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Devido processo legal de trânsito à luz da CF e CTB (página 2)

Eduardo Viana Portela Neves

"Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias á sua defesa."

Porém, repita-se, o devido processo legal é mais do que uma garantia, trata-se de um princípio que se irradia por todo ordenamento jurídico, servindo de âncora onde se apegam as demais normas infraconstitucionais.

Além disso, o devido processo legal possui dois "braços" de fundamental importância para a consecução dos fins colimados pela Lei Maior, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório.

A ampla defesa e o contraditório, deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados de modo geral, consoante previsão expressa do texto constitucional ( art. 5º LV). Logo, mesmo no campo administrativo faz-se nodal a observância do devido processo legal, não podendo a Administração impor ao administrado uma conduta, sem antes viabilizar o direito constitucional de defesa. Qualquer forma de cerceamento de defesa ou óbice ao exercício desse direito encontra-se maculado de nulidade absoluta.

Parece claro, portanto, que o devido processo legal não corrobora apenas um princípio em nível constitucional mas, além disso, trata-se de norma-princípio que imprime obediência a todo o sistema jurídico pátrio informando a maneira como realizar-se-ão todos os procedimentos processuais, inclusive os administrativos.

3- O DEVIDO PROCESSO LEGAL E O PROCESSO ADMINISTRATIVO

Restou exaustivamente evidenciado que todo e qualquer procedimento administrativo deve pautar-se pelo devido processo legal. Não há margem discricionária para que a Administração vede essa garantia. Desse modo, quando aplicada uma penalidade deve ser dada oportunidade para o "acusado" se justificar, seja através de defesa técnica, patrocinada por um advogado, seja por intermédio da autodefesa. Devendo, em qualquer caso, ser comunicado de qualquer ato procedimental, para exercer seu direito da forma mais ampla possível.

Assim, não há que se falar em unilateralidade por parte do ente público, mas sim em sinalagma, composta pelo infrator e pela Administração.

3.1 O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO NO CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO

Estabelecidas que foram as noções básicas, nos resta investigar, á luz do Código Nacional de Trânsito, se a lei infraconstitucional, assegura ao Recorrente - quando do procedimento para aplicar as multas de trânsito - tudo aquilo que preceitua a Constituição Federal, de forma que com esta se coadune e forme um sistema harmônico.

O Processo Administrativo de Trânsito tem sua matriz na L. 9503/97 precisamente no Capítulo XVIII, notadamente na Seção II, que trata do Julgamento das Autuações e Penalidades. Não obstante o regramento principal se reportar á lei de trânsito, esta não é a única disciplina legal, impende destacar, ainda, a Resolução n.º 149 do CONTRAN.

Dito isso, passa-se a uma síntese do rito a ser seguido pelos Órgãos de Trânsito.

Praticada a infração o agente de trânsito deve lavrar o auto de infração. Este deve conter todos os requisitos elencados no art. 280 do CTB, sob pena da autoridade julgá-lo irregular ou insubsistente, na forma do art. 281, parágrafo único, I do CTB.

Portanto, praticada a infração deve a autoridade julgar a consistência do auto e aplicar a penalidade. Este é o primeiro passo (claro que após a lavratura do auto).

Imperioso observar a norma do art. 281, parágrafo único, II, que preceitua:

"Parágrafo Único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:

II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação de autuação.

Ora, parece-nos clarividente que a norma tem o exclusivo objetivo de proteger o condutor autuado, haja vista que impõe ao Órgão de Trânsito que proceda a expedição da notificação, o mais rápido possível, para que dela tenha conhecimento o infrator e para que este possa exercer amplamente a sua defesa.

Por outro lado, em que pese á seriedade dos Órgãos de Trânsito, o texto legal supra transcrito, pode servir de apadrinhamento, no sentido de não se proceder á expedição da notificação, o que inexoravelmente leva ao arquivamento do auto, simplesmente com desígnio favorecedor. Apesar de possível, queremos crer que a situação hipoteticamente aventada não se apresenta no dia-a-dia. Ao menos é o que se espera.

Verificada a plausibilidade da infração e a consistência do Auto de Infração, a autoridade expede, repita-se, uma Notificação de Autuação de Infração (NAI), informando ao condutor o cometimento da infração. Não é despiciendo noticiar que a NAI deve ser enviada com respectivo AR. Tudo isso para assegurar ao condutor a ampla defesa.

Caso não seja cumprida a exigência acima transcrita, vale dizer, caso não possa ter certeza da notificação da infração, acreditamos que a autoridade deve proceder ao arquivamento da penalidade - em atendimento ao contraditório e ampla defesa. Evidentemente, tudo dependerá do caso concreto, haja vista que não podemos beneficiar aquele que se escusa em receber a notificação, apenas para escusar-se de sua responsabilidade.

Efetivada a notificação, eis que surge no Processo Administrativo a "Defesa Prévia" expressamente prevista na Resolução n.º 568/80 do Conselho Nacional de Trânsito, com posterior regulamentação pela Resolução n.º 149/03, utilizando, porém, esta Resolução, o "nomem iuris" de "Defesa da Autuação". No entanto, por entendermos mais apropriado a designação "Defesa Prévia", a mantivemos neste artigo. Consabido esclareça-se, que a designação distinta do instituto não desnatura sua natureza jurídica.

Esta primeira fase assegura ao acusado mais uma possibilidade de defesa perante a autoridade que impôs a multa, oportunizando a revisão da aplicação da penalidade e consistência do auto de infração.

Assim, quando o condutor for notificado da infração, poderá apresentar um primeiro recurso, que será remetido a uma comissão de defesa. Nesta comissão, verificar-se-á, dentre outros elementos formais, a consistência do auto, a tempestividade da notificação, plausibilidade da infração etc. Enfim, cremos que a defesa prévia deve examinar tudo quanto possa servir de subsídio para a JARI ou então para o arquivamento do auto de infração.

Em não obtendo sucesso perante a defesa prévia deve, mais uma vez, ser notificado o proprietário. Porém, este receberá uma Notificação de Imposição de Penalidade (NIP), constando um prazo não inferior a trinta dias para que possa recorre á JARI (v. 282, § 4º do CTB).

Perante a JARI - Junta Administrativa De Recursos e Infrações - o Recorrente exercerá a ampla defesa possível, podendo alegar tudo quanto entenda necessário para a elisão do auto de infração.

Neste passo forçoso ressaltar que deve o membro da JARI proceder a uma ampla colheita de prova, sendo defeso indeferir eventuais requerimentos de produção probatória, salvo, evidentemente, as inoportunas provas. Em nosso sentir, deve ser assegurado ao Suplicante todos os meios de prova moralmente legítimos.

Parece induvidoso o membro da JARI (Órgão Colegiado composto de três membros, a saber: o Presidente e dois Conselheiros) tem a "legitimidade", melhor, dever-poder, para indeferir aqueles requerimentos de prova que se mostrem impertinentes, meramente protelatórios e que em nada auxiliem no deslinde da causa.

Advirta-se que a JARI tem trinta dias para julgar o recurso, caso não seja julgado deve a autoridade atribuir, de ofício, efeito suspensivo.

Note-se que as decisões da JARI não são definitivas, assim, se mais uma vez for infrutífera a súplica do Recorrente, abre-se uma última porta recursal (na via administrativa é claro). Desse modo, das decisões da JARI cabe recurso para o CETRAN, a ser processado na forma do art. 289 do CTB.

Eis em apertada síntese, porém abordando os aspectos mais relevantes, do processamento para aplicação da penalidade de multa, no Código de Trânsito Brasileiro.

Destarte, observado todo este sistema de produção probatório, traçado acima, não há que se falar em inconstitucionalidade na aplicação da multa ou então em aplicação, por parte da Administração Pública, de penalidade "inaudita altera pars", ou seja, sem a possibilidade do infrator poder oferecer a defesa prévia cuja significância é de fundamental relevância, eis que a mesma precede a imposição de uma penalidade.

Porém, se a Administração não observar o procedimento acima, para aplicação da penalidade, induvidosamente o ato estará eivado de nulidade insanável, devendo o prejudicado ser ressarcido do que desembolsou indevidamente.

4. CONCLUSÃO

Inequivocamente está estampado o alto grau de imperatividade que norteia a aplicação da penalidade de multa, até porque não pode a Administração curvar-se aos interesses individuais dos administrados. Portanto, como a atividade penalizadora de aplicação da multa decorre do "ius imperii" do estado, há de ser desempenhada com parcimônia e visando, principalmente, o interesse público, o bem comum.

Também restou sobejamente cristalizado que a Administração Pública não pode se furtar a propiciar ao infrator uma via recursal administrativa que esteja em consonância com os princípios colimados pela Lex Fundamentalis. Caso contrário estaremos diante de uma flagrante recalcitrância e ilegalidade, ensejando assim, que o cerceado bata á porta do judiciário - nesse passo inolvidável o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional - com o escopo de desfazer a ilegalidade perpetrada.

Consectário lógico do apresentado até este momento é que a auto-executoriedade - vale dizer: o ato de aplicação da multa - não pode jamais constituir objeto de abuso de poder (seja ele sob a espécie de excesso ou desvio de finalidade); desse modo, aquele atributo deve amoldar-se ao Princípio do Devido Processo Legal, tudo isso porquanto a Administração tem o dever de respeitar os mandamentos legais.

Inafastável, portanto, uma última conclusão, a saber: se o ato sancionatório não tiver permitido ao infrator a oportunidade de guerrear a imputação que lhe foi atribuída, inclusive dando azo á dilação probatória, estará maculado pela eiva da ilegalidade, devendo o vício ser sanado na própria via administrativa (autotutela) ou no judiciário.

Autor:

Eduardo Viana Portela Neves

eduardo_advocacia[arroba]yahoo.com.br



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