Cantar para subir - um estudo antropológico da música ritual no candomblé paulista



  1. A Estrutura do Rito
  2. A Estrutura Musical
  3. A Música no Contexto Ritual
  4. Conclusão
  5. Bibliografia

O candomblé, enquanto culto organizado. não remonta, em São Paulo, há mais de três ou quatro décadas. Marcado por um desenvolvimento particular, a partir dos processos migratórios ocorridos nesse período, o candomblé paulista surgiu como uma religião de possessão ao lado daquelas aqui já existentes, como o espiritismo Kardecista e as inúmeras variações da umbanda sulista.O processo de instalação e difusão do culto aos orixás na região de São Paulo caracterizou-se pelas influências e empréstimos entre as práticas espíritas em geral e da umbanda em particular, observável seja pelas semelhanças entre as estruturas rituais, seja pela visão mítica, formada por divindades comuns a ambos os cultos. Originou-se, assim, um culto cuja referência ás divindades africanas (os orixás) e ás divindades nacionais (caboclos, índios, boiadeiros, pretos-velhos), tornou-se comum, tanto nas regiões periféricas, as primeiras a localizarem os terreiros, como nas regiões mais centrais da área metropolitana. O termo "umbandomblé" com o qual se designa (comumente de modo pejorativo) esse tipo de culto, pode ser aplicado a um número significativo de terreiros paulistas atualmente em funcionamento. é bom lembrar, ainda, que o candomblé que aqui se instalou, vindo de localidades como Salvador, Recôncavo Baiano, Recife e Rio de Janeiro, não primava por um "purismo" de práticas rituais tal como se imagina quando idealmente o dividimos em "nações" como : Ketu, Angola, Jeje, além das denominações locais como "Xangô" em Pernambuco ou "Tambor de Mina" no Maranhão. Na verdade, ainda que todas essas "nações" estejam representadas em São Paulo, podemos supor que o processo de influências e empréstimos verificados aqui também é fenômeno característico do candomblé em seus locais de origem, como bem atesta o candomblé de caboclo, principalmente nos terreiros angola da Bahia. 

Estas referências tornam-se necessárias na medida em que o universo dos cultos afro-brasileiros, em seus múltiplos aspectos, manifesta-se empiricamente de tal forma integrado que uma classificação como a que iremos expor, privilegiando o ponto de vista musical, deve ser entendida como uma ordenação analítica possível, entre tantas outras. Do mesmo modo que (para o desespero dos pesquisadores desacostumados com a exceção) no candomblé vale mais o detalhe que, quebrando a regra, insinua um conhecimento que diferencia e ao mesmo tempo testemunha a vitalidade e importância da norma para o grupo. Se Oxum, a divindade das águas, sempre veste amarelo, come ipeté, dança de modo lento e dengoso ao som do ritmo ijexá e é saudada com a expressão "Ora ieieu!", uma fitinha azul arrematando sua saia dourada, um quitute inesperado entre as folhas de mamona do ipeté e uma certa agressividade no jeito de dançar sob as saudações efusivas de "Ora ieieu mi ka fiderioman" pode revelar a exceção que consubstancia a generalidade do estereótipo na riqueza de sua variação.

Assim, este trabalho, privilegiando a música ritual, ocupar-se-á de uma parcela de um todo integrado, tratando, principalmente, dos aspectos recorrentes. Faremos contudo, uma breve descrição do culto de forma a contextualizar previamente nossas afirmações sobre a música.

A Estrutura do Rito

A noção em que se baseia este trabalho é a de que o candomblé, uma religião iniciática e de possessão, apresenta dois momentos que, grosso modo, constituem as duas principais modalidades da expressão religiosa: as cerimônias privadas, ás quais têm acesso apenas os iniciados (entre elas os ebós, boris e orôs) e as cerimônias públicas (abertas ao público em geral) comumente denominadas "toques". Sem dúvida, a separação é sobretudo analítica e sua artificialidade se justifica pela tentativa de tornar a exposição o mais clara possível. De fato, as cerimônias privadas ou públicas podem se articular, constituindo uma unidade, como, por exemplo, num toque de saída de iaô.

  A- As cerimônias privadas da iniciação.

A sustentação social e religiosa do candomblé depende do fluxo renovado de iniciados que investem parte de seu tempo e seu trabalho para garantir a continuidade do grupo do terreiro e do conjunto de práticas que, somadas, constituem o arcabouço religioso do culto. A iniciação é, ainda, um forte elemento de coesão do grupo, já que todos os que passaram pelos rituais iniciáticos sabem das dificuldades, de todos os gêneros, que devem ser enfrentadas: financeiras, emocionais, psicológicas e sociais; da necessária força de vontade e humildade imprescindíveis para começar a nova vida, na qual uma nova personalidade será construída. Novo nome, novos hábitos, novas referências. Postura que se refletirá na vida cotidiana em casa, na rua, no trabalho ou mesmo no lazer. O iniciado assume um compromisso eterno com seu orixá e, ao mesmo tempo, com seu "pai" ou "mãe" de santo. Há uma nova família que se forja; novos vínculos de parentesco, que se pretendem mais significativos que os laços sanguíneos. Como dizem no candomblé um "irmão de folha é mais irmão que um irmão de sangue". Há uma nova estruturação do mundo que deverá ser aprendida por etapas e que começa no ato de "bolar", quando o indivíduo "morre" para a vida profana, iniciando o período do recolhimento, para renascer no dia de sua saída pública.


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