Homens e normas de conduta : um enfoque naturalista



Se dermos por correta a afirmação de que qualquer teoria social normativa (ou jurídica) que pretenda ser digna de crédito na atualidade deve sustentar-se em um modelo darwiniano sensato sobre a natureza humana (Rose)1 e se em todos os lados encontramo-nos diante de um patamar co-evolutivo natureza/cultura, não é de admirar que as normas de conduta joguem um papel crítico na vida humana, uma vez que permitem recrutar determinadas faculdades, sistemas de pensamento e outras fontes de informação que confirmem completamente e por vezes contradigam as conclusões de nosso sistema cognitivo, intuitivo e emocional. Isto, por si só, já deveria ser uma razão suficiente para dar-se conta da evidência empírica de que as normas jurídicas, enquanto artefatos culturais, podem proporcionar soluções superiores e mais razoáveis relativamente aos problemas de ordem e de interação social do que a nossa "racionalidade", intuição e emoção atuando sozinhas.


Pois bem, particularmente com relação ao ser humano, do desenho produzido pela seleção natural que atuou sobre nossos genes e sobre nossos comportamentos durante um largo período evolutivo, este parece haver resultado de uma feliz combinação entre o instintivo e o reflexivo. Se nossos programas ontogenéticos cognitivos exigissem que a atividade consciente controlasse todos os fenômenos que dizem respeito a nossa existência, ficaríamos de tal modo absorvidos com essa ingente e dispendiosa tarefa que, por certo, não nos restariam disponibilidades de ação para mais nada.

Por outro lado, se todos os nossos processos comportamentais fossem estritamente dominados por nossos instintos, seguramente não teria nenhum sentido o fato de que grande parte do crescimento de nosso cérebro teve lugar no neocórtex, a sede das funções superiores da mente e que incluem, de forma muito especial, a linguagem e seu produto baseado em símbolos, a cultura2 .

De fato, o que é verdadeiramente único na evolução humana, por contraposição, ponhamos o caso, á evolução do chimpanzé ou do lobo, é que uma parte considerável do ambiente que a modelou foi cultural: a mente e o cérebro humanos não são somente um produto combinado de uma mescla complicadíssima de genes e de neurônios, senão também de experiências, valores, aprendizagens e influências procedentes de nossa igualmente complicada e complexa vida sócio-cultural. Enquanto os animais estão rigidamente controlados por sua biologia, a conduta humana está amplamente condicionada pela cultura, um amplo sistema autônomo de símbolos e valores que, além de crescer e variar segundo o "substrato" genético que tomam como referente para atuar (por exemplo, do comportamento e dos códigos morais), encontra constrições cognitivas significativas no que diz respeito á sua percepção, transmissão e armazenamento discriminatório por parte do ser humano3 .


é que, embora capazes de sobre passar as limitações biológicas em muitos aspectos e de servir como eficaz instrumento de ampliação, restrição ou manipulação de nossas intuições e emoções morais4 , as representações culturais5 não podem, contudo, variar arbitrariamente e sem limites: não são indefinidas, senão diversas até certo ponto. Daí que nossa conduta, as eleições que efetuamos e tudo mais que dizemos ou fazemos são um produto ou um resultado com bastante articulação funcional: um conjunto de estímulos sócio-culturais6 que circulam por um sofisticado sistema de elaboração biológica.

Em razão desse complicado processo co-evolutivo - em que, por exemplo, os símbolos culturais que tratam com temas de sexo, comida e poder, desatam fortes reações e são mais prósperos em termos de transmissão porque se relacionam com aspectos de suma importância de nosso passado evolutivo ( Brodie)- , os homens , a partir de pequenas bandas de entre 70 e 150 caçadores-recoletores situados na savana e cuja sobrevivência dependia de forma inevitável e estrita da manutenção da coesão social, chegaram a multiplicar-se e concentrar-se progressivamente: primeiro em pequenas cidades e, mais tarde, em grandes nações até tender a transformar-se em uma "sociedade global". é esse, de fato, salvando as distâncias, o mesmo esquema que conduziu ao grande ideal de "cidadania universal" próprio dos ilustrados Kant e Goethe e que por certo , dito seja de passo, dista em muito do filisteu processo de "globalização" neoliberal de nossa época.


Em qualquer caso, esse fenômeno vem acompanhado de um aumento acelerado tanto do conhecimento como da complexidade dos vínculos e das estruturas sociais - em particular no que diz respeito aos sistemas de informação e de comunicação entre os membros de nossa espécie -, coisa que permite uma interação muito mais intensa, ampla e rápida dentro dos grupos sociais e, em igual medida, exige um incremento substancial das normas integradoras da ação comum. Como conseqüência, o progressivo aumento da complexidade do intercâmbio recíproco exigiu (e continua exigindo) uma estratégia adaptativa baseada em uma capacidade para predizer as condutas cada vez mais sofisticadas, ou seja, em uma consistente padronização das ações e das conseqüências do complicado atuar humano.

E aqui chegamos ás leis humanas - essa ferramenta cultural e institucional "cega", virtualmente neutra e com potencial capacidade vinculante para predizer e regular o comportamento humano -, qualquer que seja sua natureza ou grau de imperatividade. E parece razoável supor que, igual que sucede agora, em todas as sociedades humanas existiram de contínuo normas para disciplinar a titularidade e o exercício de direitos (ainda que estes fossem em ocasiões muito precários) por parte dos membros do grupo, para assegurar o cumprimento de deveres, para viabilizar a coesão social e ampliar o conhecimento social dos membros de nossa espécie, assim como para desenvolver nossa inata capacidade de resolver conflitos sociais sem necessidade de recorrer á agressividade.


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