente após a aprovação do texto é que o Executivo ratifica o tratado e, por via da promulgação, assinala o início de sua vigência e eficácia no País. Nem o decreto legislativo, nem o decreto do executivo de promulgação podem ser considerados "lei" no sentido de norma de direito interno editada segundo a forma e procedimento previstos na Constituição".[15] A autora utiliza-se do ensinamento de PEDRO DALLARI, que assinala "o tratado ingressa no direito brasileiro - e entendo que essa é uma questão pacífica hoje - com vida própria, com forma própria, por força do compromisso internacional celebrado pelo Brasil, sendo o decreto presidencial a via pela qual se dá a publicidade ao seu conteúdo e se fixa o início de sua vigência no território nacional. Prevalece, assim, a solução monista para o dilema da integração dos tratados de direito internacional público ao direito interno".[16]

            Assim, a total ausência de um dispositivo constitucional que determine a superior hierarquia da norma convencional sobre a interna está a demandar a alteração do texto constitucional, para que nele se inclua dispositivo que preveja que os tratados são recebidos "como tal" na ordem nacional e que possuem superior hierarquia em face do ordenamento interno.[17]

            Enfim, o que se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais, é que a Carta Magna de 1988 adotou um sistema misto para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Um tratamento de incorporação imediata dispensado aos tratados de direitos fundamentais e direitos humanos e, um tratamento de incorporação mediata para os tratados convencionais.

3. O DIREITO DOS TRATADOS E O DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

            Neste capítulo discutiremos a polêmica envolvendo a competência para celebrar tratados, estabelecida com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma outra questão oriunda da primeira é a hierarquia dos tratados no direito interno. Ainda, uma análise dos tratados convencionais e tratados de direitos humanos.

3.1 O poder de celebrar tratados

            é regra a atribuição da competência para celebrar tratados ao Chefe do Poder Executivo, ou representante por ele designado. Entretanto, sobre cada país é a Constituição que vai determinar uma competência exclusiva ou privativa, ou até mesmo, uma divisão de competências para a vigência do tratado internacional na ordem interna.

Ensina GRUPENMACHER que há, em relação á forma de conclusão dos tratados, dois diferentes sistemas: o da concentração de poderes e o da separação de poderes. O primeiro consiste na fusão dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo o órgão resultante de tal fusão competente para a ratificação dos tratados. Dele é exemplo típico o sistema britânico, onde a ratificação integra as prerrogativas e faculdades da Coroa. Na prática, no entanto, naquele país, além de ser ouvido o Governo, o Parlamento é sempre consultado antes da ratificação, e esta ocorre automaticamente passadas três semanas, se nenhum parlamentar suscitar sua discussão.

E o segundo é do separação de poderes, sendo o mais usual. Em ambos, a ratificação é dada pelo Chefe de Estado, no entanto, de prévia aprovação do órgão legislativo. Em regimes presidencialistas, esta aprovação pelo órgão legislativo deve ocorrer em relação a todos os tratados. é o caso dos Estados Unidos que, no art. 2º, seção II de sua Constituição, impõem a aprovação por maioria de 2/3 do seu Senado. Também a Argentina contém tal previsão no art. 75, inciso 22 do seu Texto Constitucional[18].

            Os tratados convencionais[19] exigem sempre a participação do Poder Legislativo, no que concerne a aprovação ou referendo, para sua vigência no direito interno, mediante a emissão de um Decreto Legislativo.             é de se ressaltar que a terminologia para a classificação dos tratados na ordem internacional não é precisa. Existindo um verdadeiro balaio de conceitos quanto a sua classificação.

3.1.1 Tratado convencional

            Os dispositivos constitucionais (art. 49, inciso I, e art. 84, inciso VIII) sobre as atribuições do Congresso Nacional e do Presidente da República preceituam, respectivamente, que:

é da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional

(...);

Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

            é de fundamental importância identificarmos a tradição, para celebrar tratados, no direito constitucional brasileiro. No sentido de uma divisão de poderes, ou ação conjunta entre os poderes constituídos, ou não. Já que na opinião de muitos autores a Carta Magna de 1988 perdeu uma oportunidade impar de disciplinar a matéria de forma moderna.

Para GRUPENMACHER a "tradição constitucional brasileira desde 1891, com exceção feita á Carta de 1937, impõe ação conjunta do Poder Executiva e do Poder Legislativo na conclusão de tratados internacionais. As disposições dos citados artigos 49, I e 84, VIII mantém, na atual Constituição, a necessária colaboração entre os apontados Poderes do Estado, que sempre foi regra comum nas Constituições brasileiras, sendo da União, segundo preceitua o artigo 21 da Carta Magna, a competência para manter relações com Estados estrangeiros e participar das organizações internacionais".[20]

            é de se notar que vige no direito constitucional brasileiro, quanto a interpretação dos dispositivos constitucionais sobre a competência para celebrar tratados, duas correntes doutrinárias.

CACHAPUZ DE MEDEIROS[21] leciona que os comentários divulgados pelos doutrinadores, a propósito dos artigos 49, I, e 84, VIII, demonstram que continuam existindo duas vertentes no pensamento jurídico brasileiro sobre a interpretação das normas constitucionais relativas á competência para celebrar tratados.

1. a vertente doutrinária que se pronuncia pela compulsoriedade absoluta da deliberação do Legislativo para todos os acordos internacionais celebrados pelo Executivo[22];

2. a vertente doutrinária que se pronuncia pela admissibilidade da celebração de certos acordos internacionais unicamente pelo Executivo, sem aprovação congressional[23].

            A redação do artigo 84, inciso VIII, da CF/88 atribui uma competência privativa ao Chefe do Poder Executiva para a celebração dos tratados internacionais, de forma a representar a União na Ordem Internacional. Por outro lado, depreende-se da leitura do artigo 49, I, da CF/88, que os compromissos assumidos pelo Chefe do Poder Executivo ficam sujeitos a aprovação ou referendo do Poder Legislativo.

            A Carta Magna continuou a consagrar o preceito de que, quem tem a voz externa do Estado, é o Chefe do Poder Executivo, cabendo apenas a este: a celebração, a ratificação e a promulgação dos tratados celebrados. Incumbindo ao Poder Legislativo a aprovação e o referendo dos compromissos já mencionados.[24]

3.1.2 Tratado de direitos humanos[25]

            Estamos preste-se a conseguir uma unanimidade, na doutrina pátria, quanto a interpretação dos tratados de direitos fundamentais e direito humanos, como normas de caráter constitucional e de aplicação imediata, diante da leitura dos dispositivos logo abaixo transcritos:

Os artigos 4º, II, e 5º, §1º e §2º, da Constituição Federal, dispõem que:

(...) .

Prevalência dos direitos humanos;

(...) .

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata;

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

            é entendimento pacífico na doutrinária pátria de que se trata de uma cláusula geral de recepção plena não cabendo quaisquer controvérsias quanto ao argumento da incorporação automática ao ordenamento interno. No entanto, não é o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. O entendimento é de que a Constituição Federal de 1988 adotou para os tratados de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, §1º), e os tratados de direitos humanos (art. 5º, §2º), o preceito da incorporação imediata ao direito interno.

CANÇADO TRINDADE vai dizer que os direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja parte incorporam-se "ipso facto" ao direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a ter "aplicação imediata" (art. 5º, §1º), da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente assegurados (...). A especificidade e o caráter especial dos tratados de direitos humanos encontram-se, assim, devidamente reconhecidos pela Constituição brasileira vigente.[26]

            Não há como deixar de reconhecer a diferença fundamental existente entre os tratados convencionais, que estão sujeitos a aprovação ou referendo do Poder Legislativo, em relação aos tratados que se referem aos direitos fundamentais e as garantias individuais e direitos humanos, em que o texto constitucional determina a incorporação imediata ao direito interno, destes últimos.

Para MAGALHÃES é de se notar que a Constituição, nesse dispositivo, não menciona a lei, mas os direitos e garantias por ela, Constituição, assegurados, ou por tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Há, aqui, verdadeira equiparação entre a Constituição e os tratados. Dessa forma, se a Constituição não previu certos direitos e garantias, contemplados em tratados firmados pelo Brasil, tais direitos e garantias se sobrepõem á leis que não os reconheçam. E isto por força da própria Constituição (art. 5º, §2º).

O dispositivo é claro sobre essa equiparação. Assim, se a lei estabelecer determinado direito ou garantia, não incluído dentre os estabelecidos no artigo 5º, tal lei poderá ser revogada por outra, sem ferir a Constituição. Mas se tal direito ou garantia for assegurado por tratado, a lei não poderá revoga-los, diante da equiparação constitucional estabelecida no citado dispositivo.[27]

            A Constituição Federal de 1988 estabeleceu nos referidos dispositivos, que tais direitos e garantias fundamentais, seja quando for em conflito de lei interna e norma de direito internacional, ou quando da não previsão pela própria Carta, sobrepõem-se ao ordenamento jurídico interno infraconstitucional. Estamos diante de uma isonomia entre a Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Direito Humanos.

3.1.3 Acordos Executivos

            A prática diplomática sempre impôs ao direito interno um diferencial desvirtuando a ordem constitucional interna. O Poder Executivo através do seu instrumento diplomático impõe realidade diversa daquela prevista nas constituições. Quando isso acontece estamos diante dos chamados tratados em forma simplificada ou acordos executivos.

            O governo passa então a praticar determinados acordos de caráter internacional sem a anuência do Poder Legislativo. Tal fenômeno não é exclusividade de um ou outro país. No entanto, deve-se ser atribuída tal dinâmica a alguns, tais como: os Estados Unidos, Brasil etc.

é de se encontra no magistério de GRUPENMACHER sobre o direito dos Estados Unidos que a experiência americana, no entanto, sufragou o entendimento de que os tratados que envolvem matérias tipicamente administrativas independem de aprovação legislativa. Tal entendimento é fruto de uma interpretação atual da Constituição americana, em que, os constitucionalistas da modernidade levam em consideração o incremento e a dinâmica das relações internacionais, além da posição invulgar que os Estados Unidos da América ocupam no cenário internacional.

Os tratados que dispensam a participação do legislativo, e portanto fogem ao controle do Senado, são os chamados "acordos do executivo".[28]

            No caso brasileiro é de se notar que o fenômeno ocorre a partir da edição da Constituição Federal de 1946,[29] quando, então, surge uma avalanche de manifestações favoráveis ao procedimento dos chamados tratados em forma simplificada ou acordos executivos. Posicionamentos no sentido de que o Poder Executivo poderia ajustar determinados acordos internacionais sem ouvir o Poder Legislativo.

            Assim sendo, o Poder Executivo firmaria tais acordos internacionais sem necessitar da aprovação ou referendo do Poder Legislativo, de forma a dar-lhes vigência no direito interno através, apenas, da edição do Decreto Executivo, praticando assim a INTERNALIZAÇÃO de tais acordos internacionais.

            Cabendo ressaltar que a figura dos tratados em forma simplificada ou acordos executivos já era praticada pelo Itamarati. No direito pátrio o debate se deu, inicialmente, com os professores HILDELBRANDO ACCIOLY e HAROLDO VALLADÃO. Sendo o primeiro favorável a prática de tais acordos e o segundo contrário.

CACHAPUZ DE MEDEIROS[30] nos traz a posição do professor ACCIOLY, defendendo a tese de que, efetivamente, existe determinados acordos internacionais que não prescindem da aprovação ou referendo do Poder Legislativo, por tratar-se de atos não complexos, bastando apenas a intervenção do Chefe do Poder Executivo ou do órgão por ele delegado (Ministério das Relações Exteriores), para dar-se assim a internalização do ato internacional. São eles: a) os acordos sobre assuntos que sejam da competência privativa do Poder Executivo; b) os concluídos por agentes ou funcionários que tenham competência para isso, sobre questões de interesse local ou de importância restrita; c) os que consignam simplesmente a interpretação de cláusula de um tratado já vigente; d) os que decorrem, lógica e necessariamente, de algum tratado vigente e que são como que o seu complemento; e, e) os de modus vivendi, quando têm em vista apenas deixar as coisa no estado em que se encontram ou estabelecer simples bases para negociações futuras.

SéRGIO BORJA[31] escreve que o professor HAROLDO VALLADÃO em parecer fornecido ao Ministério das Relações exteriores defendeu tese diametralmente oposta, considerando que a prática americana não se aplicava ao caso nacional e que mais, o Brasil como signatário da Convenção de Havana sobre Direito dos Tratados, de 1928, que determinava a aprovação e ratificação de todos os tratados, pelo Legislativo, não poderia dispensar, sem exceção, todos os tratados da aprovação legislativa, condição sine qua non para a sua validade e conseqüente eficácia jurídica no âmbito da soberania interna. ACCIOLY contestando, além de outros argumentos, aduziu que a expressão tratados não se aplica a fórmula simplificada e, denotadamente, se a substância do ato dissesse respeito ás competências constitucionais do Executivo, em conclusão, acrescia que, entre nós, o costume estabelecido a muitos anos, mesmo extra-legem, é o de não se exigira aprovação do Congresso Nacional para certos atos internacionais, acompanhando assim a maioria da melhor doutrina a este respeito.

            A discussão doutrinária persiste até os dias atuais, tomando maior dimensão com a edição da Carta Magna de 1988, que trouxe dispositivos antinômicos sobre a competência para celebrar tratados. Especificamente, nos artigos 49, inciso I e 84, inciso VIII.

            A competência do Poder Legislativo é para aprovar ou referendar apenas aqueles compromissos que acarretem encargos gravosos ao patrimônio nacional, como bem menciona a segunda parte do dispositivo constitucional. E, diante desta leitura, ficariam de fora os chamados tratados em forma simplificada ou acordos executivos.

CACHAPUZ DE MEDEIROS sobre os acordos internacionais que podem ser concluídos pelo Poder Executivo sem necessidade de aprovação do Poder Legislativo, leciona que os dispositivos da Constituição de 1988 não mudaram as opiniões de CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO, de GUIDO FERNANDO SILVA SOARES e de JOSé FRANCISCO REZEK sobre a competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados.

CELSO continuou sustentando que "os acordos do Executivo são plenamente admissíveis". GUIDO SOARES "manteve a opinião de que existe um entendimento implícito entre o Executivo e o Legislativo de que os acordos de implementação de outros mais gerais, aprovados pelo Congresso, podem ser celebrados em forma simplificada". REZEK "conservou sua tese da admissibilidade de acordos executivos no sistema brasileiro de celebração de tratados em duas hipóteses: o acordo executivo como subproduto de tratado vigente e como expressão da diplomacia ordinária".

Bem como JOSé SETTE CÂMARA declarou que o fato é que se consolidou uma norma costumeira, que legitimou os acordos executivos ao longo de quase um século de prática constante e coerente, sem que jamais o Legislativo contestasse a iniciativa do Poder Executivo na conclusão, promulgação e publicação de acordos em forma simplificada, sem a sua concomitante aprovação. O silêncio complacente do Congresso afasta qualquer dúvida sobre a legalidade do processo de conclusão de acordos executivos, sem necessidade de aprovação legislativa[32].

            O que se pode concluir é que a Constituição Federal de 1988 atribuiu competência privativa (art. 84, inciso VIII) ao Chefe do Poder Executivo para celebrar tratados e ao Congresso Nacional (art. 49, inciso I) competência para aprovar e referendar tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

            Podemos identificar que o tratado do MERCOSUL[33] face o disposto no artigo 9º do tratado da ALADI apresenta-se compatível para o estabelecimento de diversos acordos setoriais, sempre visando o desenvolvimento das relações entre os Estados-partes.

Daí SéRGIO BORJA lecionar no que diz respeito aos acordos firmados no âmbito da ALADI, seja os acordos de alcance regional ou acordos alcance parcial, que os acordos regionais são aqueles de que participam todos os Membros da ALADI e os parciais são aqueles de cuja celebração não participa a totalidade dos Membro. Tais acordos poderão ser comerciais, de complementação econômica, agripecuária, de promoção do comércio, etc.

Os acordos parciais de complementação econômica são os mais numerosos e visam promover o máximo aproveitamento dos fatores de produção, estimular a complementação econômica, assegurar o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos Países Membros. Esses acordos são celebrados em grande quantidade e são promulgados pelo Presidente da República sem a aprovação específica do Congresso Nacional para cada um deles. Entende-se que são simples atos implementadores do Tratado de Montevidéu de 1980.

Trata-se, na verdade, de consignação de preferências aduaneiras em protocolos que ficam depositados na Secretaria-Geral da ALADI e que são incorporados ao direito interno dos Estados firmatários. Também o Tratado de Assunção de 1991, que constituiu o MERCOSUL, prescreveu que, durante o período de transição poderão ser adotados acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes. Os acordos setoriais são incorporados aos acordos parciais de complementação econômica da ALADI.[34]

3.2 A teoria da parametricidade de J.J. GOMES CANOTILHO

            A questão que envolve a transformação das normas internacionais em normas nacionais, já foi conceituada de Direito Constitucional Internacional, que seria o estudo das normas constitucionais que disciplinam matéria de Direito Internacional. "Pertencendo a dois ramos da Ciência Jurídica: o Direito Constitucional e o Direito Internacional Público. Procura estabelecer parâmetros para o entendimento do processo de recepção das normas de Direito Internacional seja ele, geral (comum) ou particular. Importante, da mesma forma, em relação aos dois tipos de direito, geral ou particular, determinar-se a (s) ordem (s) jurídica (s) permitem o seu ingresso ou de forma automática ou condicionada".[35]

O constitucionalista português J.J. GOMES CANOTILHO fala em teoria da parametricidade do direito suprapositivo em que "a ordem constitucional global seria mais vasta do que a constituição escrita, pois abrangeria não apenas os princípios jurídicos fundamentais informadores de qualquer Estado de direito, mas também os princípios implícitos nas leis constitucionais. Não estando aqui em causa o problema da validade material da ordem jurídica (= legitimidade material), mas apenas o de saber quais as normas e princípios a que os órgãos de controlo podem apelar para aquilatar da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos atos normativos.

Mas o que deve entender-se por princípios consignados na constituição? Apenas os princípios constitucionais escritos ou também os princípios constitucionais não escritos? A resposta mais aceitável, dentro da perspectiva principialista subjacente ao presente curso, é a de que a consideração de princípios constitucionais não escritos como elementos integrantes do bloco da constitucionalidade só merece aplauso relativamente a princípios que constituem uma densificação ou revelação específica de princípios constitucionais positivamente plasmados. O parâmetro da constitucionalidade não se reduz positivisticamente ás regras e princípios escritos nas leis constitucionais; alarga-se também a outros princípios não expressamente consignados na constituição, desde que tais princípios ainda se possam incluir no âmbito normativo-constitucional".[36]

            Trata-se, na verdade, de uma internalização vai dizer GUIDO SOARES, é um "conceito não jurídico e designa um mecanismo de tornar uma norma elaborada num ambiente internacional, em norma interna dos Estados, seja no Direito Internacional Público Clássico, seja no Direito da Integração Econômica Regional. Na técnica jurídica do Direito Internacional Público Clássico, tal procedimento se denomina incorporação, a qual pode ser automática (como na Commow Law da Inglaterra em que se considera que Internacional Law is a part of the law of the Land) ou dependente de um ato expresso dos Poderes do Estado, nos casos dos denominados tratados de devida forma, (seja pelo passamento de uma lei especial, seja, como no Brasil, por um procedimento próprio de aprovação do texto internacional pelo Poder Legislativo e posterior promulgação pelo Poder Executivo, através de um Decreto). Para os denominados tratados em forma simplificada, ou Executive Agreements aquele procedimento é simplificado, bastando, por vezes, sua simples assinatura, por representantes do Estado. Assim, temos de esclarecer qual ou quais os órgãos do Estado possuem capacidade para a prática destes atos. Quais os momentos e que tipos de procedimentos são necessários e, ainda, qual a natureza ou conteúdo do objeto destes atos, sejam, os tratados, acordos, convênios e protocolos".[37]

4. O STF E OS TRATADOS INTERNACIONAIS

            Neste tópico a intenção é apenas traçar alguns pontos sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como também identificar a interpretação dada pelo Tribunal aos tratados internacionais, sejam os tratados convencionais e os tratados de direitos humanos. Em suma procurar vislumbrar o tratamento dispensado pelo Supremo Tribunal Federal aos pontos polêmicos concernentes aos conflitos existentes entre o ordenamento jurídico interno e o direito internacional.

4.1 Tratados e lei interna[38]

            é posicionamento do Supremo Tribunal Federal, desde o final dos anos setenta, em acolher o sistema paritário que equipara juridicamente o tratado internacional á lei ordinária federal. Tendo como marco desta posição o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, em 1977.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 80.004 - SE

(Tribunal Pleno)

Relator para o acórdão: O Sr. Ministro Cunha Peixoto.

Recorrente: Belmiro da Silveira Góes.

Recorrido: Sebastião Leão Trindade

Convenção de Genebra - Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Aval aposto á Nota Promissória não registrada no prazo legal - Impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do Decreto-lei nº 427, de 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela ás leis do País, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei nº 427/1969, que instituiu o registro obrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto.

Recurso extraordinário conhecido e provido.

(R.T.J. 83, p. 809-48).

            O Supremo Tribunal Federal decidiu por uma paridade existente entre o tratado internacional e a lei ordinária federal, "por conseqüência, concluiu ser aplicável o princípio de que a norma posterior revoga a norma anterior com ela incompatível".[39]

            O que ficou decidido na oportunidade, é que na ausência de uma norma constitucional que atribua prevalência ao tratado internacional sobre a lei interna, deve-se dar valor ao entendimento firmado no Poder legislativo.

Para MAGALHÃES o raciocínio desenvolvido no muito criticado acórdão "é o de que o processo legislativo brasileiro está previsto na Constituição da República, dele não constando o tratado, nem qualquer indicação de eventual posição hierárquica sobre a lei ordinária. A única exceção é a estabelecida pelo Código Tributário Nacional, que confere superioridade do tratado sobre a lei e que prevalece por se tratar de lei complementar á Constituição. Sendo assim, se tratado revoga lei, por ser a ela posterior, a lei também revoga-lo, independentemente de o país continuar obrigado a cumpri-lo na esfera internacional, por não tê-lo denunciado".[40]

4.2 A ratificação dos tratados e o STF

            O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a provação ou referendo do Poder legislativo, com a conseqüente troca ou depósito no na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo.

            Tal argumento fez com que o Supremo Tribunal Federal, proferisse decisão no sentido de recusar o cumprimento de carta rogatória expedida pela Argentina,[41] alegando que a Convenção sobre Cumprimento de Medidas Cautelares celebradas pelo Brasil no âmbito do Mercosul,[42] mesmo tendo sido ratificado, não se encontrava em vigência no direito interno face a ausência do decreto de promulgação do Chefe do Poder Executivo.

            Precisamos identificar que "essa decisão de um pedido de cumprimento de rogatória expedida pela República Argentina, com base na referida Convenção, segundo a qual as Partes obrigaram-se a executar medidas cautelares pedidas por qualquer dos países dela signatários. Normalmente as medidas cautelares, por resultarem em atos de coerção determinados por sentença judicial, devem ser objeto de prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para isso competente, segundo estabelecido pela alínea h do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal. A mesma Corte é também competente para dar cumprimento a cartas rogatórias, cujo objetivo é o de pedir ao País rogado a execução de determinada providência judicial, como citação, produção de provas e outras".[43]

Para HERRERA VEGAS, a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de aplicar aos tratados do Mercosul a doutrina dualista e exigir o ditame de uma norma de incorporação, "criou insegurança nas relações jurídicas entre nossos países. Nesse caso o ministro presidente CELSO DE MELLO mostrou que o Protocolo de Medidas Cautelares, um dos tratados de Ouro Preto firmados em 1994, não estava vigente entre os países do Mercosul, apesar de sua aprovação parlamentar e de sua ratificação pelo presidente, já que não havia sido incorporado ao direito positivo brasileiro porque requeria uma norma especial, um decreto do presidente da República. Deve-se lembrar que esse Protocolo está vigente nos demais Estados-membros da união aduaneira.

A aplicação do dualismo, doutrina que mantém a separação absoluta entre o direito internacional e o direito interno, aparece como um anacronismo jurídico. Segundo essa posição, o direito internacional é a lei entre os Estados soberanos e o direito interno se aplica dentro de um Estado e regulamenta as relações entre seus cidadãos e com o Estado. O dualismo não se compadece com o aumento das relações jurídicas coincidente com a atual situação internacional, e é por isso que foi abandonado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência internacional. Inclusive pela Corte Constitucional da Itália, país que deu origem e principal sustento á doutrina.

Essa decisão causou maior surpresa porque é contrária á doutrina do monismo atenuado que tradicionalmente sustenta a doutrina brasileira. Quer dizer que os tratados entram em vigência logo depois do câmbio ou depósito de seus instrumentos de ratificação, salvo se o tratado indique expressamente outra coisa. Essa é a posição que sustenta, nesse caso, o procurador-geral da República ao manter a vigência do Protocolo de Medidas Cautelares. A sentença cria uma grande insegurança jurídica e põe em dúvida os fundamentos legais do Mercosul, já que seus tratados não têm uma norma de incorporação ao direito interno como a exigida nesse caso, na decisão do ministro presidente.

Deve-se considerar que os tratados envolvem outros membros da comunidade internacional, nesse caso os outros Estados partes do Mercosul e estes negociam de boa-fé suas obrigações internacionais e não esperam que a legislação interna lhes seja contrária, como exceção para não cumprir com os compromissos internacionais. Para isso há a norma estabelecida na Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, que diz Artigo 27: O direito interno e a observância dos tratados. Uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do não-cumprimento de um tratado. Exigir uma norma de incorporação de maneira inesperada supõe que os outros Estados partes devam averiguar que normas estão vigentes em sua relação com o Brasil para manter o princípio de reciprocidade básico em nosso processo de integração.

(...).

Nesse caso, a reintegração de uma doutrina em grande medida esquecida tem levado a insegurança jurídica aos países do Mercosul, o que constitui um dos fatos mais negativos desde a assinatura do Tratado de Assunção e põe em perigo nossa credibilidade internacional".[44]

4.3 O STF e os tratados de direito humanos

            Como já afirmado, o Supremo Tribunal Federal, contrariando sua própria tradição, ao final dos anos setenta firmou posicionamento no preceito da paridade entre tratados internacionais e a lei ordinária federal. Para o STF, então, leis especiais têm prevalência sobre pactos ou convenções internacionais que lhes sejam posteriores, por serem estes normas infraconstitucionais gerais que, por esse motivo, não são aptos a revogar normas infraconstitucionais especiais anteriores (lex posterior generalis non derogat legi priori especiali).

Lembra MAZZUOLI que segundo expôs "o Ministro JOSé CARLOS MOREIRA ALVES, do STF, em conferência inaugural ao Simpósio Imunidades Tributárias, coordenado pelo jurista IVES GANDRA MARTINS, o §2º do art. 5º da Carta da República, "só se aplica aos Tratados anteriores á CF/88 e ingressam como lei ordinária". Salienta ainda naquele evento que, quanto aos tratados posteriores, não seria de se aplicar o referido parágrafo, pois, "senão por meio de Tratados teríamos Emendas constitucionais a alterar a Constituição"".[45]

            Podemos identificar que o STF voltou a aplicar a teoria da paridade, também, em matéria comercial, em 1995, quando do julgamento do recurso de hábeas corpus, relacionado á prisão civil por dívida do depositário infiel. Julgando o HC, de forma a enfrentar a questão do Pacto de São José da Costa Rica (previsão do art. 7º, inciso VII, do referido tratado)

HABEAS CORPUS Nº 79.870-5 - SÃO PAULO

Rel. MOREIRA ALVES

Paciente: GILBERTO B;ASAMO SCARPA

Coator: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA

Esta Corte, por seu Plenário (HC 72.131), já firmou o entendimento de que, em face da Carta Magna de 1988, persiste a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel em se tratando de alienação fiduciária, bem como que o Pacto de São José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se ao disposto no artigo 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel.

A essas considerações, acrescenta-se outro fundamento de ordem constitucional para afastar a pretendida derrogação do Decreto-lei nº 911/69 pela interpretação dada ao artigo 7º, item 7º, desse pacto. Se se entender que esse dispositivo, que é norma infraconstitucional, revogou, tacitamente, a legislação também infraconstitucional interna relativa á prisão civil do depositário infiel em caso de depósito convencional ou legal, essa interpretação advirá do entendimento, que é inconstitucional, de que a legislação infraconstitucional pode afastar exceções impostas diretamente pela Constituição, independentemente de lei que permita impô-las quando ocorrer inadimplemento de obrigação alimentar ou infidelidade de depositário.

Hábeas corpus indeferido.

( HC 79.870-5, São Paulo, STF, 1ª Turma, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Ementário nº 2009-9, D.J. 20.10.2000).

            "Acredita-se, ao revés, que conferir grau hierárquico constitucional aos tratados de direitos humanos, com a observância do princípio da prevalência da norma mais favorável, é interpretação que se situa em absoluta consonância com a ordem constitucional de 1988, bem como com sua racionalidade e principiologia. Trata-se de interpretação que está em harmonia com os valores prestigiados pelo sistema jurídico de 1988, em especial com o valor da dignidade humana - que é valor fundante do sistema".[46]

5. O PROCESSO INTEGRACIONISTA DO CONE SUL

            O processo de globalização da economia que se desenvolve no final do século e início do novo milênio, ao mesmo tempo que possibilita, também força a integração regional. O Brasil e alguns países territorialmente próximos, estão envolvidos no processo de integração econômica que se denomina Mercado Comum do Cone Sul - MERCOSUL.

            O Tratado de Assunção assinado em 26 de março de 1.991, que deu origem ao MERCOSUL, pretende criar um Mercado Comum. Este tem características próprias que o distinguem de outras formas de organização do comércio internacional, como as zonas de livre comércio e as uniões aduaneiras. Os processos pacíficos de integração seguem etapas definidas que é preciso recordar para avaliarmos aonde o MERCOSUL pretende chegar, e que são: a zona de livre comércio, a união aduaneira, o mercado comum, e depois as uniões econômica e monetária.

5.1 ALALC; ALADI; PICAB, TICD e ACE 14

            As experiências integracionistas latino-americana[47] não são recentes, a pouco mais de quarenta anos realizara-se a primeira experiência. A iniciativa deu-se em 1.960 com o primeiro Tratado de Montevidéu que instituiu a ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio. Porém, a ALALC não obteve o sucesso esperado, mas criou conceitos e estruturas vigentes até hoje (pautas alfandegárias, exceções incorporadas ás listas de mercadorias em livre circulação, sistema de pagamentos e créditos recíprocos).

            O segundo Tratado de Montevidéu de 1.980 criou a ALADI - Associação Latino-Americana de Integração. Esta também estabeleceu conceitos e metodologias vigentes até os tempos atuais. Como, por exemplo, a figura dos acordos parciais, em que participam todos os países-membros, encontra-se no artigo 7º do referido Tratado: a filosofia é que tais acordos serão passos progressivos e pragmáticos na edificação, a longo prazo, do mercado comum latino-americano. Uma destas modalidades é o acordo de complementação econômica previsto no artigo 11, e adotado pelo MERCOSUL.

            Todavia, o ponto fundamental no processo integracionista latino-americano foi marcado pela aproximação entre Argentina e Brasil. No mês de julho de 1.986 foi assinada a "Ata para a Integração entre Argentina e Brasil", conhecida como "Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil (PICAB)". Em 1.988 foi firmado pelos dois países o "Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento", objetivando construir num espaço de dez anos uma relação econômica comum. Iniciando-se com a assinatura de vinte e quatro protocolos, em diversas áreas setoriais, que foram absorvidos em um único instrumento assinado em dezembro de 1.990 (ACE nº 14, décimo quarto Acordo de Complementação Econômica, firmado no âmbito da ALADI - Associação Latino-Americana de Integração).

            Seis meses após, os Presidentes Collor e Menem firmaram a "Ata de Buenos Aires", que acelerou o processo integracionista para 31 de dezembro de 1.994. Em agosto de 1.990, Paraguai e Uruguai foram convidados a participar das negociações que levou a adoção do Tratado de Assunção.[48] Portanto, o Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) foi criado pelo Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1.991, pelos Presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai.

5.2 Mercosul sucessão de tratados[49]

            O MERCOSUL foi criado pelo Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, na cidade de Assunção, Paraguai. Além dos Tratados de Montevidéu que criaram a ALALC e ALADI, outros precederam o MERCOSUL, sendo considerados como ponto de partida da integração do cone sul.

            Principalmente os tratados bilaterais firmados com a Argentina desde o início dos anos quarenta. Por isso, fala-se em sucessão de tratados ao se referir ao MERCOSUL. Diz-se sucessão de tratados ou sua cumulação quando os mesmos se sobrepõe regulando a mesma matéria.

Daí BORJA dizer que "o princípio geral de direito que estabelece que lex posterior derogat priori, aplicado no campo da eficácia temporal das normas é a regra básica para reger os casos em que pelo menos exista identidade de partes signatárias. Esta regra geral pode ser excepcionada conforme o disposto no art. 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e seus incisos que estabelece a possibilidade de inversão da regra geral dos casos ali mencionados. O Tratado do Mercosul com relação ao Tratado da ALADI é perfeitamente compatível por força de seu art. 9º que estabelece a possibilidade do estabelecimento de quaisquer acordos, entre os seus membros, que visem a aprofundar a integração entre os países que são participantes. O Tratado da ALADI ampliou o tratado da ALALC dando uma liberdade maior aos signatários para a consecução de seus objetivos".[50]

6. DO MERCOSUL

            O Tratado de Assunção que criou o MERCOSUL prevê etapas para a consecução do tratado. O MERCOSUL nasce como área de livre comércio, evolui para uma união aduaneira e finalizará como mercado comum. Sendo as duas primeiras etapas provisórias e a última uma etapa definitiva. A fase atual é a da União Aduaneira, pois que esta tem como características além da livre circulação de mercadorias uma tarifa aduaneira comum, eliminando os complexos problemas da definição das regras de origem. Ela tem início com a implantação da decisão 7/94, da Tarifa Externa Comum - TEC.

6.1 CF/88 - Art. 4º, Parágrafo único

O artigo 4º, parágrafo único, da Constituição Federal, preceitua:

A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios

(...)

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política, social e cultural dos povos da América Latina, visando á formação de uma comunidade latino-americana de nações.

            é prerrogativa da República Federativa do Brasil a construção de uma nação latino-americana. E o Brasil faz parte do MERCOSUL,[51] tratado que tem como países signatários Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, assinado na cidade de assunção, em 26 de março de 1991.

6.2 Etapas: provisória e definitiva

            é de se notar que inerente ao processo prospectivo delineia-se no tempo um processo gradativo de implementação de objetivos que de uma fase transitória desloca-se paulatinamente para a fase definitiva. A renovação é constante, pois atingido um patamar passa-se a colimar o próximo, dentro de uma ótica pautada nos princípios da gradualidade, flexibilidade, equilíbrio e principalmente reciprocidade, este último de acordo com o parâmetro fundamental estabelecido no artigo 2º do Tratado de Assunção.

No primeiro momento, este Tratado estabeleceu em seu art. 5º, um período de transição em que um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas de eliminação de restrições não-tarifárias ou medidas de efeitos equivalentes, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados-membros, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não-tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo I). Sob estes lineamentos o MERCOSUL nesta fase inicial caracterizar-se-ia inicialmente como Zona de Livre Comércio.[52]

            Em seguida tivemos, "a partir da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 17 de dezembro de 1994, os Presidentes das quatro Repúblicas que integram o MERCOSUL reafirmam os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e salientaram a importância da implementação da União Aduaneira como etapa para a construção do Mercado Comum do Sul. Durante a etapa de Consolidação da União Aduaneira, que se iniciou em 1º de janeiro de 1995 e se estenderá até 31 de dezembro de 2005, prioridade repousa na consecução de dois objetivos centrais: a implementação dos instrumentos de político comercial comum acordados durante o Período de Transição e a elaboração do quadro normativo complementar necessário ao adequado funcionamento da União Aduaneira".[53]

6.3 MERCOSUL: quatro institucional

            A doutrina costuma, ao classificar os processos integracionistas, numa graduação de menor para maior, partir de uma Zona de Livre Comércio, passando pela União Aduaneira e, finalizando-se no Mercado Comum. O que caracteriza uma Federação, que diante desta classificação, perpassa matérias que são objeto ora de Direito Internacional Público e Privado, ora de Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado, ora concomitantemente afetas, tanto ao Direito Externo como ao Direito Interno Público.

Na realidade o conceito matriz que delineia todo este processo de concepção assenta-se sobre o substrato da significância de Soberabia. BORJA vai dizer que JEAN BODIN afirmava-a absoluta e perpétua e assim ela constituí-ia na supremacia do poder dentro da ordem interna e na ordem externa e desta forma era e ainda é a justificativa jurídica da existência do Estado pois lhe é implícita necessariamente a noção de soberania. Se o princípio da subordinação passou a reger o Estado, em contrapartida, na ordem internacional este princípio relativizou-se dando a origem a noção de igualdade entre os Estados, pelo menos em nível jurídico, dando origem ao princípio da coordenação que embaça e dá surgimento ao Direito Público Internacional. Diante do ensinamento de BODIN, BORJA vai afirmar que "analogamente ao processo de justaposição dos direitos e garantias individuais de cidadãos que se relativizam colocados em reciprocidade de sendo que o direito de um termina onde inicia o de outro, da mesma forma, repito analogamente, o princípio da reciprocidade relativiza as soberanias estatais em nível jurídico, de forma que elas se tornem iguais. O princípio da reciprocidade expressa bem a sua íntima natureza isonômica quando Estados-membros pactuam vinculando-se de forma eqüipolente criando assim, através do princípio de coordenação possibilidades para a consecução de fins mútuos ali concebidos.[54]

            é previsão do artigo 26 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, a cláusula pacta sunt servanda, associada ao princípio da boa-fé, a base estrutural do sistema. "Assim sobre os parâmetro estabelecidos, ou os do Direito Internacional, coordenam sua soberania com outros Estados-membros  também soberanos, de um nível diáfano a um mais denso, que pode chegar até ao patamar máximo de uma confederação, em que o nível de coordenação chegaria a uma gama de complexidade abordando não só assuntos de ordem econômica, mas também políticos, mantendo órgãos e relações em nível intergovernamental, ou os Estados, não mais ao nível do Direito Internacional Público, mas já no âmbito do Direito Constitucional, abdicariam de suas soberanias, transformando-se numa federação por fusão ou incorporação, seja num estado composto, em que a União possuiria a soberania e as unidades componentes seriam meras autonomias políticas, consolidando-se, neste estágio, não mais instituições orgânicas de ordem internacional, mas instituições de ordem nacional, ou mesmo supranacionais, atuando não mais sob a égide do princípio da coordenação, mas sob o princípio da subordinação, pois depositários plenipotenciários das soberanias das partes".[55]

            Ainda, utilizando-nos da Teoria Geral do Estado, para o entendimento de soberania numa nova ordem nas relações entre os Estados, objetivando uma distinção entre federação e confederação, podemos falar que a primeira trata-se de uma união de Estados detentores de Soberania, tendo como objetivo os mesmos fins, ligados através de um Tratado, que na verdade é um documento de Direito Internacional Público. Enquanto, a Segunda, trata-se de um único Estado detentor de Soberania, com os poderes constituídos, sob a égide de uma Constituição, documento este de Direito Público Interno.

Para BORJA sob o aspecto da Teoria Geral do Estado e do Direito Constitucional "existem graduações no federalismo e evidentemente zonas de transição que por sua própria condição eclética permitem uma certa ambiguidade que dificulta sobremaneira a definição da temática, já que no âmbito da Teoria Geral do Estado e do Direito Constitucional, no que se refere a confederação, o tema, carregado com estas nuanças, problematiza-se. Sabemos, que tanto as Zonas de Livre Comércio, como as Uniões Aduaneiras, podem caracterizar-se como confederações em nível econômico-comercial-tarifário, porque mantém órgãos institucionais intergovernamentais de mera coordenação de suas macroeconomias, no entanto, com relação ao cognominado Mercado Comum este poderia estabelecer-se ou com instituições orgânicas em nível intergovernamental ou, já num grau maior de convergência, regido por órgãos institucionais supranacionais, como caracteriza-se atualmente a Comunidade Européia. Esta última caracteriza perfeitamente a ambiguidade da temática, pois apresenta, pela própria supranacionalidade e supra-projeção  das funções legislativas, executivas e judiciais delegadas a órgãos com poderes vinculantes aos Estados, uma característica, neste elevado grau de coordenação-subordinação, que pende mais para a caracterização de uma federação do que de uma confederação. O problema não é meramente semântico pois compartilha soberanias (princípio da reciprocidade concatenado com o princípio da coordenação) que está diretamente ligado ao conceito confederativo é um conceito que exprime quantificação, enquanto que o conceito de partilha de soberanias (visão heterodoxa) que diz mais respeito ao princípio federativo, pois pelo maior grau de envolvimento, se exprime como qualificação e definidora inerente de um verdadeiro sistema político integrado em todos os sentidos" .[56]

            Para GUIDO SOARES em que pese a denominação oficial de uma organização de integração econômica regional, "os graus de supranacionalidade das normas, se mede pela configuração das competências de seus órgãos decisórios e pela extensão dos poderes legislativos relativos a atos de vigência imediata nos respectivos territórios, que os Estados-Partes, nas normas primárias compreendidas nos instrumentos constitutivos da organização, a eles delegaram. Entre o grau zero de supranacionalidade (nas denominadas áreas de livre comércio) e o grau máximo (a união econômica a que pretende a Comunidade Européia, após Maastricht), há as variantes da união aduaneira e das zonas de mercado comum, em configurações supranacionais diferenciadas dentro de cada classe. No que respeita ás variantes das zonas de mercado comum, é da natureza própria dos seus órgãos competentes, o pressuposto de que possam eles elaborar normas, dentre outras (e não todas, dependendo do grau de Supranacionalidade dentro da classe), que tenham uma vigência imediata na ordem jurídica dos Estados-Partes, sem a necessidade da mediação ou da intervenção ou pronunciamento dos órgãos legislativos tradicionais de tais Estados, no que se refere á executoriedade dos atos internacionais no território dos Estados envolvidos. Por outro lado, na aplicação de tais normas supranacionais, há a necessidade de órgãos judiciários, permanentes e de natureza supranacional que assegurem a uniformidade na interpretação e aplicação daquelas normas, que não tiveram origem direta nos poderes legislativos naconais".[57]

6.3.1 Órgãos intergovernamentais

            O MERCOSUL, da assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991 até o início da vigência do Protocolo de Ouro Preto, funcionou como Zona de Livre Comércio. A partir de então adentrou a chamada União Aduaneira com prazo de término para 31 de dezembro de 2005. Logo após teremos o início do Mercado Comum.

            Durante estas duas primeiras etapas provisórias o relacionamento entre os Estados-partes tem-se dado mediante o serviço diplomático dos países integrantes, sob a competência dos órgãos intergovernamentais. é previsão do artigo 3º do Tratado de Assunção tal fase de transição, quando então os Estados-partes decidiriam por outras alternativas no que diz respeito a criação de órgãos supranacionais ou a manutenção dos referidos órgãos.

BORJA fala que a decisão dos Estados-partes residiria em "ou criavam órgãos novos e próprios a um Mercado Comum, com delegação e projeções das três funções do Poder, legislativa, executiva e judiciária, para órgãos supranacionais, ou, como medida mais prudente e mais consentânea com o estágio evolutivo do próprio envolvimento de suas respectivas sociedades civis, mantivessem os mesmos órgãos do período de transição (intergovernamental), aperfeiçoando-os ou adicionando órgãos auxiliares sendo a coordenação conduzida soberanamente pelos Estados-partes. Optou-se pela última alternativa em face dos princípios da flexibilidade, gradualidade, equilíbrio e reciprocidade que regem o sistema como um todo, pois a primeira opção incidiria num perigoso salto que poderia comprometer a seriedade do sistema queimando uma etapa necessária para a sua consolidação que é a União Aduaneira, alternativa adotada pelo Protocolo de Ouro Preto. Durante o período de transição, a administração e a execução do Tratado, bem como os acordos e decisões importantes, comprometeriam somente aos dois órgãos que foram  mantidos e que se situariam, como já dissemos, em nível estritamente intergovernamental, sendo eles: O Conselho do Mercado Comum e o Grupo Mercado Comum".[58]

6.3.2 Primeira fase - CMC e GMC

            Portanto, os órgãos do MERCOSUL não têm, como os Estados, divisão de funções, estes têm funções normativas, operacionais e de coordenação e outra de solução de controvérsias. Durante a Primeira fase, os seguintes órgãos:

CONSELHO DE MERCADO COMUM - órgão superior do Mercosul correspondendo-lhe a condução política do mesmo e tomada de decisões para o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos na constituição definitiva do Mercosul; atividades de controle  e administrativa; composto pelos ministros de relações exteriores e da economia; manifesta-se por meio de deliberações e tem função normativa decisória sendo sua hierarquia superior ao GMC e CCM;

GRUPO DE MERCADO COMUM - órgão executivo, de funcionamento contínuo, subordina-se ao CMC, sua natureza é intergovernamental; composto por oito representantes, sendo que estas devem estar representando todos os Estados-membros; suas funções são velar pelo cumprimento do Tratado, tomar providências necessárias ao cumprimento das decisões do Conselho, propor medidas de implementação do programa de liberação comercial, coordenação de políticas nacroeconômicas e negociação de acordos frente a terceiros;

6.3.3 Segunda fase - CCM; CPC; FCES e SAM

            A partir da Segunda fase, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, num ambiente de União Aduaneira, tivemos a criação de mais quatro órgãos intergovernamentais, que são:

COMISSÃO DE COMéRCIO DO MERCOSUL - que tem a função de administrar os instrumentos de política comercial comum do Mercosul, principalmente, a Tarifa Externa Comum - TEC; como também o regime de origem e os regulamentos contra práticas desleais de comércio;

COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA - composta por Parlamentares dos quatro países, que buscará acelerar os procedimentos necessários, no âmbito do Legislativo, á implementação dos acordos e normas emanados dos órgãos decisórios, e contribuirá para o processo de harmonização das legislações;

FORO CONSULTIVO ECONÔMICO-SOCIAL - órgão de natureza consultiva, composto por representantes do setor empresarial, trabalhista e outras entidades da sociedade civil, que formulará recomendações ao Grupo Mercado Comum;

SECRETARIA ADMINISTRATIVA DO MERCOSUL - desempenhará funções de apoio ao processo negociador;

7. MERCOSUL E A HIERRARQUIA DAS FONTES[59]

            A intenção, aqui, é apenas a simples identificação da hierarquia das fontes do MERCOSUL, que são denominadas pela doutrina pátria em: normas primárias e normas derivadas. Tal identificação das fontes jurídicas pode ser encontrada no artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto, que de forma adicional ao Tratado de Assunção, vem reestruturar as instituições do MERCOSUL.

I - O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares; II - os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos; III - As Decisões do Conselho do Mercado Comum e, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.

7.1 Normas primárias

São normas primárias:

a) o Tratado de Assunção,chamado tratado constitutivo do bloco - assinado em 26 de março de 1991 e em vigor desde 29 de novembro do mesmo ano - com seus cinco anexos;

b) os protocolos e acordos posteriores que o complementam, destacando-se entre eles, para efeito deste trabalho, especialmente (b1) o Protocolo de Brasília, atinente ao anexo III do Tratado de Assunção, firmado em 17 de dezembro de 1991; e, (b2) o Protocolo de Ouro Preto, assinado em 17 de dezembro de 1994.[60] 

7.2 Normas derivas

São normas derivadas:

São aquelas oriundas dos órgãos previstos no artigo 2º, do Protocolo de Ouro Preto, sejam:

I - Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do MERCOSUL;

Que respectivamente produzem atos normativos da seguintes natureza, decisões conforme artigo 9º, resoluções na forma do artigo 15 e Diretrizes e Propostas na forma do artigo 20, todas elas, diga-se de passagem, obrigatórias para os Estados-Partes.[61]

8. Considerações conclusivas

            O que se pode notar da Constituição Federal de 1988, é que o constituinte optou por um sistema misto, no que concerne aos tratados internacionais. Dispensando um tratamento específico para os tratados em devida forma ou tratados legislativos, ou tratados convencionais. Enquanto, por outro lado, atribuiu aos tratados de direitos fundamentais e direitos humanos um tratamento diferenciado.

            Para os primeiros, a Carta Magna de 1988, adota a teoria da paridade com a lei ordinária federal. Para os segundos, concede-lhes o caráter de norma constitucional. Não se encontrando previsão, no diploma constitucional, para a figura dos tratados em forma simplificada, ou acordos executivos.

            O Supremo Tribunal Federal, contrariando sua própria tradição, a partir do final dos anos setenta, com o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004, passou a adotar a teoria da paridade para todas as espécies de tratados internacionais existentes. Não fazendo diferença entre os tratados convencionais e os tratados de direitos humanos. Colocando ambos em paridade com a lei ordinária federal.

            A doutrina pátria, em sua maioria, consegue fazer uma diferenciação entre os tratados existentes. Atribuindo o caráter de norma ordinária federal aos tratados convencionais e o status de norma constitucional aos tratados de direitos humanos. Quanto aos acordos executivos, existente uma divisão apertada, sobre a questão da aprovação e referendo do Poder Legislativo.

            Enfim, o que podemos falar é que a Constituição Federal de 1988 poderia ter se utilizado do princípio da taxatividade para dispensar melhor tratamento, ou uma interpretação menos polêmica, ás espécies de tratados internacionais. Por outro lado, é de se notar o posicionamento de um nítido retrocesso praticado pelo Supremo Tribunal Federal, desde o final dos anos setenta com o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004.

9. Referências bibliográficas

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Autor:

Luciano Nascimento Silva

lucianonascimento[arroba]hotmail.com

Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo - USP, bolsista de Graduação e Mestrado da FAPESP e de Doutorado da CAPES, Doutorando em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra, Colaborador da Editora Jurídica Manole, Professor Universitário.


[1] Derecho y Paz en las Relaciones Internacionais. Tradução de FLORENCIO ACOSTA. Prólogo de LUIS RECASENS SICHES. Fundo de Cultura Económica. Panuco 63, 1942, p. 25.

Partes: 1, 2, 3


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