As aventuras do peregrino: negociando identidades em casais formados por judeus e não judeus

Enviado por Marcelo Gruman


  1. Por trás do rótulo: significados da mistura
  2. A (s) identidade (s) dos filhos
  3. Considerações finais: repensando o desviante
  4. Referências bibliográficas

Este artigo é um desdobramento de minha tese de doutorado, intitulada Individualismo, família e projeto: negociando identidades em casais formados por judeus e não judeus, defendida em dezembro de 2006 no PPGAS/MN/UFRJ. Minha intenção foi apreender a lógica e os valores que regem este tipo de união matrimonial, as afinidades que criaram as condições para o encontro e o modo como a nascente família nuclear lida com as diferenças culturais que permanecem a despeito da união.

Diferenças estas que não se resumem, necessariamente, ao pertencimento étnico, ao menos no caso do parceiro judeu. Tratei especificamente de casais formados por judeus e não judeus oriundos das camadas médias moradores da zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

O foco, aqui, recai sobre o modo como os parceiros vivem a experiência do casamento com alguém que exibe uma identidade étnica ou religiosa distinta, as convergências e divergências internas e os desafios relativos á educação dos filhos. Não se trata, simplesmente, de contrariar a visão exterior, romantizando o casal "misto", mas sim de dar voz aos atores diretamente envolvidos, possibilitando a construção de uma narrativa distinta daquela fornecida pela simples, estigmatizada e empobrecida, rotulação da díade como uma "mistura" de elementos díspares. O casamento "misto" é entendido como a ante-sala da assimilação (no sentido de indiferença á identidade étnica) pelos gatekeepers da etnia*, no caso dos judeus, a tal ponto que esse tipo de casamento merece uma denominação própria. é por isso que a referência á "mistura" como um problema social estará associada, sobretudo, á manutenção da identidade judaicas nas gerações futuras nos depoimentos de ambos os parceiros, judeus e não judeus.

*Agradeço aos comentários e sugestões da professora Bila Sorj, que participou do meu exame de qualificação de projeto. O termo "gatekeepeers" foi citado por ela durante sua exposição, encaixando-seperfeitamente na minha linha de raciocínio que tenta dar conta das relações entre Tradição e Modernidade

e a relativização da autoridade concedida aos "guardiões da verdade" na determinação de valores ecomportamentos socialmente legítimos.

Por trás do rótulo: significados da mistura

Perguntei aos entrevistados se enxergavam seu casamento como "misto". Muitos deles me perguntavam se me referia ao fato da união envolver judeus e não judeus. Tive de explicar que o adjetivo "misto" é largamente utilizado pela comunidade judaica ao referir-se a casamentos exogâmicos, ressaltando ainda que evitei defini-los, de antemão, como tal já que, não raro, a expressão "casamento misto" está carregada de sentido negativo, tom quase acusatório ou de pesar. "Lá se vai mais uma ovelha desgarrada...".

A "mistura" pode estar associada á oposição homem / mulher, á identidade sexual. A essência da diferença é anterior a qualquer diferenciação baseada em atributos culturais, é dada biologicamente. O casamento homogêneo, aqui, diz respeito á homossexualidade, e não a heterogamia religiosa ou cultural. Nas palavras de um entrevistado (não judeu, psicanalista, 44 anos), "todo casamento é misto. O casamento que não é misto é casamento gay". Neste sentido, a influência da polarização judeu / não judeu não é mais ou menos decisiva para o sucesso ou fracasso do relacionamento, mais uma dentre inúmeras outras diferenças que o casal pode vir a apresentar. é qualitativamente equivalente a qualquer outro incômodo ou intolerância a determinados gostos ou valores que o parceiro apresente ao longo da vida.

Diferentemente do que dizia Platão a respeito do amor, um ser que mediava o humano e o divino objetivando a conquista da beleza, o amor moderno, segundo Simmel (1971), é o primeiro a reconhecer que há algo de inalcançável no outro. Que o absolutismo do self individual ergue uma parede entre dois seres humanos que mesmo o mais apaixonado desejo de ambos não é capaz de remover, tornando ilusória qualquer possessão real de algo a mais do que a possibilidade de ser amado de volta. O argumento da distância intransponível parece ir ao encontro das expressões como "tem sempre uma diferença" e "são dois sujeitos", usadas pelo mesmo entrevistado citado acima ao mostrar-se surpreso com a proposta de um rabino para que procurasse, juntamente com a esposa, ajuda psicológica para resolver o "problema" do casamento misto. Seguindo este raciocínio, o casamento entre dois judeus não seria menos "misto" do que um casamento envolvendo um judeu e um não judeu. A natureza da diferença entre os sujeitos não é mais a identidade sexual, fisiológica, mas o reconhecimento de idiossincrasias individuais, equivalente ao "individualismo qualitativo" simmeliano.

A mistura também está associada a diferenças religiosas, não tanto á identidade religiosa em si quanto o grau de religiosidade apresentado pelo parceiro. Quanto mais "fervoroso"†  ele é, mais "misto" o casamento se transforma. O que não leva, necessariamente, a conflitos internos relacionados á educação dos filhos ou á não aceitação mútua de que cada parceiro traga para o relacionamento "máscaras sociais" sem ressonância no outro.

A (s) identidade (s) dos filhos


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