O cérebro ético



Podemos educar para ser solidários? é ético nosso cérebro? Somos egoístas ou cooperadores? Responder a estas três perguntas implica , sobretudo, proceder uma análise - ainda que com caráter de generalidade - sobre as bases neuronais do comportamento social, moral e ético-jurídico. é o que trataremos de fazer ao longo deste artigo.


E começaremos recordando que o peso das adaptações filogenéticas no desenvolvimento da conduta moral do ser humano parece estar fora de qualquer discussão em toda teoria social normativa com traços de seriedade, coerência e consistência. A evolução da conduta moral não é apenas o resultado da adaptação ao meio ambiente material, tal como pressupôs Engels em ensaio publicado em 1876. Também implicou a seleção de atributos que determinaram o sucesso nas interações entre os membros da mesma espécie.

Em termos mais gerais, nossa capacidade ética e nosso comportamento moral (e jurídico- normativo) devem ser contemplados como um atributo do cérebro humano e, portanto, como um produto mais da evolução biológica e que está determinado pela presença (no ser humano) de três faculdades que são necessárias e, em conjunto, suficientes para que dita capacidade ou comportamento se produza: a de antecipar as conseqüências das ações; a de fazer juízos de valor e; a de eleger entre linhas de ações alternativas.

O desenvolvimento neurocognitivo do ser humano favoreceu o aparecimento de tais faculdades e, a partir delas, surgiu inevitavelmente a moralidade1 . Na advertência de Changeux, o cérebro é evidentemente a "base" da linguagem e da moral. E o ser humano é o único meio através do qual os valores chegam ao mundo2 . De fato, se se borrasse o conjunto de cérebros humanos da face da terra, a moral e o direito desapareceriam ao mesmo tempo. As normas e teorias jurídicas seguiriam plasmadas em livros guardados em estantes de bibliotecas abandonadas. Todas estas obras do gênio humano não teriam já a oportunidade de viver cada vez que uma mirada humana recai sobre elas. A moral e o direito não existem mais que no cérebro do homem ao que vai dirigido e que somente ele é capaz de produzir e compreender. Somente os cidadãos individuais têm direito ou sentido de justiça e bondade, e as têm precisamente em seu cérebro, na forma de representações plasmadas em suas conexões neuronais. O resto é mitologia.

De fato, toda nossa conduta, nossa cultura e nossa vida social, tudo quanto fazemos, pensamos e sentimos, depende de nosso cérebro. O cérebro é a sede de nossas idéias e emoções, de nossos temores e esperanças, do prazer e do sofrimento, da linguagem , da moral,do direito e da personalidade. Se em algum órgão se manifesta a natureza humana em todo o seu esplendor, é sem dúvida em nosso volumoso cérebro (Mosterín). Daí que Gazzaniga defenda a idéia de que poderia existir um conjunto universal de respostas biológicas aos dilemas morais, uma sorte de ética integrada no cérebro3 .


Assim que nosso comportamento, nossas sociedades, nossa cultura e nossas normas de conduta (éticas ou jurídicas) parecem ser a resposta que elaboramos, com os mecanismos psicológicos evolucionados de que dispomos, para solucionar os problemas relativos ás exigências e contingências de uma existência essencialmente grupal. E isto se dá graças a uma arquitetura cerebral que confirma a longínqua idéia de Konrad Lorenz, a saber: a existência de um imperativo biológico capaz de combinar respostas instintivas e códigos morais.

Nesse sentido, as transformações evolutivas do último período do gênero Homo modelaram a conduta moral primitiva e se serviram dela para a aparição de grupos cuja sobrevivência dependia sobremaneira da relação mútua entre o grau muito elevado de altruísmo/cooperação e a emergência de uma inigualável capacidade preditiva da conduta humana. E os subprodutos de tais estratégias (sócio-)adaptativas (nelas incluídas, por certo, o direito), baseadas na complexidade cognitiva e lingüística do ser humano, são o resultado da enorme riqueza de nossa insólita e complicada "inteligência social".

Ora, se damos por boa a afirmação anterior, chegamos a uma cadeia causal que justifica parte do processo de surgimento da moral e do direito. Tem que ver com a circunstância da evolução filogenética, fixada já em nossos antecessores do gênero Homo, de uns cérebros o bastante grandes e complexos como para sustentar a arquitetura cognitiva que nos permite realizar juízos avaliativos a respeito do comportamento humano.


Mas a obtenção induvidável durante a filogênese humana de uns cérebros maiores e complexos levanta desde logo um enigma. Dado que o tecido neuronal é o mais "custoso" em termos de necessidades biológicas e energéticas (Aiello & Wheeler), não se pode pensar que se conseguira de forma acidental. Devem existir benefícios importantes derivados da disposição de maiores cérebros. Mas, quais são estes benefícios? Em que consistem?

A resposta pode intentar buscar-se mediante a comparação das condutas filogeneticamente fixadas. Outras espécies de certa complexidade social resolvem suas necessidades adaptativas por outras vias. Durante a evolução dos seres vivos em nosso planeta apareceram ao menos quatro vezes os comportamentos altruístas extremos nas chamadas "espécies eusociales": os himenópteros (formigas, vespas, abelhas, térmitas), os camarões parasitários das anêmonas dos mares coralinos (Synalpheus regalis, Duffy), as ratas-topo peladas (Heterocephalus glaber, O'Riain, Jarvis, & Faulkes) e os primatas (com os humanos como melhor exemplo). Pois bem, nem os insetos sociais, nem as ratas-topo e nem os camarões parasitários dispõem de uma linguagem como a nossa.

Seus meios de comunicação podem ser muito complexos. As abelhas, por exemplo, efetuam um exercício de dança específico para transmitir informações sobre a localização e qualidade dos alimentos. Inclusive os animais da espécie mais próxima á humana, os chimpanzés, dispõem de uma variada gama de gestos, gritos e outras condutas para manifestar ou dissimular o medo e a agressividade, da mesma maneira com que manifestam certo sentido de justiça, mostram desejos de congraçar-se e mantêm relações sexuais complexas (de Waal)4 . Mas jamais fazem uso de uma linguagem de dupla articulação com estrutura sintática.

A linguagem, pois, pode ser considerada como a chave para rastrear benefícios adaptativos capazes de supor uma pressão adaptativa no sentido dos grandes cérebros dos seres humanos.


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